Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0106/18
Data do Acordão:06/27/2018
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
FACTO
PRAZO
CONSERVAÇÃO
DOCUMENTOS
MAIS VALIAS
VENDA DE IMÓVEL
Sumário:I - O período de conservação dos documentos relativos às despesas suportadas com o imóvel não se inicia com o momento em que tais despesas foram feitas, mas com a data em que para efeitos de cálculo de mais valias resultantes da venda do imóvel se declara que tais despesas tiveram lugar, sendo, pois, as diversas situações de facto subjacentes a um e outro acórdão que determinaram as diversas soluções jurídicas indicadas que não estão em oposição porque se destinam a regular diversas situações fácticas.
II - Pelo que, não se mostram reunidos os pressupostos legais, art.º 284.º do Código de Processo e Procedimento Tributário, para que possa apreciar-se o mérito do recurso.
Nº Convencional:JSTA000P23458
Nº do Documento:SAP201806270106
Data de Entrada:02/07/2018
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS

Acórdão recorrido Tribunal Central Administrativo Sul - proc. n.º 163/15.0BEFUN 29 de Junho de 2017

Acórdão fundamentoSupremo Tribunal Administrativo - proc. n.º 026614 de Maio de 08 de Maio de 2002.

1.
A………………., por si e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta em nome de B……………… notificada do acórdão proferido no processo de impugnação nº 163/15.0BEFUN em 29 de Junho de 2017, que confirmou a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRS n.º 20145005399013, relativa ao ano de 2011, no valor de € 72.923,02, veio deduzir recurso com fundamento na oposição de acórdãos, nos termos do artº 280º nº 2 do CPPT, invocando oposição do ali decidido com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no proc. n.º 026614 em 08 de Maio de 2002., pelos fundamentos que se mostram sintetizados nas seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que negou provimento ao recurso interposto pela Recorrente contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRS n.º 2014 5005399013, referente ao ano de 2011.

B. No entender da Recorrente, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, ao ter feito uma apreciação e valoração inapropriada e incorreta dos factos e do direito aqui aplicáveis, e ao ter adotado uma solução jurídica contrária à que resultou do douto Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 8/5/2002, no Proc. n.º 26614, uma vez que:

C. o Tribunal a quo andou mal ao considerar que agiu bem a Administração Fiscal ao desconsiderar os custos suportados pela Recorrente, em 2002, com a construção do imóvel alienado, no montante de € 290.000,00, por não ter a Recorrente demonstrado nem comprovado tê-los suportado, quando notificada para os apresentar em 19/11/2015;

D. o Tribunal a quo errou ao considerar que cabia à Recorrente, nos termos n.º 1 do artigo 128 do CIRS, comprovar os elementos das declarações e apresentar os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e abatimentos e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando assim fosse exigido;

E. o Tribunal a quo andou mal ao entender que o artigo 128.º n.º 2 do CIRS não tinha aplicação ao caso concreto, uma vez que a Recorrente tinha a obrigação de manter e apresentar os custos suportados em 2002 com a construção do imóvel, mesmo após os quatro anos seguintes àquele a que respeitem os documentos;

F. o Tribunal a quo errou ao referir que a alusão ao prazo de quatro anos justifica-se pelo prazo de caducidade do direito a liquidar também de quatro anos;

G. o Tribunal a quo andou mal ao considerar que, enquanto a Autoridade Tributária poder corrigir o imposto de 2011, com observância do prazo de caducidade, cabe ao sujeito passivo comprovar o que alega e que quer ver refletido no apuramento do imposto que lhe diz respeito;

H. se demonstrou que a Recorrente declarou expressamente no Anexo G da declaração de IRS de substituição, do ano de 2011, apresentada em 09/04/2015, ter despendido o montante de € 290.000,00, com as obras de construção do imóvel alienado (facto assente 11);

I. se provou que as obras de construção do imóvel foram concluídas e vistoriadas em Dezembro de 2002 (Doc. 6 pi), tendo posteriormente dado origem ao alvará de utilização emitido pela Câmara Municipal de Machico em 11 de Dezembro de 2002 (Doc. 7 pi);

J. a declaração de IRS de substituição foi aceite e validada pela Administração Fiscal;

K. à data em que a Administração Fiscal iniciou a ação inspetiva, em 2014 (facto assente n.º 3), a Recorrente já não tinha qualquer obrigação de manter e apresentar os documentos comprovativos das despesas incorridas com a construção do imóvel;

L. nos termos do artigo 128.º do CIRS, a Recorrente apenas tinha a obrigação de guardar os documentos comprovativos da aquisição e construção do imóvel durante os quatro anos seguintes àquele a que respeitem os documentos, isto é, até 2006;

M. após 2006, não mais a Recorrente era obrigada a guardar os ditos documentos e, por conseguinte, a apresentá-los à Administração Fiscal;

N. a Administração Fiscal não podia ter desconsiderado o montante despendido pela Recorrente com a construção do imóvel e por ela declarado, na sua declaração de IRS de substituição, atento o princípio da presunção de verdade e boa-fé das suas declarações, previsto no n.º 1 do artigo 75.º da LGT;

O. não sendo legalmente exigível à Recorrente comprovar os elementos da declaração de IRS, não era também admissível à Administração Fiscal não considerar os factos por aquela declarados como verdadeiros, pois a Administração Fiscal não ilidiu a presunção de verdade e de boa-fé das declarações da Recorrente;

P. de acordo com o Acórdão do STA n.º 26614, de 8/5/2002, do artigo 128.º n.º 2 do CIRS resulta que a Administração Fiscal pode exigir os documentos comprovativos das despesas efetuadas, mas com um limite temporal (4 anos - 5 anos na redação à data dos factos), a partir do qual o contribuinte não poderá ser penalizado pela sua não apresentação;

Q. "( ... ) da não apresentação de tais documentos, exigidos ao contribuinte para além do prazo de cinco anos (em que era obrigado a guardá-las), não pode a AF extrair a consequência de que o Recorrente não fez prova dos custos, não considerando o valor declarado pelo impugnante, unicamente com base na não apresentação dos mesmos."- Acórdão do STA de 8/5/2002, Proc. n.º 26614;

R. (...) porque a AF deu como não provados os custos apenas pelo facto da sua não apresentação, sendo que já tinha decorrido o prazo de 5 anos para o impugnante manter os documentos comprovativos na sua posse, é óbvio que a conclusão retirada pela AF não corresponde àquilo que está vertido na lei- Acórdão do STA de 8/5/2002, Proc. n.º 26614;

S. o Tribunal a quo errou no seu julgamento, ao ter feito uma apreciação e valoração inapropriada e incorreta dos factos e do direito aqui aplicáveis, e ao ter adotado uma solução jurídica contrária à que resultou do douto Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 8/5/2002, no Proc. n.º 26614, solução essa que, a ter sido adotada, teria conduzido a uma decisão diversa da encontrada, designadamente, à procedência da impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRS n.º 2014 5005399013, referente ao ano de 2011.

Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso e com o douto suprimento de v. Exas., deve o douto Acórdão recorrido ser revogado, com todas as consequências legais.

2.
Admitido liminarmente o recurso não foram presentes contra-alegações pela recorrida, mas foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público, que considerou que não se mostram reunidos os pressupostos legais da admissibilidade do recurso que deve, pois, ser julgado findo.

Colhidos os vistos legais, impõe-se o conhecimento do recurso.

3.

O despacho de admissão liminar do recurso, com efeitos meramente ordenadores do rito processual não impede, nem dispensa a análise da verificação dos pressupostos legais da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, como impõe o artº 692º, n.º 3 do Código de Processo Civil e, que o artº 152º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos define pela necessidade de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento, e o artº 688º, n.º 1 do Código de Processo Civil, circunscreve ao domínio da mesma legislação, e, desde que a orientação perfilhada pela decisão recorrida não esteja de acordo com jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo – artº 152º, n.º 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos -.



4. Pressupostos da oposição de acórdãos

4.1 - Thema decidendum

Na decisão recorrida proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul - estava em causa, para o que aqui releva, «a apreciação da legalidade da liquidação adicional de IRS do ano de 2011 a qual gerou uma nota de cobrança no montante a pagar de € 72.923,02, (…) impondo-se definir:
(…) se a liquidação impugnada padece de erro nos pressupostos de facto, resultante da desconsideração do valor gasto nas obras de construção, para efeitos de determinação da mais-valia excluída de tributação.».


No acórdão fundamento proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo – foram enunciadas uma pluralidade de questões a decidir, entre elas:
- se só a fixação da matéria colectável por métodos indiciários é que carece de ser notificada, por só ela ser susceptível de reclamação para a comissão de revisão, nos termos do art. 84º, 1, do CPT.
- impõe-se agora saber se sim ou não a AF podia exigir os documentos relativos ao custo da construção do imóvel. E quais as consequências que decorrem para o contribuinte da não apresentação dos elementos que suportam tais custos.


4. 2 – Matéria de facto provada

Na decisão recorrida foi julgada provada a seguinte matéria de facto:
1. Em 21/09/2011, por documento intitulado "dação em cumprimento e renúncia", a ora Impugnante e marido deram em Dação em cumprimento ao …………………….., S.A., o prédio urbano destinado a comércio e habitação, ao sítio …………….., freguesia do Caniçal, Machico, inscrito na matriz sob o artigo 1652 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Machico, sob o número 195, freguesia do Caniçal [cfr. doc. n.º 4 junto à pi.].

2. Em 22/05/2012, a Impugnante apresentou declaração de rendimentos Modelo 3 do ano de 2011, sem que tivesse apresentado o Anexo G [cfr. doc. 5 junto à pi.].

3. A Impugnante e marido foram sujeitos a inspeção tributária, na sequência de Ordem de Serviço n.º 01201400325 de 30/06/2014, de âmbito parcial, IRS para o ano de 2011, pelo facto de os sujeitos passivos, no ano de 2011, terem alienado um prédio urbano pelo valor global de € 371.000,00, não tendo declarado estes rendimentos da categoria "G" na declaração modelo 3 de IRS do ano de 2011.

4. Em 15/10/2014 foi elaborado, no âmbito da inspeção tributária, o "Projeto de Correções do Relatório de Inspeção" [cfr. doc. 5 junto à pi.].

5. O "Projeto de Correções do Relatório de Inspeção" a que se refere o número anterior foi notificado à Impugnante pelo oficio n. º11.020 de 20/10/2014, que sobre ele não se pronunciou [cfr. doc. 2 junto à pi.].

6. Em 07/11/2014 foi elaborado "Relatório" de inspeção tributária, tendo recaído sobre o mesmo despacho de concordância do Diretor de Serviços da Inspeção Tributária, datado de 10/11/2014 [cfr. documento constante do processo administrativo apenso].

7. Do "Relatório" de inspeção tributária consta, designadamente, o seguinte: (...)
I11-2. Análise aos elementos
O prédio urbano, localizado ao sítio ……………, freguesia do Caniçal, concelho de Machico, foi adquirido da seguinte forma:
No ano de 1997, foi entregue no serviço de Finanças de Machico, a declaração para inscrição na matriz do prédio urbano, o qual foi avaliado no dia 11 de Outubro de 1997 e inscrito na matriz urbana sob o artigo n. 21652, tendo sido atribuído o valor patrimonial de € 57.461.52.
O referido imóvel foi alienado no dia 2011-09-21, pelo preço global de € 371.000,00. A importância recebida foi no mesmo auto utilizadas para pagamento da dívida ao "……………………….. SA" no total de € 371.000,00, conforme escritura lavrada no Cartório Notarial do Funchal, de ………………
Nos termos do artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), os ganhos obtidos na alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, estão sujeitos a Mais-valias, rendimentos da categoria G.
Nos termos do artigo 45.º do código do IRS o valor a considerar na aquisição é aquele que haja sido considerado para efeitos de liquidação do imposto de selo/Sisa.
O valor de aquisição do prédio urbano será actualizado, conforme portaria 282/11 de 21 de Outubro, artigo 50.º do CIRS e segundo o quadro seguinte:

Elementos para cálculo das Mais-Valias - Rendimentos da categoria G

PrédiosData aquisiçãoValor aquisiçãoCOEF. Act.Valor aquisição Actualizado
U - 16521997-1057.461,521,3979.871,51

Nos termos do n.º 2 do artigo 43.º do código do IRS os ganhos obtidos pelas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis efetuados por residentes são apenas consideradas em 50% do seu valor.
Assim, o rendimento a considerar é de € 145.564,24 conforme os cálculos seguintes:
Mais-Valia = Valor de Realização - [(Valor aquisição x coeficiente) + Despesas e encargos] Mais-Valia: = 371.000,00 - [(79.871,51)] = 291.128,48
Rendimento a considerar para determinação de taxas: 50% da Mais-Valia
Rendimento para determinação de taxas
Mais-Valia= 291.128,48 x 50% = € 145.564,24
Os elementos a declarar no anexo "G", omitido na declaração 2798-2011-J0131-17 são os constantes no quadro seguinte:

Artigo
Prédios
Realização
Aquisição
DataValorDataValor
1652Urbano2011-09371.000,001997-1057.461,52
( ... )

8. Por ofício n.º 12.068 de 13/11/2014, foi remetido à Impugnante o "Relatório" a que se alude no n.º anterior, com os "motivos e fundamentos" que sustentam as correções resultantes da ação de inspeção, com um rendimento alterado/apurado de € 217.182.47 para o ano de 2011 [cfr. documento constante do processo administrativo apenso, junto aos autos com a contestação].

9. O oficio n.º 12.068 de 13/11/2014 foi remetido à Impugnante para a Rua …………… n.º ……….., ……….., 9200-………. Machico, mediante carta registada com aviso de receção, tendo o aviso de receção sido assinado pelo destinatário "A…………….." em 24/11/2014 [cfr. documento constante do processo administrativo apenso junto aos autos com a contestação, fls. 17, não impugnado].

10. Por invólucro-mensagem, remetido sob registo, a Impugnante foi notificada da liquidação n.º 20145005399013 de 05/12/2014, relativa a IRS do ano de 2011. [cfr. doc. 1 junto à pi.].

11. Em 09/04/2015, a Impugnante apresentou declaração de substituição do ano de 2011, tendo apresentado o Anexo G do qual consta, entre o mais, o seguinte:


Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis
Despesas
e encargos
Realização
Aquisição
AnoMês ValorAnoMêsValor
201109371.000,0019971057.461,52290.000,00
[cfr. doc. 5 junto à pi.].

12. Em 20/04/2015 deu entrada neste Tribunal a petição dos presentes autos.

13. Em 07/09/2015, a declaração de substituição apresentada foi convolada em reclamação graciosa. [cfr. fls. 40 a 70 do processo instrutor junto aos autos com a contestação].

14. Por oficio 3675 de 08/10/2015, por carta registada com aviso de receção, foi enviada notificação à Impugnante, com o seguinte teor:
"Dado V. Ex.ª ter entregue declaração de substituição de IRS, mod 3 referente ao ano de 2011 fora do prazo legal de entrega em mais de 30 dias, a mesma não produz efeitos imediatos, carecendo de análise por este Serviço de Finanças. Assim, em virtude do disposto na subalínea II da alínea b) do n.º 3 do art. 59.° do CPPT, deve para este efeito dirigir-se a este Serviço de Finanças no prazo de 10 dias". [cfr. fls. 62 do processo instrutor junto aos autos com a contestação].

15. Por o aviso de receção não ter sido assinado, por ofício 3675 de 08/10/2015, foi enviada segunda notificação à Impugnante, cujo aviso de receção foi por esta assinado em 15/10/2015. [cfr. fls. 68 e 69 do processo instrutor junto aos autos com a contestação].

16. Por ofício n.º 4105 de 11/11/2015, remetido à Impugnante por carta registada com aviso de receção assinado em 19/11/2015, foi a mesma notificada da convolação da declaração de IRS do ano de 2011 apresentada em 09/04/2015 em reclamação graciosa e ainda para "no prazo de 10 dias (...) apresentar os documentos que serviram de base ao preenchimento da respetiva declaração, nomeadamente as Despesas e Encargos indicados no quadro 4 campo 401 do anexo G". [cfr. fls. 70 do processo instrutor junto aos autos com a contestação].

Factos não provados:
A Impugnante não juntou qualquer documento justificativo das despesas alegadamente tidas com a construção do imóvel em causa nestes autos.

******

4. 4 – Decisões jurídicas em confronto

· Na decisão recorrida decidiu-se o seguinte:
«(…) apreciar se a sentença errou, ou não, na conclusão a que chegou no sentido da legalidade da liquidação de IRS impugnada, ou seja, no sentido de que a AT actuou correctamente ao emitir tal liquidação, tendo por base as mais-valias geradas em 2011, considerando os seguintes factos, datas e montantes:

- data da realização: 2011/09;

- valor de realização: €371.000,00

- valor de aquisição: € 57.461,52

- data da aquisição: 1997/10

De notar, como bem se percebe do teor do recurso jurisdicional (na senda, aliás, daquilo que já se defendia na petição inicial) que a pedra de toque da discordância da Recorrente com o decidido passa pelo entendimento do Tribunal a quo que não aceitou a tese da Autora no sentido de que: “à data em que a Administração Fiscal iniciou a ação inspetiva (2014), a Recorrente já não tinha qualquer obrigação de manter e apresentar os documentos comprovativos daquelas despesas e encargos incorridos em 2002”; que “nos termos do artigo 128.º do CIRS, a Recorrente apenas tinha a obrigação de guardar os documentos comprovativos da aquisição e construção do imóvel durante os quatro anos seguintes àquele a que respeitem os documentos, isto é, até 2006”; que “após 2006, não mais a Recorrente era obrigada a guardar os ditos documentos e, por conseguinte, a apresentá-los à Administração Fiscal; a Administração Fiscal não podia ter desconsiderado as despesas e encargos declarados pela Recorrente na sua declaração de IRS de substituição, atento o princípio da presunção de verdade e boa-fé das suas declarações, previsto no n.º 1 do artigo 75.º da LGT; não sendo legalmente exigível à Recorrente comprovar os elementos da declaração de IRS, não era também admissível à Administração Fiscal não considerar os factos por aquela declarados como verdadeiros , pois a Administração Fiscal não ilidiu a presunção de verdade e de boa-fé das declarações da Recorrente”.

Era assim, com base neste entendimento sobre a não obrigatoriedade de conservação dos documentos por mais de 4 anos, que a Impugnante pretendia fazer valer que à AT não restava alternativa que não a de aceitar as despesas e encargos com o imóvel em causa, nos exactos termos afirmados na declaração de substituição, o que mais não traduziria – na perspectiva da impugnante - que a aplicação prática da presunção de verdade e de boa-fé das declarações dos contribuintes.

Saliente-se que na petição inicial de impugnação judicial, a impugnante expressamente aceita os dados tomados em consideração pela AT, quer quanto às datas de aquisição e realização, quer quanto aos montantes envolvidos de € 57.461,52 e de € 371.000,00, respectivamente (cfr. artigos 27º e 28º da p.i). O que sustenta a discordância com a correcção efectuada prende-se unicamente com a não consideração das despesas e encargos, no montante de € 290.000,00, expressamente declaradas na declaração de substituição apresentada.

(…) No cálculo da mais-valia imobiliária atende-se, essencialmente, à diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição – tomando-se ainda em conta as despesas inerentes à alienação (artigo 51.º, al. a) CIRS), correção monetária do valor de aquisição (artigo 50.º CIRS) e encargos com a valorização dos bens (artigo 51.º, al. a), CIRS). A lei contém definições precisas do que são estes valores.

(…) Ora, efetivamente, tal como defende a Fazenda Pública e também é admitido pela Impugnante, nenhum documento foi junto aos autos que permita que se dê como provada tal factualidade, isto é, que houve custos efetivamente incorridos com tais obras (designadamente faturas referentes ao contrato de empreitada, cópias de cheques e recibos que comprovassem os pagamentos efetuados pela Impugnante ao prestador de serviços que realizou as obras no imóvel, etc.).

Contudo, defende a Impugnante que apenas tinha a obrigação de guardar tais elementos desde a data da obra, 2002, até 2006. E que não podem ser exigidos posteriormente, pelo que a AT haveria de considera-los apenas com base da declaração de substituição que apresentou, a qual se presume de boa-fé.

A lei é clara ao exigir que o contribuinte demonstre, inequivocamente, as despesas em que incorreu. A comprovação dos custos de construção, que a Impugnante pretende ver acrescidos ao valor de aquisição, recai sobre o sujeito passivo, pois que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoque (cfr. artigo 74.º, n º 1 da LGT e 342.º, n.º 1 do Código Civil).

De resto, em matéria de obrigação de comprovar os elementos das declarações estabelece o CIRS, no artigo 128.º, que as pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo que lhes for fixado, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e abatimentos e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Direcção-Geral dos Impostos os exija.

É certo que o n.º 2 de tal artigo refere que “a obrigação estabelecida no número anterior mantém-se durante os quatro anos seguintes àquele a que respeitem os documentos”. Contudo, a obrigação a que se refere este artigo tem patentemente a ver com o prazo de caducidade da liquidação, problema que se não põe nos autos. É que passado esse prazo, o contribuinte não tem evidentemente o dever de apresentar os documentos em causa.

Todavia, no caso dos autos, isso não dispensa o contribuinte de fazer a prova do alegado perante a AT, porquanto se trata de factos constitutivos do direito que alega. Note-se que a correção foi levada a cabo pela omissão do próprio contribuinte, a incorreção da declaração apresentada afirmada pelo próprio.

A invocação do n.º 2 do artigo 128.º do CIRS não esgota, nem, por isso, resolve, a se, a questão posta nos autos, havendo que considerar, nos preditos termos, outros parâmetros.

A Impugnante limita-se a alegar que já não dispõe dos documentos pertinentes, mas nem sequer demonstra que tenha feito algum esforço ou diligência no sentido de os obter. As obras alegadamente levadas a cabo são vultuosas e certamente envolveram contrato(s) de empreitada, pagamentos em cheques, etc. Tudo demonstrável através da escrita de terceiros e dos bancos - cfr. aliás o artigo 432.º do Código de Processo Civil.

Assim, não logrando a Impugnante demonstrar os custos de construção, como lhe competia, impõe-se concluir que bem andou a Administração Tributária quando os desconsiderou”.»

No acórdão fundamento decidiu-se:

(…) Na verdade, impõe-se agora saber se sim ou não a AF podia exigir os documentos relativos ao custo da construção do imóvel. E quais as consequências que decorrem para o contribuinte da não apresentação dos elementos que suportam tais custos.

Que pode exigir os documentos comprovativos dos custos é incontroverso, como se verá.

Mas ver-se-á igualmente depois as consequências dessa não apresentação, se pedidos os documentos depois de decorrido determinado prazo.

Avancemos então.

Dispunha o art. 44º, 3, do CIRS (hoje art. 46º):

"O valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele".

Está assim certa a asserção constante a conclusão 3ª das alegações de recurso.

Mas estará certa a conclusão 4ª quando o recorrente diz que "In casu, sendo o maior dos dois valores, o patrimonial inscrito na matriz, dada a ausência de comprovativos daqueles custos..."?

Que o recorrente não justificou os custos, é verdade.

Mas será possível extrair a ilação daí tirada pelo recorrente?

Dispunha o art. 119º, do CIRS (hoje art. 128º):

"1. As pessoas sujeitas a IRS deverão apresentar, no prazo que lhes for fixado, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e abatimentos e de outros factos ou situações mencionadas na respectiva declaração, quando a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos os exija.

"2. A obrigação estabelecida no número anterior mantém-se durante os cinco anos seguintes àquele a que respeitem os documentos...".

Pois bem.

Deste normativo legal resulta que a AF pode exigir os documentos comprovativos das despesas efectuadas, mas com um limite temporal (5 anos), a partir do qual o contribuinte não poderá ser penalizado pela sua não apresentação.

Se confrontarmos o probatório, logo vemos que a exigência da AF junto do contribuinte para que este procedesse à exibição dos documentos comprovativos dos custos da construção do imóvel ocorreu para lá do prazo de 5 anos, previsto no n.º 2 daquele artigo.

O impugnante, ora recorrido, não os apresentou, a pretexto de os ter já destruído.

Como resulta da lei - e já acima se referiu - o recorrente não é obrigado a guardar os documentos por mais de 5 anos.

E não sendo obrigado a guardá-los não pode ser penalizado pela eventual destruição dos mesmos.

E daí decorre que da não apresentação de tais documentos, exigidos ao contribuinte para além do prazo de cinco anos (em que era obrigado a guardá-los), não pode a AF extrair a consequência de que o impugnante não fez prova dos custos, não considerando o valor declarado pelo impugnante, unicamente com base na não apresentação dos mesmos.

Se a AF tinha ou não outros mecanismos legais para corrigir o valor declarado é ponto que não interessa agora abordar por não ter sido trazido à consideração do Tribunal.

Isto porque o que aqui está unicamente em causa é a consequência da não apresentação dos documentos. E não outra qualquer questão.

Assim sendo, e porque a AF deu como não provados os custos apenas pelo facto da sua não apresentação, sendo que já tinha decorrido o prazo de 5 anos para o impugnante manter os documentos comprovativos na sua posse, é óbvio que a conclusão retirada pela AF não corresponde àquilo que está vertido na lei.

Daí que a liquidação impugnada está eivada de vício de violação de lei...».

A análise das concretas situações em causa no acórdão recorrido e fundamento tornam claro que estamos perante duas diversas questões e soluções jurídicas impedindo, pois, a oposição de julgados.

No acórdão fundamento estava em causa o IRS de 1994, em especial o valor constante do anexo G relativo a mais-valias obtidas com a venda de um imóvel em 1993 que havia sido autoconstruído pelo impugnante.

No acórdão recorrido está em causa o IRS de 2012, em especial o valor constante do anexo G relativo a mais-valias obtidas com a venda de um imóvel em 2011.

Em ambas as situações os contribuintes divergem da Administração Tributária quanto às despesas e encargos que suportaram com o imóvel que venderam e que entendem devem ser tidos em conta no cálculo das mais-valias.

Mas, enquanto no acórdão fundamento os documentos comprovativos das despesas suportadas com o imóvel foram solicitados no ano 2000, isto é, 6 anos decorridos da data de liquidação do imposto - IRS de 1994 -, no acórdão recorrido essa solicitação foi feita em 2015, ou seja, dentro do prazo de caducidade de liquidação do imposto.

O período de conservação dos documentos relativos às despesas suportadas com o imóvel não se inicia com o momento em que tais despesas foram feitas, mas com a data em que para efeitos de cálculo de mais valias resultantes da venda do imóvel se declara que tais despesas tiveram lugar, sendo, pois, as diversas situações de facto subjacentes a um e outro acórdão que determinaram as diversas soluções jurídicas indicadas que não estão em oposição porque se destinam a regular diversas situações fácticas.

Não se mostram reunidos os pressupostos legais, art.º 284.º do Código de Processo e Procedimento Tributário, para que possa apreciar-se o mérito do recurso, como bem entendeu o Magistrado do Ministério Público.

Deliberação:

Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em julgar findo o recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 27 de Junho de 2018. - Ana Paula da Fonseca Lobo (relatora) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - António José Pimpão - Dulce Manuel da Conceição Neto – José da Ascensão Nunes Lopes - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Pedro Manuel Dias Delgado.