Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0299/16
Data do Acordão:09/14/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
ANULAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO
ERRO IMPUTÁVEL AOS SERVIÇOS
Sumário:I - Estando sujeita ao princípio da legalidade, a Administração Tributária não pode recusar a aplicação de uma norma legal vigente no ordenamento jurídico com o argumento de que a considera inconstitucional.
II - No caso de o tribunal determinar a desaplicação dessa norma com base na ofensa, por parte do poder legislativo, do princípio constitucional da não retroatividade da lei fiscal, não há como imputar aos serviços da administração tributária (funcionalmente integrados na estrutura do poder executivo) a prática de “erro” para os efeitos previstos no artigo 43º da Lei Geral Tributária, isto é, para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, sem prejuízo de a este poder assistir direito a indemnização nos termos gerais da responsabilidade civil extracontratual do Estado.
Nº Convencional:JSTA00069819
Nº do Documento:SA2201609140299
Data de Entrada:03/10/2016
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A......, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
DIR FISC - IRC.
Legislação Nacional:CONST ART103 N3 ART18 ART281 ART22.
LGT ART43 ART55.
LEI 64/2008 ART5.
CIRC ART81 N3 A.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0665/09 DE 2009/11/04.; AC STA PROC0481/13 DE 2014/02/26.
Referência a Doutrina:VIEIRA DE ANDRADE - DIREITO CONSTITUCIONAL (1977) PÁG270.
JOÃO CAUPERS - OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS TRABALHADORES E A CONSTITUIÇÃO(1985) PÁG157.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A FAZENDA PÚBLICA interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a fls. 196 e segs. dos autos, de procedência da impugnação judicial que a sociedade A……….., S.A., deduziu contra o indeferimento expresso da reclamação graciosa que apresentou contra o acto de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2008.
Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:

I ) É entendimento da Fazenda Pública que a douta decisão de que se recorre, na parte respeitante à condenação no pagamento de juros indemnizatórios à impugnante ao abrigo do artigo 43º da Lei Geral Tributária, não faz uma acertada aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub judice, incorrendo em errado julgamento de direito e violação das normas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, por não se verificarem as condições de que depende o pagamento de juros indemnizatórios por parte da Administração Tributaria.

II ) O reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o n.º 1 do artigo 43.º da LGT, está dependente da determinação em sede de reclamação graciosa ou em sede de impugnação judicial da existência de erro imputável aos serviços, e, tratando-se de autoliquidação, mais impõe o n.º 2 do mesmo normativo que o erro na autoliquidação tenha resultado de orientações genéricas emitidas pela administração tributária.

III ) De acordo com o probatório, estamos perante autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2008, sendo que o preenchimento da declaração de rendimentos de IRC foi efectuada pela impugnante, com apuramento da tributação autónoma correspondente ao exercício em análise, no cumprimento de obrigação declarativa de rendimentos imposta pelo CIRC e ao abrigo de normas legais emanadas da Assembleia da República.

IV ) A anulação da liquidação e a condenação da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios, determinada na douta sentença de que se recorre decorreu do facto de ter sido julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional — acórdão 310/2012, de 20/06/2012 — a norma estatuída no artigo 5º da Lei n.º 64/2008 de 05/12, no que concerne ao agravamento da taxa de tributação autónoma de IRC quando aplicável às despesas incorridas desde 1 de Janeiro de 2008, não cabendo pois à Fazenda Pública o pagamento de quaisquer juros indemnizatórios.

V ) Pois o erro imputável aos serviços será aquele que resulta de actos de liquidação praticados pela AT, o que não sucede no caso dos autos, nos quais se conclua que a mesma incorreu em erro sobre os pressupostos de facto ou de direito de que resulte o pagamento de divida tributária em montante superior ao legalmente devido.

VI ) Restringindo-se o direito a juros indemnizatórios nos casos de autoliquidação, como resulta do n.º 2 do artigo 43º da LGT, aos casos em que o erro tem na sua origem orientações genéricas emitidas pela administração tributaria, e excluindo-se as situações em que eventual prejuízo seja decorrente da aplicação de normas legais emanadas pela Assembleia da República, e aplicadas no âmbito do exercício da função executiva pela Administração Tributária, vindas posteriormente a ser declaradas inconstitucionais.

VII ) Convém notar que, chamada a Administração Tributaria a intervir em sede de reclamação graciosa, não se encontrava a mesma em situação de agir diferentemente, pois nos termos do n.º 2 do artigo 266.º da CRP, os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei, diferentemente do que sucede com os Tribunais que, nos termos do disposto no artigo 204º da CRP, estão impedidos de aplicar normas inconstitucionais, sendo-lhes atribuída a competência para a fiscalização difusa e concreta da conformidade constitucional das normas legais.

VIII ) No caso em apreço, não estava a AT em condições de formular juízos de constitucionalidade, enquanto órgão da Administração que é, não se lhe concedendo o direito de recusa de aplicação de norma entendida inconstitucional, e dos normativos acima mencionados decorre exactamente a circunstância de se não ter pretendido atribuir à Administração a tarefa de fiscalização da constitucionalidade das leis.

IX ) Assim, a interpretação a dar ao normativo legal ínsito nos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º da LGT será o de que o erro imputável aos serviços, enquanto pressuposto de facto necessário ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, exige que se encontre na disponibilidade da Administração Tributaria uma actuação diversa da adoptada, o que manifestamente não aconteceu,

X ) Pelo que não se mostra preenchido o requisito atinente ao erro imputável aos serviços, porque é inquestionável que a administração fiscal deve e devia obediência à lei e, neste caso, ao artigo 5º da Lei nº 64/2008, de 5 de Dezembro, que determinava a aplicação às situações previstas na alínea a) do n.º 3 do artigo 81.º do CIRC a taxa de tributação autónoma de 10% aos factos tributários ocorridos desde 1 de Janeiro de 2008.

XI ) Entendimento este que é sufragado por jurisprudência sedimentada do STA (cf. Acórdão do STA de 4 de Março de 2015, proferido no Processo n.º 01529/14 e aos Acórdãos do STA de 26/02/2014, no recurso n.º 0481/13, de 12/03/2014, no recurso n.º 01916/13 de 21/01/2015, no recurso nº 0843/14 e de 21/01/2015, no recurso n.º 0703/13).

XII ) Procedeu, nestes termos, o Tribunal a quo a uma errónea interpretação do normativo legal constante dos nºs 1 e 2 do artigo 43.º da LGT, porquanto não integrável a pretensão indemnizatória do contribuinte no seu âmbito, incorrendo na violação de tal preceito legal.

1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que devia ser concedido provimento ao recurso, enunciando, para o efeito, a seguinte motivação:
«[…] afigura-se-nos que assiste razão à Recorrente, uma vez que estamos perante uma situação de inconstitucionalidade de norma que embora tenha sido declarada por diversas vezes pelo Tribunal Constitucional [ Cfr. Acórdãos do TC nº 310/2012 de 20/06/2012, nº 85/2013, de 05/02/2013, do Pleno e nº 617/2012 de 19/12/2012 do Pleno.], ainda não o foi com força obrigatória geral. E neste caso, como resulta da jurisprudência do STA citada pela Recorrente, designadamente do acórdão de 04/03/2015, proferido no processo nº 01529/14 (no qual se cita diversa jurisprudência) «Não se questionando que o alegado dever de obediência à lei tanto se reporta à lei ordinária, como à Constituição ou ao Direito Internacional a que o Estado português se tenha vinculado, esse dever não abrange, como acima se disse, à luz do Direito Constitucional Português, a possibilidade de a Administração se recusar a obedecer a uma norma que considera inconstitucional, substituindo-se aos órgãos de fiscalização da constitucionalidade, a menos que esteja em causa a violação de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, o que não é manifestamente o caso quando está em causa a aplicação de norma eventualmente violadora do princípio da não retroactividade da lei fiscal. Aliás, também da ponderação do Cons. Jorge Lopes de Sousa, parece dever considerar-se que, nos casos de indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, o erro só passará a ser imputável à AT «a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos».
Conclui-se, assim, no citado aresto deste tribunal que «... para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, não pode ser imputado aos serviços da AT erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, uma vez que não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu. Não podendo a errada consideração (no apuramento do imposto a pagar) de uma norma posteriormente julgada inconstitucional, ser atribuída a ilegal conduta da AT, também não pode legitimar a condenação nos juros indemnizatórios pedidos ao abrigo do art. 43º da LGT por se não verificar um pressuposto de facto constitutivo de tal direito — o erro imputável aos serviços».
Em face do exposto e aderindo a esta jurisprudência, entendemos que a sentença recorrida deve ser revogada nesta parte, julgando-se, assim, o recurso procedente.».

1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência.

2. Na sentença julgou-se como provada a seguinte matéria de facto:

A) No dia 09.10.2009, a Impugnante apresentou a Declaração Modelo 22 relativa ao exercício de 2008, cujo período de tributação, não correspondendo ao ano civil, é 01.07.2008 a 30.06.2009, na qual inscreveu o valor de € 69.134,09 relativo a tributações autónomas no campo 365 do quadro 10, e no quadro 11 indicou os valores de € 619.694,50 nos campos 412 e 420, de € 478,75 no campo 414 e de €42.949,08 no campo 415, resultando um valor a reembolsar por parte do Estado no valor de € 177.082,70 - (Doc. n.ºs 1 e 2 junto à p.i.);

B) No dia 28.09.2010, a Impugnante deduziu reclamação graciosa da autoliquidação a que alude a al. A) do probatório, requerendo a correcção da mesma e o reembolso do imposto pago, correspondente a 5% do valor das tributações colocadas e crise, no valor de € 663.122,33. (Doc. fls. 3/28 do processo de reclamação graciosa apenso);

C) No dia 29.11.2010, por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Administrativa foi a reclamação graciosa a que alude a al. B) do probatório indeferida - (Doc. fls.87/90 do proc. reclamação graciosa apenso);

D) Em 03.12.2010, a Impugnante foi notificada do despacho a que alude a al. C) do probatório - (Doc. fls. 91/92 do proc. reclamação graciosa apenso)

E) Em 16.12.2010, deu entrada neste tribunal a petição inicial que originou os presentes autos - (cfr. carimbo aposto a fls.3 dos autos).


3. Estamos perante processo de impugnação judicial que a sociedade A……….., S.A. deduziu contra o acto de indeferimento expresso da reclamação graciosa que apresentara contra a autoliquidação de IRC do ano de 2008, respeitante à tributação autónoma prevista no artigo 81º, nº 3, alínea a), do CIRC, com referência ao período compreendido entre 1 de Janeiro e 5 de Dezembro de 2008, efectuada perante a alteração introduzida pela Lei nº 64/2008, de 5 de Dezembro, que alterou a taxa de 5% para 10% e que a fez retroagir a 1 de Janeiro de 2008.
Invocava a impugnante, em suma, a violação do princípio constitucional da proibição da retroactividade da lei fiscal, sustentando que, ao caso, era aplicável a taxa de 5% anteriormente prevista, razão por que pedia a anulação da liquidação, a devolução da quantia paga em excesso, e o pagamento de juros indemnizatórios.
A sentença recorrida anulou a liquidação impugnada com fundamento na invocada inconstitucionalidade, por violação do artigo 103º, nº 3, da CRP, acolhendo, desse modo, a posição ditada pelo Tribunal Constitucional no acordão nº 310/12, de 20 de Junho de 2012, e, consequentememte, condenou a administração tributária à devolução da quantia paga pela impugnante e a pagar-lhe juros indemnizatórios nos termos da disciplina contida no artigo 43º da LGT.
Sem questionar a vertente do julgado na parte tocante à anulação da liquidação ou à obrigação de devolução do imposto pago em excesso, a Fazenda Pública interpõe o presente recurso apenas por se insurgir com a condenação no pagamento de juros indemnizatórios, porquanto, a seu ver, não ocorreu qualquer erro imputável aos seus serviços, na medida em que lhes está vedado fiscalizar a constitucionalidade das leis, não lhe sendo consentida uma actuação diversa daquela que adoptou.
Deste modo, a única questão que a Fazenda Pública coloca para apreciação neste recurso é a de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação do disposto no artigo 43º, nºs 1 e 2 da LGT, ao condenar a administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, tendo em conta que a anulação da liquidação se fundou na inconstitucionalidade do artigo 5º, nº 1, da Lei nº 64/2008, de 5 de Dezembro.
Vejamos.
O artigo 43º da LGT, sob a epígrafe de «Pagamento indevido da prestação tributária», estabelece, no seu nº 1, que «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido», acrescentando, no seu nº 2, que «Considera-se também haver erro imputável aos serviços no casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas».
Donde resulta, desde logo e como primeiro pressuposto para a condenação em juros indemnizatórios, a existência de um erro imputável aos serviços. E como se encontra profusamente explicitado pela jurisprudência do STA, designadamente no acórdão proferido 4/11/2009, no processo nº 665/09, «Aquela expressão «erro», sem qualquer qualificativo, abrange tanto o erro de facto como o erro de direito. Mas a utilização da expressão «erro», e não «vício» ou «ilegalidade», para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se tiveram em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito».
Todavia, como se viu, esse erro apenas gera a obrigação de indemnizar prevista no artigo 43º da LGT se e na medida em que seja imputável aos serviços. Ou seja, só nasce quando o acto antijurídico causador do prejuízo radica no exercício das atribuições cometidas aos serviços da entidade liquidadora do tributo indevidamente liquidado e pago.
No caso em apreço, tudo está, pois, em saber se a lei conferia à administração tributária o poder de julgar inconstitucional a norma ínsita no artigo 5º, nº 1, da Lei nº 64/2008, e, em última análise, o poder de, nessa decorrência, a desaplicar.
E a resposta a tal questão não pode deixar de ser negativa, pelas razões que se deixaram bem explicadas no acórdão proferido por este Supremo Tribunal em 26/02/2014, no proc. nº 481/13, e que, por isso, nos limitaremos aqui a reproduzir:
«[…] a menos que esteja em causa o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP) a AT não pode recusar-se a aplicar a norma com fundamento em inconstitucionalidade (Com interesse sobre a questão, vejam-se os pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República referidos na Colectânea dos Pareceres da Procuradoria-Geral da República, volume V, pontos 10, 3, 3.2 – respetivamente, com as epígrafes «Fiscalização da constitucionalidade», «Fiscalização sucessiva» e «(In)aplicação de norma inconstitucional (poderes e deveres da Administração Pública)» –, cuja doutrina seguimos.). É que a Administração em geral está sujeita ao princípio da legalidade, consagrado constitucionalmente e a AT está-lo também por força do disposto no art. 55.º da LGT.
A nosso ver, a AT deverá aguardar a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, a emitir pelo Tribunal Constitucional (TC), nos termos do art. 281.º da CRP.
É que, como diz VIEIRA DE ANDRADE, «Este conflito [entre a constitucionalidade e o princípio da legalidade] não pode resolver-se através da prevalência automática do direito constitucional sobre o direito legal. Não é disso que se trata, porque o que está em causa é não a constitucionalidade da lei, mas o juízo que sobre essa constitucionalidade possam fazer os órgãos administrativos.
Por um lado, a Administração não é um órgão de fiscalização da constitucionalidade; por outro lado, a submissão da Administração à lei não visa apenas a protecção dos direitos dos particulares, mas também a defesa e prossecução de interesses públicos […]. A concessão ao poder administrativo de ilimitados poderes para controlo da inconstitucionalidade das leis a aplicar levaria a uma anarquia administrativa, inverteria a relação Lei-Administração e atentaria frontalmente contra o princípio da divisão dos poderes, tal como está consagrado na nossa Constituição» (Direito Constitucional, Almedina, 1977, pág. 270.).
No mesmo sentido, JOÃO CAUPERS afirma que «a Administração não tem, em princípio, competência para decidir a não aplicação de normas cuja constitucionalidade lhe ofereça dúvidas, contrariamente aos tribunais, a quem incumbe a fiscalização difusa e concreta da conformidade constitucional, demonstram-no as diferenças entre os artigos 207º [hoje, 204.º] e 266º, nº 2, da Constituição. Enquanto o primeiro impede os tribunais de aplicar normas inconstitucionais, o segundo estipula a subordinação dos órgãos e agentes administrativos à Constituição e à lei.
Afigura-se claro que a diferença essencial entre os dois preceitos decorre exactamente da circunstância de se não ter pretendido cometer à Administração a tarefa da fiscalização da constitucionalidade das leis. O desempenho de tal função, por parte daquela tem de ser visto como excepcional» (Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição, Almedina, 1985, pág. 157.).
Concluímos, assim, que no Direito Constitucional Português não existe a possibilidade de a Administração se recusar a obedecer a uma norma que considera inconstitucional, substituindo-se aos órgãos de fiscalização da constitucionalidade, a menos que esteja em causa a violação de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, o que não é manifestamente o caso quando está em causa a aplicação de norma eventualmente violadora do princípio da não retroactividade da lei fiscal.».
Torna-se, pois, claro que, estando sujeita ao princípio da legalidade, a administração tributária não pode recusar a aplicação de uma norma legal com fundamento na sua inconstitucionalidade por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, sem que esta inconstitucionalidade tenha sido previamente declarada pelo Tribunal Constitucional, com força obrigatória geral.
Ora, no caso vertente, é patente que em 29/11/2010, quando decidiu a reclamação graciosa da autoliquidação, a administração tributária não podia, de modo algum, deixar de observar a injunção contida no artigo 5º, nº 1, da Lei nº 64/2008, de 5 de Dezembro, que implicava a aplicação da nova taxa de 10% na tributação autónoma prevista no artigo 81º, nº 3, alínea a), do CIRC quanto a todos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 2008, visto que o Tribunal Constitucional só posteriormente, em 20/6/2012, declarou a inconstitucionalidade dessa norma, inflectindo, de resto, o entendimento que sufragara no seu acórdão nº 18/2011, de 12/01/2011.
O que tudo significa que, na circunstância, a administração tributária não podia deixar de decidir, como decidiu, no sentido do indeferimento da reclamação graciosa, e, por conseguinte, nenhum erro pode ser assacado aos seus serviços.
Como assim, não se verificam os pressupostos constitutivos da obrigação de indemnizar que encontra previsão no artigo 43º, da LGT.
Tal não significa, porém, que o contribuinte lesado nos seus direitos patrimoniais esteja legalmente impedido de exigir judicialmente a reparação a que se julgue com direito, o que lhe é assegurado não só pela Constituição (art. 22º da CRP), como pela lei ordinária. ( Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, e, anteriormente, Dec.Lei nº 48051, de 21/11/1967, onde se faz equivaler qualquer ilegalidade a ilicitude – cfr. os arts. 9.º e 6.º, respectivamente.) Porém, para a obter, terá de fazer, em processo próprio, a demonstração da existência do direito à indemnização perante as regras gerais da responsabilidade civil extracontratual do Estado e que englobam a prova do concreto montante dos prejuízos causados.

4. Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.

Sem custas.

Lisboa, 14 de Setembro de 2016. – Dulce Neto (relatora) – Ascensão Lopes – Aragão Seia.