Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01348/13
Data do Acordão:11/13/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
Sumário:I - Face ao que dispõem os arts. 122º do CIMI, 735º e 744º, nº 1, do Código Civil, o crédito de IMI relativo ao imóvel penhorado goza de privilégio imobiliário especial quanto aos créditos de imposto inscritos para cobrança no ano em que se verificou a penhora e nos dois anos anteriores.
II - O art. 8º do Dec. Lei nº 73/99, de 16/3, estende o mesmo privilégio aos juros de mora que incidam sobre esse crédito de imposto.
III - No concurso com crédito garantido por hipoteca, os créditos de IMI e respectivos juros moratórios têm, necessariamente, de ser graduados em primeiro lugar, como impõe o art. 751º do Código Civil.
Nº Convencional:JSTA000P16585
Nº do Documento:SA22013111301348
Data de Entrada:08/06/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A FAZENDA PÚBLICA recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença de verificação e graduação de créditos proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, na parte em que não graduou em primeiro lugar os créditos exequendos, resultantes de Imposto Municipal sobre Imóveis devido em relação ao imóvel penhorado e vendido na execução fiscal.

Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto contra a sentença proferida em primeira instância, no âmbito dos presentes autos, na parte em que não graduou em primeiro lugar os créditos exequendos de IMI relativo ao prédio penhorado nos autos de execução fiscal em 13.10.2009, dos anos de 2006, 2007 e 2008, inscritos para cobrança nos anos de 2007, 2008 e 2009, respectivamente, bem como os correspectivos juros de mora, que gozam de privilégio imobiliário especial.
2. Como resulta dos autos, nomeadamente da certificação de dívidas emitida pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 1, os créditos exequendos em cobrança coerciva no processo de execução fiscal principal com o nº 1821200201048279, respeitam a CA e IMI do prédio penhorado (CA dos anos de 2001 e 2002, inscritos para cobrança em 2002 e 2005, respectivamente, e IMI dos anos de 2003 a 2009, inscritos para cobrança em 2004 a 2010, respectivamente).
3. Preceitua o nº 2 do art. 240º do CPPT que “O crédito exequendo não carece de ser reclamado”, significando tal que os mesmos deverão ser atendidos no processo de verificação e reclamação de créditos, gozando as suas dívidas das garantias e privilégios que lhes assiste nos termos da lei, devendo como tal serem verificados e graduados em conjunto com os créditos reclamados.
4. De acordo com o art. 122º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) “O imposto municipal sobre imóveis goza das garantias especiais previstas no Código Civil para a contribuição predial”, estabelecendo o art. 744º, nº 1 do Código Civil que “Os créditos por contribuição predial devida ao Estado ou às autarquias locais, inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquela contribuição.”.
5. Como bem refere a douta sentença de que se recorre, gozam do privilégio imobiliário especial, nos termos do art. 24º, nº 1, do CCA e art. 122º do CIMI, os créditos provenientes de IMI desde que inscritos para cobrança no ano corrente da penhora e nos dois anos anteriores. De acordo com o disposto no art. 751º do CC, os privilégios especiais são oponíveis a terceiros, ainda que a garantia seja anterior. A penhora de 1/2 da fracção autónoma “………” foi efectuada em 13/10/2009, pelo que dos créditos exequendos relativos a Contribuição Autárquica e IMI do prédio penhorado no processo de execução fiscal (o art. 4596-………..), apenas gozam daquele privilégio imobiliário especial os créditos de IMI referentes ao ano de 2008, inscritos para cobrança em 2009, ano em que foi efectuada a penhora do imóvel, e aos anos de 2007 e 2006 (inscritos para cobrança nos dois anos anteriores), encontrando-se os demais créditos exequendos fora daquele âmbito temporal.
6. De igual modo, gozam os juros de mora dos mesmos privilégios que as dívidas reclamadas, nos termos do art. 8º do DL nº 73/99, de 16 de Março.
7. Todavia, na douta sentença, apesar da fundamentação conferir privilégio imobiliário especial aos créditos exequendos de IMI de 2006 a 2008, na decisão graduou os mesmos em segundo lugar, conjuntamente com os restantes créditos exequendos, graduando em primeiro lugar o crédito reclamado garantido pela hipoteca constituído a favor da A………………………...
8. A douta sentença aqui em recurso padece de erro de julgamento da matéria de direito, porquanto fez errónea subsunção dos factos às normas legais aplicáveis in casu, no que concerne ao crédito exequendo de IMI de 2006, 2007 e 2008, inscritos para cobrança nos anos de 2007, 2008 e 2009, respectivamente, bem como os correspectivos juros de mora, que gozam de privilégio imobiliário especial, violando assim o disposto nos artigos 240º do CPPT, 122º do CIMI e 735º, 744º, nº 1, 748º, 751º, todos do CC e art. 8º do DL nº 73/099, de 16/03.
Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença e substituída por acórdão que gradue em primeiro lugar, sobre os demais créditos, os créditos exequendos de IMI dos anos de 2006, 2007 e 2008, postos à cobrança em 2007, 2008 e 2009, respetivamente, e respetivos juros de mora, garantidos por privilégio imobiliário especial.


1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, argumentando o seguinte:

«3. A questão suscitada no presente recurso consiste em saber se os créditos exequendos relativos a IMI dos anos de 2006, 2007 e 2008, inscritos para cobrança nos anos de 2007, 2008 e 2009, preferem, na ordem de graduação, a fazer-se pagar pelo produto da venda do imóvel penhorado nos autos, ao crédito hipotecário reclamado pela “A……………….”.
Nos termos do artigo 122º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, «O imposto municipal sobre imóveis goza das garantias especiais previstas no Código Civil para a contribuição predial». Por seu lado, o artigo 744º do Código Civil, intitulado “contribuição predial e impostos de transmissão”, preceitua, no seu nº 1 que «Os créditos por contribuição predial devida ao Estado ou às autarquias locais, inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente e nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquela contribuição».
Por seu lado dispõe o artigo 686º, nº1, do Código Civil, que «a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certa coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo».
Gozando os créditos de IMI de privilégio especial, os mesmos preferem, na ordem de graduação, sobre os créditos garantidos por hipoteca.
Todavia só gozam desse privilégio os créditos de IMI incidente sobre a fracção penhoradas como decorre do último segmento do nº 1 do art. 744º do CC. Atento que da matéria de facto assente na sentença recorrida consta que os créditos exequendos dizem respeito a dois prédios, um dos quais à fracção penhorada, importa realçar que apenas são graduados em primeiro lugar os créditos de IMI dos anos de 2006, 2007 e 2008, inscrito para cobrança nos anos de 2007, 2008 e 2009 que digam respeito à fracção penhorada (uma vez que nas certidões juntas aos autos não resulta discriminado o valor do imposto relativo a cada fracção, tendo sido indicado apenas o valor total referente a vários prédios).
Assim sendo, deve o recurso ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, e em sua substituição graduar os créditos reclamados e exequendos., saindo as custas precípuas, pela seguinte ordem:
a) Em 1º lugar, os créditos exequendos de IMI e respectivos juros, respeitante à fracção autónoma designada pela letra “……..” dos anos de 2006, 2007 e 2008, e inscritos para cobrança nos anos de 2007, 2008 e 2009;
b) Em 2º lugar, o crédito reclamado pela “A……………..” e juros de três anos até ao limite máximo garantido;
c) Em 3º lugar, os demais créditos exequendos.».

1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.

2. Da sentença recorrida resultam como provados os seguintes factos:

1. Contra B………….., NIF ………., corre no Serviço de Finanças de Matosinhos 1, o Processo de Execução Fiscal nº 1821 2002 01048279 e Aps., para cobrança de dívidas de Contribuição Autárquica dos anos de 2001 e 2002 e de IMI dos anos de 2003 a 2010 referentes a dois prédios urbanos, um dos quais, a fracção autónoma letra “……….”, designada por apartamento nº 705, inscrita na matriz sob o artigo 4596º-……….., do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito na Rua ………. nº …………., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4596º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n° 1030. (cfr. fls. 1 ss. e 58-84 dos autos).
2. Em 13/10/2009 foi efectuada a penhora de ½ daquela fracção autónoma letra “………”, para garantia das quantias exequendas no Processo de Execução Fiscal 1821 2002 01048279, no montante de 4.086,09 €, penhora registada na Conservatória do Registo Predial pela Ap. 4513 de 2009/10/ 13 (cfr. fls. 8-9 e 30 dos autos).
3. O ½ da identificada fracção autónoma “………” foi vendido em 18/05/2010, tendo sido adjudicado à C……………, LDA., pelo valor de 9.755,00 € (cfr. fls. 47 dos autos).
4. Sobre a identificada fracção autónoma letra “……….” havia sido constituída hipoteca a favor do D…………., SA, através da Inscrição C-1, pela Ap. 62 de 1998/10/09, no montante máximo garantido de 18.200.000$00 para garantia do empréstimo (mútuo com hipoteca) outorgado por escritura pública de 09/07/1998 (fls. 29-30 e fls. 119 dos autos), cujo respectivo crédito foi cedido à E………….., SA e que posteriormente à A…………………. mostrando-se ambas as transmissões de crédito, com hipoteca voluntária (inscrição C-1) registadas na conservatória do Registo Predial em data anterior à penhora na execução fiscal (cfr. fls. 29-30 e fls. 90-116 dos autos).

2. O inconformismo da Recorrente, integrante do objecto do presente recurso jurisdicional, reconduz-se à única questão de saber se a decisão recorrida enferma de erro por não ter graduado em primeiro lugar os créditos exequendos de IMI dos anos de 2006, 2007 e 2008, e respectivos juros de mora.
A sentença recorrida, depois de discorrer sobre a natureza e virtualidades das garantias que dimanam da hipoteca e do privilégio imobiliário especial, atendendo ao que dispõem os arts. 686º, nº 1, 693º, nºs. 1 e 2, 687º, 822º, nº 1, 751º, do Código Civil, art. 24º, nº 1, do Código da Contribuição Autárquica e art. 122º, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, graduou os créditos da seguinte forma:
1º - O crédito reclamado pela A………………, de 120.628,86 €, incluindo os juros relativos aos três últimos anos, até ao limite máximo garantido (18.200.000$00) pela hipoteca constituída a seu favor, através da Inscrição C-1, pela Ap. 62 de 1998/10/09;
2º - Os créditos exequendos, relativos a dívidas de Contribuição Autárquica dos anos de 2001 e 2002 e de IMI dos anos de 2003 a 2010, garantidos por penhora de 1/2 da fracção autónoma letra “………..”, efectuada em 13/10/2009, registada na Conservatória do Registo Predial pela Ap. 4513 de 2009/10/13, até ao montante máximo garantido de 4.086,09 €.

É desta graduação que a Recorrente discorda, advogando, em suma, que os créditos exequendos referente ao IMI de 2006, 2007 e 2008, relativo ao imóvel penhorado, gozam de privilégio imobiliário especial, visto que esse imposto foi inscrito para cobrança nos anos de 2007, 2008 e 2009, respectivamente, e que a penhora ocorreu em 13.10.2009, devendo, por isso, ser graduados em primeiro lugar, tal como os respectivos juros de mora, motivo por que sustenta que, ao graduar esses créditos em segundo lugar, a sentença recorrida violou o disposto nos arts. 240º do CPPT, 122º do CIMI e 735º, 744º, nº 1, 748º, 751º, todos do CC e art. 8º do DL nº 73/099, de 16/03.

Vejamos.

O art. 122º, nº 1, do CIMI determina que «O imposto municipal sobre imóveis goza das garantias especiais previstas no Código Civil para a contribuição predial.».
Por sua vez, o art. 744º, nº 1, do Código Civil, inserido na secção que se refere aos privilégios imobiliários, estabelece que «Os créditos por contribuição predial devida ao Estado ou às autarquias locais, inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquela contribuição», e o art. 735º, nº 3, do mesmo diploma legal, refere que «Os privilégios imobiliários estabelecidos neste Código são sempre especiais.».
Significa isto, em suma, que o crédito de IMI, conexionado com o bem penhorado, beneficia de privilégio imobiliário especial, e que esse privilégio abarca os créditos de imposto inscritos para cobrança no ano em que se verificou a penhora, e nos dois anos anteriores.
Além disso, o art. 8º do Decreto-Lei nº 73/99, de 16/3, estende o mesmo privilégio aos juros de mora que incidam sobre esse crédito de imposto.
Ora, no caso vertente, é incontroverso que os créditos exequendos referentes ao IMI dos anos de 2006, 2007 e 2008, foram inscritos para cobrança nos anos de 2007, 2008 e 2009, respectivamente, e que a penhora ocorreu em 13.10.2009.
Todavia, esse IMI reporta-se a dois imóveis e a mencionada penhora recaiu apenas sobre um desses imóveis: ½ da fracção autónoma designada pela letra “……..”. Daí que os pressupostos do privilégio imobiliário especial se verifiquem apenas quanto ao crédito exequendo que respeita a esta fracção autónoma “…………”.
Deste modo, face ao que dispõem os arts. 122º do CIMI, 735º, 744º, nº 1, e 751º do Código Civil, e art. 8º, do Dec. Lei nº 73/99, de 16/3, é fora de dúvida que o crédito de IMI relativo à fracção autónoma com a letra “……….”, referente aos anos de 2006, 2007 e 2008, e respectivos juros de mora, gozam de privilégio imobiliário especial, e, por conseguinte, concorrendo com crédito garantido por hipoteca, terão esses créditos de IMI e respectivos juros moratórios de ser graduados em primeiro lugar.
Procedem, assim, as conclusões das alegações do recurso.

4. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida no segmento impugnado e proceder à graduação de créditos pela seguinte forma:

1º Os créditos exequendos de IMI referente aos anos de 2006, 2007 e 2008, respeitantes à fracção autónoma designada pela letra “……..”, inscrita na matriz predial urbana da freguesia de ……………. sob o artigo 4596º-……….., e respectivos juros;

2º O crédito reclamado pela A………………….., de 120.628,86 €, incluindo os juros relativos aos três últimos anos, até ao limite máximo garantido (18.200.000$00) pela hipoteca constituída a seu favor, através da Inscrição C-1, pela Ap. 62 de 1998/10/09;

3º Os demais créditos exequendos, garantidos pela penhora.

Sem custas.

Lisboa, 13 de Novembro de 2013. - Dulce Neto (relatora) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.