Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0642/12
Data do Acordão:02/14/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:ACTO
REVERSÃO
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Sumário:I - Deve considerar-se fundamentado de direito um acto de reversão da execução fiscal quando ele se insere num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível.
II - A responsabilidade dos gerentes que se mantiveram na gerência da sociedade executada desde o seu início e até à sua extinção, conforme decorre do documento do registo comercial que instruiu o procedimento para reversão da execução fiscal e no qual se apoia o despacho de reversão, não pode deixar de ser aquela a que se refere a alínea b) do nº 1 do art. 24º da LGT, e que encontra expressão na afirmação feita nesse despacho de que “foram gerentes no período a que as dívidas respeitam”.
III - Não podendo ser diverso o quadro jurídico configurável, o despacho de reversão encontra-se fundamentado de direito apesar de o seu texto não indicar expressamente a alínea do artigo 24º da LGT em que se apoia e fundamenta.
Nº Convencional:JSTA000P15299
Nº do Documento:SA2201302140642
Data de Entrada:06/08/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:B... E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A FAZENDA PÚBLICA recorre da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou procedente a oposição que A……. e B…… deduziram à execução fiscal nº 1759-2006/01021982 e apensos, instaurada pelo Serviço de Finanças de Amarante contra a sociedade C……, Lda., por dívidas de IVA, IRC e Coimas, referentes aos exercícios de 2001 a 2006, no montante de total de € 6.667,90, e que contra eles reverteu.
Terminou as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 21.03.2012 pelo Douto Tribunal a quo, que julgou procedente a oposição deduzida por apenso à execução fiscal n.º 1759200601021982 e Apensos, que corre termos no Serviço de Finanças de Amarante.

B. Na douta sentença recorrida, a Mmª Juiz a quo deu como provado entre outros a seguinte factualidade:

“8º - O Oponente B…… foi citado da reversão em 16.06.2008.”

“9º - O Oponente A……. foi citado da reversão em 23.06.2008.”

“10º - Em cumprimento do despacho de 06.02.2009, do Chefe do Serviço de Finanças, procedeu-se novamente à citação dos executados por reversão, ora Oponentes, visto que conforme alegado por esses na sua petição de Oposição, das citações referidas não constava a fundamentação.”

“11º - Assim, em 10.02.2009 foi citado o Oponente B…… dos termos da reversão.”

“12º - Em 11.02.2009 foi citado o Oponente A…… da reversão.”

“21º - O despacho de reversão da execução junto a fls. 44 dos autos, fundamentou-se nos termos do art. 24º da LGT, sem referência a se a reversão se fazia nos termos da alínea a) do n.º 1 ou da alínea b), do mesmo número”.

C. Na douta sentença recorrida, a Mmª Juiz a quo quedou-se pela apreciação da questão da falta de fundamentação e não passou à análise em substância das restantes questões suscitadas na oposição, concluindo que:

“Do exposto, resulta que o despacho de reversão não está devidamente fundamentado, quer de facto, quer de direito, uma vez que não distingue quem devia provar a culpa na ausência dos bens da executada originária ou quem era responsável por essa ausência de bens para o pagamento das dívidas tributárias.

Se os Oponentes exerceram a gerência efectiva da executada no período de pagamento das dívidas tributárias, a reversão da execução devia ter-se fundamentado no disposto na alínea b) do art. 24°, n.º 1, da LGT.

Nesse caso, recaía sobre os ora Oponentes o ónus de provar que não tinham tido culpa na insuficiência dos bens da executada originária para o pagamento das dívidas tributárias.

Do exposto, resulta que, o despacho de reversão, ao não conter explicitamente essa fundamentação, fez induzir em erro os Oponentes quanto à responsabilidade do ónus da prova da culpa ou da sua ausência em redacção à insuficiência dos bens da executada primitiva. Pelo que o mesmo de verá ser anulado...”

D. Com o assim entendido não pode a Fazenda Pública conformar-se, ressalvado o respeito devido, que é muito, atentas as razões que de imediato passa a expor.

E. Embora efectivamente não conste do despacho de reversão de 19/05/2008 do Órgão de Execução Fiscal em que alínea do n.º 1 do art.º 24º da LGT se suportou a reversão, do mesmo consta:

“Foram gerentes no período a que as dívidas respeitam B….. e A…….”

F. Referência clara à alínea b) do n.º 1 do art.° 24 da LGT.

G. Acresce o facto de que não ocorreu qualquer alteração na gerência da devedora originária, tendo os oponentes sido gerentes nos dois momentos preceituados na al. a) e na b) do art.º24º da LGT.

H. Além disso, é entendimento jurisprudencial que por vezes a omissão do normativo legal, neste caso apenas da alínea, não é invalidante do acto, conforme se extrai (entre outros) do douto acórdão proferido no processo nº 05007/11 do Tribunal Central Administrativo do Sul de 22/11/2011:

“Note-se que a fundamentação do acto administrativo é suficiente se, no contexto em que foi praticado, e atentas as razões de facto e de direito nele expressamente enunciadas, forem capazes ou aptas e bastantes para permitir que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.
É contextual a fundamentação quando se integra no próprio acto e dela é contemporânea.
A fundamentação é clara quando tais razões permitem compreender sem incertezas ou perplexidades qual foi iter cognoscitivo-valorativo da decisão, sendo congruente quando a decisão surge como conclusão lógica e necessária de tais razões.
Quanto à fundamentação de direito, tem sido entendimento do S.T.A. que na fundamentação de direito dos actos administrativos não se exige a referência expressa aos preceitos legais, bastando a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado (neste sentido, os Acs. do S.T.A. de 28-02-02 Rec. n.º 48071, de 28-10-99, Rec. n.º 44051, de 08-06-98, Rec. n.º 42212, de 07-05-98, Rec. n.º 32694, e do Pleno de 27-11-96, Rec. n.º 30218).
Mais do que isto, tem sido dito que em sede de fundamentação de direito, dada a funcionalidade do instituto da fundamentação dos actos administrativos, ou seja, o fim meramente instrumental que o mesmo prossegue, se aceita um conteúdo mínimo traduzido na adução de fundamentos que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, possibilitem a referência da decisão a um quadro legal perfeitamente determinado - Ac. do S.T.A. (Pleno) de 25- 05-93, Rec. n.º 27387, de 27-02-97, Rec. n.º 36197.

Esta jurisprudência passa, assim, da suficiência de uma referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, para a suficiência de uma completa ausência explícita de referência normativa, se se puder concluir que o destinatário do acto pôde ou pode perceber o concreto regime legal tido em conta.”

I. Nos presentes autos verifica-se que os Oponentes tentaram afastar a presunção de culpa que sobre eles impendia.

J. Compreenderam perfeitamente o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão ínsita no despacho de reversão.

K. Donde se conclui que a Mmª Juiz a quo errou na aplicação do direito ao factos concatenados nos presentes autos,

L. tendo consequentemente incorrido em erro de julgamento.

M. Mais se acrescenta que, na mera hipótese de não se considerar que os oponentes interpretaram correctamente em que alínea do n.º 1 do art. 24º da LGT se fundamentava a reversão,

N. entende a Fazenda Pública que a melhor solução de direito no caso sub judice seria de, no máximo, considerar-se que a reversão teria sido fundamentada nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 24º da LGT,

O. atribuindo-se o ónus da prova da culpa à Administração Fiscal, situação já por si deveras gravosa.

P. Deveria por conseguinte o tribunal a quo prosseguir com a análise material da oposição no tocante aos restantes vícios.

Q. Incorreu pois a Mmª Juiz a quo em erro de direito ao ter decidido tout court pela falta de fundamentação do despacho de reversão.

R. Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão judicial recorrida.


1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. O Exm.º Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, com o consequente conhecimento, por substituição, das questões de que o tribunal recorrido não conheceu por via da decisão proferida. Entende, em suma, que o acto de reversão se encontra suficientemente fundamentado, de acordo com jurisprudência deste STA, contida em diversos arestos, que identifica, considerando, designadamente, que «a) o despacho de reversão proferido em 19 maio 2008 (fls.44) indica o art. 24º LGT como fundamento normativo da responsabilidade subsidiária dos revertidos por todas as contribuições e impostos relativos ao período da sua gerência;
b) no despacho afirma-se, igualmente, que os revertidos foram gerentes no período a que as dívidas respeitam;
c) estas expressões devem ser interpretadas:
- em sentido restrito, como significando que os oponentes exerceram o cargo de gerentes no período de verificação dos factos constitutivos das dívidas tributárias (art.24º nº 1 al. a) LGT);
- em sentido amplo, como significando que o exercício da gerência abrangeu igualmente os períodos em que se inscreveram os prazos legais de pagamento ou entrega das dívidas tributárias (art.24º n.º 1 al. b) LGT)
d) a imprecisão na indicação do fundamento normativo da reversão não atinge a validade do acto administrativo porque:
- é irrelevante para o exercício do direito de defesa ,se considerarmos que os oponentes exercem o cargo de gerentes, sem interrupção, desde a constituição da sociedade, devedora principal, em 23.11.1992 (certidão do teor de matrícula fls.38; sentença fls. 147);e) os revertidos compreenderam o quadro legal definido no art. 24º LGT e reagiram à imputação de responsabilidade subsidiária constante do despacho de reversão, alegando na petição de oposição à execução a inexistência de culpa na insuficiência do património da devedora principal para satisfação da dívida, para contrariar a subsunção da sua situação à previsão constante da norma constante do art. 24º n.º °1 al. a) LGT (cf. arts. 13º e sgs)».

1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.

2. Na decisão recorrida constam como assentes os seguintes factos:
1º Pelo Serviço de Finanças de Amarante foi instaurado contra a sociedade “C……, Ldª” o processo de execução fiscal n.º 1759200601021982Aps, por dívidas de IVA, IRC e Coimas de diversos anos, que totalizam o montante de 6.667,90 euros.

2º Todos os bens pertencentes à sociedade executada: “um balancé de corte, com designação ARTES MACHINE, MODELO F/40; uma máquina de picotar com motor RABOR; uma máquina de costura SINGER, uma máquina de costura eléctrica marca SANUM; uma máquina de timbrar eléctrica, com a referência MINCALI; uma prensa hidráulica, um compressor de marca EFACEC; uma máquina registadora com a designação MAQUINFOR”, encontram-se penhorados noutro processo executivo - cfr. teor da Informação do Serviço de Finanças de Amarante a fls.50 dos autos.

3º A venda desses bens não se realizou. O valor dos bens é inferior aos custos que traria a realização da sua venda - cfr. teor da Informação do Serviço de Finanças de Amarante a fls. 50 dos autos.

4º Dos Serviços de Finanças de Amarante não contava a apresentação de qualquer declaração de cessação de actividade em nome da firma executada - cfr. teor da Informação do Serviço de Finanças de Amarante a fls.50 dos autos.

5º Com fundamento na insuficiência de património da firma executada, o referido Serviço de Finanças procedeu à preparação dos processos para a reversão contra os responsáveis subsidiários.

6º Em cumprimento do despacho de 02.04.2008, do Chefe do Serviço de Finanças de Amarante, os ora Oponentes foram notificados para, querendo, exercerem o direito de audição prévia com referência à reversão que se pretendia efectuar.

7º Por despacho de 19.05.2008, do Chefe do Serviço de Finanças, foi mandado reverter a execução contra os gerentes B….. e A……, na qualidade de responsáveis subsidiários relativamente às referidas dívidas.

8º O Oponente B…… foi citado da reversão em 18.06.2008.

9º O Oponente A…… foi citado da reversão em 23.06.2008.

10º Em cumprimento do despacho de 06.02.2009 do Chefe do Serviço de Finanças, procedeu-se novamente à citação dos executados por reversão, ora Oponentes, visto que, conforme alegado por esses na sua petição de Oposição, das citações referidas não constava a fundamentação.

11º Assim, em 10.02.2009 foi citado o Oponente B…… dos termos da reversão.

12º Em 11.02.2009 foi citado o Oponente A…… da reversão.

13º Os ora Oponentes trabalhavam com material de calçado - cfr. prova testemunhal.

14º Os Oponentes tinham uma firma, que fazia reparação e comercialização de comercialização - cfr. prova testemunhal.

15º Começaram por ter um estabelecimento, onde reparavam e comercializavam o calçado na ….., em …… - cfr. prova testemunhal.

16º No ano de 2001 ocorreram umas graves cheias em ……, que, se repetiram por quatro vezes - cfr. prova testemunhal.

17º Por volta do ano de 2002/2003, os Oponentes trabalhavam por cedência do cunhado do Sr. B……, numas instalações que esse tinha em ….., ….., …., sobretudo durante a noite, onde confeccionavam o calçado que comercializavam e aí tinham os artefactos para tal - cfr. prova testemunhal.

18º Durante as cheias o material armazenado perdeu-se e deteriorou-se - cfr. prova testemunhal.

19º A partir dessa altura, os Oponentes deixaram de trabalhar nessa actividade - cfr. prova testemunhal.

20º A presente Oposição deu entrada no Serviço de Finanças de Amarante via fax em 22.07.2008, tendo o original entrado um dia depois.

21º O despacho de reversão da execução junto a fls.44 dos autos, fundamentou-se nos termos do art. 24º da LGT, sem referência a se a reversão se fazia nos termos da alínea a) do n.º 1 ou da alínea b) do mesmo número - doc. cujo teor aqui se dá por reproduzido.

22º Os ora Oponentes foram sócios e gerentes da sociedade executada - cfr. certidão de teor da matrícula emitida pela Conservatória do Registo Comercial, ínsita nos autos a fls.44 e segs..

23º Em 07.07.2005, o Ministério Público apresentou contra a devedora principal, acção constitutiva, com forma sumária, de processo para dissolução de sociedade que correu termos sob o n.º 2068/05.4TBAMT, pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Amarante - cfr.doc. de fls. 121 a 123 dos autos.

24º Em 18.10.2005 foi proferida sentença, já transitada em julgado, que decretou a dissolução da devedora originária, “C……, Lda”- cfr.doc. de fls.121 a 123 dos autos.


3. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a oposição que A……. e B……. deduziram à execução fiscal nº 1759-2006/01021982 e apensos, instaurada contra a sociedade “C……, Lda.” por dívidas de IVA, IRC e Coimas, referentes aos exercícios de 2001 a 2006, e que contra eles reverteu.
A oposição vem alicerçada, em termos de causa de pedir, na falta de fundamentação do despacho de reversão, na nulidade da citação, na ilegitimidade dos oponentes por não estar demonstrada a insuficiência do património da sociedade executada para satisfação das dívidas e ausência de culpa sua na falta de pagamento das dívidas, na inexistência/ilegalidade das dívidas exequendas por resultarem de liquidações oficiosas realizadas quando a sociedade já tinha cessado existência jurídica, na ilegalidade da cobrança de coimas e juros de mora através da execução fiscal instaurada contra a sociedade e revertida contra os gerentes,
A sentença recorrida, depois de apreciar a questão da nulidade da citação e da ilegitimidade dos oponentes na óptica da sua qualidade de gerentes da sociedade executada e demonstração pelo órgão de execução fiscal da insuficiência do património societário para satisfação das dívidas exequendas, julgou procedente a oposição por falta de fundamentação do acto de reversão, enunciando, para o efeito, a seguinte argumentação:
«Acontece que, o despacho de reversão da execução junto a fls.44 dos autos, fundamentou-se nos termos do art. 24º da LGT, sem qualquer referência a se a reversão se fazia nos termos da alínea a) do n.º 1 ou da alínea b), do mesmo número.
O art. 24º, n.º 1, alínea a), da LGT aplica-se quando as dívidas tributárias se constituem no período de exercício do cargo de gerente, mas que são postas à cobrança depois da cessão dessas funções ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício.
A alínea b) é aplicável quando o prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tenha terminado no período de exercício do cargo, o que implica que existe neste caso um concurso entre o faço constitutivo e a cobrança.
Neste caso, o ónus da prova dessa ausência de culpa pelo não pagamento recai sobre o revertido.
No caso da alínea a) o ónus da prova recai sobre a administração tributária.
Assim, não se sabe se recaía sobre os Oponentes o ónus de prova de que não tinham tido culpa na insuficiência dos bens da executada originária para pagamento das dívidas tributárias ou se esse ónus de prova recaía sobre a administração tributária.(…)
Do exposto, resulta que, o despacho de reversão, ao não conter explicitamente essa fundamentação, fez induzir em erro os Oponentes quanto à responsabilidade do ónus da prova da culpa ou da sua ausência em relação à insuficiência dos bens da executada primitiva. Pelo que, o mesmo deverá ser anulado (...).».

Insurge-se a Fazenda Pública, ora Recorrente, contra o assim decidido, defendendo, em suma, que: apesar de o despacho de reversão não indicar expressamente em que alínea do art.º 24º da LGT se suporta a reversão, do mesmo consta que os revertidos foram gerentes no período a que a dívida respeita, o que constitui clara referência à alínea b) do nº 1 desse preceito legal; é entendimento jurisprudencial pacífico que a omissão do normativo pode não ser invalidante do acto e que, não tendo havido alteração da gerência, os oponentes foram necessariamente gerentes nos dois momentos a que se referem as duas alíneas do nº 1 do art. 24º, pelo que, no limite, a melhor solução de direito seria a de considerar que a reversão se fundamentou na alínea a), atribuindo, consequentemente, o ónus da prova à ora Recorrente, pelo que se devia passar ao conhecimento de meretis dos demais vícios invocados.
Perante as conclusões da alegação do recurso, que delimitam o seu âmbito e objecto, a única questão que cumpre apreciar é a de saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento na aplicação do direito ao ter julgado que o despacho que determinou a reversão da execução contra os Oponentes, ora Recorridos, não se encontra suficientemente fundamentado, tendo em conta que de tal despacho não consta a concreta alínea da norma jurídica que sustenta a reversão.
Vejamos.
É inquestionável que a Administração tem o dever de fundamentar os actos que afectem os direitos ou os legítimos interesses dos administrados – em harmonia com o princípio plasmado no artigo 268.º da CRP e acolhido nos artigos 124.º do CPA e 77.º da LGT. Aliás, quanto ao acto de reversão da execução fiscal, a lei é expressa a determinar, no n.º 4 do art.º 23.° da LGT, que: «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação».
É, porém, também incontroverso que as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido. A determinação do âmbito da declaração fundamentadora pressupõe, portanto, a busca de um conteúdo adequado, que há-de ser, num sentido amplo, o suficiente para suportar formalmente a decisão administrativa.
Deste modo, o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o artigo 487.º, n.º 2, do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação.
Todavia, em relação à fundamentação de direito, a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem decidido que, para que a mesma se considere suficiente, não é sempre necessária a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência aos princípios pertinentes, ao regime jurídico ou a um quadro legal bem determinado, devendo considerar-se o acto fundamentado de direito quando ele se insira num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível.
Conforme se dá nota no acórdão da Secção do Contencioso Administrativo proferido em 27/05/2003, no proc. n.º 1835/02, «tem sido entendimento deste Supremo Tribunal Administrativo que, na fundamentação de direito dos actos administrativos não se exige a referência expressa aos preceitos legais, bastando a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado - cf. p. ex., os acºs. de 28.02.02, rec. 48.071, de 28.10.99, rec. 44.051 (respectivo apêndice ao Diário da República, pág. 6103), de 8.6.98, rec. 42.212 (Apêndice, pág. 4263), de 7.5.98, rec. 32.694 (Apêndice, pág. 3223) e do pleno de 27.11.96, rec. 30.218 (Apêndice, pág. 828). Mais do que isto, tem sido dito que em sede de fundamentação de direito, dada a funcionalidade do instituto da fundamentação dos actos administrativos, ou seja, o fim meramente instrumental que o mesmo prossegue, se aceita um conteúdo mínimo traduzido na adução de fundamentos que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, possibilitem a referência da decisão a um quadro legal perfeitamente determinado - cf. Ac. Pleno de 25.5.93, rec. 27.387 (Apêndice, pág. 309) e acºs. em subsecção de 27.2.97, rec. 36.197 (Apêndice pág. 1515) e supra citados acºs. de 7.5.98, rec. 32.694 e de 28.10.99, rec. 44.051)».
Orientação que, aliás, foi acolhida pelo Pleno dessa Secção, no acórdão de 25/03/93, no proc. n.º 27387, no qual se afirma que o dever de fundamentação fica assegurado sempre que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, a decisão se situe num determinado e inequívoco quadro legal, perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal, concluindo-se, assim, que haverá fundamentação de direito sempre que, face ao texto do acto, forem perfeitamente inteligíveis as razões jurídicas que o determinaram.
Donde decorre que, mesmo perante esta corrente jurisprudencial, que sufragamos sem reservas, só em casos muito particulares (como eram, afinal, os analisados nos arestos citados) se pode concluir que um acto se encontra fundamentado de direito apesar de nenhuma referência legal directa existir no texto do acto. E tal só acontece quando, como se explica naquele acórdão de 27/05/2003, se mostrem verificadas duas condições:
«- A primeira é a de que se possa afirmar, inequivocamente, perante os dados objectivos do procedimento, qual foi o quadro jurídico tido em conta pelo acto;
- A segunda é a de que se possa concluir que esse quadro jurídico era perfeitamente conhecido ou cognoscível pelo destinatário, hipotizando-se que o seria por um destinatário normal na posição em concreto em que aquele se encontra.
A segunda condição não funciona sem a primeira, pois esta integra-a. Se não se sabe qual o quadro jurídico efectivamente tido em conta pelo acto, jamais pode ser realizada; e, por isso, é irrelevante que o destinatário possa saber, e até saiba qual, o quadro jurídico que deveria ter sido considerado.».
Ora, no caso presente, os elementos constantes dos autos e a materialidade vertida no probatório da sentença permitem concluir que estas condições se encontram reunidas.
Com efeito, da certidão do teor de matrícula da sociedade devedora originária, emitida pela Conservatória do Registo Comercial - referenciada no ponto 22º do probatório e que instruiu o procedimento de reversão da execução contra os Oponentes - consta que estes foram os seus únicos gerentes, o que levou a que se julgasse na sentença recorrida que «(…) a legitimidade dos Oponentes resulta do facto de serem sócios com funções de gerência atribuídas na sociedade executada desde a sua constituição em 23.11.1992. Ora, não consta dos autos que, no período em causa, tivessem sido impedidos de exercer a gerência ou que não soubessem ou devessem saber das responsabilidades inerentes ao exercício dos seus cargos.».
Por conseguinte, não subsiste qualquer dúvida de que os Oponentes exerceram a gerência da executada nos dois momentos a que se referem as alíneas a) e b) do nº 1, do art. 24º, da LGT, o que, aliás, estes nunca negaram ou questionaram.
Ora, tendo em conta que o acto de reversão afirma, expressamente, que os revertidos foram gerentes da sociedade “no período a que as dívidas respeitam” e referencia como quadro legal o art.º 24º da LGT, torna-se inequívoco que tal expressão, no contexto em que foi proferida, não pode deixar de ser interpretada em sentido amplo, significando que o exercício da gerência pelos revertidos abrangeu tanto o período de verificação dos factos constitutivos das dívidas como o período em que estas foram postas a pagamento, mau grado a falta de indicação expressa das alíneas do art.º 24º da LGT.
Deste modo, e sabido que a alínea a) do nº 1 do art. 24º abrange apenas as situações em que o gerente à data da constituição das dívidas já não o era na altura em que estas deviam ter sido pagas (razão por que só responderá se tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para esse posterior pagamento, competindo à FP o ónus da prova dessa culpa), e que a alínea b) abrange a responsabilidade dos gerentes que exerceram o cargo à data do pagamento das dívidas, independentemente de o terem exercido ou não no período da constituição da dívida (razão por que lhe caberá provar que não lhe é imputável essa falta de pagamento) (Esta diferença no regime do ónus da prova compreende-se quando se atenta que no caso da alínea a) o gerente não pode ser responsabilizado pela falta de pagamento, dado que enquanto exerceu o cargo a dívida não fora posta a pagamento, pelo que só poderá ser responsabilizado caso a exequente prove que ele teve culpa na insuficiência do património societário. E, no caso da alínea b), quando se atenta que o pagamento da prestação tributária constitui uma obrigação do gerente, pelo que tem de ser este a provar que não lhe é imputável a falta de pagamento das dívidas vencidas durante o período do exercício do cargo, designadamente pela demonstração de que foram os gerentes que exerceram o cargo durante o período do nascimento da dívida que praticaram os actos lesivos do património da executada impeditivos do pagamento das dívidas posteriormente postas à cobrança.), conclui-se, de forma inequívoca, que os Oponentes não podem deixar de estar a ser responsabilizados por esta alínea b) do art.º 24º.
Podendo conhecer-se, de forma inequívoca, o quadro jurídico tido em conta pelo órgão decisor, o qual que era perfeitamente conhecido pelos oponentes já que não podiam deixar de estar cientes de que haviam exercido, de forma ininterrupta, a gerência da sociedade desde a sua constituição até à sua dissolução - tendo, aliás, reagido à imputação de responsabilidade com a alegação de inexistência de culpa para contrariar a subsunção à previsão constante da alínea b) do art. 24º - não podemos deixar de concluir que o acto de reversão se encontra suficientemente fundamentado de facto e de direito.
Pelo que não pode manter-se a sentença recorrida no que toca à procedência deste vício do acto de reversão.

Perante a revogação da sentença proferida em 1ª instância, e dado que havia ficado prejudicado, pela solução dada ao pleito, o conhecimento das demais questões suscitadas na oposição, designadamente a questão da ilegitimidade dos oponentes por ausência de culpa na falta de pagamento das dívidas exequendas, cumpriria passar ao conhecimento de todas essas restantes questões.
Todavia, não podendo este Supremo Tribunal conhecer da mencionada questão da culpa dos oponentes, porquanto tal implica apreciação de matéria de facto e este tribunal de revista carece de poderes de cognição em sede de facto, torna-se indispensável que os autos baixem à 1ª instância para conhecimento desse e de todos outros fundamentos da oposição que ainda não foram apreciados e decididos, após a fixação do pertinente quadro factual.

4. Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida na parte em que julgou procedente a oposição com base em insuficiente fundamentação do despacho de reversão, ordenando-se a baixa dos autos ao tribunal recorrido para apreciação das restantes questões suscitadas na oposição.

Sem custas no recurso, por os Recorridos não terem contra-alegado.

Lisboa, 14 de Fevereiro de 2013. - Dulce Manuel Neto (relatora) – Isabel Marques da Silva – Lino Ribeiro.