Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0160/22.0BCLSB
Data do Acordão:05/04/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
DISCIPLINA DESPORTIVA
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Sumário:I – É de admitir a revista onde se coloca a questão, de alguma complexidade, da harmonização da liberdade de expressão com o direito ao bom nome e reputação, ambos direitos fundamentais mas que não são absolutos ou ilimitados e onde importa aferir da conformidade do acórdão recorrido com a jurisprudência deste STA.
II – Recebida tal revista, justifica-se admitir o recurso subordinado interposto pela parte contrária.
Nº Convencional:JSTA000P30957
Nº do Documento:SA1202305040160/22
Data de Entrada:04/24/2023
Recorrente:A... – FUTEBOL, SAD E OUTROS
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

1. A Federação Portuguesa de Futebol (FPF) veio, ao abrigo do art.º 150.º, do CPTA, interpor recurso de revista do acórdão do TCA-Sul que negou provimento à apelação que interpusera do acórdão do TAD que, por maioria, julgara procedente a pretensão dos Demandantes – “A..., Futebol SAD” e AA –, revogando a decisão, de 17/8/2021, da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF que os punira, respectivamente, com a pena de multa no montante de € 8.570,00 e com as sanções de suspensão pelo período de 35 dias e de multa com o valor de € 5.610,00, pela prática de infracção disciplinar prevista e punida pelos artºs. 112.º, n.º 1 e 136.º, n.º 1, ambos do RDLPFP.
Alega que a decisão recorrida, como a do TAD, é manifestamente errada no que concerne à aferição da ilicitude das declarações que estão em causa e que a questão da responsabilização dos agentes desportivos pelas declarações ou expressões ofensivas que dirigem a outros agentes revela uma especial relevância jurídica e social por ser susceptível de repetição num número indeterminado de casos futuros e poder potenciar fenómenos de violência física e verbal.
Nas suas contra-alegações, os recorridos invocaram que as questões a decidir não revelam uma complexidade jurídica superior ao comum nem são especialmente relevantes do ponto de vista social, pelo que não se justifica admitir a revista. Para a eventualidade de assim se não entender, interpõem recurso subordinado invocando a nulidade por omissão de pronúncia, em virtude de o acórdão recorrido não ter tomado posição sobre a questão suscitada de a “A...-Futebol SAD” não poder ser responsabilizada em face do que actualmente dispõe o art.º 112.º, n.º 4, do RDLPFP, que consagra um regime mais favorável, requerendo que se declare a nulidade do acórdão e que se reconheça a aplicação retroactiva do novo regime disciplinar

2. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada pelo acórdão recorrido.

3. O art.º 150.º, n.º 1, do CPTA, prevê que das decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos possa haver excepcionalmente revista para o STA “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como decorre do texto legal e tem sido reiteradamente sublinhado pela jurisprudência deste STA, está-se perante um recurso excepcional, só admissível nos estritos limites fixados pelo citado art.º 150.º, n.º 1, que, conforme realçou o legislador na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs. 92/VIII e 93/VIII, corresponde a uma “válvula de segurança do sistema” que apenas pode ser accionada naqueles precisos termos.
O acórdão recorrido, depois de considerar que as declarações de AA “traduzem mais um juízo especulativo sobre o fundamento do alegado caráter sistemático dos erros de arbitragem, do que uma afirmação de que tais erros se haviam fundado numa intencionalidade dolosa para favorecer ou prejudicar qualquer clube”, concluiu:
“Com isto não estamos a dizer que se trata de afirmações sensatas, mas a liberdade de expressão se não permitir a insensatez de pouco vale, havendo que ser justo e cuidadoso na necessária conformação deste direito fundamental com outros direitos fundamentais, no caso, com o direito à honra e ao bom nome do Conselho de Arbitragem e dos árbitros, nos termos do n.º 2 do art.º 18.º da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos, considera este tribunal de recurso ser de manter a decisão recorrida, que considerou as declarações proferidas como mero discurso desportivo, com fundamento em erros técnicos de arbitragem, potencialmente prejudiciais para o seu clube, o que não se subsume ao ilícito do n.º 1 do art.º 112.º e art.º 136.º do RDLPFP 2021, por não se poder qualificar tais declarações como injuriosas, difamatórias ou grosseiras, nem como sendo incitadoras da prática de atos violentos, conflituosos ou de indisciplina”.
O que está em causa nos autos é saber se os juízos críticos formulados sobre o desempenho de arbitragens e a eventual existência de um “complô” se devem considerar injuriosas, difamatórias ou grosseiras para efeitos da aplicação dos artºs. 112.º, n.º 1 e 136.º, ambos do RDLPFP, o que coloca a questão, de alguma complexidade, da harmonização da liberdade de expressão (art.º 37.º, n.º 1, da CRP) com o direito ao bom nome e reputação (art.º 26.º, n.º 1, da CRP), ambos direitos fundamentais mas que, no entanto, não são absolutos ou ilimitados.
Por outro lado, como refere o acórdão desta formação de 8/9/2022 – Proc. n.º 041/22.7BCLSB, depois de dar nota das várias decisões em que, envolvendo questões similares, as revistas têm sido admitidas, importa aferir da conformidade do acórdão recorrido com a jurisprudência deste Supremo (cf., entre outros, os Acs. de 26/2/2019 – Proc. n.º 066/18.7BCLSB, de 4/6/2020 – Proc. n.º 0154/19.2BCLSB, de 2/7/2020 – Proc. n.º 0139/19.9BCLSB, de 10/9/2020 – Procs. nºs. 0156/19.9BCLSB e 038/19.4BCLSB, de 4/2/2021 – Proc. n.º 063/20.2BCLSB, de 9/9/2021 – Proc. n.º 050/20.0BCLSB e de 9/12/2021 – Proc. n.º 019/21.8BCLSB), donde se segue a necessidade do seu recebimento para reanálise do assunto com vista a uma mais esclarecida e aprofundada aplicação do direito.
O recebimento da revista implica – para que as partes sejam tratadas de um modo equitativo e igual – a admissão do recurso subordinado interposto pela “A...-Futebol SAD” (cf. Acs. desta formação de 1/7/2021 – Proc. n.º 072/19.4BCLSB e de 18/2/2021 – Proc. n.º 049/19.0BCLSB).

4. Pelo exposto, acordam em admitir a revista e o recurso subordinado.
Sem custas.

Lisboa, 4 de Maio de 2023. – Fonseca da Paz (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.