Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01037/14.8BEPRT 0891/17
Data do Acordão:01/23/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:IMPOSTO ESPECIAL DE JOGOS
Sumário:I - A “contrapartida anual” prevista no DL nº 275/2001, de 17/10, reconduz-se a uma prestação de natureza patrimonial.
II - O DL n° 422/89, de 2/12 (Lei do Jogo), bem como o DL nº 275/2001, de 17/10, não enfermam de inconstitucionalidade orgânica e/ou material.
Nº Convencional:JSTA000P24114
Nº do Documento:SA22019012301037/14
Data de Entrada:07/14/2017
Recorrente:A..., SA
Recorrido 1:TURISMO DE PORTUGAL, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


RELATÓRIO
1.1. A………………….., S.A., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, na qual se julgou improcedente a impugnação judicial visando a liquidação da “contrapartida anual relativa ao ano de 2013” no montante de 1.077.344,55 Euros, referente à concessão da zona de jogo da Póvoa de Varzim, liquidação operada por TURISMO DE PORTUGAL, IP, englobando, além do mais, o imposto especial de jogo.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1ª. Na presente impugnação judicial, a ora recorrente contestou a liquidação efectuada pelo Turismo de Portugal, IP, referente à chamada “contrapartida anual” exigida às empresas concessionárias da actividade do jogo;
2ª. A referida contrapartida anual está prevista e regulada no Decreto-Lei n° 275/2001, de 17/10 e é constituída por 50% das receitas brutas dos jogos explorados nos Casinos;
3ª. O referido Decreto-Lei n° 275/2001, de 17/10, estabelece, também, que a referida contrapartida anual não pode ser inferior a um determinado montante, mesmo que o valor dos 50% das receitas brutas dos jogos não atinja esse mínimo;
4ª. Essa contrapartida anual tem a natureza de um imposto, desde logo porque, ao menos em parte, é pago através das liquidações de Imposto do Jogo e, fundamentalmente, porque se trata de uma prestação definitiva, pecuniária, unilateralmente determinada, coerciva e que não corresponde a uma contraprestação específica;
5ª. Ao invés do defendido na douta sentença recorrida, não obstante exista um contrato de concessão celebrado entre o Estado e a recorrente para a exploração de jogos de sorte e azar, essa contrapartida anual não tem matriz contratual;
6ª. O contrato de concessão limita-se a reproduzir o conteúdo de actos legislativos anteriores — o Decreto-Regulamentar n° 29/88, de 3/8 e o Decreto-Lei n° 275/2001, de 17/10;
7ª. A exigência do pagamento da contrapartida anual e a sua fórmula de cálculo estão estabelecidos nos referidos instrumentos legais;
8ª. Além de que, recorde-se, o pagamento, ao menos em parte, dessa contrapartida é feito com os pagamentos do Imposto de Jogo, imposto esse previsto em acto legislativo — DL n° 422/89, de 2/12;
9ª. A circunstância de haver um contrato de concessão e de o recorrente ter “aceite” o pagamento de tributos, não sana as inconstitucionalidades e/ou ilegalidades dos tributos (Imposto do Jogo e contrapartida anual) já que o Estado e os particulares apenas podem validamente obrigar-se dentro dos limites que a Constituição lhes permite;
10ª. Aliás, o STA, a propósito da questão da competência da jurisdição fiscal, já se pronunciou no sentido de que a contrapartida é um tributo;
11ª. Não há, assim, ao invés do decidido na douta sentença recorrida, qualquer impossibilidade de se apreciar as ilegalidades que a recorrente considera existirem na impugnada liquidação da contrapartida;
12ª. E que a referida liquidação é ilegal porque o diploma, com base na qual foi emitida tal liquidação (Decreto-Lei n° 275/2001, de 17/10) é organicamente inconstitucional por violação dos art.ºs 103°, n° 2 e 165°, n° 1, i), da Constituição da República Portuguesa;
13ª. É que o Decreto-Lei n° 275/2001, foi aprovado sem ser com base em qualquer autorização legislativa concedida pela Assembleia da República ao Governo;
14ª. Acresce que, conforme referido, uma parte da contrapartida anual é paga através de pagamentos do Imposto do Jogo;
15ª. Ora, o Imposto do Jogo está previsto no Decreto-Lei n° 422/89, de 2/12, diploma esse aprovado com base na autorização legislativa concedida ao Governo pela Lei n° 14/89, de 30/6;
16ª. Porém, essa autorização legislativa é amplamente genérica, não cumprindo o requisito constitucionalmente expresso de definir com rigor e precisão, “o objecto, o sentido, a extensão e a duração da mesma” (cf., à época, o art. 168°, n° 11 e, hoje, o art. 165°, da Constituição).
17ª. Na medida em que está em causa matéria fiscal, que é da competência da Assembleia da República, o referido Decreto-Lei n° 422/89, é organicamente inconstitucional e, portanto, ilegais as liquidações de Imposto do Jogo e, deste modo, ilegal a contrapartida, na parte em que ela é constituída por tal imposto;
18ª. Por outro lado, sendo, como é, a “contrapartida anual” um imposto, a sua exigência/liquidação é inconstitucional por violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real;
19ª. Na verdade, a “contrapartida anual” incide sobre as receitas brutas obtidas pela recorrente e o valor de tal contrapartida nunca pode ser inferior a um mínimo estabelecido na lei;
20ª. O que quer dizer, portanto, que a recorrente é tributada de forma completamente desligada do seu rendimento real/efectivo, podendo ocorrer, até, uma relação inversamente proporcional entre as receitas que obtém e o tributo que é forçado a suportar;
21ª. No limite, com a consagração de uma “contrapartida mínima” poderia a recorrente não ter qualquer receitas e, não obstante, está obrigada a pagar a contrapartida;
22ª. Aliás, o próprio imposto de jogo que, conforme referido, “integra” a contrapartida anual, é também inconstitucional por violação desses princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real;
23ª. É que, como decorre do art. 85° da Lei do Jogo (Decreto-Lei n° 422/89), a tributação sobre os chamados “jogos bancados” incide sobre a receita bruta, afastando-se, assim, do lucro real e efectivo;
24ª. E, quanto à tributação sobre as máquinas automáticas, ela incide sobre um “capital” fixado administrativamente pelo Turismo de Portugal, IP, havendo, deste modo, uma tributação sobre meras presunções de rendimento;
25ª. Deste modo, a impugnada liquidação é ilegal, pelo que não pode manter-se a douta sentença recorrida.

1.3. O Instituto de Turismo de Portugal apresentou as suas contra-alegações, relativamente às quais formula as seguintes conclusões:
1. A natureza da contrapartida contratual tem de ser aferida considerando a sua génese e a sua integração no contrato administrativo de concessão para a exploração de jogos de fortuna nos casinos existentes na zona de jogo da Póvoa de Varzim.
2. A contrapartida é exigível à recorrente por força do disposto na cláusula n.° 2 do contrato de concessão.
3. O contrato de concessão foi adjudicado à recorrente na sequência de concurso público, constando as obrigações mínimas e o processo do concurso de Decreto Regulamentar.
4. A recorrente adquiriu o direito de explorar jogos na referida concessão por ter, no âmbito do concurso, apresentado a melhor proposta, isto é, apresentado a contrapartida inicial mais alta.
5. Inexiste qualquer obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares que possa ser removido através do pagamento da contrapartida anual.
6. A diferença entre uma contraprestação contratual e um tributo resulta no facto de a primeira ser voluntária e a segunda coativamente imposta por lei.
7. A obrigação legal que é imposta sobre todos os contratos é o imposto especial de jogo, não decorrendo da lei a obrigatoriedade de existência de contrapartida anual, razão pela qual há contratos de concessão que não prevêem esta última.
8. O Decreto-Lei n° 422/89 não regula a contrapartida anual e o Decreto-Lei n° 275/2001 não constitui a base que fundamenta a obrigação de pagamento dessa contrapartida.
9. A relação que se estabelece entre o imposto de jogo e a contrapartida anual, em termos de aquela poder realizar esta, decorre do específico contrato em que é prevista essa possibilidade. Que assim é o comprovam as diferentes configurações dos contratos de concessão em vigor, em que há casos em que o imposto cumula com a contrapartida, há casos em o imposto deduz à contrapartida e há casos em que não há contrapartida, mas em todos os casos é sempre aplicado imposto especial de jogo.
10. O Supremo Tribunal Administrativo até à presente data pronunciou-se apenas sobre a competência material dos tribunais tributários para decidirem as questões que lhes foram colocadas pela Autora e aqui recorrente.

1.4. O MP emite parecer nos termos seguintes:
«Recurso interposto, por A………………, SA, sendo recorrido Instituto de Turismo de Portugal, I.P.
O objeto do recurso é relativo às seguintes questões:
1 - qual a natureza da “contrapartida anual” prevista no Dec.-Lei nº 275/2001, de 17/10.
2 - A entender-se tratar-se de um tributo:
a - se liquidação é ilegal por inconstitucionalidade orgânica do Decreto- Lei nº 275/2001, de 17/10, emitido em violação do disposto nos artigos 103º nº 2 e 165º nº 1 al. i), da C.R.P.;
b - se a liquidação é ilegal por inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei nº 422/89, de 2/12, emitido em violação do art. 168º, hoje 165º nº 1 al. l), da C.R.P., considerando ainda que a autorização legislativa concedida pela Lei nº 14/89, de 30/6, é amplamente genérica;
c - se a liquidação é inconstitucional por violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real;
3 - se o imposto de jogo é inconstitucional por violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, o que é de apreciar especificamente quanto ao art. 85º da Lei do Jogo aprovada pelo Dec.-Lei nº 422/89, a propósito do que se defende decorrer que a receita bruta quanto aos chamados jogos bancados se afasta do lucro real efetivo, por incidir sobre a receita bruta, e, quanto às máquinas automáticas, que incide sobre um capital fixado administrativamente pelo Instituto de Turismo, IP, havendo, desse modo, presunções de rendimento.
Quanto à primeira questão: está em causa a natureza da “contrapartida anual” liquidada à recorrente relativamente ao ano de 2013.
É de atentar que a dita contrapartida decorre, para além do mais de um contrato de concessão, pelo qual foi previsto serem pagas “rendas.”
Acontece que, quer pelo Decreto-Regulamentar nº 29/38, de 2/3, quer pelo referido Dec.-Lei 275/2001, pelo qual se visaram reforçar as necessidades de financiamento da atividade turística, vieram a ser consideradas “contrapartidas financeiras”.
E foi em função das ditas necessidades de financiamento que as mesmas vieram a atingir os montantes previstos no mapa anexo ao referido Dec-Lei, como mínimos aplicáveis, e com atualizações, conforme previsto no art. 4º nº 2 do referido Dec.- Lei.
Ora, se pela referida prorrogação resultou permitido à recorrente explorar um casino de jogo, bem como remunerar-se a partir das receitas obtidas, o ter de pagar as ditas “contrapartidas financeiras”, afetas exclusivamente a finalidades turísticas e ao Instituto do Turismo, IP., leva a defender-se que estas integram seguramente um tributo de natureza bilateral, com enquadramento nas “outras espécies criadas por lei designadamente, as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas”, previsto na parte final do art. 3º, nº 2 da L.G.T..
Com efeito, resulta a prestação de um serviço, obtida autorização para a realização de obras necessárias e mesmo autorização para o exercício de uma atividade como é a do jogo nos Casinos, a qual é altamente condicionada pelo Estado.
Por outro lado, não constando que o dito contrato de concessão tenha sido objeto de rescisão, resulta que a natureza da dita contraprestação não é de considerar unilateral.
Tal unilateralidade é o típico dos impostos, requisito que falta, conforme de se defende no douto parecer junto pela recorrida a fls. 286 e ss..
De tal decorre não serem de acolher as inconstitucionalidades suscitadas na 2ª questão a qual se refere a normas constitucionais que quanto a impostos e ao regime geral de taxas e contribuições financeiras dizem respeito.
Quanto à 3ª questão, afigura-se que o “imposto especial de jogo” que com a dita contrapartida é relacionado colhe os seus fundamentos no dito Dec.-Lei nº 422/89, nomeadamente nos artigos 2º, 3º, 5º, 9º a 16º e 27º e 84º e seguintes.
De tais disposições, resulta ter o dito imposto finalidades extrafiscais.
Ora, em função de tal que não é de aplicar o previsto no art. 104º, nº 2 da C.R.P., segundo o qual a tributação das empresas incide “fundamentalmente” sobre o rendimento real.
No caso, há especiais finalidades de interesse público que levam a que se proceda a uma forma de tributação diferente da que é normal.
Assim, o dito imposto especial foi tido como substitutivo do I.R.C. e mesmo de outros impostos, conforme expressamente previsto no art. 84º nº 2 do dito Dec.-Lei nº 422/89, estando prevista a não sujeição no art. 7º do Código do I.R.C.
Ao se prever que o dito imposto fosse calculado quanto aos chamados jogos bancados de acordo com o capital em giro inicial, foi mantido o critério anterior, assim se respeitando ainda o sentido da autorização legislativa concedida pela Lei 14/89, sem que resulta a invocada inconstitucionalidade.
Resultam ainda previstos critérios atendíveis legais como quanto aos jogos bancados os prémios concedidos e as circunstâncias da sessão, bem como quanto às máquinas automáticas outros critérios semelhantes, sendo os valores fixados pelo Serviço da Inspeção de Jogos.
Concluindo:
No conhecimento das questões suscitadas, o recurso é de improceder.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgou-se provada a factualidade seguinte:
a) A impugnante é concessionária da exploração de jogos de fortuna ou azar, na zona de jogo permanente da Póvoa de Varzim, conforme resulta do contrato de concessão que foi celebrado em 29/12/1988 e publicado no Diário da República III Série, n° 37 de 14/02/1989.
b) O contrato referido em a) foi objecto de revisão e prorrogação em 14/12/2001, o qual foi publicado por Aviso no Diário da República n° 27, de 01/02/2002, I Série.
c) A impugnante em 27/01/2014, recebeu a notificação nº 46/20M, com o seguinte teor:






d) A acompanhar a notificação referida na alínea anterior, a impugnante recebeu o ofício com a referência SAI/2014fl850/D1J/RF, cujo teor a seguir se reproduz (cf. fls. 26 a 27 dos autos:











e) O teor dos documentos de fls. 28 a 71 dos autos, que aqui se dão por reproduzidos.
f) A factura n° 10819593955 remetida pelo Mil BCP à impugnante com o seguinte teor:









g) A presente impugnação foi intentada em 30/04/2014 (cf. fls. 109 dos autos).

3.1. A recorrente deduziu a presente impugnação contra a liquidação que identifica como sendo a referente à “contrapartida anual relativa ao ano de 2013”, no montante de 1.077.344,55 Euros e «referente à concessão da zona de jogo da Póvoa do Varzim, que engloba, entre outro, o Imposto especial de Jogo».
Para tanto, alegou na respectiva petição inicial que essa contrapartida anual se consubstanciaria numa taxa pela remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares, pois que estando a actividade de jogo legalmente proibida, para afastar essa proibição é cobrada a referida contrapartida que, correspondendo a uma percentagem da receita bruta, acaba por não ter qualquer relação com o seu rendimento real e a sua capacidade contributiva, porque contém em si mesma o imposto especial de jogo, cuja base de incidência não é a receita bruta, o que a leva a concluir que a contrapartida seria inconstitucional.
Mais alega que a contrapartida anual tem a natureza de tributo, já que a própria taxa acaba por se transformar num imposto, por violação do princípio da proporcionalidade, além de que, sendo aquela realizada, em parte, pelo imposto de jogo, se deve considerar toda ela um imposto, sendo que a base legal para a dita contrapartida é a que decorre do disposto no DL nº 275/2001, de 17/10, que a instituiu, e não a base contratual decorrente do contrato de concessão.

3.2. A sentença recorrida veio a julgar improcedente a impugnação, considerando o seguinte:
— A impugnante é concessionária da exploração de jogos de fortuna ou azar, na zona permanente da Póvoa de Varzim, conforme contrato de concessão celebrado em 29/12/1988, objecto de revisão em 14/12/2001. E desses contratos resulta que, enquanto concessionária da área de jogo, está a impugnante obrigada a prestar uma contrapartida inicial, acrescida, em cada ano, de uma contrapartida no valor de 50% das receitas brutas declaradas dos jogos exploradas no casino, não podendo esta contrapartida ser inferior, em caso algum, aos valores indicados no anexo ao DL n° 275/2001, de 17/10 (Este diploma autorizou a prorrogação dos prazos dos contratos de concessão da exploração dos jogos de fortuna ou azar nos casinos das zonas de jogo do Algarve, Espinho, Estoril, Figueira da Foz e Póvoa de Varzim, alterou o regime contratual da concessão de jogo da Figueira da Foz e introduziu um regime especial de deduções nas contrapartidas anuais de exploração a liquidar pelas concessionárias das referidas zonas de jogo.).
A contrapartida a prestar em cada ano é composta por várias parcelas, uma das quais denominada imposto especial sobre o jogo, sendo esta concreta parcela do contrato de concessão e a forma como ela é liquidada que a impugnante questiona nos presentes autos, invocando a ilegalidade de tal liquidação, por violação dos princípios da capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real e da proporcionalidade do imposto de jogo.
— O exercício da actividade do jogo por parte da impugnante foi contratualizado através das regras vertidas no contrato de concessão, às quais a impugnante aderiu, não havendo aqui qualquer imposição, mas, antes, um verdadeiro contrato de concessão, consensual entre as partes; e tendo apresentado candidatura ao respectivo concurso público de concessão, não faz sentido falar-se em violação do princípio da igualdade, além de que, depois de operada a selecção, a impugnante declarou expressamente que aceitava as condições e obrigações do contrato, delas fazendo parte, entre outras, a obrigação do pagamento do imposto de jogo nos quantitativos e com as taxas previstos e determinados nos moldes acordados.
— O imposto especial de jogo é um imposto especial cuja forma de cálculo resulta do que está previsto na Lei do Jogo e na livre vontade das partes vertida no contrato de concessão, não ocorrendo, portanto, as alegadas inconstitucionalidades por violação dos princípios da capacidade contributiva e proporcionalidade, além de que, por se tratar de uma realidade diferente de um imposto típico sobre o rendimento, o principio da capacidade contributiva aplicado ao imposto especial sobre o jogo não está vinculado ao rendimento real e como tal não ocorre qualquer inconstitucionalidade como vem invocado.
— Acrescendo que, caso a impugnante não pagasse o dito imposto, sempre teria que pagar, por imposição do contrato de concessão, a contrapartida de 50% das receitas brutas dos jogos explorados no casino da Póvoa de Varzim, com respeito pelos mínimos constantes do Anexo ao DL n° 257/2001, o que na prática levaria a ter de pagar a mesma importância que agora pretende ver discutida.

3.3. Discordando do assim decidido, a recorrente alega agora que esta chamada “contrapartida anual” exigida às empresas concessionárias da actividade do jogo, prevista e regulada no DL n° 275/2001, de 17/10 (constituída por 50% das receitas brutas dos jogos explorados nos Casinos e que não pode ser inferior a um determinado montante, mesmo que o valor dos 50% das receitas brutas dos jogos não atinja esse mínimo) tem a natureza de um imposto (quer por ser paga, ao menos em parte, através das liquidações de Imposto do Jogo, quer porque se trata de uma prestação definitiva, pecuniária, unilateralmente determinada, coerciva e que não corresponde a uma contraprestação específica). E esta caracterização como imposto (ou como taxa — como havia considerado na petição inicial) verifica-se, ao invés do sustentado na sentença recorrida, apesar da existência do contrato de concessão, pois aquela contrapartida anual não tem matriz contratual já que esse contrato se limita a reproduzir o conteúdo de actos legislativos anteriores — o DRegulamentar n° 29/88, de 3/8 e o DL n° 275/2001, de 17/10, sendo que a exigência do pagamento desta contrapartida anual e a sua fórmula de cálculo estão estabelecidos nos ditos instrumentos legais e o pagamento, em parte, dessa contrapartida é feito com os pagamentos do Imposto de Jogo, este previsto em acto legislativo — DL n° 422/89, de 2/12.
Daí que, na alegação da recorrente, a circunstância de haver um contrato de concessão e de a recorrente ter “aceite” os pagamentos ali definidos, não sana as inconstitucionalidades e/ou ilegalidades dos mesmos (imposto do jogo e contrapartida anual). Não havendo, pois, qualquer impossibilidade de apreciação relativamente às ilegalidades que ela (recorrente) entende existirem na impugnada liquidação da contrapartida, que é ilegal porque o diploma, com base na qual foi emitida tal liquidação (DL n° 275/2001, de 17/10) é organicamente inconstitucional, quer por ter sido aprovado pelo Governo, mas sem autorização legislativa da AR, quer porque uma parte desta contrapartida anual é paga através de pagamentos do imposto do jogo, previsto no DL n° 422/89, de 2/12 (Lei do Jogo), diploma este que foi aprovado com base na autorização legislativa concedida ao Governo pela Lei n° 14/89, de 30/6, autorização legislativa essa que, sendo genérica, não cumpre o requisito constitucionalmente expresso [cfr. o nº 11 do art. 168° (correspondente ao actual art. 165°) da CRP] de definir com rigor e precisão, “o objecto, o sentido, a extensão e a duração da mesma”.
E, assim, também o dito DL n° 422/89, sofreria de inconstitucionalidade orgânica, implicando a consequente ilegalidade das liquidações de imposto do jogo e, deste modo, também a ilegalidade da contrapartida, na parte em que ela é constituída por tal imposto.
— Por outro lado, sendo a “contrapartida anual” um imposto, a sua exigência/liquidação é inconstitucional por violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real, como também o é o próprio imposto que integra aquela contrapartida, dado que, como decorre do art. 85° da referida Lei do Jogo (DL n° 422/89), a tributação sobre os chamados “jogos bancados” incide sobre a receita bruta, afastando-se, assim, do lucro real e efectivo, e a tributação sobre as máquinas automáticas, incide sobre um “capital” fixado administrativamente pelo Turismo de Portugal, IP, havendo, deste modo, uma tributação sobre meras presunções de rendimento.

3.4. Atendendo ao teor das Conclusões do recurso a primeira questão a enfrentar é, portanto, a que se prende com a natureza da “contrapartida anual”, prevista no DL nº 275/2001, de 17/10.
E da resposta que a tal questão for dada, dependerá a apreciação, ou não, das demais questões suscitadas pela recorrente.
Vejamos.

4.1. Considerando a evolução histórica da regulamentação jurídica das concessões do jogo e do modo como foram legal e contratualmente definidas as respectivas contrapartidas, o que se constata é que embora a exploração do jogo não se reconduza a uma actividade de interesse público, ela tem sido objecto de intervenção legislativa por parte do Estado, com vista à regulação (sobretudo através do instrumento jurídico da “concessão”) dos vários sectores em que aquela se desenvolve, bem como à diminuição do interesse pelo jogo ilícito e clandestino.
Por isso, como sublinha o Prof. Vieira de Andrade (no parecer junto aos autos), a concessão da exploração de jogos de fortuna e azar haveria de operar-se num contrato pré-regulado por lei «(não constituindo a prestação de um serviço público), mediante uma forte contrapartida patrimonial, dado o alto potencial lucrativo da actividade (exercida em exclusivo territorial), com receitas consignadas ao desenvolvimento do turismo. E, neste contexto, também a necessária tributação desta actividade concessionada, enquanto actividade económica, haveria de ser especial: opta-se, desde sempre, no que respeita à exploração do jogo, pela substituição dos impostos regulares (hoje, IRC, IVA, Imposto de selo) por um imposto de regime especial, também com receitas consignadas ao desenvolvimento do turismo.»
Sendo que, no entanto, cada uma das prestações financeiras (a contrapartida patrimonial fixada no contrato de concessão do direito e o imposto estabelecido pela lei) «tem a sua estrutura específica, independentemente da finalidade comum e das suas interconexões práticas: uma, a contrapartida, tem natureza administrativa e contratual, outra, o imposto, tem natureza tributária e legal.»
E neste entendimento as contrapartidas pecuniárias (quer a inicial, quando prevista, quer a anual) não terão natureza tributária mas, antes, patrimonial, reconduzindo-se à «contraprestação devida pela atribuição do direito de explorar, em exclusivo a concessão numa zona territorial pré-determinada», independentemente até de o pagamento do imposto de jogo contribuir, juntamente com outros pagamentos, para a realização e preenchimento da contrapartida anual (casos há, aliás, em que não há que pagar qualquer contrapartida anual, mas somente imposto de jogo).
E nem a circunstância de no Decreto nº 14.643, de 3/12/1927 (diploma que inicialmente regulou a actividade do jogo) se considerar na epígrafe que antecede os arts. 44º e seguintes, a menção «Imposto sobre o jogo. Sua consignação», não obstante o art. 45º se reportar ao pagamento das contrapartidas, nem a circunstância de os valores destas poderem ser consignados às mesmas entidades e finalidades do imposto de jogo, tem a virtualidade de determinar a mutação da natureza jurídica da prestação financeira patrimonial em prestação tributária. Estas obrigações financeiras (contrapartidas financeiras mínimas ou de natureza não pecuniária devidas como contraprestação pela concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar, bem como o modo de pagamento das mesmas – cfr. o art. 11º, nº 4 e) da Lei do Jogo — e assumidas pela concessionária por efeito da concessão) têm fundamento diferente do imposto e constituem receitas de natureza patrimonial.
Acresce que, como igualmente se acentua no parecer citado, a distinção entre ambas as figuras também não é afectada pelo facto de existir uma pré-fixação legal dos montantes e das formas de cálculo e de pagamento: tal prática é frequente nos contratos de concessão, «cujas bases contratuais são, em regra, estabelecidas na lei» e «a obrigação de pagamento destes montantes não nasce coactivamente da lei, mas do contrato de concessão, dado que só existe, a título de remuneração do exclusivo concedido, para as empresas que aceitam, nas condições estabelecidas na lei, ser concessionárias do Estado na exploração do jogo», sendo normal «que a contrapartida pela outorga de um direito de exclusivo para a exploração de um bem ou de um serviço seja calculada a partir de uma percentagem da receita das concessionárias», sendo que também as «receitas patrimoniais podem em regra ser consignadas a finalidades específicas de interesse público - as limitações orçamentais à consignação reportam-se, essencialmente, ao domínio dos impostos» (aliás, relativamente à contrapartida, prevêem-se casos em que o pagamento do imposto do jogo se soma integralmente ao pagamento da contrapartida anual, e casos em que o pagamento deste é deduzido no cálculo da contrapartida anual, o que bem mostra que imposto e contrapartida não são a mesma coisa e não têm, por isso, de ser da mesma natureza).
E em todo o caso, dado que o modo de cálculo da contrapartida não altera a sua natureza jurídica de prestação contratual, também fica desprovida de relevância a argumentação da recorrente no que respeita à unilateralidade da própria contrapartida mínima, não relevando, igualmente, a invocação de jurisprudência do STA no sentido da ilegalidade da liquidação: com efeito, como bem realça a recorrida, em termos do que foi expressamente decidido e no que respeita a liquidações relativas a contrapartidas idênticas à ora impugnada, o STA pronunciou-se apenas quanto à competência dos tributais tributários (de acordo com os termos em que a autora configura a relação material), não se pronunciando sobre o mérito da pretensão ali formulada.
E neste contexto, dando resposta àquela primeira questão suscitada no recurso, conclui-se agora que a “contrapartida anual”, prevista no DL nº 275/2001, de 17/10, se reconduz a uma prestação de natureza patrimonial.

4.2. Daí que (considerando as demais questões suscitadas no recurso), por não estarmos perante pagamento de uma qualquer quantia destinada a afastar uma proibição legal (a quantia não é paga para que a concessionária fique autorizada a explorar os jogos de fortuna ou azar, mas sim porque foi ela a adjudicatária no concurso público aberto para a concessão da respectiva zona de jogo) e por a contrapartida impugnada também não assumir natureza unilateral e/ou coactiva, então mesmo por referência ao enquadramento legal sustentado pela recorrente (que faz equivaler a contrapartida a uma taxa ou a integra no âmbito do próprio imposto de jogo), também não pudessem proceder a impugnação, e consequentemente o recurso, quer face à inexistência dos pressupostos para a qualificação como imposto e como taxa, quer face à não verificação das ilegalidades imputadas à liquidação, alegadamente decorrentes da violação dos princípios e normas constitucionais invocados [inconstitucionalidade orgânica do DL n° 275/2001, de 17/10; inconstitucionalidade orgânica do DL n° 422/89, de 2/12, por assentar numa autorização legislativa genérica que não cumpre o requisito (nº 11 do art. 168° — actual 165º — da CRP) de definir com rigor e precisão, “o objecto, o sentido, a extensão e a duração da mesma” e inconstitucionalidade material, quer daquele mesmo diploma, por violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real, quer do próprio imposto, por ter sido criada uma tributação sobre meras presunções de rendimento].
Aliás, neste âmbito, sempre o recurso teria que improceder, atendendo à jurisprudência, com a qual se concorda, firmada no acórdão deste STA, de 5/12/2018 [em julgamento ampliado com a intervenção de todos os juízes desta Secção de Contencioso Tributário, realizado ao abrigo do disposto no art. 148º do CPTA, no processo nº 2224/13.1BEPRT (1457/15) e para o qual se remete ao abrigo do disposto no nº 5 do art. 663º do CPC], sendo que, naquela perspectiva da recorrente, as questões suscitadas no presente recurso também seriam substancialmente idênticas às que foram objecto de tal julgamento ampliado, mediante o qual se visa, precisamente, «garantir a uniformidade de jurisprudência perante a possibilidade de decisões de sentido divergente ou, pelo menos, com variação substancial do tratamento das questões submetidas e de fundamentação da decisão (…)».

5. Uma vez que, atenta a decisão, temos por verificado o requisito de “menor complexidade” a que alude o nº 7 do art. 6º do RCP, acrescendo que também o montante da taxa de justiça devida se afigura manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado nos presentes autos, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe, decide-se dispensar totalmente o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Considerando que o texto do referenciado acórdão proferido em 5/12/2018 no processo nº 2224/13.1BEPRT (1457/15) se encontra disponível na base de dados da DGSI, acórdãos proferidos no STA, dispensa-se a junção da respectiva cópia.

Lisboa, 23 de Janeiro de 2019. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.