Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0105/09
Data do Acordão:04/15/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
RECURSO JURISDICIONAL
ALÇADA
RECURSO PARA MELHORIA DA APLICAÇÃO DO DIREITO
Sumário:I - Ainda que a coima aplicada seja de valor inferior à alçada dos tribunais tributários, nos processos judiciais por contra-ordenação tributária o recurso é admissível sempre que se mostre manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito, por aplicação subsidiária do artigo 73.º, n.º 2 do Regime Geral das Contra-Ordenações.
II - A permissão desse recurso visa evitar erros jurisprudencialmente inadmissíveis, que estejam à margem de qualquer corrente jurisprudencial.
III - Não se está perante uma situação de manifesta necessidade de admissão do recurso para melhoria de aplicação do direito quando a decisão recorrida aderiu a uma corrente jurisprudencial mais exigente sobre a densidade do conceito “descrição sumária dos factos” que deve constar da decisão de aplicação da coima, por força do artigo 79.º, n.º 1, alínea b), do RGIT.
Nº Convencional:JSTA00065675
Nº do Documento:SA2200904150105
Data de Entrada:01/28/2009
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A...
Recorrido 2:DIRGER DAS ALFANDEGAS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TTT1INST LISBOA PER SALTUM.
Decisão:NÃO TOMAR CONHECIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
REC JURISDICIONAL.
Legislação Nacional:RGIT01 ART79 N1 B ART83 N1.
DL 433/82 DE 1982/10/27 ART73 N2 ART74 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC106/09 DE 2009/03/25.; AC STA PROC411/07 DE 2007/06/20.; AC STA PROC503/03 DE 2003/06/18.; AC STA PROC524/03 DE 2005/11/16.; AC STA PROC1116/06 DE 2007/01/17.; AC STA PROC1128/06 DE 2007/02/15.; AC STA PROC115/06 DE 2007/02/02.; AC STA PROC 619/08 DE 2008/11/06.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1- O Exmº Magistrado do Ministério Público, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que, por não conter a descrição sumária dos factos, declarou a nula a decisão do Director Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro de Lisboa, de 14.12.2006, que aplicara à firma “A..., Lda.” uma coima pela prática de contra-ordenação fiscal no montante de 400,00 €, dela vem recorrer formulando as seguintes conclusões:
1ª. A decisão da autoridade tributária de 14 de Dezembro de 2006, exarada a fls. 22/24 considera provados os factos constantes da participação de fls. 3 dos autos, para a qual remete.
2ª. Participação essa que já havia sido notificada ao representante legal da arguida.
3ª. Por outro lado, na parte relativa ao enquadramento jurídico a decisão que aplica a coima expressamente refere que “a viatura descrita foi declarada à Alfândega em 24/05/2005, tendo sido apresentado o «Fahrzeugschein», cuja utilização equivale a livrete de trânsito caducado ou fora das condições impostas por lei, estando a matrícula cancelada desde 04/04/2005, necessitando de MR”
4ª.Os requisitos previstos no artigo 97.° do RGIT visam assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquele decisão.
5ª. Por isso tais requisitos deverão considerar-se preenchidos quando as indicações constantes da decisão que aplica a coima sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos.
6ª. Ora, da descrição dos factos constante da decisão da coima é, claramente, possível à arguida perceber os factos que determinaram a sua condenação em coima, a saber, o facto da viatura dos autos ter sido declarada à Alfândega em 24/05/05, tendo sido apresentado o «Fahrzeugsschein», cuja utilização equivale a livrete de trânsito caducado ou fora das condições impostas por lei, estando a matrícula cancelada desde 04/04/2005, necessitando de CMR.
7ª. Pela leitura do requerimento de recurso judicial interposto pela arguida, facilmente, se constata que percebeu, cabalmente, os factos que determinaram a aplicação da coima, facto que lhe permitiu o exercício efectivo do seu direito de defesa.
8ª. Portanto, a decisão que aplicou a coima contém a descrição sumária dos factos, nos termos impostos pela norma constante do artigo 79º/1/b) do RGIT.
9ª. A douta decisão sob censura violou, por errada interpretação, o estatuído nos artigos 63°/1/b), 1ª parte, do RGIT.
2- O recorrido A..., Lda., contra-alegou nos termos que constam de fls. 99, no sentido da confirmação da decisão recorrida, em que se louva, em virtude da mesma se encontrar bem fundamentada e em plena conformidade com as normas legalmente previstas.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
3- A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
A. Com base em participação feita por duas funcionárias da Alfândega do Jardim do Tabaco, o Director da Directora Regional do Contencioso e Controlo Aduaneiro de Lisboa, pelo despacho recorrido, proferido 14-12-2006, aplicou à Arguida/Recorrente, uma coima pela prática de contra-ordenação fiscal aduaneira, no montante de € 400,00 - fls. 22 - 23;
B. Em tal despacho, na parte referente à descrição sumária dos factos, lê-se:
«Descrição Sumária dos Factos
Os factos descritos na Participação, a fls. 3 dos autos, já notificado ao Representante Legal do arguido e para o qual se remete.
Da irregularidade não resultou qualquer prejuízo efectivo à Fazenda Pública.
Notificada da acusação, a arguida vem apresentar a sua defesa cf. consta nos autos a fls. 17 a 20 dos autos, requerendo a anulação do processo e a eliminação da possibilidade de aplicação de qualquer coima.»
Seguem-se o enquadramento jurídico, com indicação das normas violadas e punitivas, e a indicação dos elementos para a fixação da coima, nos termos do art. 27° do RGIT.
Por fim, fixa-se a coima em € 400,00 e as custas em € 44,50 - fls. 22 - 23.
4- O presente recurso foi interposto, vindo a ser admitido, ao abrigo do disposto nos artigos 73.º, n.º 2 e 74.º, n.º 2 do RGCO, por tal se afigurar manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito e à promoção da uniformidade da jurisprudência.
Preceitua o n.º 3 do artigo 74.º do RGCO que nesse caso a decisão sobre o requerimento constitui questão prévia que será resolvida por despacho fundamentado do tribunal.
Vejamos, pois.
Tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (artigo 8.º n.º 3 do CC), seguiremos de perto a douta fundamentação aduzida no acórdão de 25/03/09, processo n.º 106/09, numa situação em tudo semelhante à do presente recurso.
Nos termos do artigo 83.º, n.º 1 do RGIT "o arguido e o Ministério Público podem recorrer da decisão do tribunal tributário de 1.ª instância para o Tribunal Central Administrativo, excepto de o valor da coima não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância e não for aplicada pena acessória".
Ora, no caso em apreço, como acima se disse, a coima aplicada é de € 400, ou seja, tendo em atenção que os factos imputados à arguida ocorreram no ano de 2006, inferior à alçada dos tribunais tributários que era de € 935,25 (a alçada do tribunais judiciais de 1.ª instância foi fixada em € 3.740,98 pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 3/99, na redacção dada pelo DL n.º 623/2001, de 17 de Dezembro).
Verifica-se, assim, a excepção de recorribilidade prevista na parte final do já citado n.º do artigo 83.º
Todavia, a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender que a norma constante do artigo 73.º, n.º 2 do RGCO, que admite a interposição de recursos jurisdicionais de decisões judiciais proferidas em processos contra-ordenacionais, quando a coima aplicada é inferior à alçada dos tribunais tributários, tendo em vista a melhoria da aplicação do direito ou a promoção da uniformidade, é aplicável subsidiariamente ao Regime Geral das Infracções Tributárias (vide, entre outros o acórdão de 20-06-07, no recurso n.º 411/07).
Invocando o Magistrado recorrente como fundamento da admissibilidade do recurso a sua manifesta necessidade para melhoria de aplicação do direito, importa, deste modo, indagar se ocorre uma situação enquadrável no referido n.º 2 do artigo 73.º do RGCO.
Tem-se entendido que a expressão “melhoria de aplicação do direito” deve interpretar-se como abrangendo todas as situações em que há “erros claros na decisão judicial ou seja comprovadamente duvidosa a solução jurídica ou em que se “esteja perante uma manifesta violação do direito – cfr Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias, 2.ª edição, pág. 506, bem como os acórdãos de 18-06-03, 16-11-05, 17-01-07, 15-02-07, 2-02-07 e de 06-11-08, nos recursos n.ºs 503/03, 524/03, 1116/06, 1128/06, 115/06 e 619/08.
No caso em apreço, no intento de demonstrar que o recurso deve ser aceite por se mostrar manifestamente necessário à melhoria do direito, o Ministério Público alega o seguinte:
“1. 0 M.° Juiz de 1ª instância entende que o decisão que aplicou a coima é nula, porque, alegadamente, da mesma não consta a descrição sumária dos factos nos termos do estatuído nos artigos 79.°/1/b) e 63.°/1/d) do RGIT.
2. A coima foi aplicada praticamente pelo mínimo (€ 400).
3. Ora, como é sabido a jurisprudência não é pacífica quanto à questão de saber o que seja a descrição sumária dos factos, sendo certo que a interpretação correcta parece ser aquela que considera que tal exigência se mostra satisfeita quando as indicações contidas na decisão são suficientes para permitir ao arguido o efectivo exercício do direito de defesa, como, na perspectiva do MP, acontece no caso em análise.
Pelo exposto, parece certo que o presente recurso deve ser aceite por se mostrar, manifestamente, necessário à melhoria do direito’.
Perante o teor dum requerimento de admissão de recurso em tudo idêntico, afirmou-se no já aludido acórdão de 25/03/09, processo n.º 106/09:
“Como se vê, o Requerente admite que não há unanimidade jurisprudencial sobre o conceito de «descrição sumária dos factos».
No caso em apreço, a sentença recorrida adoptou uma corrente jurisprudencial mais exigente sobre a densidade da «descrição sumária dos factos» que deve constar da decisão de aplicação de coima, por força do disposto do art. 79.°, n.° 1, alínea b), do RGIT. O próprio facto de existirem divergências jurisprudenciais sobre aquele conceito indica que não se está perante uma situação em que possa considerar-se manifesta a necessidade de admissão do recurso para melhoria da aplicação do direito, pois a opção por uma das correntes jurisprudenciais não pode, em, princípio e sem mais, considerar-se um erro manifesto, já que ambas terão por suporte alguma argumentação.
Ou, por outras palavras, o objectivo do art. 73.°, n.° 2, do RGCO ao admitir recursos nos casos em eles são manifestamente necessários para melhoria da aplicação do direito, não é viabilizar a correcção de decisões que optem por uma determinada corrente jurisprudencial, mas sim permitir a emenda de erros jurisprudencialmente inadmissíveis, que estejam à margem de qualquer corrente jurisprudencial.
Por isso, é de concluir que não se verificam, no caso em apreço, os requisitos de que depende a aceitação do recurso.”
Por inteiro se subscrevem estas judiciosas considerações.
Termos em que se acorda não tomar conhecimento do recurso.
Sem custas.
Lisboa, 15 de Abril de 2009. – Miranda de Pacheco(relator) – Pimenta do Vale – Lúcio Barbosa.