Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0608/11
Data do Acordão:11/16/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CUMULAÇÃO DE IMPUGNAÇÕES
CADUCIDADE
LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - Nos termos do artigo 104.º do CPPT a cumulação de impugnações de actos tributários diversos requer, designadamente, a identidade dos fundamentos de facto e de direito invocados.
II - Inexistindo invocação de fundamentos de facto e de direito comuns a todos os actos tributários não podem estes ser impugnados cumulativamente, mas não obsta à cumulação a invocação, a par dos fundamentos comuns, de algum ou alguns fundamentos que respeitem apenas a alguns dos actos impugnados, pois que o artigo 104.º do CPPT não exige uma identidade plena ou total dos fundamentos invocados, nem a coexistência, a par dos fundamentos comuns, de um fundamento específico de anulação de alguns dos actos impugnados frusta a ratio da admissibilidade legal da cumulação de impugnações (economia de meios e uniformidade de decisões).
Nº Convencional:JSTA00067238
Nº do Documento:SA2201111160608
Data de Entrada:06/16/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA DE 2010/11/15 PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
DIR PROC FISC GRAC - LIQUIDAÇÃO
Legislação Nacional:CCIV66 ART9 N3
CPPTRIB99 ART104
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VII 6ED PAG180
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A……, com os sinais dos autos, recorreu para o Tribunal Central Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 15 de Novembro de 2010, que por julgar verificada a excepção dilatória de cumulação ilegal de pedidos que obsta ao conhecimento do mérito da causa absolveu a Fazenda Pública da instância, nos termos dos artigos 493.º, n.º 1 e 2 e 494.º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 2.º alínea e) do CPPT.
O recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
a) A identidade dos fundamentos de facto e de direito exigido pelo art. 104.º do CPPT, não corresponde a igualdade de factos e de normas jurídicas aplicadas a cada uma das impugnações;
b) A caducidade enquanto fundamento do direito de impugnar uma liquidação tributária é uma questão de facto e não uma questão de direito;
c) Sendo a caducidade uma questão de facto e tendo as impugnações intentadas pelo recorrente uma identidade real, quanto aos fundamentos comuns, terá de se concluir que não houve violação do preceituado no artº 104º do CPPT;
d) A identidade de fundamentos de direito, consubstancia uma identidade dos efeitos jurídicos que se pretende obter com as impugnações ou com os pedidos efectuados, e não uma identidade das normas violadas ou dos vícios imputados a cada uma das liquidações;
e) Consubstanciando a caducidade uma questão de facto, a sua declaração, sem mais, não produz qualquer efeito jurídico, nem determina uma inexistência de identidade dos fundamentos de direito nos termos do art. 104.º do CPPT;
f) O que pretendeu o Recorrente foi a anulação de todas as liquidações e foi isso que pediu, independentemente dos fundamentos, pelo que não existiu qualquer violação do preceituado no art.º 104.º do CPPT;
g) Uma correcta interpretação do art. 104.º do CPPT e uma correcta subsunção dos factos ao direito, determinava a admissão das impugnações apresentadas e prosseguimento dos autos.
h) Não há uma cumulação ilegal de pedidos de impugnação apresentada pelo Recorrente, pelo que não poderia o Tribunal “a quo” absolver a Fazenda Pública da Instância.
i) Termos em que deverá ser anulado o douto despacho de fls. 299 e seguintes e substituído por outro que determine o prosseguimento dos autos.
Nestes termos e nos demais de direito requer-se a Vossa Excelências que admitam o presente recurso interposto da decisão de fls. 299 e seguintes, por provado, e por via dele determinem a anulação do douto despacho recorrido.
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 – Por Acórdão de 5 de Maio de 2011 o Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso e competente para o efeito o Supremo Tribunal Administrativo (cfr. acórdão de fls. 343 a 346 dos autos), a quem os autos foram remetidos precedendo requerimento nesse sentido (fls. 340 dos autos).
4 - O Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Objecto do recurso: decisão de absolvição da Fazenda Pública da instância de impugnação judicial deduzida contra liquidações de IRS (anos 2000 a 2005)
FUNDAMENTAÇÃO
1. A epígrafe da norma constante do art. 104.º CPPT é equívoca ao referir-se a cumulação de pedidos, apesar de a sua previsão apontar para uma cumulação de actos tributários, que justificaria uma diferente epígrafe de cumulação de impugnações
Os requisitos legais de verificação cumulativa:
a) identidade da natureza dos tributos
b) identidade dos fundamentos de facto e de direito
c) identidade do tribunal competente para a decisão
A identidade dos fundamentos de facto não significa uma identidade fáctica absoluta, bastando uma identidade da questão jurídico-tributária sob apreciação (cf. Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário Volume I 2006 p. 760)
2. No caso concreto:
a) inexiste identidade de fundamentação de facto e de direito, na medida em que na impugnação judicial das liquidações de IRS (anos 2000 a 2002) é invocado um fundamento específico, omitido nas restantes impugnações: caducidade do direito à liquidação
b) a caducidade do direito à liquidação configura uma questão jurídica (traduzida num binómio causa de pedir/pedido) à qual subjazem factos distintos daqueles que terão relevância para a apreciação das restantes questões
c) o recorrente não aproveitou o convite formulado pelo tribunal para a indicação dos pedidos (cada um correspondendo à apreciação da legalidade de um acto tributário) que pretendia ver apreciados no processo, em conformidade com imperativo legal (despachos fls. 272 e 280; art. 47º nº5 CPTA/art. 2º al. c) CPPR)
d) A falta de indicação dos pedidos determina a absolvição da instância quanto a todos os pedidos, na medida em que o tribunal não pode sobrepor-se ao sujeito passivo na eleição dos actos tributários cuja legalidade deva ser apreciada
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A decisão impugnada deve ser confirmada
Notificadas as partes do parecer do Ministério Público (fls. 358 a 360 dos autos), nada vieram dizer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
5 – Questão a decidir
É a de saber se, como decidido, houve ilegal cumulação de impugnações, por inexistência de identidade de fundamentos de facto e de direito tal como requerido pelo artigo 104.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), justificativa da absolvição da instância da Fazenda Pública.
6 – Apreciando
6.1 Da ilegal cumulação de impugnações
A sentença recorrida, a fls. 300 a 303 dos autos, julgou verificada a excepção dilatória – cumulação ilegal de pedidos – suscitada oficiosamente a fls. 272 e determinou a absolvição da instância da Fazenda Pública, por ter entendido que a apreciação da legalidade das liquidações não depende unicamente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e dos mesmos fundamentos de direito, pois que se relativamente aos fundamentos comuns, a identidade é real, tal não ocorre com a caducidade do direito à liquidação, que constitui fundamento específico de impugnação da liquidação de IRS dos anos de 2000 a 2003 (cfr. sentença recorrida a fls. 302 dos autos).
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal no seu parecer junto aos autos e supra transcrito defende a manutenção do julgado recorrido
Discorda do decidido o recorrente, alegando, em síntese, não haver violação do disposto no artigo 104.º do CPPT, porquanto a identidade dos fundamentos de facto e de direito exigido pelo art. 104.º do CPPT, não corresponde a igualdade de factos e de normas jurídicas aplicadas a cada uma das impugnações, que a caducidade enquanto fundamento do direito de impugnar uma liquidação tributária é uma questão de facto e não uma questão de direito e sendo a caducidade uma questão de facto e tendo as impugnações intentadas pelo recorrente uma identidade real, quanto aos fundamentos comuns, terá de se concluir que não houve violação do preceituado no artº 104º do CPPT.
Vejamos.
O ora recorrente, na petição inicial de impugnação que deduziu contra as liquidações adicionais de IRS referentes aos anos de 2000 a 2005, concluiu pedindo (cfr. petição inicial de impugnação, a fls. 39 e 40 dos autos):
«I) A nulidade das liquidações adicionais de IRS n.º 20095000034539, 20095000028553, 20095000028562, 20095000028589, 20095000028680 e 20095000029389, referentes aos anos de 2000 a 2005, porque a administração Pública liquidou o imposto com base na acusação proferida pelo Ministério Público, em violação grosseira do princípio do inquisitório e do contraditório;
II) A invalidade das liquidações adicionais de IRS n.º 20095000034539, 20095000028553, 20095000028562, 20095000028589, 20095000028680 e 20095000029389, referentes aos anos de 2000 a 2005, foram utilizados métodos indirectos em violação do preceituado no artº 87º e seguintes da LGT;
III) A caducidade do direito à liquidação do IRS referente aos anos de 2000 a 2003 e a consequente anulação das liquidações n.º 20095000034539, 20095000028553, 20095000028562, 20095000028589, referentes aos anos de 2001 a 2003;
IV) Erro no apuramento da matéria tributável em sede de imposto de selo dos anos de 2000 a 2005 devendo ser anuladas as liquidações de IRS 20095000034539, 20095000028553, 20095000028562, 20095000028589, 20095000028680 e 20095000029389, referentes aos anos de 2000 a 2005;
V) A revogação do acto recorrido e a anulação das liquidações de IRS n.º 20095000034539, 20095000028553, 20095000028562, 20095000028589, 20095000028680 e 20095000029389 referentes aos anos de 2000 a 2005, determinando-se nova liquidação do imposto com base nos rendimentos do ora impugnante descriminados na alínea i) das conclusões».
Controvertida nos presentes autos é a questão de saber se o pedido identificado em III – de anulação das liquidações referentes aos anos de 2001 a 2003 com fundamento na caducidade do direito à liquidação do IRS – determina a ilegal cumulação de impugnações, pois que a causa de pedir caducidade do direito à liquidação apenas é invocada em relação às liquidações de IRS de 2000 a 2003 (2000 a 2002, o articulado da petição inicial, a fls. 14 e 15 dos autos), não o sendo em relação às demais.
Sob a epígrafe Cumulação de pedidos e coligação de autores dispõe o artigo 104.º do CPPT que: «Na impugnação judicial podem, nos termos legais, cumular-se pedidos e coligar-se autores em caso de identidade da natureza dos tributos, dos fundamentos de facto e de direito invocados e do tribunal competente para a decisão».
Resulta claro do transcrito preceito legal que sem fundamentos de facto e de direito comuns a todas as liquidações não podem estas ser impugnadas cumulativamente, o que bem se compreende pois que de outro modo não se justificaria a respectiva cumulação, motivada essencialmente por razões de economia de meios e que contribui para a uniformidade de decisões (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Volume II, 6.ª edição, Lisboa, Áreas Editora, 2011, p. 180 – nota 2 ao art. 104.º do CPPT).
Obstará, contudo, o artigo 104.º do CPPT a que, sendo invocados fundamentos de facto e de direito comuns a todas as liquidações impugnadas, se invoque em relação a algumas delas algum fundamento específico, no caso dos autos a caducidade do direito à liquidação?
Não nos parece.
A invocação de fundamentos de anulação específicos de alguma das liquidações impugnadas, a par de fundamentos comuns a todas elas, não obsta a que haja identidade de fundamentos de facto e de direito invocados e que se realizem os fins tidos em vista com a admissibilidade da cumulação de impugnações de actos tributários diversos – razões de economia de meios e de uniformidade de decisões, como se disse já. É certo que tal identidade não será uma identidade plena, total, pois há um fundamento apenas parcialmente comum, mas nem o artigo 104.º exige a plena e total identidade de fundamentos de facto e de direito invocados nem a coexistência, a par dos fundamentos comuns, de um fundamento específico de anulação de algumas das liquidações impugnadas frusta a ratio da admissibilidade legal da cumulação de impugnações.
Ao invés, impor ao impugnante que deduza impugnações separadas relativamente aos anos de 2000 a 2003, por um lado, na qual invoque para além dos demais fundamentos a caducidade do direito à liquidação, e aos anos de 2004 e 2005, por outro, na qual invoque apenas os fundamentos comuns a todas as liquidações de IRS, parece solução irrazoável, tanto pelo desperdício de meios que propicia, como pelo risco de contradição de julgados que encerra, razão pela qual deve tal solução se ter como não querida pelo legislador, que se presume que consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º n.º 3 do Código Civil).
Entendemos, pois, o requisito da identidade dos fundamentos de facto e de direito invocados do qual o artigo 104.º do CPPT faz depender a admissibilidade da cumulação de impugnações como exigindo que entre todas as impugnações cumuladas se verifiquem fundamentos comuns, mas também como não obstando a que a par dos fundamentos comuns seja invocado algum ou alguns específicos de alguma ou algumas das impugnações.
Pelo exposto, haverá que conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, baixando os autos ao tribunal “a quo” para conhecimento do mérito da impugnação, se a tal nada mais obstar.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar não verificada a excepção de ilegal cumulação de pedidos, baixando os autos ao tribunal “a quo” para conhecimento do mérito da impugnação, se a tal nada mais obstar.
Sem custas, pois a recorrida não contra-alegou.
Lisboa, 16 de Novembro de 2011. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - António Calhau.