Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:083/12
Data do Acordão:05/16/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:O recurso de revista previsto no art. 150º do CPTA é admissível no âmbito do contencioso tributário.
Atenta a natureza excepcional desse recurso (quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito), não se verificam tais pressupostos se a questão suscitada respeita à distribuição do ónus da prova dos diversos pressupostos da norma contida no nº 4 do art. 52º, bem como à interpretação do nº 2 do art. 74º, ambos da LGT.
Nº Convencional:JSTA000P14150
Nº do Documento:SA220120516083
Data de Entrada:01/27/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A……, com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso de revista excepcional, nos termos do artigo 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 27/09/2011 (constante de fls. 96 a 102), no recurso que aí correu termos sob o nº 05027/11.

1.2. O recurso não foi admitido no TCAS (cfr. despacho de fls. 123), mas, tendo a recorrente deduzido reclamação ao abrigo do art. 688º do CPC, veio a ser proferido no STA, pelo respectivo relator, o despacho de fls. 157 a 159, que decidindo tal reclamação, o admitiu (nº 6 do art. 688º do CPC).

1.3. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
24. A recorrente nunca pretendeu qualquer dispensa do ónus da prova nem tão pouco a inversão do ónus probatório.
25. A recorrente tinha e tem o ónus probatório do facto negativo, relativo à falta de meios económicos.
26. Refere de forma específica, isto é identificando detalhadamente, em cumprimento do artigo 74° n° 2 da LGT, o local e arquivo informático SIPA e SIGIMI ao dispor da AT onde esta constata imediatamente a inexistência de bens imóveis, automóveis e outros bens móveis sujeitos a registo, rendimentos, créditos, etc.
27. A recorrente tem o ónus probatório sobre a sua ausência de responsabilidade sobre a falta de meios económicos para a prestação de garantia.
28. A recorrente indicou com especificidade a base de dados do IMT como forma de a AT comprovar a inexistência de operações em IMT, isto é, inexistência de operações de alienação para dessa forma comprovar que nada alienou para defraudar as garantias da Fazenda.
29. Um comportamento norteado pela aplicação do artigo 34º do CPPT, ao presente caso, constitui violação dos princípios de economia e celeridade ao arrepio do objectivo do próprio artigo 74 nº 2 da LGT.
30. Concordando com o acórdão do pleno do STA, considera, a recorrente, ter o Acórdão recorrido realizado interpretação errada sobre os pressupostos e fundamentos aplicados à presente situação.
Termina pedindo que se dê provimento ao recurso, que se revogue o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul e se decida, considerando a prova feita, pela concessão da isenção da prestação de garantia à recorrente.

1.4. Contra-alegando, a recorrida Fazenda Pública formulou as seguintes conclusões:
a) O presente recurso não deve ser admitido por não se encontrarem preenchidos os pressupostos do respectivo nº 1, para este tipo de revista de carácter excepcional, que se destina à apreciação de uma questão que, pela sua importância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, por estar em causa a expansão de uma controvérsia susceptível de ultrapassar os limites da situação singular;
b) Aliás no caso concreto, o recorrente nem invoca tais pressupostos;
c) E vem recorrer para o STA, pedindo um novo julgamento, o que, no caso concreto, configuraria um julgamento em terceiro grau de jurisdição não permitido.
Termina pedindo que o recurso seja rejeitado por inadmissível e, em qualquer caso, considerado improcedente.

1.5. O MP emite Parecer, nos termos seguintes:
«1. A intervenção do Ministério Público nos recursos jurisdicionais interpostos no âmbito do CPTA é subsequente à sua notificação (art. 146º nº 1 CPTA).
2. O recurso de revista de acórdãos dos tribunais centrais administrativos é característico da jurisdição administrativa, como claramente resulta de:
a) inexistência no contencioso tributário de norma de competência paralela à constante do art. 24º nº 2 ETAF 2002 (cf. art. 26º ETAF 2002);
b) impossibilidade de integração da lacuna por via de interpretação analógica ou extensiva da norma citada, inspirada em princípios hermenêuticos;
c) composição da formação incumbida da apreciação preliminar sumária dos pressupostos substantivos do recurso: três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo (art. 150º nº 5 CPTA);
d) inexistência no Contencioso Tributário de espécie paralela à 7ª espécie da Secção de Contencioso Administrativo (recursos de revista de acórdãos dos tribunais centrais administrativos; cfr. deliberação nº 1313/2004, 26.01.2004 do CSTAF).
No sentido da inaplicabilidade do recurso de revista no contencioso tributário pronuncia-se doutrina qualificada (José Casalta Nabais, Considerações sobre o Anteprojecto de revisão da Lei Geral Tributária e do Código de Procedimento e de Processo Tributário Cadernos de Justiça Administrativa nº 61 Janeiro/Fevereiro 2007 p. 13; Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 6ª edição 2011 Volume IV anotação 37 ao art. 279º CPPT p. 390).
3. Sem prescindir
No caso em análise o Ministério Público não se pronuncia sobre o mérito do recurso porque a relação jurídico-material controvertida não revela qualquer ameaça a direitos fundamentais dos cidadãos, lesão de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no art. 9º nº 2 CPTA (art. l46º nº 1 CPTA 2º segmento)».

1.6. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Nas instâncias julgaram-se provados os factos seguintes:
a) Corre termos contra a Reclamante, A……, o processo de execução fiscal nº 343320100189161, para cobrança de dívida de IRS do ano de 2005 e respectivos juros – Cfr. documento constante a fls. 21 do processo de execução apenso aos autos;
b) Em 15 de Setembro de 2010 a Reclamante requereu ao Chefe do Serviço de Finanças de Cascais 2 a dispensa de prestação de garantia, no âmbito do processo de execução fiscal a que se refere a alínea a), que antecede – Cfr. documento constante a fls. 23 do PEF apenso aos autos, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
c) Em 27 de Janeiro de 2011 foi proferido despacho pelo Director de Finanças Adjunto, indeferindo o pedido de dispensa de prestação de garantia, concordando com Informação dos Serviços – Cfr. documentos a fls. 61 a 64 do PEF, os quais se dão, aqui, por integralmente reproduzidos;
d) Em 14 de Fevereiro de 2011 foi a ora Reclamante notificada da decisão referida na alínea antecedente, por ofício datado de 10 de Fevereiro de 2011 – Cfr. documento a fls. 65 do PEF junto aos autos e que aqui se dá por reproduzido;
e) Consta do PEF cópia do recibo de vencimento da Reclamante, referente ao mês de Setembro de 2010 – Cfr. documento a fls. 39 do PEF;
f) Em 28 de Fevereiro de 2011 deu entrada a presente reclamação – Cfr. Documento a fls. 64.

3. Como acima se disse, o presente recurso incide sobre o acórdão do TCAS, proferido em 27/9/2011, constante de fls. 96 a 102, e vem interposto ao abrigo do art. 150º do CPTA.
O recurso não foi admitido no TCAS (cfr. despacho de fls. 123), mas, tendo a recorrente deduzido reclamação ao abrigo do art. 688º do CPC, veio a ser proferido no STA, pelo respectivo relator, o despacho de fls. 157 a 159, que decidindo tal reclamação, o admitiu (nº 6 do art. 688º do CPC).
E como flui das respectivas Conclusões, a recorrente justifica a requerida revista para melhor aplicação do direito alegando que, apesar de ser certo que tinha e tem o ónus probatório do facto negativo, relativo à falta de meios económicos, nunca pretendeu qualquer dispensa desse ónus da prova nem tão pouco a inversão do mesmo ónus, tendo identificado detalhadamente, em cumprimento do nº 2 do art. 74° da LGT, o local e arquivo informático SIPA e SIGIMI ao dispor da AT onde esta constata imediatamente a inexistência de bens; ou seja, tendo ela (recorrente) o ónus de provar a ausência de responsabilidade sua na falta de meios económicos para a prestação de garantia, indicou especificadamente a base de dados do IMT como forma de a AT comprovar a inexistência de operações em IMT, isto é, inexistência de operações de alienação para dessa forma comprovar que nada alienou para defraudar as garantias da Fazenda.
Pelo que, a imposição de um comportamento norteado pela aplicação do art. 34º do CPPT ao presente caso, constitui violação dos princípios de economia e celeridade ao arrepio do objectivo do próprio nº 2 do art. 74º da LGT.
Daí que, em concordância com o acórdão do pleno do STA, entenda que o acórdão recorrido fez errada interpretação sobre os pressupostos e fundamentos aplicados à presente situação.
Vejamos, pois.

4.1. O MP pronuncia-se, além do mais, pela inaplicabilidade do recurso de revista no contencioso tributário.
E é certo que a inadmissibilidade desta espécie de recurso em contencioso tributário tem sido sustentada por alguma doutrina:
- desde logo, quer pelo Prof. Casalta Nabais ( (Cfr. Cadernos de Justiça Administrativa, nº 61- Janeiro/Fevereiro de 2007, p.13.) ) que conclui pela inadmissibilidade face à circunstância de o art. 26º do ETAF (aprovado pela Lei nº 15/2002, de 19/2 e em vigor desde 1/1/2004) não conter norma de teor idêntico à do nº 2 do seu art. 24º (que inclui na competência da Secção de Contencioso Administrativo do STA o conhecimento dos recursos de revista sobre matéria de acórdãos da Secção de Contencioso Administrativo dos Tribunais Centrais Administrativos e dos Tribunais Administrativos de Círculo), sendo que a remissão genérica do art. 2º, al. e) do CPPT, não constitui apoio suficiente para se poder concluir pela aplicação em processo judicial tributário do recurso de revista excepcional previsto no mencionado art. 150º do CPTA;
- e também o Cons. Lopes de Sousa se pronuncia pela inadmissibilidade deste recurso em sede de contencioso tributário ( (Cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª edição, Áreas Editora, 2011, anotação V-37-a) ao art. 279º, p. 390.) );
- e a nível jurisprudencial, não obstante a anterior jurisprudência constante, por exemplo, dos acs. desta Secção do Contencioso Tributário do STA, de 27/9/05, rec. nº 489/05, de 18/4/2007, rec. nº 097/07 e de 16/1/08, rec. nº 0564/07 (que afirmava a inadmissibilidade do recurso com base no disposto no nº 1 do art. 5º da Lei nº 15/2002, de 22/2, segundo o qual as disposições do CPTA não se aplicam aos processos que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor e também não são aplicáveis aos processos pendentes as disposições que introduzem novos recursos que não eram admitidos na vigência da legislação anterior), a jurisprudência mais recente e maioritária deste mesmo Tribunal consolidou-se no sentido de que é admissível no contencioso tributário este recurso excepcional de revista previsto no art. 150º do CPTA (cfr., entre muitos outros, os acs. desta Secção do STA, de 4/10/2006, rec. nº 854/06; de 29/11/2006, rec. nº 729/06; de 12/12/2006, rec. nº 584/06; de 30/5/2007, rec. nº 257/07; de 30/5/2007, rec. nº 285/07; de 2/7/2008, rec. nº 173/08, de 14/7/2008, rec. nº 0410/08, de 16/11/2011, rec. nº 0740/11, de 14/12/2011, rec. nº 01075/11, de 12/1/2012, rec. nº 0899/11, de 12/1/2012, rec. nº 01139/11, de 7/3/2012, rec. nº 1108/11, de 14/3/12, rec. nº 1110/11, de 21/3/12, rec. nº 84/12, e de 26/4/12, recs. nºs. 1140/11, 237/12 e 284/12).
Tudo como se deu conta, aliás, no despacho do relator – a fls. 157 a 159 - que decidiu a reclamação e admitiu o recurso, nos termos do nº 6 do art. 688º do CPC,

4.2. Em termos de fundamentação para a admissibilidade do recurso escreve-se, por exemplo, no referenciado ac. de 14/7/08, no rec. nº 0410/08:
«Concedendo-se que a questão não é inteiramente líquida, o certo é que o STA tem admitido, no contencioso tributário, o recurso excepcional de revista previsto no artigo 150º do CPTA, augurando-se a sua clarificação com as já anunciadas revisões dos concernentes diplomas administrativos - ETAF e CPTA - e tributários - LGT e CPPT.
Isto face, até, ao princípio pro actione.
Todavia, sempre deve dizer-se que não são relevantes os argumentos, em contrário, aduzidos pela Fazenda Pública.
Pois, por um lado, também o artigo 152º do CPTA consagra um recurso para uniformização de jurisprudência, com funcionalidade semelhante ao previsto no artigo 284° do CPPT.
E, por outro e mutatis mutandis, o seu artigo 28º, n° 5, tem um alcance semelhante ao do artigo 284º, mas com atinência à 1ª instância.
Ora, o dito artigo 150º do CPTA não tem em vista, a se e de modo directo, a uniformização de jurisprudência mas, como adiante melhor se verá, constitui, antes, uma válvula de escape do sistema, não sendo seu requisito directo a existência de decisões em oposição.
Ainda, a existência de um terceiro grau de jurisdição, “novidade absoluta no contencioso administrativo” (cfr. AROSO DE ALMEIDA e Fernandes Cadilha, CPTA anotado, 2005, p. 747), também já havia sido abolida em 1997, mercê da alteração do artigo 120º do ETAF de 1984 - cfr. Decreto-Lei n° 229/96, de 29 de Novembro.
Finalmente, a admissibilidade do recurso em causa tem sustentáculo formal no artigo 2º do CPPT já que a remissão a que se refere a alínea c) tem natureza dinâmica e não estática: as normas sobre processo nos tribunais administrativos são presentemente as constantes do CPTA e não as da LPTA.
Tem-se, assim, no descrito circunstancialismo, por admissível o recurso».

4.3. Ora, porque, pese embora a doutrina referenciada, não vislumbramos razões para divergir deste citado entendimento jurisprudencial maioritário, é de concluir que o recurso de revista excepcional, previsto no art. 150º do CPTA, é admissível no âmbito do contencioso tributário.
Aliás não parece decisivo o argumento derivado da circunstância de o art. 26º do ETAF (em que se fixa a competência da Secção do Contencioso Tributário do STA), não incluir norma semelhante à constante do nº 2 do seu art. 24º, nem existir qualquer remissão para o regime do art. 150º: é que, estabelecendo a al. h) do art. 26º que cabe à Secção de Contencioso Tributário conhecer «De outras matérias que lhe sejam deferidas por lei», então da remissão operada na al. c) do nº 2 do CPPT para as normas do CPTA sempre se poderá concluir pela aplicação deste recurso ao contencioso tributário.
Por outro lado, estando em causa (neste recurso de revista) decisões dos TCA e não dos Tribunais de 1ª instância e assentando este mesmo recurso (revista excepcional) em fundamentos específicos e diversos daqueles que caracterizam o recurso «per saltum» (recurso ordinário) para a Secção do CT do STA, também parece de afastar argumentação no sentido da inadmissibilidade do recurso de revista em virtude de o acesso ao STA, para os processos tribunais tributários, estar «muito mais aberto do que o está no contencioso administrativo, em face da possibilidade de recurso per saltum de decisões dos tribunais tributários sem as limitações que, para o contencioso administrativo, se prevêem no art. 151º, abertura cuja amplitude se estende até possibilidade de acesso ao Supremo Tribunal Administrativo em processos de valor não à alçada dos tribunais tributários (art. 280º, nº 5, do CPPT).»
Acresce que, conforme se refere no acórdão supra transcrito, o recurso excepcional de revista, também não visa a uniformização de jurisprudência, não existindo, por isso, qualquer incompatibilidade ou sobreposição com o regime de recurso previsto no art. 284º do CPPT.
E acresce, ainda, que, como se exara no supra citado ac. de 7/3/2012, rec. nº 1108/11, «se dúvidas pudessem ainda existir quanto à aplicação do recurso excepcional de revista, previsto no art. 150º do CPTA, ao processo judicial tributário, após as alterações ao CPC operadas pelo DL nº 303/2007, de 24 de Agosto, o referido recurso teria sempre de ser admitido por aplicação subsidiária do art. 2º, alínea e) do CPPT.
É que, se a existência de tal recurso, anteriormente, apenas em contencioso administrativo, poderia gerar questões de inconstitucionalidade, por discriminação dos cidadãos, como salientava Lebre de Freitas, (Código de Processo Civil Anotado, pág. 116) sendo agora tal recurso admitido no processo civil, não faria sentido excluí-lo do processo judicial tributário. Tal traduziria, nitidamente violação do direito à tutela jurisdicional efectiva e ao princípio da igualdade constantes dos arts. 13º, nº 1 e 268º, nº 4 da CRP
Em suma, é de concluir que o recurso excepcional de revista previsto no art. 150º do CPTA é também aplicável no processo judicial tributário.

5.1. Vejamos, então, se o recurso é admissível, agora face aos pressupostos de admissibilidade contidos no próprio art. 150º do CPTA.
Nos nºs. 1 e 5 deste art. 150º do CPTA estabelece-se:
«1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
(…)
5 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do nº 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo».
Ora, interpretando o nº 1 deste normativo, o STA tem vindo a acentuar a excepcionalidade deste recurso.
Com efeito, como se escreve no acórdão de 29/6/2011, rec. nº 0569/11, este Tribunal também tem «acentuado repetidamente - cfr., por todos, o acórdão da Secção do Contencioso Administrativo, de 24/5/2005, rec. nº 579/05 - que o recurso de revista previsto naquele art. 150º, “quer pela sua estrutura, quer pelos requisitos que condicionam a sua admissibilidade quer, ainda e principalmente, pela nota de excepcionalidade expressamente estabelecida na lei, não deve ser entendido como um recurso generalizado de revista mas como um recurso que apenas poderá ser admitido num número limitado de casos previstos naquele preceito interpretado a uma luz fortemente restritiva”.
Na mesma orientação, refere Mário Aroso de Almeida que “não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios», cabendo ao Supremo Tribunal Administrativo «dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema” – cf. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, p. 323 e Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p. 150 e ss..
O artigo 150º do CPTA tem, desde logo, como primeiro pressuposto, a importância fundamental da questão por virtude da sua relevância jurídica ou social.
Ora, como se assinala no citado aresto, a relevância jurídica “não é uma relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas uma relevância prática que tenha como ponto obrigatório de referência, o interesse objectivo, isto é, a utilidade jurídica da revista e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular.”.
Por outro lado, “a melhor aplicação do direito” há-de resultar da possibilidade de repetição, num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito.
Deste modo, como se refere no acórdão deste Tribunal, de 30 de Maio de 2007, proferido no recurso nº 0357/07, “(…) o que em primeira linha está em causa no recurso excepcional de revista não é a solução concreta do caso subjacente, não é a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional. Para isso existem os demais recursos, ditos ordinários.
Aqui, estamos no campo de um recurso excepcional, que só mediatamente serve para melhor tutelar os referidos direitos e interesses. Em primeira linha, o que se visa é submeter à apreciação do tribunal de revista excepcional a apreciação de uma questão que, pela sua importância jurídica ou social, tenha importância fundamental; ou permitir a pronúncia desse mesmo tribunal quando ela seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”. Cf. tudo o que vem de ser dito no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo, de 16-6-2010, proferido no recurso nº 296/10
Ou seja, a admissão deste recurso depende (i) da necessidade de apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental e (ii) de a apreciação do recurso ser claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
A relevância jurídica deve reconduzir-se a uma relevância prática (e não meramente teórica) que tenha como ponto obrigatório de referência, o interesse objectivo, isto é, a utilidade jurídica da própria revista em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular e a relevância social fundamental verificar-se-á nas situações em que esteja em causa uma questão que revele especial capacidade de repercussão social ou de controvérsia relativamente a futuros casos do mesmo tipo, em que a utilidade da decisão igualmente extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio, ou nas situações em que se possa entrever, ainda que reflexamente, a existência de interesses comunitários especialmente relevantes ou em que esteja em causa matéria particularmente sensível em termos do seu impacto comunitário. Quanto ao requisito da melhor aplicação do direito, há-de o mesmo resultar da possibilidade de repetição, num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito (cfr., entre outros, os acs. desta Secção do STA, de 20/5/09, rec. nº 295/09, de 29/6/2011, rec. nº 0568/11, de 7/3/2012, rec. nº 1108/11, de 14/3/12, rec. nº 1110/11, de 21/3/12, rec. nº 84/12, e de 26/4/12, recs. nºs. 1140/11, 237/12 e 284/12, acima já citados).
Isto é, «a admissão da revista para melhor aplicação do direito terá lugar, designadamente, quando, em face das características do caso concreto, se revele seguramente a possibilidade de esse caso concreto ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada passível de se repetir em casos futuros, e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou quando suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, assim fazendo antever como objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema

5.2. No caso presente, o acórdão recorrido, enunciando como questão a decidir a que respeita à distribuição do ónus da prova dos diversos pressupostos da norma contida no nº 4 do art. 52º, bem como à interpretação do nº 2 do art. 74º, ambos da LGT, acaba por concluir que (apesar de a recorrente alegar que, não possuindo outros bens que não aqueles que já são do conhecimento da AT, através dos arquivos e registos da DGI, não lhe é exigida qualquer demonstração probatória quanto ao pressuposto da falta de meios económicos revelado pela insuficiência de bens penhoráveis para a dispensa de prestação de garantia), de acordo com o que resulta do disposto no nº 2 do art. 74º da LGT, «o que a recorrente carece de provar nos autos é, face ao que alega, o prejuízo irreparável que lhe é causado pela prestação de garantia e a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido e que tal insuficiência ou inexistência de bens não é da sua responsabilidade – cfr. factos alegados na p.i. e nº 4 do art. 52 da LGT» o que, «Como se apura dos autos, a mesma não o fez».
Isto porque, apesar de a recorrente sustentar que estará dispensada de tal prova por a mesma recair sobre a AT (com o argumento de os elementos probatório deverem ser carreados para os autos por esta os ter em seu poder), não é isso que decorre do nº 2 do art. 74º da LGT: o que dele decorre é que, relativamente ao prejuízo irreparável alegado, a recorrente devia invocar e provar em que é que o mesmo se concretiza e indicar as razões que levam a crer que existe uma séria probabilidade de ele poder vir a ocorrer se não for dispensada da prestação da garantia (o que poderia fazer, por exemplo, relativamente à sua situação concreta, através da alegação e prova dos seus encargos e compromissos económico-financeiros, sendo que esta situação concreta não está, seguramente, na posse da AT) e quanto à manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, se é certo que a AT tem, através do seu sistema informático, conhecimento dos bens e rendimentos de que a recorrente é titular, também é certo que cumpre a esta, face ao disposto no nº 2 do dito art. 74º da LGT, proceder à sua correcta identificação junto da AT, enquanto elementos de prova dos factos por si alegados, ou seja, identificar quais os elementos que estão na posse da AT e que entende necessários para prova dos factos que alega, solicitando, por exemplo, informação escrita sobre os mesmos, de acordo com o disposto na al. a) do nº 1 do art. 34º, do CPPT, sendo que este conhecimento por parte da AT não desonera a recorrente de desencadear o mecanismo de aquisição de provas de factos que deva provar, nem impõe à AT o ónus de tal prova, não existindo qualquer norma legal que dispense a recorrente da apresentação dos elementos de prova, sempre que esses elementos integrem os arquivos da DGI.

5.3. Ora, se bem compreendemos as Conclusões do recurso, complementadas pelas respectivas alegações, são três as razões da discordância manifestada pela recorrente em relação ao assim decidido no acórdão recorrido:
- Apesar de o acórdão afirmar que «No caso concreto, o que a recorrente carece de provar nos autos é, face ao que alega, o prejuízo irreparável que lhe é causado pela prestação de garantias e a manifesta falta de meios económicos…», a recorrente «não entende necessária a prova do prejuízo irreparável e de falta de meios económicos, mas somente a prova do prejuízo irreparável ou a prova de falta de meios económicos, tendo sido feita a prova da falta de meios económicos», sendo errada a perspectiva do acórdão recorrido.
- Apesar de o acórdão referir que a recorrente pretende a dispensa da prova e a inversão do ónus para a AT, não é isso que ela pretende: ela não pretende qualquer dispensa do ónus da prova e menos, ainda, a inversão desse ónus. Na verdade, ela tem o ónus de provar a falta de meios económicos e que a falta desses meios económicos não é da sua responsabilidade.
Mas a partir do momento em que ela (executada) alega a falta de meios económicos, identificando, nos termos do nº 2 do art. 74º da LGT, o local e arquivo informático ao dispor da AT onde esta facilmente constataria a inexistência desses meios económicos, tem de ter-se como cumprido aquele primeiro ónus (falta de meios).
- E do mesmo modo, tendo indicado a base de dados do IMT, como forma de a AT comprovar a inexistência de operações de alienação, para dessa forma comprovar que nada alienou para defraudar as garantias da Fazenda, tem de ter-se como cumprido o ónus da prova relativamente à não existência de responsabilidade sua na falta dos ditos meios económicos, sendo que não é correcta, nesta matéria, a aplicação do disposto no art. 34º do CPPT, preconizada pelo acórdão recorrido, já que não faz sentido pedir informações e certidões ao OEF, se este é o mesmo a quem se dirige o pedido de isenção da prestação de garantia na execução fiscal.
Ora, o presente recurso tem, como já se referiu, carácter excepcional, cabendo ao recorrente demonstrar a verificação dos pertinentes requisitos legais acima enunciados, não bastando, pois, invocar a violação de certas normas por parte do acórdão recorrido, devendo, previamente, alegar-se e demonstrar-se os requisitos de admissibilidade da revista - neste sentido, entre outros, os acórdãos deste STA de 2/3/2006, de 23/3/06 e de 27/4/2006, proferidos, respectivamente, nos processos nºs. 183/06, 245/06, 372/06 e 333/06.
Competia, por isso, à recorrente, apresentar ao Tribunal de recurso as razões pelas quais, no seu entender, ocorriam, no caso, os pressupostos da admissão da revista.
Porém, como se viu e como bem refere a Fazenda Pública nas contra-alegações do recurso, a recorrente nem sequer invoca tais pressupostos, limitando-se a referenciar discordâncias da decisão do TCAS e a pedir um novo julgamento que, considerando a prova efectuada, decida no sentido do deferimento do pedido de isenção da prestação da garantia.
Daí que, também neste âmbito, não possa qualificar-se a questão como juridicamente melindrosa ou socialmente relevante, nem possa dizer-se que está em causa a uniformização do direito, não vindo invocado, aliás, que a doutrina e/ou a jurisprudência se tenham pronunciado em sentido divergente, gerando incerteza e instabilidade na resolução das citadas questões e que, em consequência, seja necessário clarificá-las de forma a obter a melhor aplicação do direito (o acórdão recorrido apoia-se, aliás, no aí citado e transcrito ac. do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 17/12/1008, rec. nº 0327/08).

6. Conclui-se, portanto, que não estão preenchidos os requisitos legalmente exigidos no art. 150º, nº 1 do CPTA, para a admissibilidade do recurso excepcional de revista ali previsto.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em não admitir o presente recurso, por se considerar que não estão preenchidos os pressupostos a que se refere o nº 1 do artigo 150º do CPTA.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 16 de Maio de 2012. - Casimiro Gonçalves (relator) - Dulce Neto - Valente Torrão.