Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0867/13
Data do Acordão:06/05/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:O dever legal de fundamentação deve responder às necessidades de esclarecimento do destinatário, informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do respectivo acto e permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito que determinaram a sua prática.
É de considerar suficientemente fundamentado (fundamentação formal) o despacho que indeferiu pedido de dispensa de prestação de garantia para obtenção da suspensão da execução fiscal, por remissão para a fundamentação de antecedente informação prestada pelos serviços que se funda na falta de comprovação, por parte da requerente, de um dos pressupostos cumulativos da isenção de prestação de garantia expressos no nº 4 do art. 52º da LGT: irresponsabilidade da actuação empresarial ou da administração da executada na génese da situação de insuficiência ou inexistência de bens.
Nº Convencional:JSTA000P15895
Nº do Documento:SA2201306050867
Data de Entrada:05/16/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, na qual se julgou procedente a reclamação deduzida por A………, S.A.., nos termos dos arts. 276º e ss. do CPPT, contra o acto (indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia) praticado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Amadora-2.

1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
I – Consta da informação que sustenta o despacho reclamado a indicação das normas legais em que se encontra prevista a isenção de prestação de garantia.
II – Nomeadamente, indicando essa informação a aplicação a esta situação da previsão do nº 4 do artigo 52º da LGT e artigo 170º do CPPT.
III – De acordo com o entendimento, veiculado pelo ofício circulado emitido relativamente à interpretação daquelas normas, diz-nos aquela informação transcrita no probatório: “Quanto aos pressupostos de cuja verificação depende a dispensa de prestação de garantia, diz o ponto 1 do referido ofício que deve ser causa de prejuízo irreparável e/ou manifesta falta de meios económicos, mas desde que qualquer destas situações não resulte da responsabilidade do executado, sendo esta uma condição de verificação necessária.”
IV – Acrescentando quanto à não responsabilidade pela insuficiência: “estabelece o referido ofício no seu ponto 1.3, que o executado não deve ter responsabilidade na insuficiência dos bens; no caso das pessoas colectivas apenas se devendo considerar verificado este pressuposto nos casos em que a insuficiência não resulta da actuação empresarial e/ou dos respectivos gestores, ou seja apenas quando a dissipação destes esteja na absoluta indisponibilidade da empresa ou da sua administração (ex. catástrofe natural ou humana imprevisível). Fora destes casos existirá sempre uma responsabilidade empresarial baseada na respectiva gestão, não se considerando portanto verificado o pressuposto.”
V – Decorrendo ainda daquele ofício circulado que, cf. nº 1 do artigo 74º da LGT, conjugado com o artigo 342º do Código Civil, o ónus da prova recai sobre quem invoque os factos, no caso sobre a executada, pelo que “deste modo a petição deverá estar devidamente fundamentada, tanto de facto como de direito, acompanhada das respectivas provas documentais necessárias à sua apreciação, ou seja, com todos os elementos documentais comprovativos da verificação dos pressupostos de que depende a concessão da dispensa (art.º 170º, nº 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário).”
VI – Ora, como bem se nota da leitura da informação cujo teor consta do probatório, da decisão notificada à reclamante consta a indicação dos normativos legais que a Administração Tributária considera aplicáveis à situação, consta ainda como a Administração Tributária interpreta esses normativos, que condições entende a Administração Tributária que têm de se verificar para ser deferido o pedido de dispensa de prestação de garantia, e como entende a Administração Tributária que se verificam essas condições
VII – Diz-nos ainda aquela informação, que merece o despacho Concordante do órgão da execução fiscal: “Sendo estas as rigorosas condições a observar para efeitos de concessão de dispensa de prestação de garantia, em face dos documentos apresentados juntamente com o requerimento de isenção de garantia parece-nos que a presente petição enferma de insuficiência de comprovação inerente ao pressuposto da irresponsabilidade da actuação empresarial ou da respectiva administração na génese da situação de insuficiência ou inexistência de bens.”
VIII – Ou seja, muito embora na informação em causa sejam referidas diversas situações, algumas das quais não concretizadas relativamente à reclamante, a razão eleita pela Administração Fiscal para o indeferimento do pedido de dispensa de garantia, acaba por ser apenas a “insuficiência de comprovação inerente ao pressuposto da irresponsabilidade da actuação empresarial ou da respectiva administração na génese da situação de insuficiência ou inexistência de bens.”
IX – E, no que a este pressuposto diz respeito, encontram-se explicitadas as razões que levaram a Administração Tributária a decidir como decidiu, e ainda explicitadas as condições que teriam, no entendimento da Administração Tributária, de se verificar para se considerar preenchido o pressuposto.
X – Considerando a Administração Tributária que não se encontram preenchidas aquelas condições, pelas razões que explicitou, a decisão de indeferimento do pedido de dispensa de garantia é congruente com as razões apresentadas para esse indeferimento.
XI – Como resulta da leitura da informação transcrita no probatório, foi dado a conhecer à reclamante o itinerário valorativo cognoscitivo seguido pela Administração Tributária que levou à decisão de indeferimento do requerimento apresentado, sendo que as razões apresentadas para o indeferimento encontram-se explicitadas de forma clara, permitindo essa explicitação a um destinatário normalmente diligente ou razoável a compreensão das mesmas razões, e permitindo essa compreensão que o destinatário da decisão se conforme ou não com aquelas razões e consequentemente permitindo-lhe, nomeadamente, caso não concorde com as mesmas, utilizar os meios de defesa que a lei põe à sua disposição.
XII – A decisão do órgão de execução fiscal que indefere o requerimento de dispensa de prestação de garantia, encontra-se, em face do exposto, devidamente fundamentada, cf. art. 77º da LGT e art. 268º nº 3 ou 205º nº 1 da CRP.
XIII – A sentença recorrida ao assim não entender apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos atrás mencionados, não merecendo por isso ser confirmada.
Termina pedindo o provimento ao recurso e a revogação da decisão recorrida, a ser substituída por acórdão que declare a reclamação improcedente.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite Parecer nos termos seguintes:
«FUNDAMENTAÇÃO
1. O princípio constitucional da fundamentação dos actos administrativos foi densificado na legislação ordinária (art. 268º nº 3 CRP; arts. 124º e 125º CPA, art. 77º nºs 1 e 2 LGT)
A fundamentação da decisão do procedimento administrativo pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária (art. 77º nº 1 LGT)
O dever legal de fundamentação do acto administrativo cumpre uma dupla função:
- endógena, ao exigir ao decisor a expressão dos motivos e critérios determinantes da decisão, assim contribuindo para a sua ponderação e transparência;
- exógena, ao permitir ao destinatário do acto uma opção esclarecida entre a conformação e a impugnação graciosa ou contenciosa
Segundo ensinamento pacífico da doutrina e da jurisprudência a fundamentação do acto administrativo há-de ser:
- expressa, traduzida na exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão;
- clara, permitindo que pela leitura do seu teor se apreendam com precisão os factos e as normas jurídicas conducentes à decisão;
- suficiente, permitindo um conhecimento concreto da motivação da decisão;
- congruente, por forma a que a decisão seja a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação
As características enunciadas são exigência da fundamentação formal do acto tributário; sendo distintas da chamada fundamentação substancial, a qual deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico
2. Aplicação das considerações precedentes ao caso concreto:
a) a decisão administrativa reclamada indeferiu o pedido de isenção de prestação de garantia para obtenção da suspensão da execução fiscal por remissão para a fundamentação de antecedente informação prestada pelos serviços (probatório als. D) e E);
b) a informação funda a sua proposta de indeferimento na falta de comprovação pelo requerente de um dos pressupostos cumulativos da isenção de prestação de garantia expressos no art. 52º nº 4 LGT (norma cujo conteúdo substancialmente transcreve, embora sem reprodução formal): irresponsabilidade da actuação empresarial ou da administração da executada na génese da situação de insuficiência ou inexistência de bens (cf. informação fls.71 último parágrafo, fls. 72 e fls. 73 2ª conclusão);
c) a fundamentação da decisão administrativa observou as características legais e cumpriu a sua dupla função endógena/exógena, nos termos supra enunciados: em consequência, a reclamante procurou contrariar na petição de reclamação os fundamentos da decisão de indeferimento, alegando a verificação dos pressupostos da isenção de prestação de garantia, designadamente a ausência de qualquer actuação empresarial conducente à situação de insuficiência ou inexistência de bens (arts. 16º/20º)
3. A verificação dos pressupostos da fundamentação formal do acto administrativo justifica a devolução do processo ao tribunal recorrido para apreciação dos pressupostos legais da isenção de prestação de garantia, com o motivo acrescido da clara insuficiência da matéria de facto apurada para a decisão da questão jurídica
CONCLUSÃO
O recurso merece provimento.
A sentença impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão com o seguinte dispositivo:
- declaração judicial da fundamentação formal do acto administrativo;
- devolução do processo ao tribunal recorrido para apreciação da questão da verificação dos pressupostos legais da isenção de prestação de garantia»

1.5. Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
A) Corre termos contra A…….., S.A., o processo de execução fiscal n.º 3140201201028790, por dívidas de IVA, no valor de € 662.319,96, instaurado pelo Serviço de Finanças de Amadora 2 (Cfr. PEF apenso aos autos);
B) Por requerimento entrado em 26.06.2012 no Serviço de Finanças de Amadora 2, dirigido ao Director de Finanças de Lisboa, a Reclamante requereu, na sequência do “indeferimento do pedido de prestação de garantia previamente apresentado”, a dispensa de prestação de garantia (cfr. fls. 4 a 6 do PEF apenso, cujo teor se dá por reproduzido);
C) Através do ofício n.º 6132, de 20.08.2012, foi a ora Reclamante notificada “(...) relativamente à isenção de prestação de garantia (...) de que, por despacho do Sr. Director de Finanças Adjunto de 07.08.2012, foi o mesmo indeferido, podendo, no prazo de 10 dias após a presente notificação, apresentar reclamação da decisão, nos termos do art. 276.º do CPPT.” (cfr. fls. 10 do PEF);
D) Foi junto aos autos com a contestação o teor integral da Informação n.º 1259/2012, tendo por assunto a “Apreciação do pedido de isenção de garantia”, que se transcreve na íntegra:
«Informação
Factos
a) Pende no SLF de Amadora 2 contra a sociedade A……., S.A. com o NIPC .......... o PEF 3140201201028790, por dívida de IVA.
b) Deu entrada no SLF de Amadora 2 um requerimento a solicitar a isenção de prestação da garantia.
c) O requerimento foi enviado a esta DGDE através do ofício nº 4921, de 28/06/2012, e. g. nº 66149, de 02/07/2012
d) Em virtude do contribuinte ser considerado “devedor estratégico” a competência para a apreciação e decisão do pedido de isenção de garantia é da DSGCT, conforme o 2º parágrafo da alínea c) das instruções emanadas pelo e-mail de 18/03/2012, da referida Direcção.
e) Assim sendo foi reencaminhada para a DSGCT, através do ofício nº 53657, de 06/07/2012, a documentação enviada a esta DGDE pelo SLF de Amadora 2.
f) Através de um e-mail de 24/07/2012, da DSGCT e.g. 73925 de 25/07/2012, teve esta DF/DGDE conhecimento do projecto de despacho que deve ser proferido sobre o pedido de isenção de garantia requerido pelo contribuinte.
Tendo em vista acompanhar o evoluir da situação, nomeadamente sobre a eventual necessidade de introdução de melhorias no projecto de despacho, solicita-se a remessa de cópia de decisão que vier pelo Tribunal.
Pretende-se, conforme resulta das instruções de 16/03/2012, uniformizar procedimentos e tomadas de posição tendo em vista fortalecer a defesa dos interesses do credor tributário pelo que se transcreve o projecto de despacho.







(Cfr. fls. 37 a 44 dos autos).
E) A Informação referida na alínea antecedente foi objecto do seguinte despacho, datado de 07.08.2012, do Director de Finanças Adjunto, “Concordo, pelo que indefiro o pedido com os fundamentos constantes da presente informação” (Cfr. fls. 37 dos autos).

3.1. Na sequência de apresentação de reclamação graciosa contra liquidações adicionais de IVA, a recorrente requereu a prestação de garantia para suspensão do respectivo processo de execução fiscal entretanto instaurado, apresentando para esse efeito uma relação de créditos dos quais é titular sobre várias entidades públicas e invocando o disposto nos arts. 90º e 90º-A do CPPT, relativamente à compensação com créditos tributários e não tributários.
Esse pedido de prestação de garantia através de tal compensação veio a ser indeferido com fundamento, em suma, de que não se tratava de garantia idónea e que o pretendido não tinha cabimento na legislação tributária.

3.2. Paralelamente a uma (outra) reclamação contra esse indeferimento, a recorrente apresentou também um pedido de dispensa de prestação de garantia, nos termos do disposto no art. 170º do CPPT, invocando:
- que a prestação de uma garantia a favor da ATA redundaria numa violação do Contrato de Financiamento conduzindo à possibilidade de os respectivos Mutuantes poderem exigir à Mutuária o montante global do financiamento – i.e. EUR 60.400.000,00.
- que considerando que a situação líquida actual ascendia em 31/12/2011, a EUR 13.813.302,00, e a sua disponibilidade de caixa a apenas EUR 4.915.888,00, face ao valor acima apontado é mister reconhecer que da prestação de garantia decorreria um prejuízo irreparável para a requerente (v.g. insolvência).
- que fica claro que a impossibilidade de fazer face ao referido prejuízo irreparável não se deve a qualquer comportamento antijurídico da parte da requerente a qual se limitou a, anos antes desta situação ter eclodido, e em momento em que jamais poderia vaticinar o desenlace do presente litígio tributário, assumir em conjunto com outras sociedades do seu grupo uma posição passiva num contrato de mútuo, tendo em vista a realização de operações económicas válidas e legítimas, ao que acresce a circunstância de ter procurado encontrar todos os meios alternativos de prestação de garantia (mas tendo o respectivo pedido sido indeferido).

3.3. Mas também este pedido foi indeferido pelo sr. Chefe do SF de Amadora-2.
E sendo deste despacho (de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia), que a recorrente deduziu no TAF de Sintra a presente reclamação (nos termos do art. 276º do CPPT), invocando (i) que comprovou os pressupostos da isenção de prestação de garantia expressos no art. 52º nº 4 LGT, (ii) falta de fundamentação do despacho de indeferimento e (iii) falta de audição prévia da reclamante antes da decisão de indeferimento do pedido.

4.1. A Mma. Juíza julgou a reclamação procedente, considerando, no que ora releva, que se verifica a invocada falta de fundamentação da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, uma vez que a informação que serviu de suporte à decisão de indeferimento apenas contém uma descrição sumária dos factos de enquadramento, limitando-se a reproduzir o teor de um “projecto de despacho que deve ser proferido sobre o pedido de isenção de garantia requerido pelo contribuinte” e a concluir que “atendendo às orientações superiores atrás descritas propõe-se o indeferimento do pedido”. Sendo que esse “projecto de despacho” é transcrito na íntegra, com os respectivos espaços em branco, verificando-se que não foram ponderadas as circunstâncias concretas, quer de facto, quer de direito, relativas à reclamante.
Ou seja, a sentença considerou que a decisão reclamada não é clara, pois não permite que se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decidiu, não é suficiente, pois não permite ao seu destinatário um conhecimento concreto da motivação do acto, e não é congruente, pois não contém uma conclusão lógica e necessária dos motivos invocados e da sua justificação. E concluiu, em consequentemente, pela procedência da reclamação e pela anulação do acto reclamado.
E mais concluiu que procedendo a reclamação por vício de falta de fundamentação e podendo a AT praticar novo acto, do qual não é possível antever o conteúdo, dada a existência de espaços de discricionariedade técnica, não pode o Tribunal substituir-se na apreciação da verificação dos pressupostos da dispensa de prestação de garantia, nos termos requeridos pela reclamante.

4.2. A Fazenda Pública discorda do assim decidido, alegando, em síntese, que a sentença enferma de erro de julgamento, dado que da decisão notificada à reclamante consta a indicação dos normativos legais que a AT considera aplicáveis à situação, consta como é que a AT interpreta esses normativos, que condições entende terem de se verificar para ser deferido o pedido de dispensa de prestação de garantia, e como entende que se verificam essas condições.
Mais alegando que apesar de na informação em causa serem referidas diversas situações, algumas das quais não concretizadas relativamente à reclamante, a razão eleita pela AT para o indeferimento do pedido de dispensa de garantia, acaba por ser apenas a «insuficiência de comprovação inerente ao pressuposto da irresponsabilidade da actuação empresarial ou da respectiva administração na génese da situação de insuficiência ou inexistência de bens» e no que a este pressuposto diz respeito, encontram-se explicitadas, quer as razões que levaram a AT a decidir como decidiu, quer as condições que teriam, no entendimento da AT, de se verificar para se considerar preenchido o pressuposto.
Ou seja, conforme resulta da leitura da informação transcrita no probatório, foi dado a conhecer à reclamante o itinerário valorativo cognoscitivo seguido pela AT que levou à decisão de indeferimento do requerimento apresentado, sendo que as razões apresentadas para o indeferimento estão explicitadas de forma expressa, clara, suficiente e congruente, permitindo a um destinatário normalmente diligente ou razoável a compreensão das mesmas razões, e permitindo essa compreensão que o destinatário da decisão se conforme ou não com aquelas razões e permitindo-lhe, caso não concorde com as mesmas, utilizar os meios de defesa que a lei põe à sua disposição.
A questão a decidir no presente recurso é, portanto, a de saber se a dita decisão de indeferimento se encontra fundamentada.
Vejamos.

5.1. Não sofre dúvida que o direito à fundamentação, relativamente aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, tem hoje consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias consagrados no Título II da parte 1ª da CRP (art. 268º) - vejam-se a abundante jurisprudência do STA atinente a esta matéria, bem como Gomes Canotilho e Vital Moreira, «Constituição da República Portuguesa Anotada», 1993, pp. 936 e Vieira de Andrade, «O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos», 1990, pp. 53 e ss., tendo o respectivo princípio constitucional sido densificado nos arts. 124º e 125º do CPA e no art. 77º nºs. 1 e 2 da LGT.
E dado que este dever legal de fundamentação tem, «a par de uma função exógena - dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do acto ou pela sua impugnação -, uma função endógena consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta» (ac. deste STA, de 2/2/06, rec. nº 1114/05), então, essa fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
E caso a fundamentação seja feita por forma remissiva (por adesão ou remissão para anterior parecer, informação ou proposta), estes constituirão parte integrante do respectivo acto administrativo: este acto integra, então, nele próprio, o parecer, informação ou proposta para os quais se remete e estes terão, assim, em termos de legalidade, que satisfazer os mesmos requisitos da fundamentação autónoma.
Assim, utilizando a linguagem da jurisprudência, o acto só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto, sendo, portanto, essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro. Ela visa «esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime, já que o dever formal de fundamentação se cumpre “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”. O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.» (cfr. Vieira de Andrade – ob. cit. pag. 239, na citação do ac. do STA, de 11/12/2002, rec. 01486/02).
Em suma, as características enunciadas são exigência da fundamentação formal do acto tributário; sendo distintas das exigíveis para a chamada fundamentação substancial, a qual deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico

5.2. Especificamente, também a decisão em matéria de procedimento tributário exige sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo essa fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas e devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis.
Sendo que, no que aqui releva, o nº 4 do art. 52º da LGT dispõe que a AT pode, «a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.»
Ora, descendo ao caso dos autos, verificamos que a recorrente pediu dispensa de prestação de garantia invocando, como acima se viu, que a prestação de uma garantia redundaria numa violação do Contrato de Financiamento conduzindo à possibilidade de os respectivos Mutuantes poderem exigir à Mutuária o montante global do financiamento – i.e. EUR 60.400.000,00 – o que, considerando a sua situação líquida em 31/12/2011 e a sua disponibilidade de caixa na mesma data, implicaria que da prestação de garantia decorreria um prejuízo irreparável para a requerente (insolvência), sendo que a impossibilidade de fazer face ao referido prejuízo irreparável não se deve a qualquer comportamento antijurídico da parte da requerente.
Por outro lado, constata-se que a decisão administrativa reclamada indeferiu esse pedido de isenção de prestação de garantia, fazendo uma remissão para a fundamentação de antecedente informação prestada pelos serviços (cfr. als. D) e E) do Probatório) e que esta informação funda a sua proposta de indeferimento na falta de comprovação, por parte da requerente, de um dos pressupostos cumulativos da isenção de prestação de garantia expressos no citado nº 4 do art. 52º da LGT (norma cujo conteúdo substancialmente transcreve, embora sem reprodução formal): irresponsabilidade da actuação empresarial ou da administração da executada na génese da situação de insuficiência ou inexistência de bens (cfr. informação de fls. 71, último parágrafo, fls. 72 e fls. 73, 2ª conclusão).
E assim sendo, esta fundamentação da decisão administrativa (impugnada na presente reclamação) observou, como bem refere o MP, as características legais que se lhe impunham e cumpriu a sua dupla função endógena/exógena, nos termos supra enunciados: aliás, e em consequência disso, a reclamante procurou contrariar na petição de reclamação os fundamentos da decisão de indeferimento, alegando a verificação dos pressupostos da isenção de prestação de garantia, designadamente a ausência de qualquer actuação empresarial conducente à situação de insuficiência ou inexistência de bens (cfr. os arts. 12º a 20º da Petição Inicial).
E verificando-se os pressupostos da fundamentação formal do acto administrativo, conclui-se que a sentença recorrida enferma do erro de julgamento que a recorrente lhe imputa, procedendo, portanto, o recurso e impondo-se a revogação da decisão (que decidiu pela anulação do acto reclamado, com base em falta dessa fundamentação) e a devolução do processo ao tribunal recorrido para apreciação dos pressupostos legais da isenção de prestação de garantia, com o motivo acrescido da clara insuficiência da matéria de facto apurada para a decisão da questão jurídica.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se, em conferência em, dando provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos à instância para apreciação da questão da verificação dos pressupostos legais da isenção de prestação de garantia.

Sem custas.
Lisboa, 5 de Junho de 2013. - Casimiro Gonçalves (relator) - Francisco Rothes - Fernanda Maçãs.