Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:045/17
Data do Acordão:01/31/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
PORTAGEM
APLICAÇÃO DA LEI MAIS FAVORÁVEL
Sumário:I - Tendo a sentença reduzido a coima aplicada para o seu montante mínimo, o montante mínimo que devia ter considerado não era o vigente à data da prática dos factos, antes o limite mínimo, mais favorável, introduzido pela Lei n.º 51/2015, pois que em matéria penal, como em matéria contra-ordenacional, vigora por imperativo constitucional e legal a regra da aplicação retroactiva da lei mais favorável – cfr. artigos 29.º, n.º 4 da CRP, 2.º, n.º 4 do Código Penal e 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 433/82, aplicável “ex vi” artigo 3.º, alínea b) do RGIT, aplicável “ex vi” artigo 18.º da Lei n.º 26/2006, de 30 de Junho) – daí que o facto de em causa nos autos estarem contra-ordenações praticadas em data anterior à da entrada em vigor da Lei nova não constitui obstáculo a essa aplicação se esta lei se revelar mais favorável, o que in casu manifestamente sucede.
II - Fixada pelo tribunal a quo a coima aplicada no mínimo legal, não se revela necessário que os autos baixem para nova graduação da coima, havendo apenas que substituir o limite mínimo aplicado na sentença pelo mínimo legal resultante do artigo 7.º da Lei n.º 51/2015, de 8 de Junho, que deu nova redacção ao n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 25/2006.
Nº Convencional:JSTA00070517
Nº do Documento:SA220180131045
Data de Entrada:01/16/2017
Recorrente:A...
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TTLISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:L 25/2006 ART5 ART7.
RGCO ART73.
L 51/2015 ART7.
CONST ART29 N4.
CP ART2 N4.
RGI ART3.
DL 433/82 ART3 N2.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A………….., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 14 de Outubro de 2015, que, no recurso de contra-ordenação que correu termos naquele Tribunal sob o n.º 1590/14.6BELRS, julgou parcialmente procedente o recurso interposto e reduziu a coima aplicada para o seu limite mínimo, que fixou no valor de €676,00.
O recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1.ª) Ao regime sancionatório decorrente do não pagamento ou pagamento viciado de taxas de portagem de infraestruturas rodoviárias previsto na Lei 25/2006, de 30 de Junho, apesar da referência expressa ao condutor nos seus artigos 10.º e 11.º, não exclui da sua previsão a responsabilidade pelas infrações os entes coletivos;
2.ª) O referido regime ao não prever expressamente esta última responsabilidade, tem de entender-se que remete para o regime subsidiário aplicável, o RGIT.
3.ª) Este último prevê a responsabilidade das pessoas coletivas ou equiparadas pelas infrações praticadas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse coletivo;
4.ª) O recorrente era, ao tempo dos factos, empregado de uma sociedade de transporte de mercadorias, prestando-lhe a atividade de motorista de pesados;
5.ª) A referida entidade eram quem tirava proveito da atividade do recorrente, agindo este por conta e no interesse desta;
6.ª) Pelo que, atuando o recorrente no quadro das funções para as quais o mesmo foi contratado pela dita sociedade comercial, somente esta poderá ser responsabilizada pela infração praticada;
7.ª) Outrossim, quando assim não se entenda quanto ao exposto nas conclusões anteriores, face à alteração introduzida no referido regime pela Lei 51/2015, de 8 de Junho, a qual modificou a norma do artº 7.º, n.º 1, dando-lhe um conteúdo mais favorável que a da anterior versão, há lugar à aplicação do princípio da lei mais favorável, pelo que o processo deve ser remetido à autoridade administrativa, a fim de esta reformular da decisão de aplicação de coima.
Nesta conformidade, a Mma. Juiz equivocou-se ao interpretar a norma sancionatória – art. 7.º, da Lei 25/2006, na redação anterior à vigência da Lei 51/2015 – como ali visado exclusivamente o condutor do veículo e somente o proprietário, pessoa singular ou coletiva, quando o não for, para identificar o condutor ou pagar voluntariamente a coima, dela excluindo assim os entes coletivos que, através, dos seus auxiliares, operam veículos, designadamente veículos de transportes, por sai conta e no seu interesse.
Ademais, e para o caso de não resultar excluída a responsabilidade do recorrente decorrente da infração, a remessa do processo à autoridade administrativa competente para o efeito para esta reformular a decisão cominatória da coima em função da aplicação da lei mais favorável.
Termos em que, revogando Vs. Ex.as a sentença recorrida e substituindo-a por outra que, julgando procedente o presente recurso, absolva o recorrente da responsabilidade contra-ordenacional que lhe foi assacada, ou caso assim não se entenda, a remessa do processo à autoridade administrativa competente para efeitos de aplicação da lei mais favorável ao arguido recorrente, assim decidindo farão vs. Ex.as a melhor JUSTIÇA.

2 - Respondeu o Ministério Público no Tribunal Tributário de Lisboa, concluindo nos termos seguintes:
1.º - Afigura-se que o presente recurso deve ser indeferido por inadmissibilidade legal, dado o valor da coima aplicada ser inferior a um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais;
2.º - Através da douta sentença de 14/10/2015, foi o arguido A…………., condenado pela prática de contra-ordenação prevista no artigo 5.º n.º 1 e 7.º da Lei 25/2006, na coima de 676,00€.
3.º - A Mª Juíza fundamentou a decisão, em síntese, por considerar no contexto dos autos e da prova produzida ser o condutor do veículo o responsável pela infracção.
4.º - Em sede de recurso entende o arguido que a Lei 25/2006, prevê a responsabilidade dos entes colectivos.
5.º - Alega que o arguido era na data da infracção trabalhador da sociedade, “Transportes B……….”, proprietária do veículo que aquele conduzia quando da prática da infracção, pelo que entende ser esta a responsável pela infracção cometida.
6.º - No caso dos autos a sociedade proprietária do veículo identificou, os condutores do veículo, designadamente o arguido como consta do ponto 5 dos factos provados da sentença.
7.º- Assim, estando identificada a pessoa física, que pilotava o veículo, afigura-se, não ocorrendo qualquer causa de exclusão da ilicitude, ser este o responsável pela prática da contra-ordenação, tal como foi decidido na douta sentença.
8.º - Pelo que o decidido na douta sentença, se encontra em consonância com as regras previstas nos arts. 7.º, 10.º, 14.º e 18.º da Lei 25/2006, 7.º n.º 1 e 4 do RGIT e 7.º do RGCO, ex vi art. 3.º b) do RGIT.
Assim sendo, entende-se que deve improceder o alegado pela recorrente, devendo a sentença recorrida manter-se, nos seus precisos termos.
Termos em que o presente recurso deverá ser julgado improcedente.
VV. Exªs porém, farão a devida JUSTIÇA.

3 – Por Acórdão de 15 de Novembro de 2017 – a fls. 180 a 187 dos autos – foi deferida parcialmente a Conferência do despacho da Relatora proferido nos presentes autos a fls. 161 a 165 e datado de 12 de Julho de 2017, que não admitiu o recurso, admitindo-o, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 73.º do RGCO, relativamente à questão da aplicação da lei mais favorável à determinação da sanção contraordenacional.

Haverá, pois, que conhecer do recurso com este estrito âmbito.

Foram dispensados os vistos legais, dada a simplicidade da questão

- Fundamentação –
4 – Matéria de facto
É do seguinte teor o probatório fixado na sentença recorrida:
1. No dia 06/01/2009, foi elaborado na Brisa – Auto-Estradas de Portugal, S.A., por C…………., agente de fiscalização, o auto de notícia que deu origem ao processo de contra-ordenação n.º 1481201406001424 – cfr. consta dos respectivos autos aqui em anexo.
2. O referido auto a que supra nos referiremos dá conta de que em 07/03/2012 pelas 8:47:48 o veículo da matrícula ……./……..) Tractor/Volvo/4, na A1, transpôs a barreira de portagem, através da via reservada a um sistema electrónico de cobrança de portagens, sem que o veículo em causa se encontrasse associado, por força de contrato de adesão, ao respectivo sistema, não tendo, em consequência procedido ao pagamento da taxa de portagem devida – cfr. fls. 2 dos autos.
3. O recorrente tomou conhecimento da situação supra por carta, dando-lhe conta da contra-ordenação de que vem acusado e prazo para querendo, efectuar o pagamento antecipado da coima ou apresentar defesa – tudo conforme fls. 5 dos autos.
4. Em 13/02/2014 o, aqui Recorrente, dirigiu-se ao Serviço de Finanças de Azambuja, a apresentar defesa, nos termos constantes do requerimento de fls. 7 e seguintes dos autos, juntou dois documentos (certidão permanente do registo automóvel para o veículo de matrícula ……… Marca Volvo e contrato de trabalho a termo resolutivo incerto) – cfr. fls. 6 e seguintes dos autos.
5. Em 26/02/2013 a sociedade “Transportadora B…………” dirigiu-se por carta à “Via Verde Portugal” a identificar os condutores, conforme afirma ter sido solicitado e pedido, um dos quais o Recorrente “A…………. Residente em ………… Aveiras de Baixo NIF


5 – Apreciando
5.1 Do limite mínimo da coima aplicável
A sentença recorrida julgou parcialmente procedente o recurso de contra-ordenação interposto pelo ora recorrente contra decisão de aplicação de coima pela prática de contra-ordenação prevista no n.º 1 do art. 5.º da Lei n.º 25/2006 de 30/06 – falta de pagamento da taxa de portagem – e punida pelo art.º 7.º do mesmo diploma legal, reduzindo a coima aplicada para o seu montante mínimo, que fixou no valor de €676,00.
O presente recurso foi admitido, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 73.º do RGCO, relativamente à questão da aplicação da lei mais favorável à determinação da sanção contraordenacional, havendo que o conhecer com este objecto restrito.
Alega a este propósito o recorrente que face à alteração introduzida no referido regime pela Lei 51/2015, de 8 de Junho, a qual modificou a norma do artº 7.º, n.º 1, dando-lhe um conteúdo mais favorável que a da anterior versão, há lugar à aplicação do princípio da lei mais favorável, pelo que o processo deve ser remetido à autoridade administrativa, a fim de esta reformular da decisão de aplicação de coima (cfr. conclusão 7.ª das suas alegações de recurso).
Ora, como se consignou no Acórdão da Conferência que admitiu parcialmente o recurso, a decisão recorrida, ao não ter considerado a alteração que a Lei n.º 51/2015 operou no quadro sancionatório instituído pela Lei n.º 25/2006 e ao ter fixado a coima no limite mínimo previsto na lei em vigor à data do facto (desconsiderando a redução de tal limite para 7,5 o valor da taxa introduzido pela Lei n.º 51/2015), contrariou orientação jurisprudencial superior já fixada, que mandou atender oficiosamente a tal alteração.
De facto, tendo a sentença reduzido a coima aplicada para o seu montante mínimo, o montante mínimo que devia ter considerado não era o vigente à data da prática dos factos (10 vezes o valor da taxa, ou seja € 676,00, como julgado), antes o limite mínimo, mais favorável, introduzido pela Lei n.º 51/2015 (7,5 vezes o valor da taxa, ou seja €507,00), aplicável retroactivamente, pois que em matéria penal, como em matéria contra-ordenacional, vigora por imperativo constitucional e legal a regra da aplicação retroactiva da lei mais favorável – cfr. artigos 29.º, n.º 4 da CRP, 2.º, n.º 4 do Código Penal e 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 433/82, aplicável “ex vi” artigo 3.º, alínea b) do RGI, aplicável “ex vi” artigo 18.º da Lei n.º 26/2006, de 30 de Junho) – daí que o facto de em causa nos autos estarem contra-ordenações praticadas em data anterior à da entrada em vigor da Lei nova não constitui obstáculo a essa aplicação se esta lei se revelar mais favorável, o que in casu manifestamente sucede.
Tendo a decisão de 1.ª instância fixado a coima no mínimo legal, não se revela necessário que os autos baixem para nova graduação da coima, havendo apenas que substituir o limite mínimo aplicado na sentença – € 676.00 – pelo mínimo legal resultante do artigo 7.º da Lei n.º 51/2015, de 8 de Junho, que deu nova redacção ao n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 25/2006, fixando-a em 7,5 o valor da taxa, ou seja, 507.00 €, o que se determina.
- Decisão –
6 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em, no provimento do recurso, revogar parcialmente a sentença recorrida, reduzindo a coima aplicada ao seu limite mínimo, fixado em 507,00 (7.5 vezes o valor da taxa)

Sem custas.

Lisboa, 31 de Janeiro de 2018. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Ascensão Lopes – Ana Paula Lobo.