Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0603/14.6BEPRT 0204/17
Data do Acordão:12/05/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:IMPOSTO DE SELO
TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
OBJECTO
PEDIDO
Sumário:I - A norma de incidência contida na referida verba nº 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, na sua redacção inicial (anterior à redacção conferida pela Lei de Orçamento de Estado do ano de 2014) não engloba os terrenos para construção.
II - Embora a liquidação de imposto do selo se configure como o acto susceptível de ser impugnado, a parte pode limitar a impugnação a uma parte da liquidação.
Nº Convencional:JSTA00071001
Nº do Documento:SA2201812050603/14
Data de Entrada:02/21/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:SENTENÇA DO TAF DO PORTO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:IMPOSTO DE SELO
Legislação Nacional:VERBA N.º 28.1 DA TABELA GERAL DO IMPOSTO DE SELO
Aditamento:
Texto Integral: RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença proferida em 27/10/2016 no processo de impugnação nº 603/14.6BEPRT, do TAF do Porto, deduzida por A…………, Lda., com os demais sinais dos autos, contra a liquidação de Imposto de Selo (3ª prestação) no montante de 4.901,77 Euros, referente ao ano de 2012 e a um terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santa Marinha sob o art. 8229 (actual art. 6125 da matriz predial urbana da União de Freguesias de Santa Marinha e S. Pedro da Afurada).

1.2. Termina as alegações do recurso com a formulação das Conclusões seguintes:
A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos supra identificados, que julgou procedente a impugnação deduzida contra a terceira prestação da liquidação de Imposto de Selo n° 2012 49000032231, do ano de 2012, no montante de € 4.901,77, a que corresponde a nota de cobrança n° 2013 000317042, referente ao terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Santa Marinha sob o artigo 82292, emitida com base na norma do artigo 1° do Código do Imposto do Selo (CIS), conjugada com a Verba n° 28.1 da respetiva Tabela Geral (TGIS) e artigo 4° da Lei n° 55-A/2012, de 29 de outubro.
B. Ressalvado o sempre devido respeito, com o desta forma decidido, não se conforma a Fazenda Pública, porquanto considera que o Tribunal a quo condenou em objecto diverso do pedido de acção, enfermando por isso de nulidade, bem como incorreu em erro de julgamento na aplicação do direito. Materializando,
C. Conforme o disposto na al. e) do n° 1 do artigo 615° do CPC, é nula a sentença quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
D. Devendo esta norma ser lida em conjugação com o consignado no n° 1 do artigo 609° do CPC, de acordo com o qual a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
E. Resultando assim indubitável que a decisão que ultrapasse o pedido formulado, sem modificação objectiva da instância, passando a abranger pedido qualitativamente e/ou quantitativamente diferente, está ferida da nulidade.
F. Ora, in casu, como se retira do teor petição inicial, a presente impugnação veio deduzida contra a terceira prestação da liquidação de Imposto de Selo (Verba 28 da TGIS) n° 2012 49000032231, do ano de 2012, no montante de € 4.901,77, a que corresponde a nota de cobrança n° 2013 000317042, referente ao terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Santa Marinha sob o artigo 8229.
G. Sendo que a final a Impugnante formula, com toda a clareza e simplicidade, um pedido muito concreto, que é o da anulação da terceira prestação da liquidação de Imposto de Selo n° 2012 49000032231, do ano de 2012.
H. Ou seja, a Impetrante não impugnou na sua totalidade o acto de liquidação objecto dos presentes autos, mas apenas uma sua parte.
Aliás, o valor da causa indicado na petição inicial corresponde à terceira prestação da referida liquidação de Imposto de Selo (Verba 28 da TGIS), designadamente € 4.901,77.
I. Sucede que, na decisão recorrida se ordenou a anulação de toda a liquidação de Imposto de Selo n° 2012 49000032231, do ano de 2012, no montante de € 14.705,32.
J. Verifica-se, assim, que o Tribunal a quo, proferiu uma sentença ultra petitum, posto que condena a Administração Tributária e Aduaneira para além do pedido formulado pela Impugnante. Pois, a decisão que se impunha proferir em face do pedido formulado pela Impugnante e da procedência da ação era, na melhor das hipóteses, a de anular tão somente a terceira prestação da liquidação de Imposto de Selo (Verba 28 da TGIS) n° 2012 49000032231, do ano de 2012, no montante de € 4.901,77.
K. Devendo assim se concluir que a sentença sindicada enferma de nulidade por condenação em quantia superior do pedido na acção (cfr. al. e) do n° 1 do artigo 615° do CPC, aplicável ex vi al. e) do artigo 2° do CPPT).
L. Ademais, sem prescindir, afigura-se-nos ainda que a sentença sob análise incorre em erro de julgamento na aplicação do direito, porquanto o acto impugnado não é autonomamente sindicável, pois a liquidação de Imposto de Selo (Verba 28 da TGIS) n° 2012 49000032231, relativa ao ano de 2012, é um acto de liquidação uno e indivisível.
M. Logo, qualquer uma das respectivas prestações de pagamento não é autonomamente sindicável, mas apenas o acto de liquidação a que elas se reportam.
N. E não obstante o envio de três documentos de cobrança relativos a três prestações de cada uma das liquidações, o certo é que se trata de uma única liquidação.
O. Assim, atentos ao disposto nos artigos 23° n° 7, 44° n° 5 e 46° n° 5 do CIS, 119° n° 1 e 120° n° 1, al. c) do CIMI, a liquidação de imposto a que se refere a verba 28 da Tabela Geral é liquidada anualmente, devendo ser paga em três prestações (nomeadamente, em abril, julho e novembro), enviando a administração tributária a cada sujeito passivo, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, os respectivos documentos de cobrança (isto é, três documentos, relativos a cada uma das três prestações). Tal como ocorreu no caso em apreço, em que a Autoridade Tributária e Aduaneira remeteu à Impugnante três documentos de cobrança relativos à liquidação de Imposto de Selo (verba 28 da TGIS) n° 2012 49000032231, do ano de 2012, referente ao terreno para construção inscrito na matriz predial urbana das freguesias da Santa Marinha sob o artigo 8229, no montante total de € 14.705,32, a pagar em três prestações de € 4.901,78 e de € 4.901,77, cujas notas de cobrança têm os n.ºs 2013 000317040, 2013 000317041 e 2013 000317042.
P. Consequentemente, face aos normativos citados, à natureza indivisível do acto de liquidação aqui em causa, bem como por forma a evitar que sejam proferidas decisões administrativas ou judiciais contraditórias sobre a mesma questão, resulta evidente que a terceira prestação liquidação de Imposto de Selo n° 2012 49000032231, relativa ao ano de 2012, do prédio em apreço, não é autonomamente sindicável.
Q. Em suma, ao decidir-se como se decidiu, sempre com o devido respeito pelo labor do Tribunal a quo, é nossa convicção que a douta sentença enferma de nulidade por condenação em objecto diverso do pedido, bem como incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de direito ao não julgar verificada a excepção dilatória inominada de inimpugnabilidade dos actos sindicados, determinante da absolvição da Fazenda Pública da instância (cfr. artigos 278° n° 1 al. e), 576° n° 2, 577° al. f) e 578° do CPC, aplicáveis ex vi al. e) do artigo 2° do CPPT).
Termina pedindo o provimento do recurso e que a sentença recorrida seja declarada nula e substituída por acórdão que absolva a Fazenda Pública da instância.


1.3. A recorrida não apresentou contra-alegações.

1.4. Pronunciando-se sobre a invocada nulidade da sentença (por alegadamente ter proferido condenação em mais do que o que fora pedido – cfr. a al. e) do nº 1 do art. 615º do CPC e o art. 125º do CPPT), a Mma. Juíza do Tribunal a quo proferiu em 3/2/2017 o despacho de fls. 77, no qual sustenta que não ocorre a suscitada nulidade, pois que a liquidação impugnada é apenas a do montante de 4.901.77 Euros, pelo que a procedência da acção importa tão só a anulação deste montante.

1.5. Os autos foram com Vista ao MP que emite Parecer nos termos seguintes:
«Recorre a Fazenda Pública da sentença do TAF do Porto de 27.10.2016 que, julgando procedente a impugnação, anulou a liquidação impugnada.
Para além do erro de julgamento, a recorrente sustenta que a sentença recorrida enferma de nulidade, por condenação em objecto diverso do pedido.
Não se me afigura que lhe assista razão.
1. Quanto à nulidade
Como se vê da p.i. a impugnante pediu a anulação da liquidação do imposto de selo relativa à terceira prestação do ano de 2012, no valor de € 4.901,77.
Ora, identificando claramente o acto impugnado, com indicação da nota de cobrança de fls. 8 dos autos e menção do respectivo valor, foi esse o acto que a sentença anulou e não qualquer outro, como aliás o Mm.° Juiz a quo bem refere no seu despacho de fls. 77. Nem poderia ser de outra forma porque a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que for pedido (art. 609°, n° 1 do CPCivil).
Improcederá, assim, salvo melhor entendimento, a invocada nulidade.
2. Quanto ao erro de julgamento
Também quanto a este aspecto se me afigura que à sentença recorrida não pode ser assacado qualquer erro de julgamento.
Por um lado porque, em substância, está a decisão recorrida em perfeita sintonia com a jurisprudência que este STA vem produzindo sobre a matéria.
Por outro porque não se vê que não possa ser sindicado o acto concretamente impugnado, até porque o mesmo pode padecer, hipótese que se aventa, de vícios próprios que não se divisem nas liquidações das demais prestações. Aliás, a própria nota de cobrança de fls. 8 refere, e bem, que entidade visada “poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 70° e 102°” (do CPPT). 
Não se vê ademais que a sentença possa ter errado sobre a matéria de direito, por não julgar verificada a excepção dilatória da inimpugnabilidade do acto sindicado. É que, para além de infundada, o que se afirma com o devido respeito e salvo melhor opinião, não se vê que uma tal excepção tenha sido invocada pela ora recorrente, mormente no seu articulado de defesa, e que sobre a mesma tenha havido pronúncia, alegadamente em erro de direito. A sentença recorrida nada refere sobre essa questão e, portanto, não a pode ter decidido em erro de direito e se porventura aquela excepção foi invocada e não foi decidida então o que existe não é erro de julgamento mas omissão de pronúncia.
Assim, sem outras considerações, concluo pela improcedência do presente recurso e, em consequência, pela manutenção do julgado. É o meu parecer.»

1.6. Foi proferido, entretanto, o despacho de fls. 85vº e 86, no qual, suscitando-se as questões prévias que se prendem com a eventual inimpugnabilidade do acto (3ª prestação) e com a eventual caducidade do direito à impugnação, se determinou a notificação das partes para sobre as mesmas se pronunciarem, querendo, nada tendo vindo, porém, aos autos.

1.7. As questões a decidir reconduzem-se, portanto, às de saber se a sentença enferma da apontada nulidade (por condenação ultra petitum ou por omissão de pronúncia sobre as questões da impugnabilidade do acto ou da caducidade do direito de acção), bem como de erro de julgamento quanto a essas mesmas matérias e sobre a questão atinente ao âmbito de incidência da verba nº 28.1. da TGIS, na redacção dada pela Lei n° 55-A/2012, de 29/10 (nomeadamente se nela se incluem terrenos para construção, ou, mais precisamente, se os terrenos para construção com valor patrimonial igual ou superior a € 1.000.000 podem subsumir-se no conceito de prédios urbanos “com afectação habitacional” a que alude a referida verba).

1.8. Corridos os Vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. A sentença julgou provados os factos seguintes:
1. A Impugnante é proprietária do prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial de VNGaia sob o artigo 8229, da freguesia de Santa Marinha;
2. Descrito como terreno para construção;
3. De onde consta: (...) tipo de coeficiente de localização: Habitação;
4. A AT procedeu à liquidação de Imposto de Selo n° 2013000317042, referente ao artigo urbano 8229, de VNGaia, do ano de 2012, no montante de € 4.901,77.

3.1. A sentença recorrida, referenciando e autonomizando uma liquidação de imposto de selo com o nº 2013000317042 e o valor de 4.901,77 Euros, decidiu pela anulação da mesma, embora fazendo-a corresponder à 3ª prestação desse imposto e apelando, no que respeita à alegada ilegalidade de tal liquidação, à jurisprudência uniforme do STA, no sentido de que não se verificam os pressupostos legais da sujeição a imposto à luz da verba nº 28.1 da TGIS, pois que a Lei nº 55-A/2012, ao aditar à TGIS a Verba nº 28, sujeitando a imposto de selo, à taxa de 1%, os prédios urbanos “com afectação habitacional”, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz seja igual ou superior a 1.000.000,00 de Euros, não engloba os lotes de terreno para construção, uma vez que aquela expressão pressupõe a existência de uma edificação apta para ser utilizada para habitação, requisitos que os lotes de terreno não possuem.

3.2. Do assim decidido discorda a Fazenda Pública, invocando duas razões:
a) Nulidade da sentença (cfr. as Conclusões C a K) por condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, em violação do disposto no nº 1 do art. 609º e na al. e) do nº 1 do art. 615º, ambos do CPC, pois que:
— Apesar de a impugnação ter sido deduzida contra a 3ª prestação da liquidação de Imposto de Selo (Verba 28 da TGIS) n° 201249000032231, do ano de 2012, no montante de € 4.901,77 [a que corresponde a nota de cobrança n° 2013 000317042, referente ao terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Santa Marinha sob o artigo 8229, tendo, aliás, a impugnante formulado, com toda a clareza e simplicidade, um pedido muito concreto, que é o da anulação dessa terceira prestação (ou seja, não foi impugnado na sua totalidade o acto de liquidação, mas apenas uma sua parte, sendo que, aliás, o valor da causa indicado na petição inicial corresponde à dita terceira prestação — € 4.901,77 — da referida liquidação)] na decisão recorrida se determinou, contudo, a anulação de toda a referida liquidação de Imposto de Selo n° 201249000032231, do ano de 2012, no montante de € 14.705,32.
— Daí que na sentença recorrida tenha, igualmente, ocorrido a condenação da AT para além do pedido formulado pela impugnante, pois a decisão que se impunha proferir em face do pedido formulado pela impugnante e da procedência da ação era, na melhor das hipóteses, a de anular tão somente a 3ª prestação da liquidação de Imposto, no montante de € 4.901,77.
b) Erro de julgamento na aplicação do direito (cfr. Conclusões L a Q), porquanto o acto impugnado não é autonomamente sindicável, sendo que a dita liquidação de Imposto de Selo n° 201249000032231, relativa ao ano de 2012, é um acto de liquidação uno e indivisível e, assim, qualquer uma das respectivas prestações de pagamento não é autonomamente sindicável, mas apenas o acto de liquidação a que elas se reportam. Razão pela qual a sentença também incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de direito ao não julgar verificada a excepção dilatória inominada de inimpugnabilidade dos actos sindicados, determinante da absolvição da Fazenda Pública da instância (cfr. arts. 278.° n.° 1 al. e), 576.° n.° 2, 577.° al. f) e 578.° do CPC, aplicáveis ex vi al. e) do art. 2.° do CPPT).
c) Por outro lado, como se disse, também se suscitou, oficiosamente, a questão da eventual caducidade do direito de impugnação, sendo que, notificadas as partes, nada disseram.
São estas, portanto, as questões que aqui importa apreciar.
Vejamos, pois.

4.1. Quanto à invocada nulidade da sentença
Não sofre dúvida que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que for pedido: «ne eat iudex ultra, vel extra petita partium» (cfr. o art. 609°, n° 1 do CPCivil).
Ora, conforme resulta da petição inicial, a impugnante, alegando ter sido notificada da liquidação de imposto de selo (3ª prestação), no montante de 4.901,77 Euros, referente ao ano de 2012 e ao prédio (terreno para construção) inscrito na respectiva matriz sob o art. 8229, pediu a anulação dessa liquidação, alegando inexistência de facto tributário.
E, tendo a impugnante expressado que pretendia impugnar esse acto, com indicação da respectiva nota de cobrança e menção do respectivo valor, foi apenas nessa medida que a sentença julgou procedente a impugnação; como, aliás, o M° Juiz a quo acabou por considerar no despacho de fls. 77, ao emitir pronúncia sobre esta invocada nulidade da sentença.
Daí que, independentemente de outras vicissitudes que ocorram ou possam ser invocadas em relação ao acto de liquidação assim configurado (ou seja, a uma liquidação reportada à 3ª prestação do imposto de selo), nomeadamente as atinentes à sindicabilidade (por via da impugnação judicial) de tal acto ou à própria tempestividade da impugnação (sendo que nenhuma dessas questões foi, aliás, suscitada na contestação apresentada pela Fazenda Pública), o que é certo é que, para efeitos de aferição da invocada nulidade da sentença (que é o que ora importa apreciar), esta não condenou em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso deste.
Improcedendo, portanto, a invocada nulidade da sentença.

4.2. Questão diversa é, todavia, a de saber se também ocorre o alegado erro de julgamento de direito.
Com efeito, não obstante o que supra se deixou dito quanto à inexistência de nulidade da sentença, é outra a questão de saber se a sentença errou quanto à ilegalidade de tal liquidação e à consideração de que o objecto da impugnação respeita apenas à 3ª prestação do imposto de selo aqui em causa.
Vejamos.
Desde logo importa referir que, independentemente da questão de saber se pode ser objecto de impugnação o acto que a recorrida indica e identifica (a liquidação — assim designada — consubstanciada na 3ª prestação do IS), não se vê que a sentença enferme do alegado erro de direito, por não ter julgado verificada a agora invocada excepção dilatória da inimpugnabilidade do acto sindicado: como bem refere o MP, trata-se de questão nova e que, assim, aceitando-se ou não o respectivo conhecimento oficioso, não pode ser neste momento apreciada, pois que não tendo sido anteriormente invocada pela recorrente, mormente no seu articulado de defesa, também não foi objecto de pronúncia; e nada referindo a sentença sobre essa questão, não a pode ter decidido em erro de direito. Aliás, se aquela excepção tivesse sido invocada, mas não fosse decidida, ocorreria nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, e não erro de julgamento.

4.3. Quanto ao mais:
Estamos perante uma liquidação de imposto de selo, decorrente das alterações introduzidas no CIS pela Lei nº 55-A/2012, de 29/10 (e que entraram em vigor em 30/10/2012), ou seja, a tributação em I.Selo (prevista na verba 28 da TGIS), relativamente aos prédios urbanos com afectação habitacional, de VPT superior a um milhão de euros. Sendo que o respectivo regime de liquidação seguia, então, as regras e prazos prescritos no CIMI [cfr. o nº 7 do art. 23º do CIMI, aditado pelo art. 3º da citada Lei nº 55-A/2012, e posteriormente revogado pela Lei nº 42/2016, de 28/12], sendo liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da AT. Isto é, a liquidação seria efectuada nos meses de Fevereiro e Março do ano seguinte àquele a que respeita e seriam remetidas ao sujeito passivo as respectivas notas de cobrança, até ao fim do mês de Março (cfr. o nº 2 do art. 113º e o nº 1 do art. 119º, ambos do CIMI, excepto se houver lugar a liquidação fora dos meses de Fevereiro e Março do ano seguinte).
Ora, (i) sabido que a liquidação de imposto é uma só (constituindo ela, aliás, o acto lesivo impugnável) e as notas de cobrança não consubstanciam actos de liquidação do imposto (são meios de levar ao conhecimento do contribuinte o montante cobrado e o prazo de pagamento) e (ii) não se questionando que também esta liquidação do imposto de selo aqui em causa (verba 28.1 da TGIS) se configura como acto singular e não divisível e que a possibilidade de o respectivo pagamento ser dividido em prestações não é mais do que uma técnica de arrecadação do imposto (e tais prestações também não se consubstanciam em outras tantas liquidações do imposto, reconduzindo-se, apenas, às várias parcelas do quantitativo total do imposto a pagar, resultante, em regra, de uma única liquidação, sendo o quantitativo desta que é cindível para efeitos de pagamento em prazos diversificados — aliás, a lei especifica os momentos em que se opera a liquidação e diferencia-os daqueles em que se procede ao pagamento) então, em princípio, o pedido de anulação da liquidação de qualquer das prestações deveria ser igualmente imputável ao próprio acto determinativo da colecta do imposto (liquidação stricto/lato sensu) e não ao acto determinativo da quantitativo daquele, a pagar na prestação que esteja em causa.
Mas, ainda assim, como pondera o MP, não se vê que da circunstância de se operar uma única liquidação de imposto (imposto do selo, no caso vertente) resulte a insindicabilidade da mesma liquidação, embora com referência à parte das apontadas prestações: é que, correspondendo, em todo o caso, a liquidação ao acto objecto da impugnação, então, por um lado, sempre será em relação a este que se produz o efeito da eventual anulação que, nesse âmbito, seja decretada judicialmente, por ser o acto que consubstancia e subjaz a cada uma das ditas prestações e, por outro lado, também não se nos afigura que não possa o contribuinte lançar mão da impugnação judicial para atacar esse acto na parte em que ainda lhe seja permitido, tempestivamente e para tanto, utilizar tal meio processual (até porque poderá suceder que na objectivação de alguma dessas prestações tenham ocorrido vícios próprios, que não se divisem nas demais — sem cuidar agora de apreciar qual o meio processual que seria adequado para sindicar esses vícios).
Aliás, como se deixou dito, nem a recorrente FP sequer suscita tal questão na respectiva contestação, sem esquecer que, na própria nota de cobrança remetida à impugnante e aqui em causa (cfr. fls. 8) também se consigna que a notificada “poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 70º e 102º” (do CPPT). (E tem-se entendido que «o contribuinte Autor não pode ser prejudicado por uma errada indicação do prazo para impugnação contenciosa, quando esse erro é da inteira responsabilidade da Administração, sob pena de total frustração da confiança que os administrados devem depositar nas informações emanadas da própria Administração, já que se trata de expectativas e confiança que merecem ser tuteladas» (ac. de 12/04/2012, proc. nº 0122/12). Ou seja, no caso vertente, mesmo a considerar-se que a recorrida deveria ter impugnado a liquidação (stricto sensu) aquando da notificação para pagamento da 1ª prestação, sempre deveria considerar-se em prazo para invocar a ilegalidade desta 3ª prestação, pois é isso que consta da respectiva notificação, no que se refere aos meios de defesa. Não se colocando, assim, a questão da caducidade da impugnação.)
E nem a tanto obstará, igualmente, o facto de o art. 2º do DL nº 41/2016, de 1/8/2016, ter alterado o nº 2 do art. 49º do CISelo, mandando aplicar às liquidações do imposto previsto nas verbas 1.1 e 1.2 da TGIS, com as necessárias adaptações, o disposto nos arts. 115º e 129º, nº 2 do CIMI [no que aqui releva, passou a dispor-se que «Os prazos de reclamação e de impugnação contam-se a partir do termo do prazo para pagamento voluntário da primeira ou da única prestação do imposto» (nº 2 do referido art. 129º do CIMI)]: na verdade, não tendo o legislador atribuído natureza interpretativa a tal alteração (sendo que, no mesmo diploma, a atribuiu relativamente às alterações introduzidas nos nºs 12 e 13 do art. 106º do CIRC) aquela só é de aplicar a factos tributários ou, ao menos, aos actos de procedimento e de processo praticados na respectiva vigência (art. 12º, nº 3 da LGT).
Daí que, no caso vertente, e em concordância com o MP, se aceite o entendimento da recorrida e da sentença, reiterado, aliás, no despacho de fls. 77, no sentido de que, embora a impugnação deva reportar-se ao acto de liquidação (no seu todo e não a cada uma das prestações em que, para efeitos de pagamento, o quantitativo desta foi dividido), porque a impugnante também limitou o pedido apenas ao quantitativo da 3ª prestação, só nessa medida a impugnação foi julgada procedente, não havendo condenação ultra petitum [aliás, no recente acórdão de 07/11/2018, desta Secção do STA, no proc. nº 01935/14.9BEPRT 01056/16, em que a também aqui recorrida impugnara, com idênticos fundamentos, as 1ª e 2ª prestações da liquidação do ano de 2013, respeitantes, igualmente, ao prédio aqui em causa, embora se haja concluído ser intenção da recorrida impugnar a liquidação e não as notas/documentos de cobrança das 1ª e 2ª prestações, também se confirmou a decisão de procedência da impugnação. E noutros casos tem igualmente sido implicitamente aceite a impugnação destas (assim designadas) “liquidações” no âmbito do ISelo, por referência à liquidação total: cfr. v.g. os acórdãos desta secção de 22/04/2015, proc. nº 0279/15 (1ª prestação), de 09/07/2014, proc. nº 0676/14 e de 19/04/2017, proc. nº 01343/15]. (E no âmbito de decisões arbitrais (CAAD) tem-se, mesmo, admitido que o pedido de anulação do acto pode ser requerido em qualquer momento a contar da data de notificação de uma das prestações ou do indeferimento da reclamação graciosa (cfr. a decisão arbitral de 12/01/2016, no proc. arbitral nº 484/2015-T. Porém, não tem sido uniforme o sentido das decisões arbitrais sobre esta matéria, como pode ver-se das seguintes: de 07/03/2014, proc. nº 205/2013-T; de 10/03/2015, proc. nº 726/2014-T; de 13/04/2015, proc. nº 736/2014-T; de 30/06/2015, proc. nº 137/2015-T; de 25/09/2015, proc. nº 90/2015-T; de 17/12/2015, proc. nº 479/2015-T; de 12/01/2016, proc. nº 484/2015-T; de 20/07/2016, proc. nº 408/2014-T.)

4.4. E também quanto à questão de fundo (saber se um “terreno para construção” com um VPT superior a 1.000.000,00 de Euros se enquadra na verba 28 da TGIS), a sentença recorrida está em sintonia com a jurisprudência do STA sobre a matéria de (Como pode ver-se, entre muitos outros, dos acórdãos proferidos em 25/11/2015, no proc. n° 1388/15; em 28/10/2015, no proc. n° 1148/15; em 8/7/2015, no proc. nº 573/15; em 14/1/2015, no proc. n.º 0541/14; em 5/11/2014, no proc. n.º 0530/14; em 29/10/2014, no proc. n.º 0864/14; em 24/9/2014, nos procs. n.ºs 01533/13, 0739/14 e 0825/14; em 10/9/2014, nos procs. n.ºs 0503/14, 0707/14 e 0740/14; em 9/7/2014, no proc. nº 0676/14; em 2/7/2014, no proc. nº 0467/14; em 28/5/2014, nos procs. nºs. 0425/14, 0396/14, 0395/14; em 14/5/2014, nos procs. nºs. 055/14, 01871/13 e 0317/14; em 23/4/2014, nos procs. nºs. 270/14 e 272/14; e em 9/4/2014, nos procs. nºs. 1870/13 e 48/14.), como resulta, aliás, do aresto apontado pela sentença recorrida e no qual se fundamentou e para o qual também agora se remete, já que não se razão para divergir da fundamentação ali constante.
E, neste contexto, haveremos de concluir pela improcedência do recurso.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar, com a presente fundamentação, a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 5 de Dezembro de 2018. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Isabel Marques da Silva.