Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0581/13
Data do Acordão:06/26/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE DE SENTENÇA
Sumário:Há omissão de pronúncia se a sentença recorrida julga improcedente a oposição sem ter feito qualquer referência à falta de culpa do revertido na insuficiência do património da devedora originária, que é um dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, nos termos do art. 24º da LGT, tendo essa questão sido suscitada quer pelo recorrente nas alegações quer pela Fazenda Pública na contestação, com a consequente nulidade da sentença (art. 668º, nº 1, alínea d), do CPC).
Nº Convencional:JSTA000P16018
Nº do Documento:SA2201306260581
Data de Entrada:04/15/2013
Recorrente:A.........
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I-RELATÓRIO

1. A…………, identificado nos autos, executado revertido no processo de execução fiscal nº. 1880-2002/01035568 e apensos, do Serviço de Finanças de Santo Tirso, Amarante, por dívidas de IVA, IRS e IRC e coimas, no valor global de € 112.561,37, em que é executada “B…………, Lda.”, também identificada nos autos, deduziu oposição ao processo de execução fiscal, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou a oposição improcedente.

2. Não se conformando, o executado veio interpor recurso para este STA, apresentando as seguintes conclusões das suas alegações:
“1 - A sentença proferida não deverá manter-se por aplicar incorrectamente a Lei ao caso em apreço;
2 - A sentença proferida é absolutamente omissa quanto á ausência de CULPA do Revertido;
3 - E tal questão está implícita da Oposição deduzida pelo Recorrente ao alegar nunca ter exercido a gerência de facto da sociedade devedora directa, não tendo nunca entrado nas instalações da sociedade devedora directa, não a ter representado em quaisquer actos ou negócios jurídicos, não ter feito compras nem vendas em seu nome, não ter organizado a sua produção ou dado ordens a trabalhadores e não ter subscrito quaisquer contratos, ou títulos de crédito da sociedade, nomeadamente saques, aceites, endossos de letras ou livranças, nem de cheques ou quaisquer outros documentos;
4 - Ora, ao alegar tudo isso é claro que está implícito não ter culpa pela insuficiência do património societário.
5 - E no despacho de reversão do Serviço de Finanças nada foi referido sobre a culpa do Recorrente pela insuficiência do património societário, logo, não se mostrou fundamentado nem de facto nem de direito em clara violação do art. 77° da LGT.
6 - Tendo de ter-se ainda em conta que na determinação da culpa do responsável subsidiário não poder descurar-se a incúria e falta de zelo do credor tributário na realização das diligências necessárias à satisfação dos seus créditos.
7 - Segundo o acórdão Tribunal Central Administrativo Norte, de 21.02.2008 (in www.dgsi.pt), “desde que demonstrada a falta de um dos requisitos de responsabilização subsidiária daí decorrerá como lógica consequência a ilegitimidade do responsável com a consequente extinção da instância”.
8 - A administração tributária não rebateu a ausência de culpa por parte do Recorrente nem a insuficiência do património para a liquidação dos impostos em causa.
9 - E competia-lhe fazer tal prova o que não se verificou.
10 - A sentença proferida é omissa quanto à falta de culpa do Recorrente.
Termos em que deve a sentença proferida deve ser revogada com as legais consequências.
ASSIM SERÁ FEITA JUSTIÇA.

3. Não houve contra-alegações.

4. O Magistrado do Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal, pronunciou-se no sentido de o recurso ser de improceder

5. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II-FUNDAMENTOS

1- DE FACTO
A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
“A) O Serviço de Finanças de Santo Tirso reverteu contra o oponente o PEF n.° 1880-2002/0105568 e apensos, instauradas contra a executada originária, por dívidas de IVA, IRS, IRC e coimas de 2000 a 2007, cujas data limite de pagamento voluntário ocorreram entre 30/5/2002 e 17/9/2008 (fls. 14 a 27).
B) O oponente é o único sócio da executada originária desde 18/2/1999 (fls. 17, 18 e 76 e seguintes).
C) O oponente é o único gerente nomeado da executada originária desde 18/2/1999 (fls. 17, 18 e 76 e seguintes).
D) Desde l8/2/1999 que a executada originária vincula-se pela assinatura do gerente nomeado A…………, ora oponente (fls. 17, 18 e 76 e seguintes).
E) O oponente identificou-se na administração tributária como legal representante da executada originária (fls. 76 e seguintes).
F) O oponente assinou as declarações de alterações dos elementos de identificação fiscal da executada originária (fls. 76 e seguintes).
G) O oponente assinou a ficha de assinatura da conta bancária que a executada originária tinha no Banco Espírito Santo, SA (BES) (fls. 116, 117 e 132).
H) Essa conta foi movimentada até 26/7/2006 e a sua titular era representada exclusivamente pelo oponente (fls. 116, 117 e 132).
Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga não provado:
1) O executado nunca exerceu a gerência de facto da executada originária.
2) O executado nunca entrou nas instalações da sociedade executada originária.
3) O executado nunca a representou em quaisquer actos ou negócios jurídicos (fls. 76 e seguintes, 116, 117 e 132).
4) Nunca fez compras nem vendas em seu nome.
5) Nunca organizou a sua produção nem deu ordens a trabalhadores.
6) Nunca subscreveu quaisquer contratos, ou títulos de crédito da sociedade, nomeadamente saques, aceites, endossos de letras ou livranças, nem de cheques ou quaisquer outros documentos”.

2- DE DIREITO

2.1. Das questões a apreciar e decidir
Vem o presente recurso interposto da sentença proferida, em 28/9/2010, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou improcedente a oposição deduzida por A…………, executado revertido no processo de execução fiscal nº 1880-2002/01035568 e apensos, instaurado contra a executada originária, por dívidas de IVA, IRS, IRC e coimas de 2000 a 2007, cuja data de pagamento voluntário ocorreram entre 30/5/2002 e 17/9/2008.
Para tanto ponderou o Mmº Juiz “a quo”, entre o mais, que
· “(…) A administração tributária tem que provar os pressupostos da reversão, designadamente que o oponente exerceu a gerência de facto no período a que respeita a divida.
· “Por sua vez, o oponente tem que fazer prova do contrário, que não exerceu a gerência da sociedade sua representada.
· “No caso em apreço, conforme resulta da fundamentação da matéria de facto, a administração tributária provou que o oponente exerce a gerência efectiva da executada originária desde 18/2/1999, porquanto carreou para os autos prova objectiva que conjugada com as regras da experiência convenceu o tribunal que o oponente exerceu essas funções.
· “Sendo o oponente o único sócio e gerente da executada originária e a única pessoa com poderes para a vincular ele era o único interessado no destino da executada originária.
· “Tendo ele praticado alguns actos que a vinculavam, assinando as declarações tributárias e movimentando pelo menos a conta bancária que a executada originária tinha no BES e tendo a executada originária actividade comercial desde 2000 até, pelo menos, 2007, não se consegue compreender, face às regras da experiência como é que a executada originária exerceu a sua actividade sem a intervenção do seu único representante legal.
· “Por isso, face às regras da experiência e aos documentos juntos aos autos o tribunal ficou convencido que o oponente exerce de facto as funções de gerente da executada originária desde 18/2/1999 (…)”.
Contra este entendimento se insurge o recorrente argumentando, em síntese:
- a “sentença proferida é absolutamente omissa quanto à ausência de CULPA do Revertido” sendo que a questão “está implícita da Oposição deduzida pelo Recorrente ao alegar nunca ter exercido a gerência de facto da sociedade devedora directa”.
Por outro lado, alega também que:
-“A administração tributária não rebateu a ausência de culpa por parte do Recorrente nem a insuficiência do património para a liquidação dos impostos em causa”, “(…)” e “competia-lhe fazer tal prova o que não se verificou”, e, ainda, que:
- o despacho de reversão não se mostra fundamentado nem de facto nem de direito, com clara violação do art. 77º da LGT.
Acontece que na petição inicial, o recorrente não fez qualquer referência no que respeita à falta de fundamentação do despacho de reversão.
Ora, como é sabido, “o recurso jurisdicional constitui um meio de impugnação da decisão judicial com vista à sua alteração ou anulação pelo tribunal superior após reexame da matéria de facto e/ou de direito nela apreciada, correspondendo, assim, a um pedido de revisão da legalidade da decisão com fundamento nos erros e vícios de que padeça. O recurso jurisdicional visa apenas o reexame da decisão recorrida com vista à sua eventual anulação ou revogação, motivo por que não constitui forma de conhecer de questões novas, isto é, que não tenham sido oportunamente suscitadas perante o tribunal ad quem, salvo sempre o dever de conhecimento oficioso” (Cfr. o Acórdão do STA de 23/2/2012, proc nº 01153/2012. No mesmo sentido, cfr., entre outros, o Acórdão de 1/6/2005, proc nº 028/05. ).
Assim sendo, por não ter sido invocada oportunamente aquela questão, de modo a permitir que o Tribunal “a quo” se tivesse pronunciado sobre a mesma, e porque não se trata de questão de conhecimento oficioso, não poderia de qualquer modo agora este Supremo Tribunal Administrativo dela conhecer.
Em face das conclusões, que são as relevantes para aferir do objecto e âmbito do recurso [cfr. os arts. 684º, nº 3, e 685º-A/1, do CPC, e o art. 2º alínea e), do CPPT], o objecto do presente recurso consiste em averiguar se a sentença recorrida:
a) incorreu em erro de julgamento quando decidiu pela improcedência da oposição;
b) se procede a alegada omissão de pronúncia.

3. Da questão prévia da omissão de pronúncia

Como resulta do probatório, os factos tributários em apreço ocorreram entre 2000 e 2009, sendo aplicável o regime da LGT, cujo art. 24º, nº 1, alínea a), dispõe que:
“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação”.
Em anotação ao referido preceito, DIOGO LEITE CAMPOS (Cfr. Lei Geral Tributária, 4ª ed., Encontro da escrita, 2012, pp. 236-37.) e outros, ponderam que “(…) a LGT limita a inversão do ónus da prova da culpa do não pagamento das dívidas vencidas no período do exercício de funções. Mas alarga a responsabilidade subsidiária, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 24º, ao estabelecer que serão responsáveis aqueles em relação aos quais a administração fiscal prove que foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação das dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste.
Segundo a melhor interpretação da alínea a), desde que a Administração Fiscal prove a culpa do gerente na insuficiência do património social, o gerente ou administrador é responsável pelas dívidas cujo facto gerador se verifique no período de exercício do cargo, mas que não se vencerão nesse período, pois, caso contrário, estaríamos no âmbito da alínea b). Estariam aqui compreendidas as dívidas cujo facto gerador ocorreu enquanto o gerente ou administrador exercia funções, mas que se venceram quando o gerente ou administrador já não exercia essas funções”.
Como ficou dito, alega o recorrente que, no caso dos autos, a sentença recorrida é omissa quanto à falta de culpa do recorrente.
Por sua vez, no despacho de sustentação de fls. 202, o Mmº Juiz “a quo” indeferiu a invocada nulidade por omissão de pronúncia porquanto “o recorrente na petição inicial não invocou qualquer ausência de culpa sua enquanto fundamento de ilegalidade do despacho de reversão ou da sua falta de responsabilidade pelo pagamento das dívidas exequendas, nos termos do art. 24º, nº 1, alínea b), da LGT.”
Contra este modo de ver as coisas se insurge o recorrente argumentando, recorde-se, que “(…) ao alegar nunca ter exercido a gerência de facto da sociedade devedora directa, não tendo nunca entrado nas instalações da sociedade devedora directa, não a ter representado em quaisquer actos ou negócios jurídicos, não ter feito compras nem vendas em seu nome, não ter organizado a sua produção ou dado ordens a trabalhadores e não ter subscrito quaisquer contratos, ou títulos de crédito da sociedade, nomeadamente saques, aceites, endossos de letras ou livranças, nem de cheques ou quaisquer outros documentos, (…) está implícito não ter culpa pela insuficiência do património societário”.
Ao alegado acresce que, nas alegações de fls. 155 a 158, o recorrente depois de reproduzir o art. 24º da LGT, e de sublinhar o inciso “quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a sua satisfação (…)” acrescenta que “não foi provada qualquer culpa do Oponente” .
E, na conclusão nº 7, o recorrente volta a sublinhar que “não foi provada qualquer culpa do oponente na insuficiência do património da sociedade devedora, conforme se estabelece no artigo 24º da Lei Geral Tributária”.
Por outro lado, na Contestação, também a Fazenda Pública invoca, entre o mais, que:
- “(…) o recorrente não logrou demonstrar que tenha efectuado qualquer diligência para conservar o património da executada, ou tenha diligenciado no cumprimento das obrigações tributárias (ponto nº 24);
- “(…) O ora oponente era gerente da sociedade originária devedora na data em que terminou o prazo legal de pagamento das dívidas, a serem cobradas, coercivamente, no processo de execução fiscal…” ( ponto 26);
- “Assim, e da análise à alínea b) do nº 1 do art. 24º da LGT, verifica-se que esta encerram em si mesma, uma presunção de culpa do gerente pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento tenha terminado no período de exercício do seu cargo, cabendo-lhe provar, por forma a ilidir tal presunção, que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação das referidas dívidas” (ponto 27);
-“Do que vai dito, resulta que o oponente não conseguiu demonstrar a falta de ingerência na sociedade devedora originária e assim afastar a sua responsabilidade, subsidiária, pelas dívidas tributárias a serem exigidas coercivamente” (ponto 29).
Em face do exposto, afigura-se que procede a alegada omissão de pronúncia.

Com efeito, a nulidade do acórdão por omissão, prevista no art.º 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, está directamente relacionada com o comando fixado nº 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».

Constitui jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal, vazada entre outros, no Acórdão de 9 de Maio de 2012, proc nº 245/11, que a omissão de pronúncia só existe “quando o tribunal deixe, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas pelas partes, isto é, os problemas concretos que haja sido chamado a resolver, e não quando deixe de apreciar razões, argumentos, raciocínios, considerações, teses ou doutrinas invocadas pelas partes em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão das questões colocadas.

Constituem pressupostos da responsabilidade subsidiária, a falta de culpa na insuficiência do património da devedora originária ou na falta de pagamento das dívidas tributárias [cfr., respectivamente, alíneas a) e b) do art. 24º da LTG], sendo que, no caso dos autos, como vimos, o recorrente invocou a falta de culpa na insuficiência do património da devedora originária e a Fazenda Pública alegou a verificação dos mencionados nas alíneas a) e b) do art. 24º da LGT.
Acontece que a sentença recorrida é totalmente omissa quanto ao problema da culpa, de acordo, aliás, com o consignado no despacho de sustentação atrás referido.
Assim sendo, não podemos deixar de concluir que procede a alegada omissão de pronúncia, o que prejudica a apreciação das demais questões.
Apesar da nulidade, verifica-se que este Supremo Tribunal não se pode substituir ao tribunal recorrido (cfr. o art. 715º do CPC), porquanto sobre os factos provados e não provado não lhe fazem qualquer referência.
Nesta sequência, deve dar-se provimento ao recurso, anulando-se a sentença recorrida, ordenando-se a baixa dos autos à primeira instância para conhecimento da questão omitida se a tanto nada mais obstar.

III- DECISÃO

Termos em que os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à primeira instância para conhecimento da questão omitida, se a tanto nada mais obstar.

Sem custas.

Lisboa, 26 de Junho de 2013. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.