Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0627/12
Data do Acordão:04/17/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
BENEFÍCIOS FISCAIS
Sumário:Não se verifica oposição entre dois acórdãos, para efeitos do disposto no artº 284º do CPPT, se num deles estava em causa a caducidade de benefícios de natureza fiscal e no outro de benefícios de natureza financeira, sendo de aplicar a cada um deles o respetivo regime de prescrição (da LGT no primeiro caso e do CC no segundo).
Nº Convencional:JSTA000P15569
Nº do Documento:SA2201304170627
Data de Entrada:06/05/2012
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Não se conformando com o despacho de relator de fls. 266 que julgou inexistir oposição entre os acórdãos proferidos por este STA em 12.09.2012 (v. fls. 181 e segs.) e em 25.03.2009 -Processo nº 0918/08, e julgou findo o recurso, veio a recorrente Fazenda Pública reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no artº 700º do CPC.

2. Invoca a recorrente que, ao contrário do decidido no despacho reclamado, se verificam os pressupostos da oposição, uma vez que estamos perante a mesma questão de direito já que, de acordo com o DL nº 194/80, de 19 de junho, o regime dos incentivos fiscais e financeiros constitui um sistema integrado de incentivos ao investimento, beneficiando do mesmo regime.
E, assim, tratando o legislador ambos os incentivos da mesma forma como auxílios às empresas, o único momento em que se deve considerar incumprido ou findo o incentivo é o do despacho a declarar a caducidade desse incentivo.

3. A recorrida, em contra-alegações, veio defender a inexistência de oposição invocando o seguinte:

As situações de facto em ambos os acórdãos são distintas, estando num caso a ser apreciada a prescrição de incentivos de natureza financeira e no outro a prescrição de benefícios de natureza fiscal, não se perdendo a distinta natureza destas figuras pelo facto de ambas estarem previstas no mesmo diploma legal.

4. Vejamos então se o despacho reclamado deve ser confirmado ou alterado.

No despacho reclamado ficou escrito o seguinte:

“4. Com interesse para esta decisão foram dados como provados os seguintes factos:

A) No acórdão recorrido:

1º). Em 30/09/1981, a impugnante requereu a concessão de incentivos fiscais e financeiros no âmbito do Sistema Integrado de Incentivos ao Investimento - SIII (fls. 21 do apenso instrutor);

2º). Em 19/11/1982, foi proferido despacho provisório de concessão de benefícios, dos quais se destacam os seguintes:
- a isenção por sete anos da Contribuição Industrial e do Imposto Complementar, Secção — B;
- consideração como custo, da totalidade dos gastos suportados com a formação e aperfeiçoamento de pessoal;
- isenção de Imposto de Capitais e Imposto Complementar sobre juros de empréstimos, titulados por obrigações e destinados a financiar projetos de investimento (fls. 22 do apenso instrutor);

3º). A concessão desses incentivos ficou condicionada à realização, sujeita a verificação, dos objetivos constantes do projeto de investimento, dentro dos correspondentes prazos e nos termos da legislação aplicável (fls. 23 do apenso instrutor);

4º). Em 22/05/2000, a impugnante foi notificada do despacho ministerial, de 03/05/1999, que determinou os incentivos fiscais e financeiros, que lhe eram definitivamente concedidos (fls. 18 a 20 do apenso instrutor);

5º). No documento de correção que contempla as correções que estão na base da liquidação impugnada fez-se constar o seguinte (vd. fls. 17 do apenso instrutor):
«Este DC-22 foi elaborado na impossibilidade de se liquidar DC 22 de anos a que os factos se reportam, ou seja, 1988 e 1989 e de acordo com o estipulado no Oficio Circulado n° 20042, de 20 de março de 2001.
L8 - O sujeito passivo usufruiu de benefícios fiscais previstos no Decreto Lei n°194/80, de 19 de junho (SIII) nos exercícios de 1983 a 1989 (7 anos conforme despacho provisório).
Contudo, aquando da comprovação do benefício - Despacho definitivo datado de 3 de maio de 1999 do SEAF, reduziu o referido benefício para 5 anos, havendo assim lugar à correção do mesmo nos exercícios de 1988 e 1989.
Valores declarados como isentos temporariamente:

Exercício 1988 — 1.067.130.093$ x36,5% = 389.502.484$
Exercício 1989 — 1.285.072.763$ x36,5% = 469.051.559$
Total……………………………...........…… = 858.554.043$

Não está sujeito a juros compensatórios...»

6º). Em seguimento e com referência ao exercício de 1999, foi efetuada a liquidação adicional de IRC n°8310020370, de 30/11/2001, no montante de € 4.658.448,58 (933.935.088$), com data limite de pagamento em 16/01/2002, por acréscimo à liquidação primitiva, da quantia de 858.554.043$ correspondente a «IRC de exercícios anteriores» (documento de cobrança, a fls. 15 do apenso instrutor);

7º). A impugnante foi notificada da liquidação em 11/12/2001 (carimbo aposto no documento de cobrança);

8º). A impugnação foi apresentada em 16/04/2002, conforme carimbo de entrada aposto

B) No acórdão fundamento:

1º)- As dívidas exequendas impugnadas fundam-se na emissão de um ato administrativo de revogação da concessão provisória de incentivos financeiros ao abrigo do preceituado nos artigos 2.º e 13.º do DL n.º 194/80, de 19 de junho.

2º)- A oponente obteve, em fase do projeto de investimento apresentado, uma pontuação negativa.

3º)- Em 25 de novembro de 1993, por despacho do Sr. Ministro das Finanças, foi declarada a caducidade dos incentivos fiscais provisoriamente concedidos à oponente, e a consequente revogação do despacho de concessão provisória de incentivos, proferido em 02.09.1982.

4º)- A impugnante foi interpelada pela Direção Geral do Tesouro para proceder à restituição de 49.878,08 euros, referentes a benefícios financeiros provisoriamente concedidos ao abrigo do Sistema Integrado de Incentivos ao Investimento.

5. Tendo os autos dado entrada posteriormente a 1 de janeiro de 2004, são aplicáveis as normas dos artºs 27º, alínea b) do ETAF de 2002 e 152º do CPTA (neste sentido, entre outros, v. o acórdão de 26/09/2007 do Pleno desta Secção, proferido no Processo nº 0452/07).

Sendo assim, a oposição depende da satisfação dos seguintes requisitos:

a) Existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;

b) A decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

Quanto ao primeiro requisito, de acordo com o acórdão de 29.03.2006 – Recurso nº 01065/05, do Pleno desta mesma Secção, relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adotar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detetar a existência de uma contradição, a saber:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas (Neste sentido podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos:
- de 29.03.2006 – Processo nº 01065/05; de 17.01.2007 – Processo nº 048/06;
- de 06.03.2007 – Processo nº 0762/05; - de 29.03.2007 – Processo nº 01233/06. No mesmo sentido, v. ainda Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha – Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, págs. 765-766).

A oposição deverá, por um lado, decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta e, por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.

Vejamos então se, no caso dos autos, se verificam tais requisitos, começando pela questão da oposição entre os arestos acima identificados.

5.1. Ora, desde logo se vê que, enquanto no acórdão recorrido, estavam apenas em causa incentivos fiscais, no acórdão fundamento estavam apenas em causa incentivos financeiros.

Escreveu-se no primeiro, para além do mais, o seguinte:

“Desde já se dirá que a jurisprudência deste STA referida pelo MºPº e pela decisão recorrida se reporta a casos de incentivos financeiros. E, assim, e bem, decidiu-se que a declaração de caducidade prevista no nº 3 do artº 43º do DL nº 194/80, tem efeitos retroativos e só com a verificação da condição ficam definidos a situação jurídica respetiva e direitos decorrentes. Por isso, só com a declaração de caducidade dos benefícios começava a correr o direito de exigir a restituição dos incentivos concedidos. (Neste sentido, entre outros, v. os Acórdãos de 21.11.2001 – Processo nº 026389, de 25.03.2009 –Processo nº 0918/08 e de 27.05.2009- Processo nº 0211/09).

Como, no caso dos autos, estão apenas em causa dívidas tributárias - contribuição industrial e IRC - há então que apurar se, como pretende a recorrente nas conclusões das alíneas a) a d) das suas alegações, são de aplicar as normas do direito tributário relativas à prescrição”.
E mais adiante:

“O facto tributário é aquele que preenche os pressupostos legais de incidência do imposto; é o facto material (simples ou complexo) que produz efeitos jurídicos ou fiscais, o pressuposto legal de caráter factício que determina o nascimento da obrigação tributária. Esta nasce com o facto tributário, tornando-se certa e exigível pela liquidação que constata e verifica a obrigação tributária e identifica o sujeito passivo.

Ora, a atribuição de um incentivo fiscal, na modalidade de isenção de imposto, delimita negativamente esses mesmos pressupostos, ou, por outras palavras, impede, por um lado, o nascimento da obrigação tributária com o seu conteúdo normal, enquanto, por outro lado, dá origem ao nascimento do direito à isenção. Assim, a atribuição de uma isenção impede a operação da norma de incidência, paralisa os seus efeitos, evitando que a eclosão da situação típica prevista na lei como de incidência gere imediatamente a obrigação tributária.

Porém, declarada a caducidade do incentivo, cessa aquele efeito paralisante e o facto tributário retoma toda a sua virtualidade, operando a norma de incidência como teria operado se não fosse a atribuição da isenção”.

Já no acórdão fundamento ficou escrito o seguinte:

“Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pela Mma. Juíza do TAF de Penafiel no segmento em que considerou não prescrita a dívida exequenda, referente a benefícios financeiros concedidos ao abrigo do Sistema Integrado de Incentivos ao Investimento (SIII).
Considerou a Mmª. Juíza “a quo” não prescrita tal dívida por, configurando os incentivos financeiros obrigações pecuniárias constituídas a favor do Estado, e assim sujeitas ao prazo geral de prescrição determinado no artigo 309.º do CC, o prazo para efeitos de prescrição, neste caso, se contar a partir da data da notificação para a restituição da importância correspondente ao benefício financeiro indevidamente recebido pela ora recorrente.

E mais adiante:

“No caso de incentivos financeiros, a obrigação que é contrapartida da concessão consiste na restituição das quantias recebidas.
A fonte desta obrigação não é o despacho de concessão dos benefícios financeiros mas sim o facto de não serem cumpridos os objetivos e as condições a que estava subordinada a concessão de incentivos.
Tal obrigação só se constitui, pois, pelo facto de não serem cumpridos tais objetivos e condições a que estava subordinada a concessão de incentivos, e tal incumprimento há de resultar da declaração de caducidade dos incentivos efetuada por despacho do Ministro das Finanças.
Por isso, o direito a exigir a restituição de tais quantias só a partir daí pode ser exercido.
Ora, se o prazo de prescrição, por força do que dispõe o n.º 1 do artigo 306.º do CC, começa a correr assim que o direito puder ser exercido, no caso em apreço, esse prazo há de contar-se, pois, a partir do momento em que, por despacho do Ministro das Finanças de 25/11/1993, foi declarada a caducidade dos incentivos financeiros concedidos à oponente, com a consequente revogação do despacho que os concedeu”.

Daqui resulta então que foram distintas as situações de facto de que os referidos acórdãos se ocuparam, pelo que a decisão de direito em sentido divergente não permite concluir pela oposição de acórdãos”.

Parece então que, pelo facto de tanto os incentivos fiscais, como os financeiros, estarem previstos no mesmo diploma legal, tal não impede que cada um siga o regime próprio da prescrição.

Por outro lado, são distintos os factos dados como provados em ambos os arestos.

Deste modo, podemos concluir que, no caso concreto, não estamos nem perante idêntica situação de facto, nem perante necessidade de aplicação do mesmo regime de direito, pelo que as decisões em sentido diverso resultam da própria diferença na matéria de facto e do regime jurídico aplicável.

Pelo que ficou dito, o despacho reclamado merece confirmação.

5. Nestes e pelo exposto, indefere-se a reclamação e, confirmando-se o despacho reclamado, julga-se findo o recurso ao abrigo do nº 5 do artº 284º do CPPT.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 17 de abril de 2013. – João António Valente Torrão (relator) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.

Segue acórdão de 26 de Junho de 2013:

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A Fazenda Pública veio requerer a retificação do acórdão proferido por este Supremo Tribunal em 17.04.2013 (v. fls. 300/306), na parte em que condenou aquela em custas, invocando que, à data da entrada da petição de impugnação, a mesma se encontrava isenta de custas.

2. Notificada do teor do pedido, a recorrida nada veio dizer.

3. Cumpre decidir.

3.1. Conforme resulta de fls. 2 dos autos a petição de impugnação deu entrada em 16.04.2002.

Nessa data o artº 2º, nº 1, alínea a) Código das Custas Judiciais isentava de custas o Estado, incluindo os seus serviços ou organismos, ainda que personalizados.

As alterações introduzidas no referido Código pelo Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de dezembro e com entrada em vigor em 1 de janeiro seguinte, não fizeram cessar tal isenção na medida em que o artº 14º, nº 1 do mesmo diploma veio determinar que essas alterações só se aplicavam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor.

Deste modo, a FP não está sujeita a custas uma vez que o processo se iniciou em 2002.

3.2. Dispõe o artº 669º, nº 1, alínea b) do CPC que pode qualquer das partes requerer no tribunal que proferiu a sentença a sua reforma quanto a custas.

Assim sendo, e uma vez que a condenação resultou de mero lapso, impõe-se a retificação do acórdão quanto a custas.

4. Nestes termos e deferindo o requerido, retifica-se agora a parte final do acórdão, substituindo-se a expressão “Custas pela recorrente” por “Sem custas”.

Este acórdão faz parte integrante do acima identificado.

Notifique.

Lisboa, 26 de junho de 2013. – João António Valente Torrão (relator) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.