Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0589/14
Data do Acordão:07/10/2014
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:PLANO DE ORDENAMENTO DO PARQUE NATURAL DA ARRÁBIDA
DECLARAÇÃO DE NULIDADE
PODER JUDICIAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
RECURSO DE REVISTA
Sumário:É de admitir revista estando em discussão, nomeadamente, a natureza jurídica do PNA e poderes judiciais de determinação cumulada no âmbito de declaração de nulidade de licença de construção em sede de acção administrativa especial.
Nº Convencional:JSTA000P17826
Nº do Documento:SA1201407100589
Data de Entrada:05/23/2014
Recorrente:MUNICÍPIO DE SESIMBRA, A............ E MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1.

1.1. O Ministério Público, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, intentou, acção administrativa especial contra o Município de Sesimbra e A…………, na qualidade de contra-interessado, para impugnar os despachos do Presidente da Câmara de Sesimbra, proferidos no Processo de Obras n.º 359/03, em 09/09 e 29/12/2004, peticionando:
«1 – Declarar-se a nulidade dos Actos Impugnados
2 – Condenar-se o R, a fazer:
a) Demolir a obra “sub judice” e
b) Repor o solo nas condições, em que se encontrava, antes da implantação da moradia e muros».

1.2. O TAF de Almada, por sentença de 07/07/2010 (fls. 207 a 226), decidiu:
«a) Não declarar a nulidade dos actos impugnados;
b) Condicionar o decidido na presente alínea ao facto de o Município de Sesimbra requerer, em 10 dias, o Parecer do PNA».

1.3. O Ministério Público recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão de 21/11/2013 (fls. 346 a 356), decidiu:
«- conceder provimento ao recurso,
- declarar a nulidade da sentença e
- julgar a acção parcialmente procedente,
(i) declarando a nulidade da licença de construção aqui impugnada e
(ii) determinar a demolição do que foi construído e a reposição do terreno no seu estado anterior, em 90 dias ao prazo a seguir fixado,
(iii) se não obtiver nova licença de construção à luz da legislação então aplicável, após parecer vinculativo favorável do PNA, tudo no prazo legal de 6 meses».

1.4. É desse acórdão que o réu e o contrainteressado vêm, nos termos do artigo 150.º do CPTA, requerer o recurso de admissão de revista.

1.5. Sustenta o Município de Sesimbra:
«1.º - O Plano de Ordenamento do PNA (Portaria 26-F/80 e Decreto Regulamentar 23/98) tinha à data dos atos em causa, a natureza de plano sectorial por não ter sido reconvertido em plano especial nos termos dos artigos 34.º da LBOTU [Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e Urbanismo Lei n.º 48/98, de 11/08] e 154.º do RJIGT [Regime Jurídico de Instrumentos de Gestão Territorial];
2.° - O mesmo Plano não vinculava os particulares, à mesma data, por não ter sido, no prazo de dois anos da entrada em vigor da LBOTU, reconduzido ao tipo de instrumento de gestão territorial que se revelasse mais adequado ao tipo legalmente estabelecido (al. c), do n.º 2, do artigo 34.º da LBOTU);
3.º - A alínea a) do artigo 12.º do Decreto Regulamentar 23/98 remete para a noção de perímetro do aglomerado urbano, definido na Lei dos Solos, e não para a de perímetro urbano, definida no Decreto-Lei 69/90;
4.º - O Plano Diretor Municipal de Sesimbra não define, nem delimita, o perímetro dos aglomerados urbanos, mas apenas, indiretamente, o perímetro urbano: os urbanos/urbanizáveis;
5.º - Na falta de definição e delimitação dos perímetros dos aglomerados urbanos estabeleceu-se a prática, consensual entre o Município e o PNA, de se entender incluídos nos perímetros urbanos os espaços de transição definidos e delimitados no PDM de Sesimbra.
6.º - As questões a apreciar, neste recurso – de natureza jurídica do Plano de Ordenamento do PNA e da definição do perímetro do aglomerado urbano, a que se reporta o Decreto Regulamentar 23/98 – são de importância fundamental e necessária a uma melhor aplicação do direito».

1.6. O contra-interessado, A…………, sustenta a necessidade da revista para apreciação de quatro questões:
«A 1.ª Questão consiste em saber qual é a natureza jurídica do Plano (preliminar) de Ordenamento do Parque natural da Arrábida (decorrente da Portaria n.º 26-F/80, de 9 de Janeiro e do Decreto Regulamentar n.º 23/98, de 14 de Outubro), nomeadamente se o mesmo assume a natureza de plano especial de ordenamento do território (PEOT), vinculando de forma directa e imediata os particulares;
A 2.ª Questão prende-se com a necessidade de dilucidar se os espaços de transição consagrados no Regulamento do Plano Director Municipal (PDM) de Sesimbra integram o respectivo perímetro urbano;
3.ª Questão: reporta-se à questão de saber se, tendo em vista os princípios da confiança, segurança jurídica e proporcionalidade, são oponíveis a um contra-interessado de boa fé os efeitos de uma declaração de nulidade de um licenciamento de construção quando à data da aquisição do prédio pelo mesmo já tinha sido aprovado, pelos órgãos camarários competentes, o respectivo projecto de arquitectura na sequência de procedimento urbanístico iniciado por terceiro;
A 4.ª Questão consiste em esclarecer se um Tribunal administrativo pode, no âmbito de uma acção administrativa especial, cumulativamente com a declaração de nulidade de uma licença de construção, de edificações já construídas, condicionar a respectiva não demolição à obtenção de nova licença de construção, com emissão de determinado parecer vinculativo, fixando para o efeito um impreterível prazo global de 6 meses».

1.7. O Ministério Público contra-alegou no sentido do pouco relevo das questões suscitadas mas de outro passo interpôs recurso subordinado.
Alega que se devem considerar verificados os pressupostos contidos no artigo 150.º, n.º 1, do CPTA para a admissão do recurso subordinado na medida em que «a parte do acórdão recorrido, que determinou a execução de acto nulo, para além do que foi solicitado pelo autor, e sem ter conhecido de factos relevantes por este alegados e de parecer do PNA entretanto por este junto parece-nos, salvo o devido respeito, que está a invadir a competência da entidade demandada, uma vez que é a esta que compete determinar os termos da execução ou da eventual causa legítima de inexecução.
A apreciação do acórdão, na parte em que decide dar possibilidade ao 2º R, de pedir nova licença à luz do direito aplicável à data da sua prolação, com vista à emissão de parecer vinculativo do PNA, enquanto viola o n.º 3 do art.° 95º, a alínea b) do n.º 2 do art.° 47º, ambos do CPTA, é fundamental para uma melhor aplicação do direito» (conclusões 8. e 9.).

Cumpre apreciar e decidir.

2.

2.1. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada no acórdão recorrido.

2.2. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
A jurisprudência deste STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.

2.3. Como resulta dos autos, as instâncias não decidiram de forma uniforme as questões controvertidas.
O TAF de Almada não declarou a nulidade dos actos impugnados, embora condicionasse esta decisão ao facto de o Município de Sesimbra requerer, em 10 dias, o parecer ao PNA.
Por seu turno, o TCA Sul embora concedesse provimento ao recurso, declarando nula a sentença, simultaneamente, julgou «a acção parcialmente procedente, (i) declarando a nulidade da licença de construção aqui impugnada e (ii) determinar a demolição do que foi construído e a reposição do terreno no seu estado anterior, em 90 dias ao prazo a seguir fixado, (iii) se não obtiver nova licença de construção à luz da legislação então aplicável, após parecer vinculativo favorável do PNA, tudo no prazo legal de 6 meses», conforme já se disse.
As questões colocadas à apreciação deste recurso de revista são várias.
O Município sintetizou: «As questões a apreciar, neste recurso – de natureza jurídica do Plano de Ordenamento do PNA e da definição do perímetro do aglomerado urbano, a que se reporta o Decreto Regulamentar 23/98 – são de importância fundamental e necessária a uma melhor aplicação do direito».
Já o recorrente contrainteressado nas quatro questões que identificou também situa as do Município.
E ainda o Ministério Público no seu recurso subordinado, com a questão mesmo dos poderes do juiz.
Existe, afinal, uma confluência de todos no sentido de que há problemática relevante a tratar, embora sem unanimidade quanto a ela.
Numa situação destas, com divergência de decisões das instâncias, com interesses público em confronto, um representado pelo autor Ministério Público, outro pelo demandado Município, e ainda com interesses privados em equação, com problemas de ordem geral colocados, como o da natureza jurídica do PNA e dos poderes judiciais de determinação, e ainda sem aceitação, por nenhuma das partes de que tenha sido alcançada a melhor solução, é de todo o interesse da comunidade que sobre elas exista entendimento o mais estabilizado possível, pelo que se justifica que este Supremo apreciar o caso de modo a contribuir para essa estabilização e clarificação.

3. Pelo exposto, admite-se a revista.
Lisboa, 10 de Julho de 2014. – Alberto Augusto Oliveira (relator) – Vítor Gomes – São Pedro.