Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0572/13
Data do Acordão:11/13/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:REVERSÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
IMPUGNAÇÃO
CONVOLAÇÃO
Sumário:I - A impugnação judicial não constitui meio processual adequado de reacção contra o acto de reversão da execução fiscal, mas sim o processo de oposição.
II - A adquirente do direito de propriedade do imóvel penhorado ao revertido, não tendo sido chamada à execução pelo acto de reversão, carece de legitimidade para atacar esse acto, o que inviabiliza a convolação do processo de impugnação em processo de oposição.
III - Por outro lado, o acto de penhora do imóvel cujo direito de propriedade a impugnante adquiriu ao executado em momento muito posterior ao registo da penhora, acto que a impugnante pretende ver eliminado pela extinção da execução fiscal contra o revertido, não representa, face ao momento em que ocorreu, um acto ofensivo do seu direito de propriedade ou um acto lesivo para si, pelo que nunca seria possível convolar a impugnação em reclamação prevista no art. 276º do CPPT ou em embargos de terceiro.
IV - Também não pode operar-se a convolação para acção de reconhecimento de direito ou interesse legítimo em matéria tributária, uma vez que o acto de reversão não foi dirigido contra a impugnante, não afectando, por isso, os seus direitos ou interesses legítimo em matéria tributária. O que esta pretende, afinal, é a tutela judicial do seu direito de propriedade contra a expectativa de venda do imóvel no processo de execução fiscal, direito de propriedade esse que não integra o conceito de direito ou interesse legítimo de natureza tributária.
Nº Convencional:JSTA00068460
Nº do Documento:SA2201311130572
Data de Entrada:04/15/2013
Recorrente:A....
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART203 ART99 ART70 N2 ART124.
LGT98 ART101.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0626/09 DE 2009/09/03; AC STA PROC0105/11 DE 2011/02/24; AC STA PROC0300/12 DE 2012/05/02; AC STA PROC0453/12 DE 2012/09/12; AC STA PROC0640/13 DE 2013/06/18
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO 6ED VOLII PAG107-108.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A…….., com os demais sinais dos autos, recorre do despacho de indeferimento liminar proferido no processo de impugnação judicial que deduziu à execução fiscal revertida contra B……….. na qualidade de responsável subsidiário por dívidas tributárias da sociedade C………., Ld.ª, impugnação onde pedira a nulidade do processo de reversão que contra ele correu e que, consequentemente, fosse declarada nula o acto de penhora que recaiu sobre o prédio urbano que a impugnante entretanto adquiriu (após a penhora realizada nessa execução fiscal) e cancelado o respectivo registo, bem como fosse suspensa a execução fiscal.
1.1. Terminou a alegação de recurso com as seguintes conclusões:
A. A recorrente tem o legítimo interesse legalmente reconhecido de proteger o seu direito de propriedade da expectativa de venda ilegítima do seu imóvel, no âmbito de uma Execução Fiscal ilegalmente revertida.

B. Pelo que sendo titular de um interesse relevante e legalmente protegido, tem de lhe ser reconhecido o direito a aceder à tutela judicial de forma a acautelar o seu interesse, em cumprimento do art. 20º da CRP e 95º da LGT.

C. A Recorrente não é Executada nem Revertida, não podendo lançar mão da Oposição à Execução, e sendo a aquisição do imóvel do qual é proprietária posterior ao registo de penhora, também lhe esteve vedado o acesso à figura processual de Embargos de Terceiro.

D. Pelo que ante os fatos notórios da invalidade da reversão fiscal que originou a penhora do seu imóvel à legítima interessada, ora Recorrente, apenas resta a figura de Impugnação Judicial para proteção do seu direito de propriedade, cuja defesa e protecção configura interesse legítimo e passível de tutela, em conformidade com o disposto no art. 99º e 9º, nº 4, ambos do CPPT!

E. Pelo que terá de lhe ser reconhecida legitimidade para lançar mão da ação de Impugnação Judicial, meio adequado, no caso em concreto, à tutela judicial que se impõe do seu interesse.

F. Caso assim não se entenda, o que não se concede, e se não é claro para o Tribunal a adequação da Impugnação Judicial como único meio processual ao dispor da ora recorrente para defender os seus direitos, opere-se a convolação para Ação Para Reconhecimento de um Direito ou Interesse Legítimo em Matéria Tributária prevista no art. 145º do CPPT.

G. Convolação que é possível, na medida em que no seu petitório a Recorrente alegou ser legítima titular de um legítimo interesse legalmente protegido (direito de propriedade), o qual considera ilegalmente lesado e, como tal, digno de ser reconhecido e protegido através do inegável acesso à justiça tributária, sendo inclusive a tramitação processual idêntica à da Impugnação Judicial (art. 145º nº 4 do CPPT).

H. Devendo portanto reconhecer-se à recorrente, mais não seja primeiramente através desta ação, que o seu interesse é legítimo e relevante em matéria tributária, e que tem direito a aceder a um meio processual adequado a defendê-lo, de entre um dos meios processuais tributários previstos na Lei.

I. Considerando a Recorrente que tal meio, por exclusão de partes, terá de ser necessariamente a Impugnação Judicial já desencadeada pelo que já ficou dito, o que deverá ser determinado com o aproveitamento das peças já entregues pela Recorrente e das taxas de justiça já liquidadas.

J. Deverá ser oficiado ao Serviço de Finanças competente a suspensão da execução em virtude da pendência do presente recurso judicial cujo objeto passa pela determinação da legitimidade da Recorrente a invocar as ilegalidades da reversão fiscal que invocou e consequente anulação da penhora do imóvel da sua propriedade, o que cabe no sentido lato jurisprudencialmente entendido da expressão “legalidade da dívida exequenda”.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente e:
a) Determinada a descida dos presentes autos de impugnação à primeira instância para que seja proferida decisão de mérito, reconhecendo-se que, no caso em concreto, este é o meio judicial adequado à legitima interessada e ali Recorrente, tutelar judicialmente O seu interesse legítimo e legalmente reconhecido, tutela essa constitucionalmente consagrada.
Caso assim não se entenda, o que não se concede,
b) Deverão os autos baixar à primeira instância ordenando-se a convolação daquela Impugnação em Ação Para Reconhecimento de um Direito ou Interesse Legítimo em Matéria Tributária, se se entender que esta será a via adequada a, primeiramente, reconhecer como legítimo o interesse da Recorrente e, portanto, digno de tutela judicial,
c) Devendo ainda, neste particular, ser considerado como meio adequado a Impugnação Judicial, aproveitando-se as peças e taxas já liquidadas pela Recorrente.
E deverá, ainda:
d) Ser oficiado o Serviço de Finanças competente no sentido da suspensão da execução na pendência do presente recurso judicial.

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que devia ser negado provimento ao recurso, com a seguinte argumentação: «(…)
a) a penhora no processo de execução fiscal do imóvel adquirido pela recorrente é lesiva do seu interesse, na medida em que constitui um ónus incidente sobre o gozo do seu direito de propriedade, podendo dar origem a venda executiva cuja eficácia não é prejudicada pela venda efectuada fora do âmbito da execução fiscal (art.900º nº 2 CPC; art. 824º nºs 2/3 C Civil).
b) a dedução de embargos de terceiro não é o meio processual adequado, na medida em que o acto lesivo da penhora (efectuada em 15.1 1.2007) é anterior à aquisição do direito de propriedade titulada pela celebração do contrato de compra e venda em 24.03.2009 (petição arts. 11º e 14º conclusão C);
c) a convolação da petição de impugnação judicial em petição de acção para reconhecimento de direito ou interesse legítimo em matéria tributária está precludida pela ausência de qualquer ofensa a direito ou interesse legítimo de natureza tributária, pretendendo a recorrente a tutela judicial do seu direito de propriedade contra a expectativa de venda do imóvel no processo de execução fiscal (conclusão A);
d) a reclamação é o meio judicial adequado à anulação do acto de penhora praticado pelo Órgão da execução fiscal (art.276º CPPT);
e) a convolação para o meio processual adequado está prejudicada pela concreta intempestividade da apresentação da petição, se considerarmos que:
- o prazo legal para apresentação da reclamação é de 10 dias a contar da notificação da decisão (art.277º nº 1 CPPT);
- pelo menos desde a data da celebração do contrato de compra e venda, em 24.03.2009, a interessada tem conhecimento do acto lesivo susceptível de reclamação (fls. 94/95);
- a petição foi apresentada em 28.05.2009.».

1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.

2. Vem o presente recurso interposto da decisão que indeferiu liminarmente a petição de impugnação judicial que A…., invocando a qualidade de proprietária do prédio penhorado na execução fiscal revertida contra B…….. (aquisição operada após a penhora na execução) deduziu com vista a obter a invalidade da reversão contra o referido B……, com a consequente declaração da nulidade da penhora efectuada nessa execução e que recaiu sobre o prédio cuja titularidade invoca face à aludida aquisição do seu direito propriedade após a penhora, bem como a suspensão dessa execução fiscal.
Segundo a decisão recorrida, verificar-se-ia erro na forma de processo, porquanto «Nos termos do disposto nos artigos 203º e segs. do CPPT, o meio próprio para reagir contra a execução fiscal é a oposição à mesma e não a impugnação judicial»; e dado que a convolação no meio processual adequado (oposição) só seria viável se a petição se mostrasse idónea e tempestiva para o efeito e não ocorresse a manifesta a improcedência da pretensão formulada para esse novo meio processual, concluiu-se que, no caso, não era possível a convolação, na medida em que a impugnante não detém a qualidade de executada, não podendo, por isso, deduzir oposição à execução fiscal.

É contra essa decisão que se insurge a impugnante, ora recorrente, invocando que tendo adquirido a propriedade do prédio penhorado na execução fiscal revertida contra B…….., tem legítimo interesse em proteger esse seu direito de propriedade para obstar à venda do prédio no âmbito de uma execução fiscal que considera ilegalmente revertida contra aquele sujeito. «Pelo que sendo titular de um interesse relevante e legalmente protegido, tem de lhe ser reconhecido o direito a aceder à tutela judicial de forma a acautelar o seu interesse, em cumprimento do art. 20º da CRP e 95º da LGT». E porque não pode lançar mão de processo de oposição por não ser executada, nem lançar mão de embargos de terceiro por a sua aquisição ser posterior à penhora, entende que pode utilizar o meio processual de impugnação judicial para atacar a legalidade daquela reversão e, assim, proteger o seu direito de propriedade sobre o referido prédio.
Mais advoga que, caso assim não se entenda, deve operar-se a convolação para acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, prevista no art. 145º do CPPT, pois na petição alegou ser titular de um legítimo interesse legalmente protegido (direito de propriedade), o qual considera ilegalmente lesado e, como tal, digno de ser reconhecido e protegido através do acesso à justiça tributária.
Vejamos.
Tal como vem sendo entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, o processo tributário de impugnação judicial, regulada nos artigos 99.º e seguintes do CPPT, constitui o meio processualmente adequado para atacar, com fundamento em qualquer ilegalidade, os actos tributários praticados pela Administração Tributária, designadamente os actos de liquidação, com vista a obter a sua anulação, declaração da sua nulidade ou inexistência (arts. 70º nº 1, 99º e 124.º do CPPT e 101º da LGT), e não actos, ainda que cariz administrativo, praticados no processo de execução fiscal.
Como explica JORGE LOPES DE SOUSA no “Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado”, 6ª Ed., II Vol. Pág. 107/108, «o processo de impugnação será de utilizar quando o acto a impugnar é um acto de liquidação ou um acto administrativo que comporta a apreciação de um acto desse tipo e, relativamente a actos de outro tipo, quando a lei utilizar o termo «impugnação» para referenciar o meio processual a utilizar. Assim, podem ser objecto de impugnação judicial, nalguns casos com inclusão de algumas normas especiais, os seguintes actos:
- actos de liquidação dos tributos, incluindo os actos de autoliquidação, de retenção na fonte e pagamento por conta [art. 97º, nº l, alínea a), deste Código e 95º, nº 1, alínea a), da L.G.T.;
- actos de fixação da matéria tributável, quando não haja lugar a liquidação (casos em que houve prejuízos) [art. 97º, nº 1, alínea b), deste Código e 95º, nº l, alínea c), da L.G.T.];
- actos de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas de actos tributários [art. 97º, nº 1, alínea c), deste Código e 95º, nº 1, alínea d), da L.G.T.];

- actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação (como os actos que apreciem recursos hierárquicos interpostos de decisões de indeferimento de reclamações graciosas e os que recusem a revisão de actos tributários) [art. 97º, nº 1, alínea d), deste Código e 95º, nº 1, alínea d), da L.G.T.];

- actos que decidam agravamentos à colecta, por falta de fundamento razoável de reclamação ou recurso hierárquico (como os previstos nos arts. 91º, nºs 9 e 10, da L.G.T. e 77º, nº 3, deste Código) [art. 97º, nº 1, alínea e), deste Código e 95º, nº 1, alínea e), da L.G.T.];

- impugnação dos actos de fixação de valores patrimoniais (com as especialidades constantes do art. 134º deste Código) [art. 97º, nº 1, alínea, deste Código e 95º, nº 1, alínea b), da L.G.T.];

- impugnação de providências cautelares adoptadas pela administração tributária (com as especialidades que constam do art. 144º) [art. 97º, nº 1, alínea g), deste Código];

- a impugnação dos actos de apreensão (art. 143º deste Código)».

Ora, no caso vertente, estando em causa um acto de reversão proferido em processo de execução fiscal, o meio processual a utilizar para impugnar a legalidade desse acto será, não o processo de impugnação judicial, mas um dos que a lei prevê para os interessados defenderem os seus interesses perante o processo executivo.
Como se deixou sublinhado no acórdão proferido por esta Secção em 30/09/2009, no recurso n.º 626/09, cuja doutrina sufragamos, «É pacífico na jurisprudência e na doutrina, que a impugnação judicial, regulada nos artigos 99.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), constitui o meio de reacção paradigmático de que dispõe o contribuinte para atacar, com fundamento em qualquer ilegalidade, o acto tributário, tomado este em sentido próprio, ou seja, como acto de liquidação do tributo, sendo igualmente este o meio processual adequado para reagir contra outros actos em matéria tributária para os quais a lei preveja ser este o meio de reacção do contribuinte (cfr. o n.º 1 do artigo 97.º do CPPT). Também não oferece dúvida dispor o responsável subsidiário da faculdade de impugnar a liquidação de imposto, a par da faculdade de se opor à execução, pois que são garantias que a própria lei lhe assegura (cfr. os artigos 22.º, n.º 4 e 23.º, n.º 5 da Lei Geral Tributária - LGT) e, que se saiba, ninguém legitimamente contesta.».
No mesmo sentido, e entre tantos outros, os acórdãos do STA de 13.07.2005, no recurso nº 504/05; de 11.04.2007, no recurso nº 19/07; de 08.03.2006, no recurso nº 1249/05; de 4.06.2008, no recurso nº 76/08; de 19.11.2008, no recurso nº 711/08; de 27.05.2009, no recurso nº 448/09; de 15.09.2010; no recurso nº 234/10; de 24.02.2011, no recurso nº 105/11; de 2.05.2012, no recurso nº 300/2012; de 12.09.2012, no recurso nº 453/12; e de 18.06.2013, no recurso nº 640/13.
Deste modo, sendo sindicado o acto de reversão praticado na execução contra o responsável subsidiário B…….., e não o acto de liquidação dos impostos donde emerge a dívida pela qual foi responsabilizado (ao qual, aliás, a impugnante, ora recorrente, não imputa qualquer ilegalidade), a impugnação judicial não é, obviamente, o meio idóneo para reagir contra esse acto, pois tendo sido praticado no âmbito de processo executivo, terá de ser atacado através dos meios processuais previstos para a defesa de actos praticados nesse tipo de processo de natureza executiva.

Coloca-se, porém, a questão de eventual convolação para outra forma de processo, em consonância com o preceituado nos arts. 97º, nº 3, da LGT e 98º, nº 4, do CPPT, tendo em conta que ela é obrigatória, excepto se não for possível utilizar a petição inicial para outra forma de processo, pois como tem sido afirmado, de forma reiterada pela jurisprudência, não deve operar-se a convolação, sob pena da prática de um acto inútil e, como tal, proibido por lei (art. 130º do actual CPC), quando a petição inicial não possa ser aproveitada para outra forma de processo.

Face à causa de pedir gizada e pedidos formulados na petição inicial, verifica-se que o que se pretende, essencialmente, é obter o reconhecimento da ilegitimidade do revertido para a execução (por não lhe dever ser imputada qualquer responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda), o que importaria, necessariamente, a extinção da execução contra ele e, por decorrência, o levantamento da penhora do imóvel realizada em 15/01/2007, cujo direito de propriedade a Recorrente adquiriu por contrato de compra e venda celebrado muito posteriormente, mais precisamente em 24/03/2009.

Ou seja, a impugnante, ora recorrente, não pretende atacar directamente o acto da penhora, pois como ela própria reconhece, a sua aquisição do direito de propriedade do imóvel foi efectuada em momento posterior à penhora e seu registo na Conservatória de Registo Predial, pelo que essa penhora não constitui um acto ofensivo ou incompatível com o seu direito, ou, sequer, um acto lesivo para si, pois na altura em que a penhora foi efectuada ela não era dona do prédio. E ela sabia, quando adquiriu o prédio e face ao teor do registo predial, que ele já se encontrava penhorado, e que por força do disposto no art. 819º do Código Civil são inoponíveis em relação à execução os actos de disposição dos bens penhorados ( Preceito que tem de ser interpretado no sentido de que a penhora de um bem não importa a indisponibilidade jurídica dele por parte do executado; o que acontece é que, se o executado o fizer, essa alienação não produz efeitos em relação ao exequente, que continua a gozar da garantia resultante da penhora anteriormente materializada - a penhora não retira ao executado a propriedade dos bens, a qual só cessará pelos futuros actos executivos, como decorre do próprio princípio da livre disposição jurídica do direito, apenas sob a ineficácia da disposição para com a execução – cfr. por todos, o Acórdão do STJ de 2.11.2004, in CJ/STJ, 2004, 3º, pág. 100.).

Não pretendendo ela atacar o acto de penhora desse imóvel, mas o anterior acto de reversão da execução contra o aludido B………, penhora que, de qualquer modo, não constitui um acto lesivo para ela, não podemos sufragar o entendimento expresso pelo Magistrado do Ministério Público no douto parecer acima transcrito, no sentido da possibilidade legal de convolar esta impugnação em reclamação deduzida ao abrigo do art.276º do CPPT contra o acto da penhora com vista à sua anulação.

Por outro lado, e como também reconhece a recorrente, face ao momento em que ocorreu a aquisição do direito de propriedade, está-lhe igualmente vedado o acesso à via processual de embargos de terceiro, por tal direito não ser incompatível com o acto de agressão patrimonial que a penhora representa. Com efeito, os embargos de terceiro constituem um incidente que corre por apenso à causa em que haja sido ordenado o invocado acto ofensivo do direito de um terceiro (o embargante) e que visa permitir a sua intervenção nessa causa para fazer valer, no confronto de ambas as partes, um direito próprio incompatível com as pretensões por aquelas deduzidas, direito que tem de existir à data da penhora.

Finalmente, apesar de o acto que se pretende directamente atacar ser o da reversão – pois, como vimos, a causa de pedir reconduz-se, em termos jurídicos, à ilegitimidade do revertido para execução fiscal por, alegadamente, não lhe poder ser imputada a responsabilidade subsidiária pelo pagamento da dívida – e tal representar fundamento legítimo para dedução de oposição à luz do disposto no art. 204.º, nº 1, alínea b), do CPPT, o certo é que a recorrente carece de legitimidade para a deduzir, o que inviabiliza a convolação nesse meio processual.

Com efeito, por força do disposto no art. 26, nº 3, do Código de Processo Civil, o critério supletivo de aferição da legitimidade processual para a dedução de oposição deve basear-se no interesse em demandar ou contradizer, face ao objecto do processo, individualizado pela relação material controvertida tal como o autor a configura. Pelo que só o executado/revertido deterá legitimidade para impugnar o acto de reversão da execução contra si, carecendo a ora recorrente de legitimidade para tal.
Por último, e ao contrário do que pretende a recorrente [conclusões F) a I)], não pode operar-se a convolação para acção de reconhecimento de direito ou interesse legítimo em matéria tributária, prevista no art. 145º do CPPT, pela singela razão de que o acto de reversão não foi dirigido contra si, não afectando, por isso, os seus direitos ou interesses legítimo em matéria tributária. O que a recorrente pretende, afinal, é a tutela judicial do seu direito de propriedade contra a expectativa de venda do imóvel no processo de execução fiscal, direito de propriedade esse que não integra o conceito de direito ou interesse legítimo de natureza tributária.
Em suma, as ilegalidades apontadas na p.i. ao acto de reversão só podiam servir de base a oposição à execução fiscal, para a qual a recorrente carece de legitimidade, não existindo qualquer meio processual que viabilize a tutela judicial de direito e interesse alheio, que só ao revertido assistia e que ele não quis exercer.
E continuando o imóvel penhorado sujeito à execução quaisquer que sejam os actos realizados pelo executado a seu respeito, não podendo a sua posterior alienação ser oposta ao exequente, nem podendo impedir-se o prosseguimento da execução, permanecendo a sujeição desse bem ao poder executório do órgão público de execução, entendemos que o recurso não pode ser provido nem suspensa a execução fiscal.
Termos em que se impõe manter a decisão recorrida, por ocorrer a excepção dilatória de erro na forma de processo, insusceptível de convolação.

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.
Lisboa, 13 de Novembro de 2013. – Dulce Neto (relatora) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.