Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01314/14
Data do Acordão:12/10/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:DESPACHO DE INDEFERIMENTO
DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
DISPENSA DE AUDIÇÃO
Sumário:Independentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do ato de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia - ato materialmente administrativo praticado no processo de execução fiscal ou ato predominantemente processual - é de concluir que não há, no caso, lugar ao exercício do direito de audiência previsto no artº. 60º da LGT.
Nº Convencional:JSTA000P18356
Nº do Documento:SA22014121001314
Data de Entrada:11/07/2014
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:IFAP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
A………………., SA., inconformada, recorreu da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu (TAF de Viseu) datada 15 de Setembro de 2014, que julgou totalmente improcedente a reclamação contra a decisão do Director de Finanças de Viseu, de 20 de Agosto de 2013, proferida no âmbito do processo de execução fiscal nº 270420060101149, que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia com vista à suspensão do processo executivo que contra si foi movido pelo IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas.

Alegou, tendo concluído como se segue:

A. O presente processo respeita a uma reclamação apresentada pela A…………… contra o indeferimento, por parte do Serviço de Finanças de Tondela, de um pedido de dispensa de prestação de garantia em que não foi realizada a audição do contribuinte, prévia a esse indeferimento, em violação do disposto nos artigos 267.º, n.° 5, da CRP, 60.° da LGT e 45.° do CPPT.

B. O Acórdão deste STA de 26.09.2012 que é transcrito na sentença recorrida acompanha a corrente que qualifica o acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia como um acto de natureza administrativa - cf., em particular, página 24 sentença aqui posta em crise.

C. Consubstanciando a decisão de indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia um acto administrativo em matéria tributária e, como tal, sujeito ao regime previsto na LGT para os procedimentos tributários (e, em particular, ao princípio da participação contido no artigo 60.° do mesmo diploma), não se pode aventar, no modesto entendimento da A………………, a possibilidade da sua não observância ou simples dispensa, como acabou por concluir o Tribunal a quo.

D. Não parece ser legalmente admissível recorrer a uma possibilidade de dispensa de audição prévia prevista ou (i) num regime de aplicação supletiva (in casu, o regime previsto no CPA) ou (ii) num regime criado ad hoc (em concreto, um regime resultante da consideração de que o requerimento de dispensa de garantia, por dever ser fundamentado e instruído com prova, consubstancia, em si, a audição prévia do interessado), quando a própria Lei Geral Tributária não se mostra omissa quanto à matéria.

E. A aplicação do Código de Procedimento Administrativo às relações jurídico-tributárias, nos termos do disposto na alínea c) do artigo 2.º da LGT, mostra-se de carácter supletivo: é a Lei Geral Tributária que se aplica em primeira linha à solução das questões postas ao intérprete-aplicador, só sendo legítimo o recurso aos restantes diplomas enunciados no artigo 2.° da LGT em caso de lacuna da mesma Lei.

F. A Lei Geral Tributária não contém qualquer lacuna quanto ao exercício de audição prévia ao indeferimento de um pedido de dispensa de garantia, que possibilite ou autorize o recurso a regimes especiais previstos em legislação subsidiária ou interpretativamente criados para a situação concreta. Bem pelo contrário: a LGT claramente ordena que previamente ao indeferimento de um pedido apresentado pelo contribuinte à Administração Fiscal - como vem a ser um pedido de dispensa de prestação de garantia - seja aquele ouvido e convidado a participar na formação da decisão final – cf. artigo 60°, n.° 1, alínea b), da LGT-, sendo que os n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo 60.º da LGT vêm indicar, peremptoriamente, as situações em que poderá ocorrer a dispensa de audição prévia no âmbito das relações jurídico-tributárias, nos quais não se inclui o indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia.

G. Ao fazer-se apelo a um regime previsto no Código de Procedimento Administrativo (ou mesmo a um regime que decorre da interpretação de que a própria petição fundamentada afastará a audição prévia) para justificar a possibilidade de dispensa de audição prévia no caso, está-se, em bom rigor, a revogar semelhante disposição da Lei Geral Tributária, aditando-lhe outras possibilidades de dispensa de audição prévia, que o legislador fiscal manifestamente não consagrou.

H. Ainda que se aceitasse a aplicação subsidiária da possibilidade de dispensa de audiência prévia, prevista no CPA para os casos em que a decisão se mostra urgente, às situações de indeferimento de pedido de dispensa de garantia - no que não se concede -, sempre importará notar que a urgência da decisão invocável para justificar esta dispensa de audiência prévia em procedimentos administrativos «não são razões ligadas com a necessidade de cumprimento do prazo legal de conclusão do processo ou com a necessidade de prevenir o aparecimento de actos tácitos que podem ser invocadas para justificar o preenchimento do pressuposto da urgência da decisão.» - cf. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, op cit.

I. Ao contrário do que se verifica na situação dos autos, a urgência da decisão deverá ser justificada e fundamentada por referência à situação material existente, devendo resultar objectivamente do acto e das suas circunstâncias (cf., neste sentido, Ac. STA de 28-05-2002, proc. 048378, disponível em www.dgsi.pt), não já por referência à situação procedimental de cumprimento de determinado prazo estipulado para a conclusão do procedimento, que vem a ser, afinal, a justificação em que se escuda o Tribunal a quo (acolhendo o teor do mencionado Acórdão deste Venerando STA) para considerar que este regime da dispensa de audiência prévia nas decisões urgentes dos procedimentos administrativos deverá ser aplicado ao pedido de dispensa de prestação de garantia em causa nos autos.

J. Por outro lado, não poderá igualmente colher o entendimento de que o próprio requerimento em que o interessado expõe a sua pretensão, indicando as razões que a justificam e juntando os respectivos elementos de prova documental, acabe por desempenhar a função de audição prévia do contribuinte ou por precludir a necessidade de realização da mesma, no sentido de atenuar «a hipótese de ser surpreendido ou confrontado pela AT com elementos que desconheça» - cf. Ac. STA de 26.9.2012, reproduzido na página 26 da sentença recorrida.

K. Se assim fosse, em todas as situações de apresentação de um pedido ou petição devidamente fundamentados e instruídos com prova documental à Administração Tributária, teria de se aplicar esta interpretação de que semelhante petição inicial daquele procedimento jurídico-tributário precludia a necessidade de realização de audição prévia, pelo que os contribuintes, sempre que apresentassem tais petições devidamente fundamentadas e instruídas com prova documental, não teriam a possibilidade de, previamente ao respectivo indeferimento pela Administração Tributária, virem participar na formação da decisão e, assim, virem obviar a eventuais erros por parte da Administração e contribuir para o cabal esclarecimento dos factos.

L. Por outro lado, apesar de o pedido de dispensa de prestação de garantia dever ser instruído, nos termos legais, com a prova documental necessária (cf. artigo 170.°, n.° 3, do CPPT), é certo que com esta referência a «prova documental necessária», o legislador não está a excluir outros meios de prova admitidos em Direito, o que redundaria numa restrição materialmente inconstitucional, nas situações em que esses outros meios de prova se mostram imprescindíveis para a demonstração do direito invocado pelo contribuinte no seu pedido de dispensa.

M. São cogitáveis situações em que os factos alegados pelo contribuinte para demonstrar, por exemplo, a falta de culpa na insuficiência de bens para prestar garantia ou o prejuízo irreparável que lhe advirá da prestação de uma garantia, não se alcançam unicamente através de meios documentais, carecendo-se, por exemplo, de prova testemunhal.

N. A prova dos requisitos de que depende a dispensa de prestação de garantia poderá - e muitas vezes, apenas poderá - ser feita por recurso a outros meios de prova que não a documental - em especial tratando-se de prova de um facto negativo -, pelo que não deverá vingar o entendimento de que a petição inicial de dispensa de garantia desempenhe já a função de audição prévia do contribuinte ou precluda automaticamente a necessidade de realização dessa audição prévia, pois terão lugar diligências instrutórias e poderão surgir novos elementos sobre os quais o contribuinte nunca se pronunciou, em violação, inclusivamente, do princípio do contraditório em matéria de procedimento e processo tributário consagrado no artigo 45º do CPPT.

O. O contribuinte tem a possibilidade legal (e constitucional) de, conhecendo a apreciação da Administração Tributária feita sobre as provas apresentadas e/ou produzidas no procedimento de dispensa de prestação de garantia, sobre as mesmas se pronunciar.

P. Esta é a solução que se impõe no apuramento da verdade material e cabal esclarecimento dos factos alegados que incumbe à Administração Tributária e, bem assim, a solução que mais se coaduna com o preceituado no n.° 5 do artigo 267.° da CRP e no artigo 45.° do CPPT.

Q. No caso concreto dos autos, o argumento que se funda no curto prazo de 10 dias do procedimento para afastar a necessidade ou possibilidade legal de audição prévia a esse indeferimento, é particularmente inexpressivo, pois que o pedido de dispensa de prestação de garantia foi apresentado pela A…………….. em 15 de Março de 2013 (cf. ponto 12 da matéria de facto dada como provada) e veio a ser decidido, apenas, por ofício de 4 de Outubro de 2013, volvido mais de meio ano sobre a respectiva apresentação (cf. ponto 17 dos factos provados).

R. Se a lei prevê um prazo que, na prática, é meramente ordenador ou disciplinador, e que, no caso dos autos (que é o que aqui nos interessa) foi largamente incumprido, não se aceita que se retire a conclusão de que, in casu, a atribuição do carácter urgente que possibilita, na teoria acolhida na sentença recorrida, a dispensa da audição prévia com uma aplicação subsidiária do CPA encontre, sequer, justificação material.

S. Não se aceitando embora (conforme supra se fez notar) que o prazo estipulado na lei para a apreciação do pedido de dispensa justifique o afastamento do direito de audição prévia do contribuinte, não poderia, de qualquer modo, em face dos elementos de facto dos autos, ter sido decidido que não haveria lugar à audição prévia da A……………. devido à urgência do procedimento, uma vez que o procedimento em causa demorou mais de meio ano a ser decidido!

T. Nos presentes autos, impunha-se determinar a anulação da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia por preterição ilegal da audição prévia da A……………., ao invés do que o Tribunal a quo decidiu, violando o disposto nos artigos 267.°, n.° 5, da CRP, 60.° da LGT e 45.° do CPPT.

Termos em que, deve o presente recurso proceder, revogando-se a sentença recorrida.

Contra-alegou o recorrido IFAP, tendo concluído:

Conforme se colhe dos autos de execução subjacente à Reclamação a que respeitam os presentes autos, a Certidão de Dívida emitida pelo Instituto (e com base na qual foi instaurada a execução fiscal nº 2704200601011499 contra a Executada A…………….) documenta a prática, pelo Instituto, de acto administrativo na acepção do artº 120º do CPA, resultando, de tal acto administrativo, dever ser prestada/paga pela A………….. ao Instituto a quantia nela liquidada.

De acordo com o disposto no nº 3 do artº 149º do CPA, o cumprimento das obrigações pecuniárias resultantes de actos administrativos podem ser exigidos pela Administração nos termos do artº 155º (do CPA) que, por sua vez, dispõe que quando por força de um ato administrativo devam ser pagas a uma pessoa colectiva pública, por ordem desta, prestações pecuniárias, seguir-se-á, na falta de pagamento voluntário, o processo de execução fiscal regulado no CPPT, constituindo a certidão de dívida emitida pelo IFAP IP, título executivo para o efeito;

A execução fiscal nº 2704200601011499, subjacente à reclamação a que respeitam os presentes autos, foi instaurada pelo IFAP IP nos termos do disposto, conjugadamente, nos artºs 149º e 155º do CPA e no nº 2 do artº 148º do CPPT, tendo em vista a efetiva execução do acto administrativo praticado pelo Instituto, documentado na Certidão de Dívida para o efeito emitida - a cobrança das quantias devidas pela A…………… ao Instituto.

Tendo a decisão reclamada a que respeitam os presentes autos, sido proferida pelo Chefe de Finanças no quadro da tramitação processual da execução fiscal subjacente à Reclamação a que respeitam os presentes autos, a verdade é que em parte alguma do regime processual que rege a tramitação (processual) de tal execução fiscal, constante dos artºs 148º a 278º do CPPT, se acha prescrita ou imposta a promoção de qualquer “audiência prévia” que devesse ser realizada antes da prática de qualquer acto processual na tramitação da execução, designadamente do acto que indefere o pedido de prestação de garantia com vista à suspensão processual da execução fiscal;

De resto, tendo presente a circunstância de que se não encontram suspensos os efeitos do ato administrativo do Instituto a ser executado mediante a cobrança a ser efetuada na execução na execução fiscal nº 2704200601011499, nem sequer se vê por que razão a tramitação processual da execução fiscal nº 2704200601011499 devesse ser suspensa (com ou sem prestação e garantia);

Bem andou, pois, o Tribunal a quo ao haver considerado que “a Reclamante não tinha que ser notificada para exercer o direito de audição prévia ao indeferimento do pedido de dispensa de garantia”, decidido pelo Chefe de Finanças no quadro da tramitação processual da execução fiscal subjacente na qual tal dispensa de prestação de garantia foram pedida, e, consequentemente, tendo julgado improcedente nessa parte a reclamação a que respeitam os presentes autos, não se vendo em que medida houvesse violado as normas constantes dos arts 60º da LGT ou do artº 45º do CPPT;

Termos em que deverão ser julgadas improcedentes todas as Conclusões extraídas pela Recorrente das suas Alegações e, por via de tal improcedência, também deverá ser negado provimento ao recurso, com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA.

O Ministério Público, notificado pronunciou-se pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida. No essencial o Ministério Público entende, no mesmo sentido da sentença recorrida, que no caso dos autos o acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia não estava sujeito à audição prévia, pois havendo um prazo curto concedido à Administração Tributária para se pronunciar sobre o pedido, de acordo com a alínea a) do nº 1 do artº 103º do CPA essa audição prévia está dispensada.

Cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:

1. Em 11.1.2005 a Reclamante interpôs no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu ação administrativa especial do despacho do INGA que ordenou a reposição dos subsídios atribuídos no âmbito das “Restituições à Exportação”, da campanha de 1998, tendo sido proferido acórdão em 14.6.2012 não transitado em julgado. - cfr. fls. 442/472 autos; factos de que o Tribunal tem conhecimento no exercício das suas funções por consulta ao SITAF.

2. Em 20.10.2006 foi instaurado contra a Reclamante, no Serviço de Finanças de Tondela, o processo de execução fiscal n.° 27042006010114996, com vista à cobrança coerciva de dívidas ao IFAP, (ex-INGA e IFADAP), relativas a reposição de subsídios atribuídos no âmbito das restituições às exportações de vinho, campanha de 1998, e juros de mora, tudo no valor total de € 92.460,01. - cfr. fls. 1/15 dos autos.

3. A Reclamante foi citada para a execução fiscal referida no ponto anterior em 30.10.2006. - cfr. fls. 16 dos autos.

4. A Reclamante apresentou oposição à execução fiscal referida em 2. supra em 28.11.2006, que correu termos neste Tribunal sob o número de processo 125/07.1BEVIS, tendo sido proferida sentença em 04.09.2012, não transitada em julgado. - cfr. fls. 473/484 dos autos; factos de que o Tribunal tem conhecimento no exercício das suas funções por consulta ao SITAF.

5. Por ofício datado de 19.02.2010, a Reclamante foi notificada pelo Serviço de Finanças de Tondela para no prazo de 15 dias prestar garantia, com vista à suspensão do processo de execução fiscal no valor de € 119.181,26. - cfr. fls. 114 dos autos.

6. Em 9.3.2010 a Reclamante remeteu ao Serviço de Finanças de Tondela pedido de dispensa de prestação de garantia, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, não tendo junto qualquer documento, alegando, em síntese, que a prestação de garantia lhe causará um prejuízo irreparável, pois:

a) O acesso ao crédito bancário encontra-se atualmente muito difícil e mais caro, acrescendo que a solicitação de uma garantia bancária enfraquece sua posição perante a Banca;

b) A exigência de garantia bancária causa prejuízos para o desenvolvimento da sua atividade, podendo conduzir a uma situação de insolvência;

c) A sua situação patrimonial debilitada não lhe permite obter garantias e com o crédito arruinado, não poderia recorrer a capitais alheios. - cfr. fls. 115/120 dos autos.

7. Em 19.3.2010 o Chefe do Serviço de Finanças de Tondela proferiu projeto de decisão no sentido do indeferimento do pedido. - cfr. fls. 84 dos autos.

8. Notificada para o efeito, a Reclamante não exerceu o direito de audição. - cfr. fls. 85/86 dos autos.

9. Em 3.5.2010 o Chefe do Serviço de Finanças de Tondela proferiu o seguinte despacho:

Uma vez que no decurso do prazo para o efeito a requerente não se manifestou, por qualquer forma, perante este Serviço de Finanças, de harmonia com o projeto de decisão acima referido, decido pelo indeferimento do pedido”. - cfr. fls. 87 dos autos.

10. A Reclamante foi notificada do despacho referido no ponto anterior.- cfr. fls. 88/89 dos autos.

11. Em 14.5.2010 a Reclamante remeteu, por via postal registada, reclamação do despacho de indeferimento atrás referido para o Serviço de Finanças de Tondela, que correu termos neste Tribunal sob o número de processo 251/10.0BEVIS, tendo sido proferida sentença em 19.02.2013, que já transitou em julgado. - cfr. fls. 90/103 e 232/244 dos autos; factos de que o Tribunal tem conhecimento no exercício das suas funções por consulta ao SITAF.

12. Em 15.03.2013, a Reclamante remeteu ao Serviço de Finanças de Tondela pedido de dispensa de prestação de garantia, juntando o balanço de 2011 e o balanço provisório de 2012, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. - cfr. fls. 246/258 dos autos.

13. Em 26.03.2013 e 27.03.2013, a Reclamante apresentou um documento do Millennium BCP informando que não foi aprovada a garantia bancária no montante de € 119.181,26 euros e um documento da Caixa de Crédito Agrícola, informando que não foi aprovada a garantia bancária no montante de € 119.181,26 euros. - cfr. fls. 259/262 dos autos.

14. No dia 17.03.2013, o Chefe do Serviço de Finanças de Tondela, no âmbito do processo de execução fiscal referido em 2., emitiu o seguinte despacho:

(…)

2. Análise do Pedido

2.1 – De Facto

Em 20/10/2006 foi instaurado neste serviço de finanças o processo executivo acima indicado por dívida referente a “... subsídio atribuído no âmbito das Restituições à Exportação de Vinho, campanha de 1998…”, de cujo crédito é credor o Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola, INGA contribuinte fiscal com o n° 501.707.018, cuja quantia exequenda, na altura, com juros, ascendia a € 92.460,01.

A executada foi citada pessoalmente em 30/10/2006; vindo, depois de confirmada a dedução da Oposição à execução e que, nesta data se encontra averbada da fase de “Contestação” - a, requerer, em 15/03/2013, a dispensa de prestação de garantia.

Na Sequência da referida instauração, apresentou o requerimento em análise, solicitando a dispensa de prestação de garantia, com base nos seguintes fundamentos:

Que deduziu, oportunamente, oposição relativamente à liquidação que subjaz à instauração do presente processo de execução fiscal cujo processo pende no TAF de Viseu e aí é identificado pelo número 125/07.1BEVIS (cfr item 2 da petição de dispensa de prestação de garantia);

Que está, presentemente em situação de manifesta falta de meios económicos para a prestação da garantia, bem assim como que, a eventual prestação da mesma, lhe acarreta um prejuízo irreparável (cfr. item 6 da petição de dispensa de prestação de garantia);

Que o respectivo Activo Fixo Tangível “... é composto, por um lado, na sua maior parte, não por quaisquer bens que possam ser dados em garantia mas pelo valor da das benfeitorias realizadas pela A…………….. no armazém de que não é proprietária,…” (Cfr. itens 13 e ss. da petição de dispensa de prestação de garantia);

Que não dispõe de bens penhoráveis ou capacidade económico-financeira para a prestação da garantia necessária à suspensão dos presentes autos de execução, encontrando-se assim, na situação de “manifesta falta de meios económicos” prevista no n.°4 do artigo 52º da LGT, (cfr. item 32 da petição de dispensa de prestação de garantia); e

Que não é responsável pela insuficiência ou inexistência de bens para a prestação da garantia (cfr. itens 34 a 42 da petição de dispensa de prestação de garantia).

Junta, para o efeito e sob a designação de “Documento nº 1”, cópia/extracto do Balanço em 31 de Dezembro de 2011 da sociedade; Sob a designação de “Documento nº 2”, cópia/extracto do Balanço Provisório em 31 de Dezembro de 2012 da sociedade.

2.2 – De Direito

a) - A Fundamentação

O nº 4 do artigo 52º da LGT estabelece que a dispensa de prestação de garantia depende da verificação dos seguintes pressupostos:

• Prejuízo irreparável causado pela prestação de garantia ou,

• Manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis;

• Ausência de responsabilidade da executada na inexistência ou insuficiência de bens.

Do requerimento de dispensa, não resulta, por um lado, a produção da prova de que a prestação de garantia seja motivadora de prejuízos irreparáveis nem, por outro a verificação do pressuposto da irresponsabilidade da actuação empresarial ou da respectiva administração na génese da situação de insuficiência ou inexistência de bens, pressuposto este que tem necessariamente que ser demonstrado, quer se verifique prejuízo irreparável causado pela prestação de garantia ou a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens.

Em face das regras do ónus da prova previstas no artigo 74.° da LGT, incumbe a executada fazer prova de tais pressupostos.

Os documentos apresentados, traduzindo a situação contabilística da executada, indiciam a ausência/insuficiência de património da mesma, mas demonstram igualmente que tal insuficiência resulta da gestão da empresa, e não de uma qualquer causa que esteja na indisponibilidade da mesma ou da sua administração.

b) - O princípio da participação na formação das decisões enunciado no artigo 60.° da Lei Geral Tributária.

O referido normativo da LGT regula as situações em que os contribuintes podem participar na formação das decisões que lhe digam respeito no âmbito do procedimento administrativo, razão pela qual vem inserido no Titulo III da LGT intitulado “Do Procedimento Administrativo”.

O pedido em causa - dispensa da prestação da garantia - surge no âmbito do processo de execução fiscal, que possui natureza judicial por força do disposto no artigo 103° da LGT.

3. Conclusão

• A executada é parte legítima no presente petitório, solicitando a isenção dispensa de garantia nos termos do artigo 52º/4 da LGT e 170.° do CPPT.

• Resulta da prova documental apresentada que não se verifica o pressuposto essencial da ausência de responsabilidade na inexistência ou insuficiência de bens, sendo que o ónus da prova recai sobre quem o invoque (nº 1 do artigo 74º da LGT), nomeadamente a verificação do pressuposto da irresponsabilidade da actuação empresarial ou da respectiva administração na génese da situação de insuficiência ou inexistência de bens.

• Face ao preceituado pelo nº 5 do artigo 170º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, atento o valor da dívida exequenda, a competência para a decisão a proferir sobre o presente pedido está cometida ao Ex.mo Senhor Director de Finanças de Viseu.

4. A proposta de Decisão

4.1-Face ao explanado, proponho o indeferimento da pretensão, com os fundamentos anteriormente referidos.

4.2 - Remeta-se o processado à Direcção de Finanças de Viseu.

(...)”.

- cfr. fls. 268/269 dos autos.

15. O Diretor de Finanças de Viseu, em 20.08.2013 emitiu o seguinte despacho:

Em face da informação prestada, indefiro o pedido de dispensa de prestação de garantia, por não se mostrarem preenchidos os pressupostos referidos no nº 4 do art. 52° da Lei Geral Tributária”. - cfr. fls. 271/274 dos autos.

16. A informação referida no artigo anterior, datada de 03.07.2013, com interesse para a causa, tinha o seguinte teor:

(…)

IV - DA ANÁLISE DO PEDIDO

Nos termos do nº 5 do artigo 170° do CPPT, a competência para decidir a dispensa de prestação de garantia no presente processo executivo é do Órgão Periférico Regional - Direcção de Finanças de Viseu.

Nos termos do n.° 4 do art. 52° da LGT, e tendo em conta o Oficio-Circulado de 60077 de 2010-07-29 da DSGCT, a concessão de dispensa prestação de garantia, para efeitos de suspensão da execução fiscal está dependente da verificação de um dos seguintes pressupostos:

1 - A prestação de garantia deve ser causa se um prejuízo irreparável para o contribuinte;

Ou

2 - Falta de meios económicos para prestar garantia, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido;

Verificando-se um destes pressupostos, é imperativo que o executado não seja responsável pela situação de insuficiência ou inexistência de bens.

O ónus da prova da verificação destes factos recai sobre o executado, nos termos do n° 1 do art. 74º da LGT, conjugado com art. 342° do Código Civil, pelo que o requerimento de pedido de dispensa de garantia deve vir acompanhado de todos os elementos necessários para a sua apreciação e competente decisão, como aliás se encontra definido no nº 3 do art. 170º do CPPT.

No caso em apreço, a requerente alega em primeiro lugar a falta de meios económicos para prestar garantia, para depois alegar o prejuízo irreparável que a prestação da garantia pode causar, tendo em conta, mais ou menos os mesmos argumentos, que podem ser resumidos da seguinte forma:

- Não possui bens imóveis;

- O activo tangível é insuficiente;

- Os poucos créditos sobre clientes que consegue cobrar são indispensáveis para a actividade da empresa;

- Apresenta um resultado líquido negativo no ano de 2010, 2011 e 2012;

- Não consegue obter garantia bancária e ainda que a conseguisse obter, enfraqueceria a sua posição perante a banca, impedindo definitivamente o seu acesso ao crédito ou encarecendo a sua remuneração de uma forma que arrastaria a requerente para uma situação de insolvência.

- Não é responsável pela insuficiência de património, uma vez que não qualquer venda do seu património.

Efectivamente, a sociedade não é proprietária de qualquer bem Imóvel e detém, apenas, um veículo automóvel em seu nome. No entanto, por consulta às últimas declarações Mod 22 de IRC apresentadas pela executada, podemos verificar que o seu volume de vendas dos últimos anos, tem um valor considerável (ano de 2010; € 383.678,96, ano de 2011: € 784.664,35, ano de 2012: € 463.041,00).

Tal volume de negócios, gera créditos consideráveis que a requerente diz serem de difícil cobrança, não apresentando, contudo, qualquer prova relativa à dificuldade da sua cobrança. No entanto, a consulta dos elementos ao dispor da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) permite chegar a uma conclusão inversa à da requerente.

Através da consulta do Anexo O - Mapa Recapitulativo de Clientes da Informação Empresarial Simplificada (IES) do ano de 2011 (IES do ano de 2012 ainda não foi entregue pela contribuinte à AT) (conforme print informático anexo a presente Informação - anexo 1) podemos verificar que o valor das vendas para o cliente B………………….. SA, NIPC: …………… foi, em 2011, de €490.051,00. Tal volume de vendas permite concluir que a B……………… foi, sem dúvida, um dos maiores clientes (senão o maior) da requerente durante o ano de 2011. Ora, tendo em conta que a B………………. faz parte do grupo económico ao qual pertence a A…………….., e possui uma situação económica bastante favorável, parece-nos difícil concluir que estes créditos se revelem de cobrança muito difícil, como alega a requerente.

Relativamente aos resultados líquidos negativos que a requerente vem apresentando, discriminados no quadro abaixo, ao contrário do que é invocado pela requerente, estes revelam um cenário que até pode ser considerado positivo, se tivermos em conta que, apesar do actual contexto de crise económica que vivemos desde, pelo menos, o ano de 2008, a A…………… conseguiu ainda assim, diminuir os resultados negativos que vai apresentando ao longo destes últimos anos:
Ano
Resultado Líquido do Exercício
2009
- € 70.227,53
2010
- € 57.786,45
2011
- € 57.076,12
2012
- € 50.737,78

Ver anexos 2, 3, 4, 5 – Print’s informáticos do quadro 7 das Declarações Mod 22 de IRC

Relativamente à garantia bancária, convém frisar que as possibilidades de prestação de uma garantia idónea, não se esgotam na garantia bancária. Tal como é referido na sentença de 24-05-2012, do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) proferida no Processo de Reclamação dos Actos do Chefe n.° 82/11.OBEVIS, referente ao indeferimento da dispensa de garantia com os mesmos fundamentos apresentado por outra empresa do grupo de sociedade à qual pertence a A……………, “outras possibilidades existem, como a prestação de caução, seguro-caução, aval fiança, por parte de uma das sociedades do grupo de que faz parte a recorrente ou da constituição de hipoteca sobre o imobilizado também detido pelo grupo.”.

Em face de tudo o que acima foi referido, parece-nos que os pressupostos de manifesta falta de meios económicos para prestar uma garantia de € 166.876,86 ou o prejuízo irreparável que a sua prestação pudesse causar não se podem considerar provados.

Mas mesmo que pudéssemos considerar provados um destes pressupostos é condição imperativa que a executada não seja responsável pela situação da falta ou insuficiência de bens, e que prova essa falta de culpa.

Neste ponto, a requerente afirma no ponto 39 da sua petição, que “o activo fixo tangível da A…………….. se mantém constante há vários anos diminuindo anualmente apenas na sua componente líquida, por força das amortizações efectuadas anualmente”, no entanto pela consulta às aplicações informáticas da AT (Histórico de Veículos), aos registos da Conservatória do Registo Automóvel e às IES de 2010 e 2011 (ver anexos 6 a 13) apresentadas pela requerente, podemos verificar que a A……………….. vendeu 5 veículos automóveis, a seguir discriminados:
MatrículaData Fim de Propriedade
Actual Proprietário
……2010-08-10C……………….. LDA, NIPC ……….
……2011-03-25D……………….., NIF: …………
……2010-08-10C………………… LDA, NIPC: ……….
……2010-09-10E………………… - NIF: ………..
……2011-08-12F………………… - NIF: ………

De notar que 2 destes veículos (………… e …………) foram vendidos a uma empresa pertencente ao mesmo grupo de sociedades da requerente.

Face a estes factos podemos concluir que, ao contrário do alegado pela requerente na sua petição, ocorreu, efectivamente, dissipação de património por parte da A……………, pelo que nos parece que a requerente não prova a falta de culpa pela situação em que se encontra.

CONCLUSÃO

A concessão de isenção da prestação de garantia, nos casos em que exista manifesta falta de meios económicos ou que a sua prestação cause prejuízo irreparável, esta prevista no nº 4 do art 52° da Lei Geral Tributaria (LGT), desde que a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado, factos estes que têm que ser provados pelo executado, que tem o ónus da prova (art. 74.°, n.° 1 da LGT e art° 342.° do Código Civil).

No caso em apreço, analisado o requerimento e a prova documental apresentada, parece-me que a dispensa de prestação de garantia não pode ser concedida.

À consideração superior.

Viseu, 03 de Julho de 2013

- cfr. fls. 271/274 dos autos.

17. Por ofício enviado à Reclamante através de correio registado no dia 04.10.2013, foi notificada do despacho de indeferimento do pedido de dispensa de garantia referido em 15. e 16.- cfr. fls. 289 dos autos.

18. A presente Reclamação foi apresentada no Serviço de Finanças de Tondela no dia 17.10.2013, acompanhada por 3 documentos que aqui se reproduzem para todos os efeitos legais. - cfr. fls. 292/396 e registo colado no envelope de fls. 396 dos autos.

Mais se provou que:

19. A Reclamante apresentou a Declaração de Informação Empresarial Simplificada relativa ao exercício de 2012, que consta de fls. 329/386 que aqui se dá por integralmente reproduzido por uma questão de brevidade.

20. A Reclamante apresentou o balancete geral (acumulado até dezembro) - 2013, que consta de fls. 620/631 que aqui se dá por integralmente reproduzido por uma questão de brevidade.

21. Consta do balancete razão (acumulado até julho) - 2013, o seguinte:

- cfr. fls. 387 dos autos.

22. A rubrica de ativos fixos tangíveis do balanço da Reclamante no ano de 2010 tinha o valor de € 105.808,60, no ano de 2011 tinha o valor de € 90.626,53 e no ano de 2013 tinha o valor de € 79.003,24. – cfr. fls. 257 e 387 dos autos.

23. A rubrica de crédito sobre clientes tem o valor de € 254.706,91 - cfr. fls. 387 dos autos.

24. A Reclamante possui duas viaturas automóveis.

25. A Reclamante deve à fornecedora G………………, Lda. o valor de € 605.000,00 da aqui Reclamante, a qual detém 99% do capital da aqui Reclamante.

26. A G………………., Lda. pediu um reembolso do IVA de cerca de € 300.000,00 euros para dar de garantia ou compensação no processo de execução fiscal em causa nos autos e ainda não está decidido.

27. No ano de 2013, a Reclamante teve um volume de negócios na ordem dos €292.000,00.

28. A Reclamante não tem pago os salários.

29. Atualmente, e pelo menos desde fins de 2010, por força da conjuntura económica, o acesso ao crédito bancário revela-se mais difícil e mais caro, com menor abertura das instituições financeiras à concessão de novos créditos e a estipulação de maiores encargos e exigências contratuais. - facto notório.

Nada mais se deu como provado.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.

As conclusões do presente recurso são, no essencial, idênticas às conclusões apresentadas nos recursos nºs. 0899/13, com acórdão datado de 05/06/2013 e 0947/14, com acórdão datado de 29/10/2014.

Em ambos os acórdãos foi proferida decisão no sentido de negar provimento ao recurso, com argumentos idênticos, ainda que de forma mais concisa no segundo acórdão.

Considerando que nestes recursos as conclusões das alegações são idênticas, por razões de simplicidade e de respeito pelo disposto no artigo 8º, n.º 3 do Código Civil, também aqui se dará por reproduzido o que se deixou dito naquele processo n.º 0899/13.

Das 20 conclusões das alegações da recorrente ressalta que a única questão submetida à apreciação deste STA é a de saber se, antes da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia formulado pela recorrente esta deveria ter sido ouvida em cumprimento do disposto no artº 60º da LGT.

Ora, tal como refere o MºPº no parecer acima citado, esta questão foi apreciada e decidida no Acórdão de 26.09.2012 - Processo nº 0708/12, em julgamento ampliado de recurso ao abrigo do disposto no artº 148º do CPTA, no sentido de que, independentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do ato de indeferimento do pedido de dispensa de garantia para obter a suspensão do processo de execução fiscal – como ato materialmente administrativo praticado no processo executivo ou como ato predominantemente processual – é de concluir que não há, nesse caso, lugar ao direito de audiência previsto no citado artº 60º da LGT.

A argumentação defendida naquele aresto foi a seguinte:

“3.2. A questão da aplicabilidade deste preceito face a pedido de dispensa de prestação de garantia não tem tido uma resposta uniforme da jurisprudência, como dá nota a decisão recorrida.

É que, embora se aceite, sem discrepância, a natureza judicial do processo de execução fiscal e a constitucionalidade da atribuição de competência à AT para a prática de atos de natureza não jurisdicional no processo de execução fiscal (sem prejuízo da possibilidade de recurso (reclamação) para os Tribunais Tributários de quaisquer atos praticados pela mesma AT [cfr. os acs. desta Secção do STA, de 23/5/2012, rec. 489/12, de 9/5/2012, rec. 446/12, de 23/2/2012, rec. 59/12, de 7/2/2011, rec. 1054/11, de 2/2/2011, rec. 8/11, bem como, os acs. do Tribunal Constitucional, nº 80/2003, de 12/2/2003 (in DR nº 68, II Série, de 21/3/2003, pp. 4526 e ss.) nº 152/2002, de 17/4/2002 (in DR nº 125, II Série, de 31/5/2002, pp. 10338 e ss.) e nº 263/02, de 18/6/2002 (in DR nº 262, II Série, de 13/11/2002, pp. 18786 e ss.) e os acs. do STA, de 20/2/2008, rec. nº 999/07, de 16/6/2004, rec. nº 367/04, de 2/5/2001, rec. nº 25027 e de 19/2/92, recs. nºs. 13763 e 13830], já, no que tange à natureza do ato aqui em questão (indeferimento do pedido de isenção de garantia - arts. 170º do CPPT e 52º nº 4 da LGT), não tem havido unanimidade (Esta divergência jurisprudencial não será alheia à particular natureza do processo de execução fiscal. Veja-se que, por exemplo, Casalta Nabais aponta que «muito embora a LGT, no seu art. 103°, disponha que o processo de execução fiscal tem natureza judicial, o certo é que estamos perante um processo que é judicial só em certos casos e, mesmo nesses casos, apenas em parte, já que um tal processo só será judicial se e na medida em que tenha de ser praticado algum dos mencionados atos de natureza judicial.» (cfr. Direito Fiscal, 5ª ed., Almedina, 2009, p. 341).) de posições: sustenta-se, por um lado, que estamos perante a prática de um ato predominantemente processual e relativamente ao qual, por isso, não se aplicam as regras do procedimento tributário, designadamente a regra constante do art. 60º da LGT (cf. o ac. de 7/3/2012, rec. 185/12) e, em contrário, argumenta-se, por outro lado, que esse ato se configura como ato administrativo praticado por órgãos da AT no âmbito do processo de execução fiscal (como sucederá, por exemplo, também com as decisões de suspender um processo de execução fiscal (art. 169º) e/ou de apreciar pedidos de pagamento em prestações (art. 196º) ou dação em pagamento (art. 201º, todos do CPPT). De acordo com este último entendimento, tais atos poderão ser definidos como atos materialmente administrativos em matéria tributária e não como meros atos de trâmite, uma vez que não se confinam nos estreitos limites da ordenação intraprocessual ou de mera regulamentação processual, antes projetam externamente efeitos jurídicos numa situação individual e concreta (cfr. art. 120º do CPA, e na jurisprudência, os acs. deste STA, de 14/12/2011, rec. nº 1072/11, de 2/2/2011, rec. nº 8/11).

E, a nosso ver, é de aceitar esta posição, pois que, confrontada a natureza dos atos que estão compreendidos nas hipóteses normativas acima transcritas, nomeadamente o pedido de dispensa de garantia previsto nos arts. 170º do Código de Procedimento e Processo Tributário e 52º nº 4 da Lei Geral Tributária com a formulação habitualmente usada para atribuição à administração de poderes discricionários ou em cujo exercício é admissível uma margem de livre apreciação, é inquestionável que tais atos haverão de ser qualificados como verdadeiros atos administrativos em matéria tributária e não como meros atos de trâmite. (Neste sentido parece apontar, igualmente, Casalta Nabais, quando refere que, nos termos do art. 151° do CPPT, cabe aos Tribunais Tributários «decidir os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária, a graduação e verificação dos créditos, a anulação da venda e as reclamações dos atos materialmente administrativos praticados pelos órgãos da administração tributária em sede da execução fiscal» (ob. cit. p. 253, bem como pp. 340/341).

Também a justificar a natureza administrativa (ato administrativo em matéria tributária), alguma doutrina (cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, Anotada e comentada, 4ª ed., 2012, Editora Encontro de escrita, p. 429, anotação 11 ao art. 52º) pondera que “O texto do nº 4 do art. 52º da LGT, na parte em que se refere que «a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia…», utiliza a fórmula habitualmente usada para atribuição à administração de poderes discricionários ou em cujo exercício é admissível uma margem de livre apreciação. Por outro lado, é claro por aquele texto que se trata de um poder que é atribuído à administração tributária, enquanto tal, pelo que não pode ser exercido pelo tribunal em substituição daquela, tendo a atividade deste de resumir-se à verificação de ofensa ou não dos princípios jurídicos que condicionam toda a atividade administrativa e será um controle pela negativa, não podendo o tribunal substituir-se à Administração na ponderação dos valores que se integram nessa margem”.)

3.3. Todavia e não obstante esta conclusão, a mais recente jurisprudência desta Secção de Contencioso Tributário do STA tem também vindo a acentuar, de forma dominante, que não há lugar, neste caso, ao exercício do direito de audiência previamente à decisão do pedido de prestação de garantia, porque a isso obsta a natureza urgente que o legislador atribuiu ao respetivo procedimento – nº 4 do artº. 170º do CPPT (cfr. os citados acs. de 20/6/2012, rec. nº 625/12, de 9/5/2012, rec. nº 446/12, de 23/5/2012, rec. nº 489/12 e de 23/2/2102, rec. nº 59/12). (O ora relator subscreveu, aliás, o acórdão de 23/5/2012, no recurso nº 489/12, apondo declaração de voto no sentido de revisão da primitiva posição sufragada no anterior acórdão de 14/12/11, rec. nº 1072/11 (que é referenciado pelo recorrente para apoiar a sua alegação – cfr. Conclusões XXI a XXIX) quanto à aplicação do regime do artº. 103º do CPA, ou seja, no sentido de que, face à urgência objetiva de prolação da respetiva decisão, revelada pelo art. 170º do CPPT, deve apelar-se ao regime contido no CPA, cujo art. 103º, nº 1, estabelece que não há lugar a audiência dos interessados «quando a decisão seja urgente», por força da aplicação subsidiária desta norma em conformidade com o disposto no art. 2º, al. c), da LGT.)

E, na verdade, a natureza urgente que o legislador atribuiu ao procedimento previsto no artº. 170º do CPPT é de configurar como circunstância que, pela sua excecionalidade e pela incompatibilidade com a duração mínima da audiência de interessados, justifica a preterição daquela formalidade, de acordo com o disposto na al. a) do nº 1 do artº. 103º do CPA (aplicável por força da al. c) do artº. 2º da LGT), sendo que tal situação de urgência (determinante da não audiência dos interessados) ocorre quando haja de se prosseguir determinada finalidade pública em que o fator tempo se apresente como elemento determinante e constitutivo e seja impossível ou, pelo menos, muito difícil, cumpri-la através da observância dos procedimentos normais.

Ora, sendo certo «que o direito de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes dizem respeito tem de ser norteado pelo princípio superior da salvaguarda dos seus direitos ou interesses legítimos na feitura de uma decisão que se deseja correta, não o é menos que tal exercício não deve criar obstáculos a situações objetivas de urgência legal, razão por que se impõe observar, também nos procedimentos tributários de caráter urgente, a norma que prevê a dispensa de audição contida no referido artigo 103º, nº 1, alínea a), do CPA.

No caso vertente, o curtíssimo prazo concedido à administração tributária para a decisão do pedido, conjugado com a obrigatoriedade de o executado apresentar imediatamente toda a prova no requerimento onde formula a sua pretensão, denuncia objetivamente o caráter urgente deste procedimento tributário, onde o tempo constitui um elemento determinante na finalidade pública que se visa prosseguir, de obviar ao sumiço de bens que possam garantir o pagamento integral da dívida exequenda, assim se justificando a não observância da formalidade prescrita no artigo 60º da LGT, ao abrigo do disposto na alínea a), do n° 1, do artigo 103° do CPA, face à aplicação subsidiária das normas do CPA ao procedimento tributário» (citado ac. de 23/2/2012, rec. nº 59/12).

A prescrição de um prazo imperativo tão curto, associado à preocupação do legislador em estabelecer que do pedido devem constar as razões de facto e de direito em que se baseia a pretensão e que o mesmo deve ser instruído com a prova documental pertinente, apontam no sentido de a AT ser chamada a decidir apenas com base nos elementos que lhe forem aportados pelo executado, recaindo sobre ele o ónus de instruir o procedimento com todos os elementos necessários à formação da decisão pela AT. Ou seja, é de concluir que o legislador, tendo em conta a forma como regula os elementos que devem constar do requerimento e o prazo exíguo para a resposta da AT, não quis deliberadamente assegurar o direito de audiência.

Neste sentido, Diogo Leite de Campos, etall., anotam que o prazo de decisão extremamente curto previsto no nº 4 do art. 170º do CPPT impõe a conclusão que não é legalmente assegurado o direito de audiência prévia nos casos de decisão sobre a dispensa de prestação de garantia: “A inviabilidade prática de assegurar o direito de audição do requerente da prestação de garantia nos termos previstos na LGT reconduz-se a que se esteja perante mais um caso em que, implicitamente, se estabelece que não há direito de audição, caso este que, aliás, até se enquadra sem esforço apreciável na alínea a) do nº 1 do art. 103º do CPA, em que se afasta o direito de audição prévia «quando a decisão seja urgente»: no caso em apreço, o facto de se estabelecer um prazo imperativo de 10 dias para decisão, é uma manifestação explícita de que, na perspetiva legislativa, se está perante uma situação em que se impõe uma decisão urgente, pelo menos suficientemente urgente para justificar o afastamento da audição prévia, como resulta da inviabilidade de o assegurar nos termos previstos na lei”. (Loc. cit., pp. 429/430, anotação 12 ao art. 52º, pp. 429/430 e anotação 12 ao art. 60º, pp. 512/513.)

Em suma, no caso vertente, a exclusão de audiência do requerente no âmbito do procedimento aqui em causa, encontra fundamentos objetivos de justificação na própria urgência da prolação da decisão, atendendo, desde logo, à natureza e características da execução (celeridade e simplicidade, que interessam, normalmente, ao credor que promove a execução), sendo que a premência do credor ganha aqui especial acuidade com a circunstância de o requerimento de isenção de prestação da garantia poder redundar em efeito suspensivo sobre a execução, aumentando o risco de poderem ser dissipados bens que o credor pretende executar.

E cabendo ao executado carrear para o procedimento todos os elementos, incluindo provas e demais informações, necessários ao êxito da sua pretensão [incluindo os necessários à demonstração do prejuízo irreparável, concretizando-o e indicando «as razões que o levam a crer que existe uma séria probabilidade de ele poder vir a ocorrer se ele não for dispensado da prestação de garantia» (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e comentado, Vol. III, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 4a) ao art. 170º, p. 232).

No mesmo sentido cfr. o citado ac. desta Secção do STA, de 23/2/2012, proc. nº 59/2012.)] ele mesmo contribui para a definição do objeto do procedimento, atenuando a hipótese de ser surpreendido ou confrontado pela AT com elementos que desconheça, o que também acentua o sentido da diminuição da relevância deste direito nestes casos de decisão sobre a dispensa de prestação de garantia.

3.4. Por outro lado e de todo o modo, a entender-se que estamos perante mero ato predominantemente processual, também não haverá lugar a direito de audiência prévia, já que à formação desse ato processual não se aplicam as regras do procedimento tributário, designadamente a do art. 60º da LGT (cfr. o citado ac. de 7/3/2012, rec. nº 185/12).

3.5. Em suma, independentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do ato aqui em causa (indeferimento do pedido de isenção de garantia) – ato materialmente administrativo praticado no processo de execução fiscal ou ato predominantemente processual, é de concluir que não há, neste caso, lugar a exercício do direito de audiência (art. 60º da LGT) falecendo, pois, a argumentação do recorrente e sendo de confirmar, com a presente fundamentação, a sentença recorrida, na parte em que assim decidiu”.

Esta doutrina tem vindo a ser seguida em processos em que a questão tem sido novamente colocada, tal como também se refere no parecer do MºPº.

Não existem, por ora, razões de facto ou de direito que justifiquem a adoção de outro entendimento, pelo que o recurso improcede.”.

Também neste momento não há razões para alterar esta doutrina porque que tem sido aplicada de forma uniforme pelos Tribunais das diversas instâncias.

Nestes termos e pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

D.N.

Lisboa, 10 de Dezembro de 2014. – Aragão Seia (relator) – Casimiro GonçalvesFrancisco Rothes.