Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0697/22.0BEPRT
Data do Acordão:05/03/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
EXTEMPORANEIDADE
INIMPUGNABILIDADE DO ACTO
Sumário:I - Se é certo que a apresentação da reclamação graciosa não obsta à apresentação da impugnação judicial contra o mesmo acto, como alegam os Recorrentes, por os meios contenciosos se sobreporem aos meios graciosos (o que obstaria ao conhecimento da reclamação graciosa, nos termos do nº 2 do artigo 68º do CPPT), não é menos certo que a validade de tal argumento depende da tempestividade da apresentação da impugnação judicial.
II - Ao contrário do supõem os Recorrentes, sempre que o contribuinte opte por deduzir reclamação graciosa contra o acto de liquidação, o prazo para o impugnar judicialmente deixa de se contar da data limite para pagamento voluntário do tributo, passando a relevar a data do indeferimento (expresso ou silente) dessa reclamação.
III - A partir do momento em que os Recorrentes não colocam em crise a decisão de rejeição liminar da reclamação graciosa, por extemporaneidade, o acto tributário impugnado consolidou-se na ordem jurídica e o conhecimento de eventuais ilegalidades originadoras de anulabilidade do acto, não é admissível em sede de impugnação judicial apresentada do indeferimento de reclamação graciosa, uma vez que estamos perante a inimpugnabilidade do acto, o que implica, tal como decidido, a improcedência da impugnação.
Nº Convencional:JSTA000P30937
Nº do Documento:SA2202305030697/22
Data de Entrada:03/24/2023
Recorrente:AA E OUTROS
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Processo n.º 697/22.0BEPRT (Recurso Jurisdicional)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

BB e AA, devidamente identificados nos autos, inconformados, vieram interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 30-11-2022, que julgou improcedente a pretensão pelos mesmos deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com a liquidação de IRS n.º ...06, referente ao ano de 2015, no valor de € 7 456,94.

Formularam nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julga improcedente a presente impugnação.

2. Nas garantias que decorrem do procedimento e do processo tributário, a reclamação graciosa e a impugnação judicial são, de todos os meios procedimentos e processuais, aqueles que melhor asseguraram a defesa dos direitos e interesses dos contribuintes.

3. A reclamação graciosa apresenta-se como um importante meio de defesa destinado a prevenir e evitar ações ou omissões da administração fiscal, mas não tem o chamado efeito de caso julgado, que caracteriza a fase judicial e que garante neste aspeto uma maior tutela efetiva dos direitos e interesses dos contribuintes.

4. A reclamação graciosa e a impugnação judicial têm por fundamento qualquer ilegalidade do ato tributário ou de ato de liquidação, sendo os fundamentos para a interposição da reclamação graciosa os mesmos aplicáveis à impugnação judicial, o que significa que importa bem distinguir um do outro para tentar garantir uma perfeita articulação entre os dois.

5. O contribuinte pode, assim, entrar com uma reclamação graciosa ou optar pela via da impugnação contenciosa do ato tributário impugnado, bem como pode apresentar uma reclamação graciosa e não esperar que seja proferida a respectiva decisão administrativa e seguir logo para a via judicial. Neste caso, a lei acaba por dar prevalência ao processo judicial, quer a reclamação graciosa tenha sido apresentada antes ou na pendência da impugnação judicial, obrigando o contribuinte a seguir necessariamente a via judicial.

6. Da conjugação dos preceitos legais 140.º n.º 1 do CIRS, e 102.º n.º 1 do CPPT, resulta que o prazo para deduzir impugnação judicial contra o ato de liquidação de IRS é de 90 dias, contados a partir dos factos previstos nas als a) a f) do nº 1 do citado artº 102º do CPPT.

7. Pelas razões aqui explanadas, a presente impugnação é admissível, tempestiva e deve ser conhecida.

8. A sentença recorrida faz errada interpretação e aplicação do disposto nas normas legais citadas na conclusão antecedente.

9. Deve assim, ser revogada a sentença recorrida e ordenado que baixem os autos ao Tribunal de primeira instância para conhecimento dos fundamentos da impugnação, Ou, caso assim se não entenda, conhecida a impugnação e julgada totalmente procedente.

Termos em que, pelas razões aqui aduzidas, deve o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente revogada a decisão recorrida, substituindo-a por decisão ordene a baixa dos autos ao tribunal recorrido para apreciação da impugnação ou caso assim se não entenda, julgue a presente impugnação procedente, com as demais consequências legais, como é de inteira

JUSTIÇA!

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Cumpre decidir.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em analisar se a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento na apreciação que fez da questão relativa à inimpugnabilidade do acto tributário, o que passa por saber se apesar da intempestividade da reclamação graciosa, que os Recorrentes não contestam, é admissível a impugnação judicial do ato tributário.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

A) O Impugnante foi alvo de um procedimento inspetivo levado a cabo pelos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças de Aveiro, do qual resultou, além do mais, uma correção à matéria tributável de IRS do ano de 2015, com recurso a métodos indiretos, no valor de € 44 203,91 - cfr. relatório de inspeção inserto a fls. 41 a 160 do processo administrativo (incorporado no SITAF), cujo teor se dá por reproduzido.

B) Em 09/10/2020, na sequência da correção mencionada na alínea antecedente, foi emitida em nome dos Impugnantes, com referência ao ano de 2015, a liquidação de IRS n.º ...06, no valor de € 7 456,94, onde após acerto de contas foi apurado um valor a pagar, até 30/11/2020, de € 7 695,11 - cfr. fls. 29 e 33 do processo administrativo, cujo teor se dá por reproduzido.

C) Em 06/05/2021, os Impugnantes apresentaram reclamação graciosa da liquidação mencionada na alínea antecedente, pedindo a sua anulação - cfr. fls. 242 a 259 do processo administrativo, cujo teor se dá por reproduzido.

D) Em 16/12/2021, foi proferido despacho de rejeição liminar da reclamação graciosa, por extemporaneidade - cfr. fls. 261 a 264 e 268 do processo administrativo, cujo teor se dá por reproduzido.

E) Os Impugnantes foram notificados da decisão mencionada na alínea antecedente por meio de ofício expedido sob registo postal datado de 17/12/2021 - cfr. fls. 270 e 271 do processo administrativo e fls. 1125 do SITAF, cujo teor se dá por reproduzido.

F) A presente impugnação foi deduzida em 21/03/2022 - cfr. fls. 3 a 21 do SITAF.

2. FACTOS NÃO PROVADOS

Inexistem, com interesse para a decisão.

Motivação

A convicção do Tribunal quanto aos factos dados como provados resultou da análise dos documentos, não impugnados, juntos aos autos.”


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3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de analisar se a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento na apreciação que fez da questão relativa à inimpugnabilidade do acto tributário, o que passa por saber se apesar da intempestividade da reclamação graciosa, que os Recorrentes não contestam, é admissível a impugnação judicial do ato tributário.


Nas suas alegações, os Recorrentes apontam que “o contribuinte pode apresentar a reclamação graciosa e, antes da sua decisão ou da formação do indeferimento tácito, pode impugnar diretamente o ato de liquidação, desde que o faça durante o prazo previsto para a impugnação, não esperando que seja proferida a respetiva decisão administrativa” e ainda que “da conjugação dos preceitos legais 140.º n.º 1 do CIRS, e 102.º n.º 1 do CPPT, resulta que o prazo para deduzir impugnação judicial contra o ato de liquidação de IRS é de 90 dias, contados a partir dos factos previstos nas als a) a f) do nº 1 do citado artº 102º do CPPT. Pelas razões aqui explanadas, a presente impugnação é admissível, tempestiva e deve ser conhecida”.

Para afastar a pretensão dos ora Recorrentes, decisão recorrida considerou que “sendo a reclamação graciosa extemporânea, o que não foi posto em causa pelos Impugnantes, tudo se passa como se ela não tivesse sido apresentada, o que quer dizer que a liquidação em crise produziu validamente os seus efeitos na ordem jurídica, formando aquilo a que o citado acórdão designa de “caso decidido ou resolvido”, que tem um efeito análogo à sentença transitada em julgado, justificando que não se volte a apreciar uma pretensão que já foi decidida e que não foi objeto de atempada impugnação (administrativa)”.

Pois bem, na situação dos autos, é ponto assente que, na sequência de procedimento inspectivo foram realizadas pela AT correcções à matéria tributável em sede de IRS do ano de 2015, de que resultou imposto a pagar e juros compensatórios no valor global de € 7.965,11 euros, cujo prazo de pagamento terminou em 30-11-2020 e ainda que os aqui Recorrentes apresentaram em 06-05-2021 reclamação graciosa, a qual foi indeferida pela AT em 16-12-2021 com base na sua extemporaneidade, verificando-se que em 21-03-2022 foi apresentada a presente impugnação judicial.


Ora, se é certo que a apresentação da reclamação graciosa não obsta à apresentação da impugnação judicial contra o mesmo acto, como alegam os Recorrentes, por os meios contenciosos se sobreporem aos meios graciosos (o que obstaria ao conhecimento da reclamação graciosa, nos termos do nº 2 do artigo 68º do CPPT), não é menos certo que a validade de tal argumento depende da tempestividade da apresentação da impugnação judicial.

Depois, ao contrário do supõem os Recorrentes, sempre que o contribuinte opte por deduzir reclamação graciosa contra o acto de liquidação, o prazo para o impugnar judicialmente deixa de se contar da data limite para pagamento voluntário do tributo, passando a relevar a data do indeferimento (expresso ou silente) dessa reclamação.

Além disso, a eventual intempestividade da reclamação graciosa não é indiferente ao resultado da impugnação judicial, conduzindo, a verificar-se, à improcedência do pedido por força do caso decidido ou resolvido e consequente inimpugnabilidade do acto, pois que, no caso de o acto já se ter firmado na ordem jurídica, por falta de atempado uso dos meios graciosos que a lei coloca à disposição do interessado, não pode este recuperar a oportunidade perdida, retirando da dedução de uma reclamação graciosa intempestiva consequências que a estabilidade do acto sindicado já não consente - cfr. Acórdãos deste Supremo Tribunal de 02-04-2009, Proc. nº 0125/09, de 10-05-2017, Proc. nº 01490/15 e de 31-05-2017, Proc. nº 01609/13, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Assim, em função dos elementos presentes nos autos, resulta manifesto que no momento da apresentação da impugnação judicial - 21-03-2022 - já o prazo de três meses previsto no artigo 102º do CPPT estava largamente ultrapassado, uma vez que o termo do prazo de pagamento do tributo havia terminado em 30-11-2020.
Na verdade, a partir do momento em que os Recorrentes não colocam em crise a decisão de rejeição liminar da reclamação graciosa, por extemporaneidade, o acto tributário impugnado consolidou-se na ordem jurídica e o conhecimento de eventuais ilegalidades originadoras de anulabilidade do acto, não é admissível em sede de impugnação judicial apresentada do indeferimento de reclamação graciosa, uma vez que estamos perante a inimpugnabilidade do acto, o que implica, tal como decidido, a improcedência da impugnação, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso.


4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.

Custas pelos Recorrentes.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 3 de Maio de 2023. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.