Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:026/12
Data do Acordão:01/31/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
OPOSIÇÃO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
PEDIDO
DISPENSA
GARANTIA
Sumário:Tendo sido apresentada oposição à execução, e encontrando-se pendente reclamação judicial da decisão do Chefe do Serviço de Finanças que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, não pode operar-se a compensação por iniciativa da Administração tributária nos termos do artigo 89.º, n.º 1 do CPPT.
Nº Convencional:JSTA000P13730
Nº do Documento:SA220120131026
Data de Entrada:01/13/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1. Vem a Fazenda Pública recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de 14 de Novembro de 2011, que julgou procedente a reclamação de decisão de órgão de execução fiscal deduzida por A……. e B…… do acto de compensação do crédito apurado na demonstração de liquidação de IRS nº 20114000122765.
Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I. O presente recurso visa a decisão proferida no processo em referência, que julgou procedente a reclamação interposta por A……. e B……. e condenou a Fazenda Pública (FP) ao pedido de anulação do acto reclamado, o qual consiste na compensação do crédito apurado na demonstração de IRS n°. 20114000122765, para pagamento de dívidas relativas ao processo de execução fiscal nº. 3573200501074636 e aps., a correr os seus termos no Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 2 (em que é devedora originária a sociedade “A D E Associação para o Desenvolvimento e Emprego no Concelho de Vila Franca de Xira”);
II. De acordo com o disposto no art. 169° do CPPT, a execução suspende-se logo que tenha sido apresentada garantia ou, em caso de penhora, caso esta garanta a totalidade da dívida exequenda e acrescido;
III. Efectivamente, o n°. 6 da referida norma, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº. 3- B/2010, de 28/04, estabelece que, não havendo garantia constituída ou prestada, nem penhora, é ordenada a notificação do executado para prestar a garantia referida no n.° 1 dentro do prazo de 15 dias;
IV. O reclamante marido, notificado para prestar garantia, não a apresentou, requerendo posteriormente a sua dispensa, requerimento que foi indeferido por extemporaneidade, pelo que, não se pode dizer que o pef. n°. 3573200501074636 e aps. se encontrava suspenso;
V. De acordo com o disposto no nº. 1 do art. 89° do CPPT (com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 3-B/2010-28/04), os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação ou impugnação judicial de qualquer acto tributário são obrigatoriamente aplicados na compensação das suas dívidas à mesma administração tributária, com excepção dos casos em que esteja a correr prazo para interposição de reclamação graciosa, recurso hierárquico, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução, ou que esteja pendente qualquer daqueles meios graciosos ou judiciais ou a dívida esteja a ser paga em prestações, desde que a dívida exequenda se mostre garantida nos termos do artigo 169.°
VI. No caso dos autos, a dívida exequenda não se mostra garantida e a decisão de indeferimento da respectiva dispensa foi objecto de reclamação judicial (nº. 1089/11.2BELRS), que por sua vez foi objecto de recurso para o TCAS (nº. 4.994/11), que decidiu no sentido da improcedência daquela, mantendo-se assim, o despacho proferido pelo Sr. Chefe de Finanças de Vila Franca de Xira 2, que indeferiu aquele pedido de dispensa por extemporaneidade;
VII. Mesmo que se entenda que só com o trânsito em julgado da decisão de indeferimento de dispensa da garantia, é que este se encontra consolidado na ordem jurídica, a verdade é que o processo não fica suspenso sem garantia; E esta não se encontrava constituída.
VIII. Segundo o preceituado no já referido art. 89°, nº. 1 do CPPT, os créditos resultantes de reembolso são obrigatoriamente aplicados na compensação das dívidas à Administração Tributária;
IX. A compensação controvertida nos autos teria de ser efectuada, por imperativo legal, uma vez que a dívida não se encontrava a ser paga em prestações, nem se mostrava a mesma garantida, nos termos do art. 169° do CPPT.
X. Ainda que não se concorde com este entendimento, no que não se concede e apenas se admite por dever de patrocínio, e se defenda (como na douta sentença ora recorrida) que na data em que foi praticada a compensação não havia decisão transitada em julgado a confirmar o indeferimento do pedido de prestação de garantia, sempre se dirá que o resultado final seria o mesmo;
XI. Ou seja, ainda que tal compensação não tivesse sido efectuada sem que a questão do indeferimento do pedido de prestação de garantia estivesse definitivamente resolvida, ela sê-lo-ia sempre após o trânsito em julgado daquela decisão;
XII. Razão pela qual, atento o princípio da proibição de actos inúteis, plasmado no art. 137° do CPC, aplicável aos autos ex vi alínea e) do art. 2° do CPPT não faz qualquer sentido a condenação da FP no pedido de anulação do acto reclamado, quando esse acto irá ser praticado novamente!
XIII. As dívidas de impostos são da responsabilidade de ambos os cônjuges, conforme tem sido decidido por esse Tribunal, de que constitui exemplo o douto Acórdão proferido em 2009/10/14, no âmbito do proc. Nº. 0502/09 (disponível em www.dgsí.pt);
XIV. Não procede o vício de violação de lei, apontado pela decisão recorrida, uma vez que a efectivação da compensação controvertida nos autos decorria de imperativo legal.
XV. A Mª, Juiz a quo fez uma incorrecta interpretação da lei e a douta sentença recorrida violou o disposto nos arts. 89°, n°. 1 e 169°, ambos do CPPT, e o art. 137° do CPC, ex vi alínea e) do art. 2° do Código de Procedimento e Processo Tributário».
2 - Os recorridos apresentaram contra-alegações, que concluíram nos seguintes termos:
1- Para efeitos do disposto no artigo 89.°, nº 1, alínea b), do CPPT, na parte que remete para o artigo 169.° do mesmo diploma, deve, igualmente, abranger os casos em que se encontre pendente pedido de dispensa de prestação de garantia - devendo, por isso, a dívida encontrar-se “garantida”.
2. Esta asserção resulta da conjugação do disposto nos artigos 89.°, nº 1, alínea b), 169.°, nº 11, 170.°, n.º 1, todos do CPPT, e, bem assim, do artigo 52.°, nºs, 1, 2 e 4 da LGT, pois só assim se explica a locução "sem prejuízo do disposto quanto à dispensa de garantia" constante do artigo 169.°, nº 11, do CPPT.
3. De acordo, aliás, com a jurisprudência do STA, “perde toda a sua utilidade a reclamação do acto de indeferimento de pedido de dispensa de garantia cujo conhecimento seja deferido para momento posterior à penhora ou venda, pois que a dispensa de prestação de garantia visa, precisamente, obviar à prática daqueles actos executivos enquanto estiver pendente a oposição deduzido" (cf. Acórdão do STA, de 18 de Agosto de 2010, processo nº 0639/10, disponível in www.dgsi.pt).
4. Ora, por maioria de razão, estará igualmente a Administração Tributária impedida de praticar actos materialmente idênticos à penhora, pois que, por essa via, a reclamação judicial do acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia perderia toda a sua utilidade.
5. Improcede, por isso, neste ponto, a argumentação invocada pela RECORRENTE, devendo considerar-se a dívida garantida para efeitos do disposto no artigo 89.°, nº 1, alínea b), do CPPT, enquanto estiver pendente o pedido de dispensa de prestação de garantia.
6. No que concerne ao momento de produção de efeitos do Acórdão que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, cumpre esclarecer que o acto reclamado foi praticado vários meses antes da data do trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito do processo n.º 1089/ll.2BELRS.
7. Por este motivo, não podia a Administração Tributária ter antecipado um desfecho que era, até ao momento, incerto, pelo que, ao ter decidido como decidiu o Senhor Director-Geral dos Impostos, praticou um acto ilegal, pois, de outro modo, e a admitir-se essa possibilidade, a Administração Tributária estaria a contornar a penhora cuja inadmissibilidade legal não podia desconhecer.
8. Finalmente, no que concerne à responsabilidade pelas dívidas derivadas de responsabilidade subsidiária, importa referir que a dívida resultante do processo de execução fiscal nº 3573200501074636 e apensos não é uma dívida comum, decorrente do exercício do comércio, mas sim uma dívida da exclusiva responsabilidade do RECORRIDO.
9. Sucede que, ao contrário do que ocorreu no próprio aresto citado pela RECORRENTE, a Administração Tributária não citou a RECORRIDA, o abrigo do disposto no artigo 220.° do CPPT, para, no prazo de 30 dias, querendo, requerer a separação judicial de bens.
10. Essa imposição resulta, designadamente, da jurisprudência constante do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito Acórdão proferido em 10 de Fevereiro de 2009, Relator Lucas Martins, disponível in www.dgsi.pt. e iria permitir que a RECORRIDA, cônjuge do executado contra quem foram revertidas as dívidas da devedora originária ADE, tivesse tido a possibilidade de obstar a que o seu património pudesse também responder pelas dívidas exequendas.
11. Ao ter actuado de modo diverso, a Administração Tributária violou o disposto no referido preceito legal, na medida em que não concedeu à ora RECORRIDA a possibilidade de requerer, em tempo oportuno - isto é, em momento anterior à prática do acto reclamado - a separação judicial de bens.
12. E devia tê-lo feito, precisamente, porque, conforme se referiu, ao contrário do que é sustentado pela RECORRENTE, a dívida resultante do processo de execução fiscal n.º 3573200501074636 e apensos não é uma dívida comum, decorrente do exercício do comércio, mas sim uma dívida da exclusiva responsabilidade do RECORRIDO.
13. Não o tendo feito, é, também, por este motivo, ilegal o acto reclamado, não podendo manter-se na ordem jurídica.
14. Em face do exposto, deve a sentença recorrida ser confirmada, anulando-se, em consequência, o acto reclamado».
3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento, devendo ser revogada a sentença recorrida e substituída por acórdão que declare a inexistência de ilegalidade do acto de compensação e ordene a devolução do processo ao tribunal recorrido para conhecimento da questão prejudicada, enunciada na fundamentação.
4 - Com dispensa dos vistos legais, dada a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência.
4.1 Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:
A) Em 22/07/2005 foi instaurado no serviço de finanças de Vila Franca de Xira 2, o processo de execução fiscal nº 3573200501074636 e apenso à sociedade "ADE Associação para o Desenvolvimento e Emprego no Concelho de Vila Franca de Xira" (fls. 58 dos autos).
B) Por despacho datado de 30/04/2008 determinou-se que o processo de execução fiscal mencionado na alínea anterior revertesse contra A……., na qualidade de responsável subsidiário da dívida exequenda (fls. 59 dos autos).
C) A……. foi citado pessoalmente para os termos da execução fiscal na qualidade de responsável subsidiário em 04/06/2009 (fls. 59 dos autos).
D) Em 07/07/2009 o A…… apresentou oposição à execução fiscal mencionada na alínea anterior que corre termos no presente tribunal sob o número 685/10.0BELRS (fls. 59 e 30 a 32 dos autos).
E) Através do ofício nº 12798 de 16 de Novembro do serviço de finanças de Vila Franca de Xira 2, recebido a 22/11/2010, A……. foi notificado para prestar garantia no montante de 332.790,40€ (fls. 59 e 35 dos autos).
F) Em 22/12/2010 A…….. apresentou requerimento dirigido ao chefe do serviço de finanças de Vila Franca de Xira 2 a solicitar a dispensa de prestação de garantia ao abrigo do disposto no n.º 4 do art.° 52.° da LGT (fls. 37 e ss dos autos).
G) Em 01/03/2011 foi proferido despacho pelo Director de Finanças Adjunto que indeferiu o pedido de dispensa de garantia, por intempestividade e por não se encontrarem verificados os pressupostos do nº 4 do art.° 52.° da LGT, conforme fundamentação constante de fls. 40 a 45 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
H) Em 14/03/2011 A…….. apresentou reclamação do despacho mencionado na alínea anterior que correu termos no presente tribunal sob o n.º 1089/11.2BELRS (fls. 47 e ss e 59 dos autos).
I) Em 11/04/2011 foi efectuada a compensação no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3573200501074636 e apensos pelo montante de IRS a ser reembolsado ao reclamante, no montante de 3.637,92€ (fls.26 e ss dos autos).
J) A nota de compensação mencionada na alínea anterior foi enviada aos reclamantes por registo datado de 15/04/2011 (fls. 60 dos autos).
K) Por acórdão do TCA de 27/09/2011, já transitado em julgado, a reclamação mencionada na alínea H) foi julgada improcedente conforme fundamentos constantes de fls. 120 e ss dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
L) A reclamação foi apresentada via postal sob registo datado de 28/04/2011 (documento de fls. 97 dos autos)
4.2 . Do mérito do recurso
A questão objecto do presente recurso consiste em saber se, tendo sido apresentada oposição à execução, e encontrando-se pendente reclamação judicial da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira - 2, que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, tal circunstancialismo obstaria à compensação operada pela Administração Fiscal mediante a aplicação do crédito apurado em sede de liquidação de IRS.
4.3. Da ilegalidade da compensação efectuada por iniciativa da Administração tributária.
A decisão recorrida considerou (fls. 145) que para efeitos de compensação de dívidas de tributos por iniciativa da Administração Tributária prevista no artº 89º, nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário, deve equiparar-se à dívida exequenda estar garantida, o não decurso do prazo para a prestação ou dispensa de garantia.
Neste contexto concluiu que só com a decisão de indeferimento (do pedido de dispensa de prestação de garantia) é que a compensação poderia operar, sob pena de se violar o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos contribuintes.
Por outro lado, e não olvidando a circunstância de entretanto, e na pendência da reclamação, ter sido proferida decisão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27.09.2011, transitada em julgado, que confirmou o indeferimento do pedido de dispensa de garantia, por não verificação de um dos pressupostos do artº 52º, nº4 da Lei Geral Tributária, julgou-se na sentença recorrida que a ilegalidade do acto de compensação devia ser apreciada no momento em que este foi praticado.
E, prosseguindo neste discurso argumentativo, concluiu-se que, apesar de já existir decisão transitada em julgado que confirma o indeferimento do pedido de prestação de garantia, a verdade é que na data em que o acto foi praticado não havia decisão transitada em julgado, pelo que se considerou que, nessa medida o acto de compensação era ilegal por violação do disposto no artº 89º, nº1 do Código de Procedimento e Processo Tributário.
São três as questões suscitadas pela Fazenda Pública para, no âmbito da fundamentação das suas alegações de recurso, atacar o sentido decisório da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa.
Em primeiro lugar alega que, de acordo com o preceituado no art. 89°, nº. 1 do CPPT, os créditos resultantes de reembolso são obrigatoriamente aplicados na compensação das dívidas à Administração Tributária e que a compensação controvertida nos autos teria de ser efectuada, por imperativo legal, uma vez que a dívida não se encontrava a ser paga em prestações, nem se mostrava a mesma garantida, nos termos do art. 169° do CPPT.
Sem prejuízo, alega ainda a recorrente que mesmo que tal compensação não tivesse sido efectuada sem que a questão do indeferimento do pedido de prestação de garantia estivesse definitivamente resolvida, ela sê-lo-ia sempre após o trânsito em julgado da decisão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27.09.2011, que confirmou o indeferimento do pedido de dispensa de garantia, razão pela qual, atento o princípio da proibição de actos inúteis, plasmado no art. 137° do CPC, aplicável aos autos ex vi alínea e) do art. 2° do CPPT entende que não faz qualquer sentido a sua condenação no pedido de anulação do acto reclamado, quando esse acto irá ser praticado novamente!
Finalmente invoca a recorrente que as dívidas de impostos são da responsabilidade de ambos os cônjuges, conforme jurisprudência que cita.
Desde já se dirá que esta última questão (da responsabilidade de ambos os cônjuges pelas dívidas de impostos), que nem sequer foi objecto de análise na sentença recorrida, está prejudicada pela confirmação da ilegalidade do acto tributário reclamado, como abaixo se demonstrará.
Vejamos.
Dispõe o n.º 1 do artigo 89.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, relativo à compensação de dívidas de tributos por iniciativa da administração tributária, que «os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação graciosa ou impugnação judicial de qualquer acto tributário são obrigatoriamente aplicados na compensação das suas dívidas à mesma administração tributária, salvo se pender reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução da dívida exequenda ou esta esteja a ser paga em prestações, devendo a dívida exequenda mostrar-se garantida nos termos deste Código.
No caso, como resulta do probatório, o executado apresentou oposição à execução fiscal, oposição essa que corre termos no Tribunal Tributário de Lisboa.
Solicitou também a dispensa de prestação de garantia ao abrigo do disposto no n.º 4 do art.° 52.° da Lei Geral Tributária, pedido esse que foi indeferido, tendo deduzido reclamação de tal despacho.
E não há dúvidas de que, quando foi efectuada a compensação, a dívida ainda não estava garantida.
Mas o certo é que nem podia estar, porque se encontrava pendente reclamação judicial da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira – 2 que tinha como objecto o pedido de dispensa de prestação de garantia interposto pelo executado.
Ora tal circunstância não é irrelevante.
Com efeito, e como de forma clara, esclarece Jorge Lopes de Sousa no seu Código de Procedimento e Processo Tributário anotado, 6ª edição, vol. III, pag. 219, «o pedido de dispensa de prestação de garantia tem o mesmo efeito que o pedido de prestação de garantia a nível do prosseguimento da execução fiscal, que fica suspensa provisoriamente, como se depreende do nº 7 deste artº 169º, conjugado com o nº 6 (nºs 3 e 2, respectivamente, na redacção inicial, de que resulta que a execução só prossegue depois de decorrido o prazo de prestação de garantia sem que esta seja prestada».
Trata-se de entendimento também acolhido pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente pelos Acórdãos de 22.04.2009, recurso 277/09, de 07.01.2009, recurso 694/08, de 17.12.2008, recurso 997/08 e de 25.06.2008, recurso 464/08.
Como se referiu no citado acórdão de 22.04.2009 “para efeitos de compensação de dívidas de tributos, por iniciativa da administração tributária (…) deve equiparar-se, à pendência dos meios processuais ou procedimentais aí elencados, o não decurso dos respectivos prazos” sendo que “isto tanto vale quanto aos meios impugnatórios propriamente ditos (reclamação, impugnação, recurso ou oposição) como aos procedimentos tendentes à prestação de garantia, por um argumento de identidade de razão e sob pena de se desvirtuar a ratio legis que a excepção à possibilidade de compensação constante da parte final do n.º 1 do artigo 89.º pretende acautelar, que parece ser o de a compensação só se dever efectuar relativamente a dívidas sobre as quais não haja controvérsia”.
No caso, a dedução de oposição indica a existência de controvérsia acerca da dívida que a Administração Fiscal pretende executar, facultando a lei o direito ao executado de, na pendência em sede administrativa ou judicial do pleito, obstar a que a execução prossiga através da prestação de garantia ou obtendo a sua dispensa.
Daí que, a privação de um direito de crédito ao contribuinte, sem que se encontrem esgotados todos os meios de defesa que tem ao seu dispor, não se mostre como legalmente admissível, sob pena, até, de violação dos princípios da igualdade e do direito a uma tutela jurisdicional efectiva (artigos 13.º, 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP).
Bem andou pois a decisão recorrida ao julgar que o acto reclamado enferma de vício de violação de lei, e nessa medida deve ser anulado.
4.4 Mas a Fazenda Pública alega ainda que mesmo que tal compensação não tivesse sido efectuada sem que a questão do indeferimento do pedido de prestação de garantia estivesse definitivamente resolvida, ela sê-lo-ia sempre após o trânsito em julgado da decisão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27.09.2011, que confirmou o indeferimento do pedido de dispensa de garantia.
E por isso, sustenta que, atento o princípio da proibição de actos inúteis, plasmado no art. 137° do Código de Processo Civil, não faz qualquer sentido a sua condenação no pedido de anulação do acto reclamado, quando esse acto irá ser praticado novamente.
Esta argumentação também não impressiona, já que a norma não tem aplicação no caso subjudice.
Com efeito dispõe o artº 137º do Código de Processo Civil que não é lícito realizar no processo actos inúteis, incorrendo em responsabilidade disciplinar os funcionários que os pratiquem.
O que se proíbe no preceito é prática de actos anómalos (do juiz, da secretaria ou das partes) que não sejam úteis para a realização da função processual e que apenas tenham o efeito de complicar o processo, impedindo-o de rapidamente atingir o seu termo. Trata-se, tal como no art.138, de uma manifestação do princípio da economia processual, na vertente relativa aos actos a praticar no processo (cf. neste sentido José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, vol 1, pág. 240).
No caso não nos deparamos com a prática de um acto processual inútil, mas sim com a anulação judicial de um acto administrativo considerado ilegal e que, como tal, não pode ser confirmado.
E isto porque, como bem se refere na sentença recorrida, a legalidade do acto de compensação deve ser apreciada no momento em que este foi praticado.
E o acto de compensação em causa, como resulta do probatório, foi praticado vários meses antes da data do trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito do processo 1089/11.2BELRS.
A argumentação da recorrente, não pode proceder, sob pena de se estar a sancionar a prática de um acto ilegal e violador do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
O recurso não merece, pois, provimento.
5. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente Fazenda Pública.
Lisboa, 31 de Janeiro de 2012. – Pedro Delgado (relator) – Valente Torrão – Francisco Rothes.