Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0366/21.9BEBJA
Data do Acordão:01/19/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:CONTENCIOSO ELEITORAL
JUNTA DE FREGUESIA
ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS
Sumário:I - Os vogais da junta de freguesia só iniciam o seu mandato com a “constituição do órgão”, ou seja, quando se completa o respectivo processo electivo e constitutivo (escolha do tesoureiro e do secretário) e não imediatamente com a sua eleição se esta se processar através de votação uninominal.
II - O acto eleitoral da junta de freguesia é um acto único e, por isso, os membros da assembleia eleitos como vogais da junta só podem iniciar funções nessa qualidade após o fim daquele acto eleitoral.
III - A força política que tenha obtido quatro mandatos através de eleição directa no órgão deliberativo não pode depois “transformar” essa representação em cinco mandatos no órgão executivo que é eleito por aquele e em função da representação alcançada no primeiro.
Nº Convencional:JSTA00071648
Nº do Documento:SA1202301190366/21
Data de Entrada:01/05/2023
Recorrente:UNIÃO DAS FREGUESIAS DE BACELO E SENHORA DA SAÚDE
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1 – AA, com os sinais dos autos, propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, processo urgente de contencioso eleitoral contra a União de Freguesias de Bacelo e Senhora da Saúde, igualmente com os sinais dos autos, e processo urgente de perda de mandato, contra BB, também identificado nos autos, na qual formulou os seguintes pedidos:
“[…]
Pelo que deve a presente ação ser julgada procedente e em consequência:
a) relativamente à Ré, União de Freguesias de Bacelo e Nossa Senhora da Saúde:
Ser declarada nula a eleição dos vogais da Junta de Freguesia da União de Freguesias do Bacelo e Nossa Senhora da Saúde;
Se abstenha a Junta de Freguesia da União de Freguesias de Bacelo e Nossa Senhora da Saúde de praticar qualquer ato ou comportamento até nova eleição dos vogais da junta de freguesia e substituição do Presidente de Junta eleito;
Ser declarada nula a eleição da mesa da Assembleia de União de Freguesias de Bacelo e Nossa Senhora da Saúde;
Se abstenha a mesa da Assembleia de União de Freguesias de Bacelo e Nossa Senhora da Saúde de praticar qualquer ato até que se proceda a nova eleição da mesa da Assembleia de Freguesia.
Ser declarada nula a substituição dos eleitos na Assembleia de Freguesia após a sua eleição enquanto vogais;
b) relativamente ao Réu, BB:
Ser determinada a perda de mandato de BB;
[…]».

2 – Por sentença de 11 de Janeiro de 2022 foi julgada procedente a excepção peremptória de ilegalidade dos pedidos de suspensão provisória da actividade da Assembleia e da Junta da União de Freguesias de Bacelo e Senhora da Saúde, até à realização de novos actos eleitorais, bem como igualmente julgados improcedentes os restantes pedidos.

3 – Inconformado, o A. recorreu daquela decisão para o TCA Sul, que, por acórdão de 22.09.2022, concedeu parcial provimento ao recurso nos seguintes termos: i) revogou a sentença recorrida na parte em que mandou desentranhar o parecer da CCDRN, ordenando a manutenção do mesmo nos autos; ii) anulou os actos de eleição dos vogais da Junta de Freguesia da União de Freguesias do Bacelo e Nossa Senhora da Saúde praticados na reunião da respectiva Assembleia de Freguesia que teve lugar em 18.10.2021, revogando, nessa parte, a sentença recorrida; e iii) manteve a decisão de improcedência do pedido de perda de mandato do Recorrido BB, negando provimento ao recurso nessa parte.

4 – É desta decisão que a União de Freguesias de Bacelo e Senhora da Saúde interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, que, por acórdão de 15.12.2022, a admitiu.

5 – A Recorrente apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões:
«[…]

a) Bem andou o Tribunal de 1.ª Instância ao proferir a Sentença a quo, negando provimento à ação de contencioso eleitoral deduzida pelo A., e, bem assim, pela decisão de não anular qualquer um dos atos de eleição para vogais da Junta, tomados na primeira reunião da assembleia de freguesia;

b) Mal terá andado o Tribunal de 2.ª Instância ao proferir o Acórdão Recorrido, aqui impugnado para uma melhor aplicação do direito, ao decidir dar provimento ao recurso do A. e, assim, revogar a sentença recorrida e anular os atos de eleição dos vogais para a junta;

c) O disposto no n.º 5 do artigo 9.º da Lei n.º 169/99 (LAL) dita que, em caso da modalidade de votação aprovada seja por voto uninominal (como aqui ocorreu), a eleição dos vogais para a Junta de Freguesia decorre ‘um a um’, apurando-se o resultado eleitoral e depois passando ao próximo que seja proposto pelo Presidente (único órgão competente para o fazer);

d) Inteiramente de desacordo com a lei, conclui o TCA do Sul, no seu Acórdão, que a votação uninominalmente deve ser ‘no mesmo momento’, só depois processando-se a imediata substituição dos vogais eleitos pelos seus substitutos para, depois, elegerem a mesa da assembleia;

e) No caso sub judice, escolhida a forma de votação dos vogais, por voto uninominal, os membros da Assembleia de Freguesia (na reunião de 18/10/2021) desenvolveram o processo eleitoral com normalidade, tendo os nomes propostos, uninominalmente, pelo Presidente sido votados ‘um a um’, com eleição por maioria dos votos expressos, até estarem todos os membros do executivo eleito;

f) Acresce que, não sendo credível que o resultado da eleição desses vogais para a junta, fosse diferente do (realmente) obtido, se o Tribunal de 2.ª Instância tivesse chamado à colação o princípio do aproveitamento do ato administrativo, consagrado no artigo 163.º, n.º 5, do CPA, podia e devia manter os atos de eleição dos vogais, sem afetar o funcionamento da Junta de Freguesia, como aqui se pede seja reconhecido, em sede de orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Administrativo, revogando-se o Acórdão Recorrido neste particular;

g) Por outro lado, a eleição de cada um dos vogais, por voto uninominal, a ser sancionado é pela invalidade, sancionável pelo regime da anulabilidade, não pela nulidade, conforme reconhece o próprio Tribunal de 2.ª Instância (o que se aceita);

h) O legislador da Lei n.º 169/99 por muito desatento, infeliz ou, até, incompetente que tenha sido, ao aprovar um conjunto de normas na mesma lei, no seu artigo 9.º (sob a epigrafe ‘Primeira Reunião’) foi claro ao definir a possibilidade e distinção dos dois modos de eleição dos vogais para a Junta de Freguesia: eleição por lista e a eleição por voto uninominal;

i) No caso em presença, e como resulta da ata da primeira reunião (factos já dados como provados pelo Tribunal a quo), por maioria foi aprovado recorrer ao voto uninominal, para a eleição de cada um dos vogais para a Junta;

j) Processaram-se, assim, as 4 eleições, cada caso, com substituição de cada membro eleito para vogal pelo seu substituto (da mesma lista partidária) para a assembleia, assegurando, assim, o mesmo quórum deliberativo;

k) O n.º 5 do art.º 9.º da Lei n.º 169/99, ao dispor que “A substituição dos membros da assembleia que irão integrar a junta seguir-se-á imediatamente à eleição dos vogais desta, procedendo-se depois à verificação da identidade e legitimidade dos substitutos e à eleição da mesa.” terá diferentes modos temporais de verificação, conforme estejamos perante o modo eletivo por lista ou por voto uninominal;

l) O legislador quando utilizou a expressão “seguir-se-á imediatamente à eleição dos vogais desta”, no caso da eleição por voto uninominal (de cada vogal), fez, parece-nos, corresponder a ‘seguir-se-á imediatamente à eleição de cada um dos vogais desta’, como defendemos acima;

m) Mas ainda que a interpretação mais correta da norma, seja a inversa, ou seja que ‘seguir-se-á imediatamente à eleição de todos os vogais desta’, como parece sustentar o Acórdão Recorrido, ainda assim, os atos de eleição de todos os vogais da Junta de Freguesia não merecem ser invalidados e anulados;

n) Por outro lado, o presente recurso excecional de Revista pede por uma melhor aplicação do direito, como decorre do n.º 1 e 2 do art.º 150.º do CPTA, inclusive para saber qual a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Administrativo sobre o alcance do n.º 5 do art.º 9.º da LAL e se os atos considerados inválidos pelo Tribunal de 2.ª Instância, pelo regime da anulabilidade, podem ou não ser mantidos no sistema, com recurso ao disposto no n.º 5 do art.º 163.º do CPA;

o) Vimos como a decisão recorrida do Tribunal de 2.ª Instância, não se suporta no regime jurídico aplicável às autarquias locais, ferindo o instituído na Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro (na sua redação atual), as disposições aplicáveis da Lei n.º 169/99 (na versão atualizada, doravante LAL) e os princípios administrativos aplicáveis às autarquias locais, como seja o princípio da independência (art.º 44.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais anexo à Lei n.º 75/2013) e o princípio do aproveitamento dos atos administrativos, em particular em sede da eleição dos vogais escolhidos e aprovados (por maioria dos votos expressos, eleição a eleição) para integrarem a junta de freguesia da União de Freguesias ora Recorrente;

p) A ratio legis subjacente ao preceito do n.º 5 do art.º 9.º da LAL, não prevê, sequer literalmente, que se a eleição dos vogais da junta de freguesia se realizar por voto (secreto e) uninominal, “…se faça no mesmo momento”, como sustenta o douto TCA do Sul;

q) A lei disciplina (no art.º 9.º da LAL) uma sequência rigorosa de atos, mas não proíbe a realização dos atos eleitorais necessários à escolha dos vogais para a junta, em separado e de forma sequência, ‘um a um’, com a promoção e entrada dos substitutos para a assembleia de freguesia;

r) Vale dizer, desde já, que a lei especial reconhece aos atos de eleição dos vogais da junta imediata eficácia interna, ou seja, como confirma o Ac. STA de 09-10-2014 (Rec. N.º 583/14, 1.ª Secção), “A lei quis que a eleição dos vogais da junta…, produzisse um efeito regulador imediato no seio da pessoa coletiva e das relações interorgânicas”;

s) “«a resolução das questões eleitorais, em regra, não só exige, como sobretudo não se compadece com a demora normal dos processos: as sentenças de provimento não teriam a sua utilidade normal, pois que, em virtude da impossibilidade prática de reconstituição da situação hipotética, raramente seriam suscetíveis de execução específica» [Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, (Lições), 10.ª edição, página 257].”;

t) Vale dizer também que, ainda que fosse de anular os atos de eleição dos vogais para a junta – conforme decidiu o TCA do Sul no Acórdão Recorrido – ainda assim, por força do princípio do aproveitamento dos atos administrativos, não deveria manter-se o efeito de anulação dos mesmos;

u) “É admissível o afastamento do efeito anulatório por vício procedimental ou formal de fundamentação, mesmo nos casos em que o ato administrativo não seja estritamente vinculado”;

v) Decorre do princípio da independência, subjacente ao princípio da autonomia local, hoje consagrado no art.º 44.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais (anexo à Lei n.º 75/2013), que “Os órgãos das autarquias locais são independentes e as suas deliberações só podem ser suspensas, modificadas, revogadas ou anuladas nos termos da lei”;

w) Esta presunção de independência, conjugado com o disposto no art.º 98.º do CPTA dita que, em sede de contencioso eleitoral, “as deliberações dos órgãos autárquicos só podem ser suspensas, modificadas ou anuladas pela forma prevista na lei, ou seja, nos termos agora definidos no artigo 165.º e seguintes do CPA” (negrito e sublinhado nossos);

x) Aplicando-se a regra do n.º 5 do art.º 165.º do CPA. O princípio do aproveitamento dos atos administrativos tem amplo alcance para o caso jurídico controvertido nesta ação, o que sobrepõe a qualquer invalidade (suprível) que pudesse existir;

y) É necessário que o Supremo Tribunal Administrativo, revogue o Acórdão do TCA do Sul, afaste o efeito anulatório dos aludidos atos político-administrativos da primeira reunião da assembleia de freguesia, em função das circunstâncias de facto e de direito do caso concreto;

z) Reclama-se por paz social e o funcionamento das instituições públicas desta localidade e os órgãos da 1.ª Ré (União de Freguesias ora Recorrente) – inclusive segurança jurídica aos atos e contratos administrativos com efeitos externos (alguns deles constitutivos de direitos para particulares) – pelo que o efeito de anulação dos atos eleitorais aqui em causa, não deve prevalecer;

aa) É de enorme relevância jurídica e social saber se o disposto no art.º 9.º da LAL consente a eleição dos vogais, por voto uninominal ‘no mesmo momento’ (como defende o Acórdão do TCA do Sul) ou, pelo contrário, ‘um por um’ (como defendemos e decidiu o Tribunal de 1.ª Instância), com a substituição dos vogais eleitos em simultâneo ou, ao invés, sequencialmente, ‘um por um’, assegurando o quórum deliberativo;

bb) Para o caso de poder considerar-se que a orientação jurisprudencial mais correta vá no sentido da decisão do Acórdão Recorrido – i.e. voto uninominal ‘no mesmo momento’, sendo anulados os atos de eleição de todos os vogais para a junta de freguesia, no pressuposto de que: “todos os nomes dos vogais a eleger e a votação individual de cada um desses nomes, que é secreta, se faça no mesmo momento.” (cf. pág. 24 do Acórdão Recorrido) – ainda assim, é possível a este Alto Tribunal, como ora se pede, concluir pela manutenção jurídica de tais atos de eleição;

cc) Por regra, as freguesias do nosso país elegem, os seus membros ao órgão executivo, por voto uninominal (‘um por um’), com substituição do(s) eleito(s) pelo(s) seu(s) substituto(s), pelo que é de importância fundamental a admissão do recurso de revista, claramente necessário para uma melhor aplicação do direito – cf. art.º 150.º n.º 1 do CPTA, estando preenchidos todos os pressupostos para a admissão deste recurso de Revista, seja decidido pelo Supremo tribunal Administrativo, como aqui se pede, em apreciação preliminar sumária nos termos do n.º 6 do art.º 150.º do CPTA da admissão da Revista e, depois, o provimento da mesma;

dd) Temos aqui, questão jurídico controvertida a reclamar pela intervenção do Supremo Tribunal Administrativo, para melhor aplicação do direito, até para conferir paz social nesta autarquia local (e nas demais do nosso País que procederam à mesmíssima forma de eleição dos seus vogais);

ee) O presente recurso de Revista procura a douta intervenção do Supremo Tribunal Administrativo, na qualidade de órgão de regulação do sistema, antes de se faça caso julgado daquela decisão do Acórdão do TCA do Sul, o que a acontecer, constituiria uma situação de facto consumado;

ff) A admissão do presente recurso de revista justifica-se também pela necessidade de uma melhor aplicação do Direito, inclusive em matéria de utilização do meio judicial de contencioso eleitoral previsto no art.º 98.º do CPTA;

gg) Os atos de eleição dos vogais para a junta, por escrutínio secreto e voto uninominal, são atos com efeito jurídico imediato, para dedução do processo urgente de contencioso eleitoral previsto no art.º 98.º do CPTA, cuja resolução é necessária para esclarecer dúvidas que subsistem quanto ao regime de eleição indireta do art.º 9.º da LAL, contribuindo para a segurança e a certeza jurídicas inerentes ao Estado de Direito Democrático, onde os aplicadores legais, operadores judiciários e interessados carecem de orientação jurisprudencial do STA.

hh) E de saber, por um lado, se é correto aplicar aos atos eleitorais o princípio do aproveitamento dos atos administrativos, ainda que eles sejam anuláveis – como se esqueceu de apreciar o TCA do Sul, no Acórdão Recorrido –, se a eleição dos vogais aprovada por maioria dos votos expressos na modalidade do voto uninominal, deve (ou não) realizar-se ‘no mesmo momento’ ou, pelo contrário, pode efetuar-se de forma sequencial, ‘um por um’, conforme decidido na sentença da 1.ª Instância.

ii) Está aqui em causa uma questão de correta interpretação e aplicação da lei, de compatibilização da solução consagrada nos n.ºs 1 e 2 do artigo 9°, com o disposto nº 5 do mesmo preceito da LAL, com disposições do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e da Lei nº 75/2013, de 12 de setembro.

jj) A isto acresce que, tanto quanto se saiba, não existe doutrina ou jurisprudência na matéria, o Supremo Tribunal Administrativo ainda não foi chamado a dirimir assuntos destes, da eleição indireta dos vogais por voto uninominal, e de qual o alcance (possível) do disposto no n.º 5 do art.º 9.º da LAL – já que é unânime que o legislador da norma não foi muito feliz.

kk) Como ensina Diogo Freitas do Amaral (Curso de Direito Administrativo, vol. I, 2.ª edição, pág. 446) “O sistema eleitoral relativo a estes órgãos (da freguesia) funciona em dois graus: primeiro, os eleitores elegem os membros da Assembleia; estes, por sua vez, no âmbito da Assembleia, elegem a Junta de Freguesia. A Junta de Freguesia é, pois, designada por eleição indireta.”.

ll) Como refere João Salazar (Municípios e Freguesias, Novas Competências, vol. I, pág. 794) “a eleição é feita tendo em conta uma proposta do presidente da junta eleito. Mais ninguém pode propor nomes ou apresentar listas. Após a eleição dos vogais da junta (não do secretário e do tesoureiro da junta), procede-se à chamada dos membros que vão substituir os vogais e o presidente da junta para recompor a assembleia de freguesia…

mm) A eleição dos vogais para a junta – conforme previsto no artigo 9.º da LAL –, efetua-se imediatamente a seguir ao ato de instalação, para efeitos de eleição, por escrutínio secreto, dos vogais da junta de freguesia, bem como do presidente e secretários da mesa da assembleia de freguesia.

nn) É este, exclusivamente, o escopo da primeira reunião – proceder à eleição dos vogais da Junta de Freguesia, e da Mesa da Assembleia de Freguesia – condições essenciais para que se fixe a sua composição definitiva, permitindo o normal desempenho das suas naturais competências.

oo) E, inexistindo disposição regimental que imponha o método de eleição dos vogais da Junta de Freguesia, compete à Assembleia de Freguesia deliberar se aquela eleição será uninominal ou por meio de listas – quando não, a assembleia vota e aprova a modalidade que for proposta pelo presidente.

pp) Como é obvio, o legislador do art.º 9.º, n.º 5, da Lei n.º 169/99, por infelicidade, menor atenção, ou deficiente logística, conquanto tenha definido os dois (possíveis) métodos de eleição para ambos os atos eleitorais (vogais da junta e mesa da assembleia) não acautelou a crucial diferença entre ambos – nomeadamente, o substrato eleitoral de cada uma das eleições.

qq) Assim, se a eleição para a Mesa se presta otimamente a uma eleição por meio de listas, a eleição dos vogais, não sendo uninominal, apenas fará sentido por lista.

rr) Se nos termos do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 169/99, a mesa (composta por um presidente e dois secretários) é eleita pela Assembleia de Freguesia de entre os seus membros, já os vogais para a Junta, nos termos previstos no n.º 2, do artigo 24.º do mesmo diploma legal, são eleitos pela assembleia de freguesia, também de entre os seus membros, mediante proposta do Presidente da junta.

ss) Ou seja, pese embora a base eleitoral de origem seja a mesma, se no caso da mesa, qualquer dos membros da assembleia pode ser candidato a ocupar qualquer dos lugares nesta, mediante votação da assembleia, no tocante à eleição para a Junta apenas poderão ser vogais aqueles que o Presidente da Junta propuser.

tt) Cabe decidir, aqui, se a norma do art.º 9.º, n.º 5, da LAL permite a votação dos vogais, por voto uninominal, ‘um por um’ ou, pelo contrário, exige seja efetuado ‘no mesmo momento’, com apresentação, pelo presidente da primeira reunião, de todos os nomes para serem votados (simultaneamente);

uu) Pede-se, assim, ao Supremo Tribunal Administrativo que decida e apresente a solução pacificadora do direito, quanto à matéria político-administrativa dos atos eleitorais (e dos atos de substituição de cada um dos vogais) aqui controvertidos, conferindo-nos a melhor orientação jurisprudencial possível ao caso.

vv) No entender da União de Freguesias ora Recorrente, o Acórdão do TCA do Sul merece ser revogado, considerando válidos e legais os atos de eleição dos vogais para a junta, tomados na primeira reunião.

ww) Sem conceder, pede-se ao Supremo Tribunal Administrativo que, caso acompanhe o Acórdão Recorrido, ainda assim, ordene a não produção de efeitos anulatórios dos atos de eleição dos vogais, a coberto do disposto no n.º 5 do art.º 163.º do CPA;

xx) Em suma, preenchidos os pressupostos para a admissão e o provimento do presente recurso excecional de Revista, nos termos do art.º 150.º do CPTA, pedimos “apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo” e, depois, a competente orientação jurisprudencial ao caso controvertido.

Termos em que, deve o presente recurso excecional de Revista, ser admitido e merecer provimento, revogando-se o douto Acórdão Recorrido, do Tribunal Central Administrativo Sul, mantendo-se a sentença do Tribunal da 1.ª Instância e assim:

a) declararem-se válidos os atos de eleição de cada um dos vogais eleitos para a junta de freguesia, tendo em conta o efeito jurídico imediato desses atos e o princípio da independência, subjacente ao princípio da autonomia local, hoje consagrado no art.º 44.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais (anexo à Lei n.º 75/2013);

b) sem conceder, pede-se que se retire todos os efeitos anulatórios de tais atos de eleição, ao abrigo do princípio do aproveitamento dos atos administrativo e do n.º 5 do art.º 163.º do CPA;

c) e, por último, pede-se a este Alto Tribunal que apresentem solução pacificadora do direito e a melhor orientação jurisprudencial possível ao caso,

como é de elementar Direito e a Justiça.

[…]».


6 – O Representante do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo Sul contra-alegou, concluindo da seguinte forma:

«[…]

A. Bem a União da Freguesias de Malagueira e Hortas das Figueiras, invocando a qualidade de Réu, vem, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do CPTA, interpor recurso de Revista, tendo apresentado requerimento com o pedido de apreciação preliminar recurso, por não se conformar com o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, proferido em 22/09/2022.

B. Do teor do requerimento de interposição do recurso de revista, bem como das alegações apresentadas verifica-se que o Recorrente se identifica por União de Freguesias de Malagueira e Horta das Figueiras e Ananias, invocando a qualidade de Réu, não obstante no discurso recursivo se reportar à União de Freguesias do Bacelo e Nossa Senhora da Saúde.

C. Como consta da douta sentença e douto Acórdão a quo AA intentou ação administrativa urgente de contencioso eleitoral, para impugnação da deliberação da Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Bacelo e Senhora da Saúde que elegeu os respetivos vogais para a Junta de Freguesia e, em consequência, também a declaração a perda de mandato do Presidente da Junta BB.

D. O artigo 141.º do CPTA estabelece que: “1 – Pode interpor recurso ordinário de uma decisão jurisdicional proferida por um tribunal administrativo quem nela tenha ficado vencido. […] 4 – Pode ainda recorrer das decisões dos tribunais administrativos quem seja direta e efetivamente prejudicado por elas, ainda que não seja parte na causa ou seja apenas parte acessória.”

E. Na interpretação deste preceito, Mário Aroso Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha referem que: “[…] Tem, assim, legitimidade para recorrer de uma decisão jurisdicional, em primeiro lugar, "quem nela tenha ficado vencido", subentendendo-se que se trata de quem tenha figurado no processo como parte principal.”

F. E mais esclarecem que “[…] Parte vencida é aquela a quem a decisão causa prejuízo e, portanto, a parte relativamente à qual ela se mostra desfavorável.”

G. Pelo que “A legitimidade para recorrer pressupõe, assim, um interesse em agir que se traduz no interesse em afastar o resultado negativo que da decisão resulta para a esfera jurídica do recorrente.”

H. E sobre o preceito no artigo 141.º, n.º 4 do CPTA, aqueles Autores referem que “A disposição em análise, conferindo legitimidade para recorrer a quem tenha sido direta e efetivamente prejudicado pela decisão, abrange, entretanto, qualquer pessoa que, não sendo parte na causa e não podendo ser afetada, em princípio, pela decisão de mérito nela proferida, pode ser prejudicada por uma sentença ou despacho judicial relativo a um incidente ou questão em que seja diretamente interessado.”

I. “A legitimidade ad recursum de terceiro, i.e., de quem não foi parte na causa, é – e só pode - ser aferida segundo um critério material: esse terceiro há-de ser alguém que seja directa e efectivamente prejudicado com a decisão, alguém que seja afectado, pela decisão que pretende impugnar, nos seus direitos e interesses.”, como refere o douto Acórdão do TR de Coimbra, proferido no processo 2109/14.4TBVIS.C1, em 20/01/2015.

J. Pelo que se conclui no sentido da ilegitimidade do Recorrente União de Freguesias de Malagueira e Horta das Figueiras e Ananias, pois não é parte vencida na ação e não tem interesse em agir uma vez que a decisão inscrita no douto Acórdão a quo não afeta e não determina um resultado negativo na sua esfera jurídica.

K. A ilegitimidade constitui uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso que implica a absolvição da instância (cf. artigo 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e), do CPTA).

L. O artigo 150.º do CPTA preceitua que “1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.”

M. E na interpretação deste preceito, Mário Aroso Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha referem que: “[…] Em princípio, das decisões que o TCA profere em sede de recurso de apelação não cabe recurso de revista para o STA. Este artigo 150.º admite, no entanto, a possibilidade da interposição de um excecional recurso de revista para o STA dessas decisões.

N. E esclarecem que “[…] A principal especificidade deste recurso reside no facto de a sua admissibilidade não depender de um critério quantitativo, em função do valor da causa, mas de um critério qualitativo: o recurso é admitido quando esteja cm causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.”

O. E enfatizam que “[…] o Supremo Tribunal Administrativo possa ter uma intervenção que, mais do que decidir directamente um grande número de casos, possa servir para orientar os tribunais inferiores, definindo o sentido que deve presidir à respetiva jurisprudência em questões que, independentemente de alçada, considere mais importantes.”

P. A apreciação sobre a admissibilidade do recurso de revista tem sido, sistemática e superiormente, efetuada pelo Colendo Supremo Tribunal Administrativo no sentido de uma interpretação estrita e minuciosa na aplicação do citado artigo 150.º, n.º 1 do CPTA.

Q. De que constitui exemplo, entre muitos, o doutamente referido, no Acórdão de 20/10/2022, proferido no processo 16181/19.3BELSB: “[…] A jurisprudência desta formação tem considerado que a relevância jurídica fundamental, exigida pelo n.º 1 do art. 150.º do CPTA, se verifica quando […] a admissão da revista fundada na melhor aplicação do direito prende-se com situações respeitantes a matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se, assim, a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação, vendo-se a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objetivo.”

R. O requerimento do pedido para apreciação preliminar do presente recurso excecional de Revista, fundamenta-se essencialmente na necessidade de intervenção do Venerando STA de uma melhor aplicação do direito, nomeadamente a orientação jurisprudencial sobre o alcance do n.º 5 do art.º 9.º da LAL e se os atos considerados inválidos pelo Tribunal de 2.ª Instância, pelo regime da anulabilidade, podem ou não ser mantidos no sistema, com recurso ao disposto no n.º 5 do art.º 163.º do CPA.

S. Concorda-se, na totalidade, com a argumentação do requerimento do pedido de apreciação preliminar, bem como o que consta nas alegações no sentido da justificação de que a intervenção assenta na melhor aplicação do direito, devido ao facto das instâncias terem procedido a interpretação diversa dos artigos 9.º n.º 5, 11.º, 24.º e 79.º da Lei n.º 169/99, de 18/09-LAL, com as devidas atualizações.

T. Pelo que e na eventualidade de se considerar a legitimidade do Recorrente, importa concluir que estão verificados os critérios de admissão do recurso de revista expressos no artigo 150.º, n.º 1 do CPTA.

U. Em 22-09-2022, foi proferido douto Acórdão pelo Tribunal Central Administrativo que julgou parcialmente procedente o recurso interposto por AA e decidiu anulação dos atos de eleição dos vogais da Junta de Freguesia do Bacelo e Nossa Senhora da Saúde praticados na reunião da respetiva Assembleia de Freguesia que teve lugar em 18/10/2021, revogando nesta parte a sentença recorrida, proferida pelo TAF de Beja.

V. E sobre este douto Acórdão foi interposto o presente recurso de revista, com o objeto enunciado de modo sintético, nas alegações de recurso na conclusão “n) o presente recurso excecional de Revista pede por uma melhor aplicação do direito, como decorre do n.º 1 e 2 do art.º 150.º do CPTA, inclusive para saber qual a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Administrativo sobre o alcance do n.º 5 do art.º 9.º da LAL e se os atos considerados inválidos pelo Tribunal de 2.ª Instância, pelo regime da anulabilidade, podem ou não ser mantidos no sistema, com recurso ao disposto no n.º 5 do art.º 163.º do CPA”.

W. E a posição divergente das instâncias está sumariamente expressa na conclusão aa) quando se afirma que: “É de enorme relevância jurídica e social saber se o disposto no art.º 9.º da LAL consente a eleição dos vogais, por voto uninominal, no mesmo momento (como defende o Acórdão do TCA do Sul) ou, pelo contrário, um por um (como defendemos e decidiu o Tribunal de 1.ª Instância), com a substituição dos vogais eleitos em simultâneo ou, ao invés, sequencialmente, “um por um”, assegurando o quórum deliberativo.”

X. E concorda-se com as seguintes conclusões: “c) O disposto no n.º 5 do artigo 9.º da Lei n.º 169/99 (LAL) dita que, em caso da modalidade de votação aprovada seja por voto uninominal (como aqui ocorreu), a eleição dos vogais para a Junta de Freguesia decorre “um a um”, apurando-se o resultado eleitoral e depois passando ao próximo que seja proposto pelo Presidente (único órgão competente para o fazer);”

Y. E “d) Inteiramente de desacordo com a lei, conclui o TCA do Sul, no seu Acórdão, que a votação uninominalmente deve ser “no mesmo momento”, só depois processando-se a imediata substituição dos vogais eleitos pelos seus substitutos para, depois, elegerem a mesa da assembleia;”

Z. E também “e) No caso sub judice, escolhida a forma de votação dos vogais, por voto uninominal, os membros da Assembleia de Freguesia (na reunião de 18/10/2021) desenvolveram o processo eleitoral com normalidade, tendo os nomes propostos, uninominalmente, pelo Presidente sido votados “um a um”, com eleição por maioria dos votos expressos, até estarem todos os membros do executivo eleito;”

AA. Bem como o enunciado em “g) Por outro lado, a eleição de cada um dos vogais, por voto uninominal, a ser sancionado é pela invalidade, sancionável pelo regime da anulabilidade, não pela nulidade, conforme reconhece o próprio Tribunal de 2.ª Instância (o que se aceita);

BB. E “i) No caso em presença, e como resulta da ata da primeira reunião (factos já dados como provados pelo Tribunal a quo), por maioria foi aprovado recorrer ao voto uninominal, para a eleição de cada um dos vogais para a Junta;”

CC. Tal como “j) Processaram-se, assim, as 4 eleições, cada caso, com substituição de cada membro eleito para vogal pelo seu substituto (da mesma lista partidária) para a assembleia, assegurando, assim, o mesmo quórum deliberativo;”

DD. E a interpretação expressa em “k) O n.º 5 do art.º 9.º da Lei n.º 169/99, ao dispor que “A substituição dos membros da assembleia que irão integrar a junta seguir-se-á imediatamente à eleição dos vogais desta, procedendo-se depois à verificação da identidade e legitimidade dos substitutos e à eleição da mesa.” terá diferentes modos temporais de verificação, conforme estejamos perante o modo eletivo por lista ou por voto uninominal;”

EE. E “l) O legislador quando utilizou a expressão “seguir-se-á imediatamente à eleição dos vogais desta”, no caso da eleição por voto uninominal (de cada vogal), fez, parece-nos, corresponder a seguir-se-á “imediatamente à eleição de cada um dos vogais desta”, como defendemos acima;”

FF. Tal como a conclusão “m) Mas ainda que a interpretação mais correta da norma, seja a inversa, ou seja que “seguir-se-á imediatamente à eleição de todos os vogais desta”, como parece sustentar o Acórdão Recorrido, ainda assim, os atos de eleição de todos os vogais da Junta de Freguesia não merecem ser invalidados e anulados; “

GG. E a explicitação que consta em “o) Vimos como a decisão recorrida do Tribunal de 2.ª Instância, não se suporta no regime jurídico aplicável às autarquias locais, ferindo o instituído na Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro (na sua redação atual), as disposições aplicáveis da Lei n.º 169/99 (na versão atualizada, doravante LAL) e os princípios administrativos aplicáveis às autarquias locais, como seja o princípio da independência (art.º 44.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais anexo à Lei n.º 75/2013) e o princípio do aproveitamento dos atos administrativos, em particular em sede da eleição dos vogais escolhidos e aprovados (por maioria dos votos expressos, eleição a eleição) para integrarem a junta de freguesia da União de Freguesias ora Recorrente;”

HH. E concorda-se com o enunciado e “p) A rácio legis subjacente ao preceito do n.º 5 do art.º 9.º da LAL, não prevê, sequer literalmente, que se a eleição dos vogais da junta de freguesia se realizar por voto (secreto e) uninominal, “…se faça no mesmo momento”, como sustenta o douto TCA do Sul; “

II. Tal como com a conclusão “q) A lei disciplina (no art.º 9.º da LAL) uma sequência rigorosa de atos, mas não proíbe a realização dos atos eleitorais necessários à escolha dos vogais para a junta, em separado e de forma sequencial, “um a um”, com a promoção e entrada dos substitutos para a assembleia de freguesia;”

JJ. E Também “t) Vale dizer também que, ainda que fosse de anular os atos de eleição dos vogais para a junta conforme decidiu o TCA do Sul no Acórdão Recorrido ainda assim, por força do princípio do aproveitamento dos atos administrativos, não deveria manter-se o efeito de anulação dos mesmos;”

KK. u) “É admissível o afastamento do efeito anulatório por vício procedimental ou formal de fundamentação, mesmo nos casos em que o ato administrativo não seja estritamente vinculado”;

LL. Se bem percecionamos, o fundamento da divergência das instâncias prende-se com a questão da representatividade eleitoral dos cidadãos eleitos para a assembleia municipal, em substituição dos eleitos como vogais para a junta de freguesia.

MM. No sistema eleitoral, representatividade eleitoral resulta de listas cidadãos eleitores, compostas por candidatos efetivos e candidatos suplentes, sendo que todos estes candidatos são sujeitos a votação, através de escrutínio secreto, pelo que a todos é conferida a legitimidade democrática.

NN. A intervenção da assembleia, destinando-se a eleger os vogais da junta, mediante proposta do presidente deste órgão, tem também por fim conferir-lhes a necessária legitimidade política para o exercício desses cargos.

OO. A letra da norma do n.º 5 do art. 9.º da LAL não revela um sentido inequívoco e natural de acolhimento da solução de substituição dos vogais eleitos para a junta num só ato, depois de finda a escolha de todos eles, quando a eleição haja sido feita de modo uninominal.

PP. A interpretação lógica impõe antes que se perfilhe o entendimento de que a citada norma consagra a substituição imediata de cada membro da assembleia, logo após a sua eleição como vogal da junta.

QQ. A não se entender deste modo, haveria de concluir-se que a própria lei, irracionalmente, impõe a redução automática e aritmética dos quóruns constitutivo e deliberativo da assembleia de freguesia, à medida que dela vão saindo os membros eleitos como vogais.

RR. Pelo que não se concorda com a interpretação do artigo 9.º, n.º 5 da LAL que consta do douto Acórdão a quo no sentido de que a substituição dos membros da assembleia que irão integrar a junta de freguesia, na modalidade de votação uninominal, seguir-se-á imediatamente após a eleição de todos os vogais;

SS. Com a alegação em síntese de que “que a proposta a elaborar pelo presidente da junta apenas pode considerar como universo de elegíveis para vogais da junta, os cidadãos que nesse momento integram a assembleia de freguesia, que, como resulta do processo eleitoral, foram directamente eleitos para essa assembleia por sufrágio universal dos cidadãos eleitores na área da freguesia.”

TT. E como refere o Ministério Público, em 1ª instância: “A eleição indirecta dos vogais da junta é tão legítima e democrática quanto a eleição directa do presidente desse órgão executivo e dos (restantes) membros do órgão deliberativo da freguesia.”

UU. Porque se trata de “uma nova eleição, em que os eleitores (antes escolhidos por eleição directa) não estão vinculados a votar nos partidos pelos quais foram eleitos, pelo que não tem de existir uma coincidência necessária entre o número de lugares de vogais de certo partido na junta e o número de mandatos obtidos, pelo mesmo partido, nas eleições directas para a assembleia.”

E acrescente-se que o legislador no artigo 9.º, n.º 3 da LAL consagra a votação uninominal obrigatória em caso de empate entre votação por listas e votação uninominal, por considerar uma forma mais consistente e com reflexos mais clarificadores do sentido do voto no ato eleitoral.

VV. Também e sempre com o devido respeito, o douto Acórdão a quo não contém uma justificação, absolutamente esclarecedora para a questão da votação uninominal, no mesmo momento, e a redução do número do número de eleitores da assembleia de freguesia à medida que estes forem sendo eleitos, como vogais, para a junta, por terem passado a fazer parte de outro órgão e ficado impedidos de poder votar na assembleia e a garantia do quórum deliberativo da assembleia de freguesia, na primeira reunião.

WW. E também aqui se adere à posição do Ministério Público, já citado quando afirma que: “A interpretação lógica impõe antes que se perfilhe o entendimento de que a citada norma consagra a substituição imediata de cada membro da assembleia, logo após a sua eleição como vogal da junta.

XX. E conclui que “A não se entender deste modo, haveria de concluir-se que a própria lei, irracionalmente, impõe a redução automática e aritmética dos quóruns constitutivo e deliberativo da assembleia de freguesia, à medida que dela vão saindo os membros eleitos como vogais.”

YY. Pelo exposto, se conclui que a posição expressa no douto Acórdão a quo é suscetível de contrariar o disposto nos artigos 9.º, n.º 5 e 24.º, n.º 2, da Lei n.º 169/99, de 18/09, devidamente atualizada-LAL, artigo 44.º do regime anexo à Lei n.º 75/13, de 12/09 e artigos 98.º e 163.º, n.º 5 do CPTA.

Termos em que, na eventualidade de se considerar superiormente que o Recorrente é parte legítima, se peticiona a admissão do presente recurso excecional de Revista e a consequente revogação do douto Acórdão Recorrido, do Tribunal Central Administrativo do Sul, mantendo-se a sentença do Tribunal da 1.ª Instância.

Mas, Vossas Excelências ao decidirem superiormente farão, como sempre, a costumada

JUSTIÇA

[…]».


7 – Sem lugar a parecer do MP nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 do CPTA.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. De facto
Na decisão recorrida foi dada como assente a seguinte matéria de facto:
«[…]
A) Em 26.09.2021, ocorreram eleições autárquicas a nível nacional para o quadriénio 2021-2025, e no que, por ora, aqui releva, para a Assembleia de Freguesia (órgão legislativo) e para a Junta de Freguesia (órgão executivo) da União de Freguesias de Bacelo e Senhora da Saúde (acordo entre as partes);

B) O ora A. é eleitor, e foi candidato no primeiro lugar da lista apresentada pela Coligação Democrática Unitária (PCP - PEV) à Assembleia da União de Freguesias de Bacelo e Senhora da Saúde, aqui 1.a R., nas referidas eleições autárquicas (acordo entre as partes; cfr. doc. 4 junto pela 1.ª R. com a contestação, a fls. 13 dos autos no SITAF, e doc. 1 junto pelo A. com a p.i., a fls. 25 e ss. dos autos no SITAF);

C) Também o aqui 2.° R., BB, se candidatou no primeiro lugar da lista apresentada pelo Partido Socialista às eleições autárquicas aqui em apreço (acordo entre as partes; cfr. doc. 1 junto pelo A. com a p.i., a fls. 25 e ss. dos autos no SITAF);

D) Apresentaram candidatura à Assembleia de Freguesia da 1.a R., seis listas, a saber:

· MUDAR COM CONFIANÇA - PPD/PSD.CDS - PP.MPT.PPM;

· CDU - Coligação Democrática Unitária, PCP - PEV;

· PARTIDO SOCIALISTA - PS;

· BLOCO DE ESQUERDA - BE;

· CHEGA - CH;

· MOVIMENTO CUIDAR DE ÉVORA - NC/RIR

(cfr. doc. 1 junto pelo A. com a p.i., a fls. 25 e ss. dos autos no SITAF);

E) As referidas listas obtiveram, para um total de 13 lugares, os seguintes resultados, consignados na Ata da Assembleia de Apuramento Geral, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais:

· MUDAR COM CONFIANÇA — PPD/ PSD. CDS - PP. MPT. PPM: 3 eleitos;

· CDU — Coligação Democrática Unitária, PCP - PEV: 3 eleitos;

· PARTIDO SOCIALISTA — PS: 4 eleitos;

· BLOCO DE ESQUERDA — BE: 0 eleitos;

· CHEGA — CH: 1 eleito;

· MOVIMENTO CUIDAR DE ÉVORA — NC/RIR: 2 eleitos

(cfr. doc. 1 junto pelo A. com a p.i., a fls. 25 e ss. dos autos no SITAF);

F) Em 18.10.2021, realizou-se o ato de instalação da Assembleia de Freguesia (AF), seguida da primeira reunião de funcionamento deste órgão, presidida pelo 2.° R., BB, na qualidade de cidadão melhor posicionado da lista vencedora do PS, com vista à eleição dos 4 vogais da Junta de Freguesia (JF) e dos membros da mesa da AF (acordo entre as partes; cfr. doc. 2 junto pelo A. com a p.i., a fls. 53 e ss. dos autos no SITAF, cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e doc. 1 junto aos autos pela 1.ª R. com a contestação, a fls. 112 e ss. dos autos no SITAF);

G) No decurso da reunião, mas em momento anterior à eleição dos vogais da Junta de Freguesia e da mesa da Assembleia de Freguesia, o eleito CC abandonou a sessão, existindo, a partir desse momento, um quórum de doze eleitos (acordo entre as partes; cfr. doc. 2 junto pelo A. com a p.i., a fls. 53 e ss. dos autos no SITAF);

H) A Assembleia de Freguesia deliberou, por maioria, que a eleição dos vogais da Junta de Freguesia fosse feita de modo uninominal (acordo entre as partes; cfr. doc. 2 junto pelo A. com a p.i., a fls. 53 e ss. dos autos no SITAF);

I) O Presidente da AF propôs, e colocou à votação, a eleição, para vogal da JF, de DD, que havia sido eleita pela lista do PS, tendo, a mesma, sido eleita, para vogal da Junta de Freguesia, com nove votos a favor, três brancos e zero contra (acordo entre as partes; cfr. doc. 2 junto pelo A. com a p.i., a fls. 53 e ss. dos autos no SITAF);

J) De seguida, o Presidente da AF procedeu à verificação da legitimidade do substituto, EE, que fora eleito pela lista do PS, empossando-o como membro da Assembleia de Freguesia (acordo entre as partes; cfr. doc. 2 junto pelo A. com a p.i., a fls. 53 e ss. dos autos no SITAF);

K) Após, o Presidente da AF propôs, e colocou à votação, por escrutínio secreto, a eleição, de forma uninominal, de FF, eleito pela lista do PS, tendo, o mesmo, sido eleito, para vogal da Junta de Freguesia, com nove votos a favor, três votos em branco e zero votos contra (acordo entre as partes; cfr. doc. 2 junto pelo A. com a p.i., a fls. 53 e ss. dos autos no SITAF);

L) Depois, o Presidente da AF procedeu à verificação da legitimidade da substituta, GG, eleita pelo PS, empossando-a como membro na Assembleia de Freguesia (acordo entre as partes; cfr. doc. 2 junto pelo A. com a p.i., a fls. 53 e ss. dos autos no SITAF);

M) Em seguida, o Presidente da AF propôs, e colocou à votação, por escrutínio secreto, a eleição, de forma uninominal, de HH, eleita pelo PS, tendo, a mesma, sido eleita, para vogal da Junta de Freguesia, com nove votos a favor, três votos em branco e zero votos contra (acordo entre as partes; cfr. doc. 2 junto pelo A. com a p.i., a fls. 53 e ss. dos autos no SITAF);

N) Imediatamente depois, o Presidente da AF procedeu à verificação da legitimidade do substituto, II, eleito pelo PS, empossando-o como membro da Assembleia de Freguesia (acordo entre as partes; cfr. doc. 2 junto pelo A. com a p.i., a fls. 53 e ss. dos autos no SITAF);

O) Em seguida, o Presidente da AF propôs, e colocou à votação, por escrutínio secreto, a eleição, de forma uninominal, de EE, eleito pelo PS, tendo, o mesmo, sido eleito, para vogal da Junta de Freguesia, com sete votos a favor, três votos em branco, e dois votos contra (acordo entre as partes; cfr. doc. 2 junto pelo A. com a p.i., a fls. 53 e ss. dos autos no SITAF);

P) Após, o Presidente da AF procedeu à verificação da legitimidade da substituta, JJ, eleita pelo PS, empossando-a como membro da Assembleia de Freguesia (acordo entre as partes; cfr. doc. 2 junto pelo A. com a p.i., a fls. 53 e ss. dos autos no SITAF);

Q) No final da eleição, a JF ficou composta por 5 membros do PS (Presidente e 4 vogais), que haviam sido eleitos para a AF (acordo entre as partes; cfr. doc. 2 junto pelo A. com a p.i., a fls. 53 e ss. dos autos no SITAF);

R) Após a eleição dos vogais da Junta de Freguesia, procedeu-se à eleição da mesa da Assembleia de Freguesia (acordo entre as partes; cfr. doc. 2 junto pelo A. com a p.i., a fls. 53 e ss. dos autos no SITAF);

S) Neste âmbito, o Presidente propôs que a eleição da mesa da AF fosse feita através do método uninominal - proposta esta que obteve vencimento (acordo entre as partes; cfr. doc. 2 junto pelo A. com a p.i., a fls. 53 e ss. dos autos no SITAF);

T) Em seguida, o Presidente da AF propôs que a mesa da Assembleia de Freguesia fosse constituída pelos seguintes eleitos:

· Presidente: KK;

· 1.° Secretário: GG; e,

· 2.° Secretário: LL;

(cfr. doc. 2 junto pelo A. com a p.i., a fls. 53 e ss. dos autos no SITAF);

U) O 2.° R. BB votou na eleição para a mesa da Assembleia de Freguesia (cfr. doc. 2 junto pelo A. com a p.i., a fls. 53 e ss. dos autos no SITAF);

V) Efetuada a votação por escrutínio secreto, as propostas apresentadas pelo Presidente foram aprovadas com sete votos a favor, dois votos contra e três votos em branco (acordo entre as partes; cfr. doc. 2 junto pelo A. com a p.i., a fls. 53 e ss. dos autos no SITAF);

W) Terminada a eleição da Mesa da Assembleia de Freguesia, o A. pediu a palavra para referir que a tomada de posse foi ferida de ilegalidades, nomeadamente no que toca à subida dos suplentes e ao facto de terem assumido funções no executivo mais eleitos do PS, que do aqueles que foram eleitos no dia 26 de setembro, mais, tendo, ainda, informado, que o ato de tomada de posse iria objeto de impugnação (acordo entre as partes; cfr. doc. 2 junto pelo A. com a p.i., a fls. 53 e ss. dos autos no SITAF).

[…]».

2. De Direito

2.1. As questões que vêm suscitadas no âmbito do presente recurso são, essencialmente, duas: i) saber se existe erro de julgamento do acórdão do TCA Sul quando considera que o procedimento seguido na eleição dos vogais da Junta de Freguesia violou o disposto no n.º 5 do artigo 9.º da Lei n.º 169/99 (de ora em diante apenas LAL/99); e ii) saber se (a aceitar-se a existência do vício de anulabilidade) a decisão também errou ao julgar que neste caso não poderia haver lugar ao aproveitamento do acto.

2.2. Nos autos discute-se a legalidade do procedimento seguido para a constituição da Junta de Freguesia, leia-se para a eleição dos vogais daquele órgão autárquico.

Está em causa a constituição de uma Junta de Freguesia – a Junta de Freguesia da União de Freguesias de Bacelo e Senhora da Saúde – com mais de 5000 eleitores e menos de 20000 eleitores, pelo que, nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 2, al. b) da LAL, a mesma é constituída por quatro vogais. E, tendo em conta o referido número de eleitores, a assembleia de freguesia é constituída por 13 membros (artigo 5.º da LAL).

De acordo com o mesmo artigo 24.º da LAL: i) o presidente da junta é o cidadão que encabeçar a lista mais votada na eleição para a assembleia de freguesia; e ii) os vogais são eleitos pela assembleia de freguesia, de entre os seus membros, mediante proposta do presidente da junta, nos termos do artigo 9.º da LAL.

Assim, uma vez apurados os resultados eleitorais, verificou-se que a assembleia de freguesia era composta por: 4 representantes do PARTIDO SOCIALISTA; 3 representantes da coligação MUDAR COM CONFIANÇA (PPD/ PSD. CDS - PP. MPT. PPM.); 3 representantes da CDU — Coligação Democrática Unitária (PCP – PEV); 2 representantes do MOVIMENTO CUIDAR DE ÉVORA (NC/RIR) e 1 representante do CHEGA – CH.

Uma vez convocados os eleitos para o acto de instalação da assembleia de freguesia (artigos 7.º e 8.º da LAL), procedeu-se na primeira reunião, como determina o artigo 9.º da LAL, à eleição dos vogais da junta de freguesia. Os 12 eleitos presentes (um dos eleitos abandonou a reunião e não conta para este efeito) deliberaram, por maioria, proceder à votação uninominal, tal como previsto no n.º 2 do artigo 9.º da LAL.

A divergência neste caso cinge-se, apenas, ao modo como deve proceder-se neste tipo de votação face à substituição dos membros da assembleia que passam a integrar a junta, pelo que o problema consiste exclusivamente em saber como se deve interpretar o n.º 5 do referido artigo 9.º da LAL.

O artigo em causa dispõe expressamente o seguinte: “A substituição dos membros da assembleia que irão integrar a junta seguir-se-á imediatamente à eleição dos vogais desta, procedendo-se depois à verificação da identidade e legitimidade dos substitutos e à eleição da mesa”. E a divergência interpretativa consiste em determinar se a referida substituição, no caso da votação uninominal, terá lugar após a eleição de cada vogal da junta, ou se a mesma apenas tem lugar após a eleição dos quatro vogais.

E o resultado, como ilustram as decisões divergentes das instâncias, não é irrelevante, pois se se entender, como entendeu o TAF de Beja, que a substituição tem lugar após a eleição de cada vogal da junta, para assim se garantir sempre o universo eleitoral de 12 na eleição de cada vogal (e tendo em conta, como se defende na fundamentação do aresto, que uma vez eleito como vogal da Junta de Freguesia, este membro daquele órgão deixa de fazer parte da Assembleia da Freguesia e, como tal, de poder participar naquela votação), então a substituição teria lugar imediatamente após a eleição de cada vogal, como sucedeu no caso em apreço. Já se se entendesse, como defende o acórdão do TCA, que aquela substituição só pode ter lugar após a eleição dos 4 vogais, então o resultado da composição da Junta de Freguesia nunca poderia ser o que resultou do caso concreto, pois um dos vogais já não poderia pertencer ao PS, tendo em conta que este partido apenas elegeu 4 representantes para a assembleia de freguesia e, como tal, não poderia nunca alcançar uma representatividade de 5 membros (o presidente e quatro vogais) na composição da junta de freguesia.

Cabe, assim, verificar do acerto ou não da interpretação normativa sufragada pelo acórdão recorrido e pela sua aplicação na prática. E, como veremos, a interpretação do acórdão recorrido é correcta.

Primeiro, porque é para ela que inequivocamente aponta o elemento literal ou gramatical em conjugação com o elemento sistemático da interpretação jurídica, quer quando no n.º 5 do artigo 9.º da LAL se refere que a substituição dos membros da assembleia que passam a integrar a junta de freguesia tem lugar após a eleição dos vogais desta, ou seja, a sequência no tempo é a eleição dos vogais da junta e, depois de terminado esse acto eleitoral (seja segundo o método da lista, seja segundo a votação uninominal), é que se procede à substituição dos membros da assembleia de freguesia, quer quando no n.º 2 do artigo 24.º da LAL se afirma que os vogais da junta de freguesia são eleitos pela assembleia de freguesia de entre os seus membros, ou seja, de entre os membros efectivos daquele órgão autárquico (os que constituem a assembleia de freguesia) na primeira reunião do mesmo.

E não tem razão a sentença do TAF de Beja quando defende que imediatamente após a eleição para a junta o vogal eleito para a junta “perde” o mandato na assembleia de freguesia, pois, como resulta da conjugação do disposto nos artigos 24.º, n.º 2, 25.º e artigo 75.º, n.º 3 da LAL, os vogais da junta de freguesia só iniciam o seu mandato com a “constituição do órgão”, ou seja, quando se completa o respectivo processo electivo e constitutivo (escolha do tesoureiro e do secretário) e não imediatamente com a eleição, a que se soma o facto de o respectivo mandato na assembleia de freguesia apenas ficar suspenso com o início das funções na junta, podendo o mesmo ser retomado se aquelas funções no órgão executivo entretanto cessarem. Acresce que, sendo o acto eleitoral um acto único, os membros da assembleia eleitos como vogais da junta só poderiam iniciar funções nessa qualidade após o fim do acto eleitoral, ou seja, após a eleição do último vogal em caso de votação uninominal, mantendo até esse momento a sua qualidade de membros da assembleia de freguesia, até porque, até esse momento, a junta de freguesia ainda não está sequer constituída. Assim, é falso o problema suscitado na sentença do TAF de Beja de “limitação” do universo eleitoral em cada ronda da votação uninominal.

Segundo, porque esta é a única interpretação da norma em conformidade com o princípio da representação democrática que preside à eleição dos órgãos autárquicos. Como bem destaca o A. desta acção, não é conforme com aquele princípio uma solução em que o órgão executivo da freguesia, que é eleito pelo órgão deliberativo e, como tal, tem de espelhar a representatividade eleitoral daquele, consegue alcançar uma representatividade superior àquela que foi alcançada pelo órgão deliberativo eleito directamente. Se a força política em questão apenas obteve quatro mandatos na representação directa no órgão deliberativo não pode depois “transformar” essa representação em cinco mandatos no órgão executivo que é eleito por aquele e em função da representação alcançada naquele. É um absurdo no plano do princípio democrático, em que se inscreve a representação democrática apurada segundo os resultados eleitorais e, em si, suficientemente sintomático do erro na interpretação da norma legal em causa em que incorreu o acto de eleição e constituição da junta de freguesia aqui em apreço. É que não se pode olvidar que a junta de freguesia é um órgão representativo da freguesia e o órgão executivo da freguesia, cuja representatividade democrática é apurada no âmbito dos respectivos resultados eleitorais para a assembleia de freguesia, os quais se têm de espelhar na composição dos dois órgãos daquela pessoa pública autárquica.

Por último, a decisão recorrida também dá nota – o releva para efeitos do elemento histórico da interpretação normativa – de que por ocasião da aprovação da Lei n.º 5-A/2002 se discutiu a possibilidade de os órgãos executivos autárquicos deixarem de obedecer a um critério de representatividade e passarem a ter uma certa autonomia, no sentido de os respectivos presidentes poderem nomear e exonerar os outros membros daqueles órgãos, substituindo-se assim o modelo electivo vigente que condiciona a respectiva formação por via electiva. Mas essas propostas não foram aprovadas. Assim, manteve-se o modelo electivo, pelo que, também por esta razão, não tem qualquer acolhimento a proposta interpretativa sufragada pela decisão aqui impugnada, por via da qual este modelo electivo acabaria por não ser respeitado.

Diga-se, ainda, que a interpretação sufragada pelo acórdão recorrido em nada contende, contrariamente ao que alega a Recorrente, com o princípio da independência dos órgãos autárquicos ou com outros princípios eleitorais, pois, como deixámos claro, a interpretação ali acolhida do disposto no n.º 5 do artigo 9.º da LAL é a única admissível, à luz das regras da interpretação jurídica e da materialidade do princípio democrático.

Assim, nenhuma censura merece a decisão do TCA Sul nesta parte.

2.3. A Recorrente também não tem razão quando defende que, mesmo a existir uma ilegalidade no procedimento de eleição e constituição da junta de freguesia, o efeito anulatório deve ser relevado por efeito do princípio do aproveitamento dos actos administrativos. É que, mesmo a considerar-se que a invalidade aqui seria a mera anulabilidade, não estamos perante um vício respeitante a uma simples irregularidade procedimental, mas antes perante um vício que afecta e se projecta no conteúdo material do resulto ao deturpar os resultados eleitorais e a efectividade do princípio da representação democrática. Acresce ainda que nunca se poderiam considerar preenchidos in casu os pressupostos do n.º 5 do artigo 163.º do CPA, pois o acto a praticar não pode ter o conteúdo daquele que é anulado.

Improcede, por isso, também este ponto do recurso.

III – Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 19 de janeiro de 2023. – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – Ana Paula Soares Leite Martins Portela.