Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:037476
Data do Acordão:01/24/2002
Tribunal:3 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR.
PENA DISCIPLINAR.
APOSENTAÇÃO COMPULSIVA.
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.
PRINCÍPIO DA JUSTIÇA.
ERRO DE DIREITO.
FALSIFICAÇÃO.
Sumário:I - Tendo um acórdão da Secção sido objecto de recurso para o Pleno de Secção, os efeitos daquele, na parte que não foi objecto daquele recurso, mantêm-se, não sendo afectados pela revogação daquele acórdão (art. 684.º, n.º 4, do C.P.C.), decidida pelo Pleno, pelo que as questões nele decididas que não foram incluídas no objecto do recurso não podem ser reapreciadas.
II - O uso em concursos públicos de documentos falsificados, imitando documentos autênticos, revela falta de idoneidade moral de quem os usou para o exercício de funções públicas, o que pode justificar a aplicação de uma pena disciplinar expulsiva, pelo reflexo negativo que a manutenção do funcionário ao serviço pode trazer para o prestígio deste.
III - Sendo a pena de aposentação compulsiva a especialmente prevista para os casos de falta de idoneidade moral do funcionário, ela não pode ser considerada desproporcionada à infracção praticada, sendo a pena adequada, em face do preceituado nos n.ºs 1 e 3 do art. 26.º do Estatuto Disciplinar de 1984.
IV - Um erro de direito detectado num acto que aplicou uma pena disciplinar só releva como vício do acto se ele constitui um dos pressupostos da decisão, se ele se inserir no processo cognoscitivo e valorativo que conduziu à formação da decisão punitiva.
V - É uma situação desse tipo aquela em que é aplicada uma pena de aposentação compulsiva e, embora no acto se faça referência à circunstância agravante especial de acumulação de infracções e se deva entender que está perante uma infracção continuada, se verifica pela fundamentação do acto que aquela mencionada agravante não foi ponderada para formar a decisão sobre a inviabilidade da manutenção da relação funcional.
Nº Convencional:JSTA00057369
Nº do Documento:SA120020124037476
Data de Entrada:12/18/2001
Recorrente:A...
Recorrido 1:SE DA DEFESA NACIONAL
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC CONT.
Objecto:DESP SE DA DEFESA NACIONAL DE 1994/05/24.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL DISCIPLINAR.
Legislação Nacional:EDF84 ART26 N1 N3 ART31 N1 G.
CPC96 ART684 N4.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC21488 DE 1999/10/15.; AC STAPLENO PROC32586 DE 1998/10/30.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
A..., 3.º Oficial Administrativo do Instituto de Defesa Nacional, na situação de aposentada compulsivamente, veio impugnar contenciosamente o despacho do Senhor Secretário de Estado da Defesa Nacional, de 24 de Maio de 1994 que lhe aplicou a pena disciplinar de aposentação compulsiva, arguindo-o de estar inquinado de vício de violação de lei, usurpação de poder, desproporcionalidade da pena aplicada, desvio de poder e vício de forma por preterição de formalidades essenciais, por desrespeito ao disposto nos artigos 4.º, n.º 1, do DL. n.º 24/84, de 16 de Janeiro, 32.º, n.º 2, da CRP., 28.º a 30.º do DL. acabado de citar, 266.º, n.º 2, da CRP. 19.º da LOSTA, 2.º, n.º 6, 100.º, n.º 2, alínea a) do CPA., respectivamente.
A entidade recorrida, na sua resposta, veio suscitar a questão prévia da intempestividade do recurso.
Ouvida a recorrente, pronunciou-se no sentido da improcedência daquela e pelo prosseguimento do recurso.
O Exm.º Magistrado do Ministério Público também opinou no sentido de ser julgada improcedente a aludida questão.
A recorrente apresentou alegações com as seguintes conclusões:
Assim, o despacho punitivo do Secretário de Estado da Defesa Nacional de 24 de Maio de 1994 ora recorrido, enferma de:
A) – Violação de Lei:
Por prescrição de 3 faltas constantes da nota de culpa, violando-se, assim, o n.º 1, do art.º 4.º do Decreto – Lei n.º 24/84, de 16/1.
B) – Usurpação de Poder:
Por se ter considerado a existência de infracção criminal, para efeitos de dilatação do prazo prescricional disciplinar, previsto na disposição acima referida, sem que houvesse sentença com trânsito em julgado. Ofendeu-se, assim, o art.º 32.º, n.º 2, da CRP.
C) – Desproporcionalidade da pena aplicada:
Por não se ter considerado todas as circunstâncias, gerais e especiais. para efeitos da graduação da pena, com violação do disposto nos arts. 28.º a 30.º do Decreto – Lei n.º 24/84, de 16/1 e erradamente ter-se considerado circunstâncias agravantes especiais que não foram provadas, resultados prejudiciais ao interesse geral e premeditação e acumulação de infracções quando e quanto a esta o procedimento da arguida se traduziu numa infracção na forma continuada. Estas circunstâncias reflectiram-se necessária e negativamente, no princípio da proporcionalidade da pena. consagrado no art.º 266.º, n.º 2, da CRP.
D) – Desvio de Poder:
Por resultar do conjunto dos factos verificados no “ iter percorrido “ do processo punitivo, a convicção de que se pretendeu alcançar fins diferentes dos que devem subjazer na acção disciplinar – a melhoria do Serviço e a protecção dos valores da obediência e da disciplina – LOSTA – ART.º 19.º.
E) – Vício de Forma:
Por se terem omitido formalidades essenciais que limitam as garantias de defesa do recorrente e ter-se violado o direito de audiência da arguida, exigível no caso concreto por serem duas Entidades de Serviços distintos a intervirem no processo disciplinar. CPA: art.ºs 2.º/6; 100.º; 103,º/2. al. a).
Pede que o recurso seja julgado provado e procedente, anulando-se o despacho recorrido, com as legais consequências.
A autoridade recorrida apresentou contra-alegações, em que refere o seguinte:
1 – Importa recordar que, em sede de procedimento disciplinar, a ora recorrente foi acusada de factos que consubstanciam crimes de falsificação de documentos e de falsas declarações. com os quais ascendeu a categorias a que não tinha direito, com manifesto prejuízo de terceiros, acusações que não impugnou, antes se limitando a solicitar a suspensão do processo disciplinar ficando a aguardar a decisão a proferir no processo penal.
2 – Tais factos apresentam-se como particularmente lesivos do prestígio, da confiança e da imagem de um serviço público tendo sido objecto da competente queixa – crime que deu origem aos autos que sob o n.º 65/96, correm termos pela 3.ª Secção da 2.ª Vara Criminal de Lisboa.
3 – Na fase da resposta, foi suscitada a questão da intempestividade do recurso. uma vez que a recorrente foi notificada pessoalmente do despacho que lhe aplicou a pena disciplinar de aposentação compulsiva em 94.05.26, e a petição de recurso apenas foi apresentada em Tribunal em 95.04.18.
4 – A recorrente defendeu-se da questão suscitada, invocando que requereu ao Inspector – Geral de Jogos, certidões ou fotocópias de vários documentos em arquivo, que, eventualmente, poderiam ter interesse para elaboração da petição de recurso, e, também, para possíveis reclamação e impugnação graciosas, o que só teria obtido na sequência de uma intimação judicial, para passagem das requeridas certidões (acórdão de 94,12.15) tendo recebido os últimos documentos em 95.02. 01.
5 – Defendeu-se também, alegando que tendo solicitado a nomeação de patrono no âmbito do sistema de apoio judiciário, a petição de recurso se considerava proposta na data em que foi apresentado o pedido de nomeação, nos termos do n.º 3, do art.º 34.º do Decreto – Lei n.º 387 – B/87, de 29 de Dezembro, sendo irrelevante a data posterior de apresentação dos fundamentos.
6 – O invocado art.º 34.º do Decreto – Lei n.º 387 – B/87, de 29 de Dezembro, dispõe no seu n.º 1 que “ o patrono nomeado antes da propositura da acção deve intentá-la NOS TRINTA DIAS SEGUINTES A NOTIFICAÇÃO DA NOMEAÇÃO e, se o não fizer justificará o facto “.
7 – Dispõe ainda o n.º 2, do art.º 24.º do citado diploma legal (na redacção então vigente) que “ o prazo que estiver em curso no momento da formulação do pedido suspende-se por efeito da apresentação deste e voltará a correr de novo a partir da notificação do despacho que dele conhecer”.
8 – Da subsunção das referidas disposições legais resulta, no presente caso, que os prazos supra referidos foram “ consumidos “ pela suspensão do prazo determinado pelo art.º 85.º do Decreto – Lei n. 267/85, de 16 de Julho, ou seja, a suspensão do prazo desde a data de apresentação do requerimento de intimação até ao cumprimento da decisão que o deferiu uma vez que, como a própria recorrente afirma, recebeu os últimos documentos em 1 de Fevereiro 1995,
9 – Assim sendo, mesmo a admitir-se que o recurso tenha sido interposto na data a que se refere o n.º 3 do art.º 34.º do Decreto – Lei n.º 387 – B/87, de 29 de Dezembro – pedido de nomeação de patrono – o certo é que a data atendível para efeito de apresentação das alegações respeitantes à petição inicial do recurso, no âmbito de ambas as suspensões decretadas, não pode ultrapassar o prazo previsto no art.º 28.º, n.º 1, da LPTA., sob pena de caducidade do direito ao recurso.
10 – Mesmo a admitir-se uma cumulação de suspensões ou que os anteriores prazos foram “ consumidos “ pela suspensão determinada pelo art.º 85.º do Decreto – Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, o prazo não poderia ter excedido a data de 1 de Abril de 1995.
11 – A não se entender assim, teria sido descoberta a forma de, em fraude à lei, postergar o prazo a que se refere o art.º 28.º, n.º 1, da LPTA: bastaria para tal requerer desde logo o beneficio do apoio judiciário, na modalidade de patrocínio judiciário, de preferência indicando desde logo Advogado que declarasse aceitar a prestação dos serviços requeridos.
12 – Tendo as alegações constantes da petição inicial sido entregues em 18 de Abril de 1995, afigura-se-nos que, reiterando a posição anteriormente assumida quanto à intempestividade do recurso, deverá o mesmo ser julgado deserto, nos termos do n.º 1, do art.º 292.º do Código de Processo Civil.
Termos em que se conclui reiterando a posição assumida na fase da resposta devendo, em consequência, ser negado provimento ao recurso.
Tendo sido junta aos autos certidão de acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que apreciou os factos imputados à recorrente e que deram origem ao processo disciplinar, procedeu-se à notificação da mesma e da entidade recorrida, para apresentarem alegações complementares.
A recorrente apresentou-as e delas extraiu as seguintes conclusões:
A) – Tendo a funcionária, ora recorrente, sido punida a nível criminal por um crime continuado, deverá também considerar-se, dada a supletividade do C.P., que se trata de uma infracção disciplinar continuada. (C.P. art.ºs 8.º e 30.º; E. D., Dec.– Lei n.º 24/84, de 16/1 – art.º 8.º – Acs. do STA. referidos no art.º 3.º).
B) – Assim, o despacho punitivo recorrido enferma de erro de facto.
C) – Uma vez ultrapassados, de forma substancial, os limites das sanções acessórias de natureza disciplinar que a lei fundamental prevê para os mesmos factos por que foi punida a recorrente, pôs-se em causa o princípio da proporcionalidade da pena a observar, por imperativo constitucional, em qualquer regime sancionatório.
D) – Assentando a dosimetria da infracção em todos estes factos, substancialmente gravosos para a ora recorrente, é óbvio que, afastados os mesmos, a recorrente teria sofrido uma pena muito mais leve da expulsiva que lhe foi aplicada.
Também a entidade recorrida apresentou alegações complementares, com as seguintes conclusões:
Sem prejuízo do que ficou dito nas fases da resposta e das alegações, mormente no que toca à intempestividade do recurso contencioso de anulação, e que aqui se dá por reproduzido:
a) – O Acórdão de 19.02.97, proferido pela 2.ª Vara do Tribunal Criminal de Lisboa, em nada contraria a correcção da pena de aposentação compulsiva, aplicada à recorrente no processo disciplinar,
b) – O despacho sancionatório não enferma de erro de facto porque não foi afastado pelo Tribunal a circunstância de terem sido usados por 5 vezes documentos falsificados. Tratou-se, assim, de uma questão de qualificação jurídica que em nada contende com a pena disciplinar aplicada.
c) – Não foi posto em causa o princípio da proporcionalidade da pena atenta a gravidade da infracção cometida, isto é, a gravidade da infracção cometida sempre levaria à aplicação da pena de aposentação compulsiva.
Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, devem as presentes alegações ser julgadas improcedentes e a matéria de fundo, caso não seja o recurso liminarmente rejeitado porque intempestivo, julgada, indeferindo-se o recurso e mantendo-se o acto recorrido, pois o mesmo é inatacável juridicamente.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
No pressuposto de que venha a ser julgada improcedente a questão prévia da extemporaneidade do recurso contencioso suscitada pela autoridade recorrida na sua resposta, e sobre a qual se emitiu o parecer de fls. 59, afigura-se-nos que o despacho recorrido que, em processo disciplinar, puniu a recorrente com a pena de aposentação compulsiva, não sofre de nenhum dos vícios que lhe são assacados e condensados nas conclusões da alegação final e complementar de fls. 123 dos autos.
Desde logo, improcede a alegada prescrição do procedimento disciplinar prevista no n.º 1, do art.º 4.º do ED., aprovado pelo DL. n.º 24/84, de 16 de Janeiro (conclusão A), pois que, no caso em apreço e conforme resulta do douto Acórdão do STJ de fls. 116 e segs., a recorrente foi condenada, com trânsito em julgado, pela prática de um crime continuado de uso de documento autêntico falsificado, pelo que o prazo de prescrição só corre desde o dia da prática do último acto criminoso, como preceitua o art.º 118.º, n.º 2, al. b) do CP. de 1982 e art.º 119.º, n.º 2, al. b) do CP. de 1995.
E como decidiu no aludido aresto, o último acto praticado pela recorrente integrador do referido crime por que foi condenada, teve lugar em 6 de Novembro de 1992.
Ora, o despacho do Inspector-Geral de jogos que determinou a instauração do processo disciplinar à recorrente, é de 19.11.93 ( v. fls. 1 do Instrutor anexo), pelo que, atento o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 4.º do ED., não se encontrava prescrito o direito de instauração daquele processo, por ainda não ter decorrido o prazo de 3 anos previsto no n.º 1 do citado art.º 4.º
Como também improcedem os vícios de forma por omissão de formalidades essenciais indicadas na conclusão E), pois que ao não pronunciar-se sobre a requerida suspensão do processo disciplinar até decisão do processo criminal instaurado sobre os mesmos factos (v. fls. 110 do PD), o instrutor não cometeu qualquer nulidade insuprível, não só porque no nosso direito disciplinar tal suspensão não é imposta por lei. como ainda não se enquadrando em nenhuma das situações previstas no n.º 1, do art.º 42.º do ED., a nulidade, a verificar-se, deve ter-se por suprida, uma vez que não houve reclamação até à decisão final, ou ainda por não ter sido apresentado recurso hierárquico do indeferimento silente, tudo nos termos dos n.ºs 2 e 3 do mesmo preceito legal.
Outrossim, não se mostra violado o disposto no art.º 100.º do CPA., pois que, conforme jurisprudência deste STA., tal preceito não é aplicável no processo disciplinar em que a audição do arguido está especificamente garantida e regulamentada em legislação especial (ED) em termos que não envolve qualquer diminuição das garantias de defesa e audiência do particular (cfr. Acórdãos de 4 de Dezembro de 1997, Rec. n.º 29.277 e n.º 36.364), conforme se dispõe hoje no n.º 7 do art.º 2.º do CPA,
Por outro lado, improcede o alegado vício de usurpação de poder (conclusão B), uma vez que, na esteira do decidido no Acórdão de 28 de Dezembro de 1997, Rec. n.º 40.769, não ocorre tal vício pelo facto da Administração apreciar certas condutas na vertente disciplinar, muito embora as mesmas também possam configurar ilícito criminal, como sucede no caso em apreço.
Ou, como se afirmou no Acórdão de 25 de Setembro de 1997, Rec. n.º 38.658, não obstante a aplicação ao processo disciplinar, como de resto a todos os processos de natureza sancionatória, a título subsidiário, de normas ou princípios de direito criminal, são diversos os fundamentos e os fins das duas jurisdições, podendo, pois, ser diversas, as valorações que cada uma delas faz dos mesmos factos e circunstâncias.
Em suma, trata-se de jurisdições distintas e autónomas, sendo o procedimento disciplinar independente do apuramento e sancionamento eventualmente feito sobre os mesmos factos em processo criminal.
Como também se não verifica o alegado vício de desvio do poder (conclusão D), porquanto o despacho impugnado não foi proferido no uso de poderes discricionários, antes estando o autor do acto vinculado à aplicação da pena legalmente prevista aos factos disciplinarmente infraccionais dados como provados.
Por último, improcede a alegada violação do princípio da proporcionalidade da pena (conclusão C), pois que resulta do relatório final, corroborado pelo Parecer do Auditor Jurídico (v. fls. 122 e segs. do PD e fls. 1 e segs. do instrutor anexo), a ponderação das circunstâncias atenuativas e agravantes. bem como gradativas da pena aplicada, pelo que se não mostram violados os artigos 28.º a 30.º do ED.
Pelo exposto, improcedendo todas as conclusões da alegação, deve ser negado provimento ao presente recurso contencioso “.
Depois dos vistos legais, foi proferido acórdão, em 18-2-1999, em que foi julgada improcedente a questão prévia da extemporaneidade do recurso e lhe foi negado provimento.
A recorrente interpôs recurso deste acórdão para o Pleno de Secção, em que apresentou alegações com as seguintes conclusões:
A)- O douto Tribunal “a quo” ao classificar a actuação da ora recorrente de infracção na forma continuada, deveria Ter considerado todos os seus efeitos: Prazo de prescrição e considerável diminuição da culpa do agente, como determina a parte final do nº. 2. do art. 30º. do C.P.
B) – Independentemente da violação ao princípio constitucional de justiça e do regime mais favorável (arts. 29º./4 e 266º/2 da CRP), não houve coerência entre os fundamentos e a decisão, o que implica a nulidade da sentença nos teimas do art. 668º, n.º 1 al. c) do C.P.C.
C) – Considerando a existência, no processo de determinação da pena disciplinar, de agravantes especial, fez indevida aplicação do prescrito no artº. 31º., nº. 1. Al. g) do E.D., que implicava, nos teremos do artº. 135º. do C.P.' a anulação do acto punitivo
D) Não pode o douto Tribunal, por não ser de plena jurisdição, dar como certa uma decisão que só à Administração caberá. (ETAF artº. 6º.).
E) Decidindo como decidiu o arresto recorrido incorreu em erro de julgamento, com violação daqueles normativos e, por isso, não se pode manter.
F) – Deve ser concedido à recorrente o apoio judiciário requerido.
Por acórdão de 30-5-2001, o Pleno da Secção revogou aquele acórdão da Secção, ordenando a ampliação da matéria de facto relativamente ao conteúdo do acto recorrido, designadamente os pressupostos em que assentou.
Tendo os autos baixado à Secção e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A recorrente A... concorreu a um concurso para 3.º Oficial da Inspecção-Geral de Jogos, aberto por aviso publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 2-12-88;
b) Na sequência desse concurso, a Recorrente passou a exercer funções de 3.º Oficial da Inspecção-Geral de Jogos;
c) Em 16-8-93, por transferência da Inspecção-Geral de Jogos, passou a exercer funções de 3.º Oficial no Instituto de Defesa Nacional;
d) Na Inspecção-Geral de Jogos, ao preparar-se o processo individual da Recorrente para remessa àquele Instituto, suscitaram-se dúvidas sobre a integridade das fotocópias dos certificados de habilitações literárias que a Recorrente tinha apresentado quando concorreu ao referido concurso;
e) Por essa razão, fizeram-se averiguações no Ministério da Educação;
f) Em resultado dessas averiguações, revelou-se a indiciação de que a ora Recorrente apresentara no referido concurso atestado falso relativo às suas habilitações literárias;
g) Por despacho de 19-11-93, do Senhor Inspector-Geral de Jogos, foi determinada a instauração de processo disciplinar contra a ora Recorrente;
h) E pelos referidos factos iniciou-se na Polícia Judiciária processo para averiguação da responsabilidade criminal da ora Recorrente;
i) Em 13-1-94, foi elaborada nota de culpa no referido processo disciplinar, nos seguintes termos (fls. 98 a 100 do processo instrutor):
Vista e ponderada a prova dos presentes autos, eu, ..., inspector principal de jogos, deduzo contra a arguida, A... a seguinte
NOTA DE CULPA
ARTIGO PRIMEIRO
Em 89-01-23, concorrendo a uma vaga de 3º oficial do quadro de pessoal da Inspecção-Geral de Jogos (cf. aviso publicado no DR II Série nº 299, de 88-12-28), do qual veio a tomar posse em 89-08-21, apresentou como prova das suas habilitações uma certidão (fotocópia autenticada) emitida pela Escola Comercial e Industrial de Chaves, certificando ter concluído no ano lectivo de 1973/74, o Curso Geral de Administração e Comércio.
ARTIGO SEGUNDO
Em 89-06-22, concorrendo a uma vaga de 3º oficial do quadro da ex-Direcção-Geral dos Espectáculos e do Direito de Autor (cf. aviso publicado no DR II Série nº 131, de 89-06-08), alegando possuir como habilitações literárias o 12º ano incompleto, apresentou, como prova, uma certidão (fotocópia autenticada), emitida a 12 de Outubro de 1987 pela Escola Secundária de Vila Real de Santo António. ARTIGO TERCEIRO
Em 90-05-28, concorrendo a uma vaga de técnico auxiliar de 2º classe de assistente de relações públicas da ex-Direcção-Geral dos Serviços Centrais da Secretaria de Estado da Cultura (cf. aviso publicado no DR II Série nº 108, de 90-05-11), alegando possuir como habilitações literárias o 12º ano incompleto, apresentou como prova uma certidão (fotocópia autenticada), emitida a 12 de Outubro de 1987 pela Escola Secundária de Vila Real de Santo António.
ARTIGO QUARTO
Em 91-07-05, concorrendo a uma vaga de 3º oficial administrativo do quadro de pessoal do Ministério dos Negócios Estrangeiros (cf. aviso publicado no DR II Série nº 143, de 91-06-25), apresentou como prova das suas alegadas habilitações literárias – Curso de Administração e Comércio e 12º ano incompleto – a mesma certidão atrás referida em 2.
ARTIGO QUINTO
Em 92-01-28 (data do requerimento por desconhecimento da data da respectiva entrega), concorrendo a uma vaga de especialista auxiliar de polícia NO - informação e relações públicas – da Direcção-Geral da Policia Judiciária (cf. aviso publicado no DR II Série nº 301, de 91-12-31), alegando possuir como habilitações literárias o 12º ano incompleto (segundo Curso) e o 11º ano, área de Estudos Económicos-Sociais, apresentou como prova, duas certidões (fotocópias autenticadas) emitidas pela Escola Secundária de Vila Real de Santo António, em 12 de Outubro de 1987 e 15 de Julho de 1988, com os nºs 407 e 242, respectivamente.
ARTIGO SEXTO
No entanto e como informa através do seu oficio nº 1002, de 93-09-06, e Fax nº 31/93, de 93-09-02, a Escola Secundária de Vila Real de Santo António, a referida certidão nº 242, de 88-07 15, foi emitida a favor de B..., e a certidão nº 407, de 87-10-12, a favor de C..., não constando sequer a arguida dos ficheiros dessa Escola .
ARTIGO SÉTIMO
E a Escola Secundária Dr. Júlio Martins, de Chaves informa, através do seu ofício nº 815, de 93-09-13 e Fax de 93-09-10 que "após uma consulta cuidada ao processo da ex-aluna A..., não foi localizado qualquer documento que prove a frequência ou conclusão do Curso Geral de Administração e Comércio. Apenas se confirma a frequência, mas sem qualquer aproveitamento, do Curso Complementar de Aprendizagem de Comércio que funcionou em regime nocturno".
ARTIGO OITAVO
Com os referidos procedimentos, arrogando-se num nível de habilitações que não possui, usando documentos falsificados, a arguida praticou infracções disciplinares de muito elevado grau de gravidade, violando os seus deveres de funcionária pública, nomeadamente o dever geral de actuar no sentido de criar no público confiança na acção da Administração Pública previsto no nº 3 do arte 3º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro.
ARTIGO NONO
Tais comportamentos revelam falta de idoneidade moral para o exercício de funções de funcionária pública, sendo puníveis com a pena de aposentação compulsiva prevista nos arts. 11.º nº 1 alínea e) e 26º nº 3, ambos do citado Estatuto.
ARTIGO DÉCIMO
Constituem circunstâncias agravantes especiais a produção de resultados prejudiciais ao interesse geral, a premeditação e a acumulação de infracções – vide alíneas b), c) e g) do nº 1 d arte 3lº ainda do mesmo Estatuto.
ARTIGO DÉCIMO PRIMEIRO
Fixo à arguida o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar a sua defesa escrita, apresentar testemunhas ou juntar documentos que julgue úteis para justificar as infracções que lhe são imputadas, podendo, durante esse período e nas horas normais de expediente, consultar o processo que lhe será facultado na Secção de Pessoal da Inspecção-Geral de Jogos.
INSPECÇÃO-GERAL DE JOGOS, em LISBOA, 1994-01-13
O INSTRUTOR,
...
j) Notificada, em 17.1.94, da nota de culpa do processo disciplinar e verificando que a fls. 96 a 97 daquele processo disciplinar constava uma participação crime, dirigida ao Director-Geral da Polícia Judiciária, contra a requerente, a qual versava «sobre os mesmos factos levados à peça acusatória deduzida no processo disciplinar», requereu a suspensão deste, ficando a aguardar a decisão do processo penal.
k) Em 12-5-94, no referido processo disciplinar, o Senhor Inspector Principal de Jogos elaborou relatório, nos seguintes termos (fls.122 a 127 do processo instrutor):
l. O presente processo disciplinar foi mandado instaurar contra a 3º oficial A... por despacho do Senhor Inspector-Geral de Jogos, de 93-11-19, sendo o signatário nomeado seu instrutor – cf. fls. 1.
2. Os factos infraccionais imputados à arguida são os que se encontram descritos na nota de culpa de fls. 98/100 e resumem-se ao uso de documentos falsos.
3. Concretamente, no concurso público referido no artigo primeiro, a arguida alegou possuir como habilitações literárias o Curso Geral de Administração e Comércio, apresentando como prova uma certidão emitida pela Escola Comercial e Industrial de Chaves em 74-10-08 – fls. 8.
4. No entanto, este Estabelecimento de Ensino veio a informar que "após uma consulta cuidada ao processo da ex-aluna A..., não foi localizado qualquer documento que prove a frequência ou conclusão do CURSO GERAL DE ADMINISTRAÇÃO E COMÉRCIO. Apenas se confirma a frequência, mas sem qualquer aproveitamento, do CURSO COMPLEMENTAR DE APRENDIZAGEM DE COMÉRCIO que funcionou em regime nocturno" – cf. fls. 9 a 12.
5. E nos concursos públicos referidos nos artigos segundo a quinto alegou possuir o 12º ano incompleto e o 11º completo, apresentando certidões emitidas pela Escola Secundária de Vila Real de Santo António a 12 de Outubro de 1987 e 15 de Julho de 1988, com os nºs 407 3 242, respectivamente, – fls. 3 e 4.
6. Mas, ao contrário, este Estabelecimento de Ensino veio a informar "...que o nome de A... não consta dos ficheiros desta Escola, como aluna. A certidão do 11º ano emitida em 15-7-88, registada com o nº 242, foi passada a favor de B.... A certidão do 12º ano emitida em 12-10-87, registada com o nº 407, foi passada a favor de C...".
7. A prova do uso pela arguida, por cinco vezes, de tais documentos falsos consta de fls. 26 a 93.
8. Os mesmos factos, além de infracção disciplinar, consubstanciam também a prática de crimes de falsificação de documentos previstos no arte 228º do Código Penal, motivo por que foi apresentada a respectiva denúncia – fls. 96 e 97.
9. Restringindo-nos ao âmbito disciplinar, único aqui em causa, tais factos violam o dever geral dos funcionários e agentes de actuar no sentido de criar no público confiança na acção da Administração Pública previsto no art. 3º nº 3 do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro.
10. Na instrução do presente processo, não foi possível apurar o "modus faciendi" das infracções, pois a arguida, no uso dos seus direitos, nada declarou sobre o assunto – fls. 25. Constatando-se que várias vezes as referidas certidões foram apresentadas em fotocópia autenticada pelo Inspector-Coordenador de Jogos, ..., foi este inquirido, mas nada pôde esclarecer com utilidade para aquele desiderato – fls. 94.
E também não se reconheceu haver vantagem em eventuais deslocações às longínquas Escolas referidas, pois quaisquer averiguações, com os meios ao dispor, redundariam em insucesso quase garantido.
11. Além de que, nos termos vistos, resulta líquido o uso de documento falsificado pela arguida, o que, no âmbito penal, preenche o mesmo tipo de crime de falsificação de documentos e, no âmbito disciplinar, preenche o ilícito acima tipificado.
12. Assim, foi deduzida a NOTA DE CULPA de fls. 98 a 100, notificada pessoalmente à arguida em 94-01-17 – fls. 101.
13. A arguida, não se conformando com o prazo de 15 dias fixado para apresentar a sua defesa, veio, através de advogado constituído - fls. 104- requerer a sua ampliação para o máximo de 60 dias consentido pelo Estatuto Disciplinar citado –art. 59º alegando a complexidade do processo, e solicitar a confiança do mesmo processo – cf. fls. 102 e 103.
14. Obtida a necessária autorização - fls. 105- tudo lhe foi deferido – fls. 106 e 107.
15. E, afinal, a arguida nada veio alegar em sua defesa, limitando-se a juntar aos autos um requerimento - fls.. 110 a 112 solicitando "... a suspensão do processo disciplinar ... ficando a aguardar decisão a proferir no processo penal".
E cita Luís Vasconcelos de Abreu, in "Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português vigente: As relações com o Processo Penal", Livraria Almedina, Coimbra; "...Nada impede, bem pelo contrário, existindo fortes razões nesse sentido, como, por exemplo, os melhores meios de investigação e a prevalência das decisões judiciais (art. 208º, n.º 2 da CRP) aconselham a que, uma vez instaurado procedimento disciplinar, nele seja proferido despacho no sentido de se ficar a aguardar a decisão a proferir no processo penal que versa sobre os mesmos factos...".
No entanto, imediatamente antes desta transcrição, o mesmo autor refere-se à "conhecida independência entre os ilícitos penal e disciplinar, com plena autonomia de cada um deles", acrescentando que os bens jurídicos tutelados são diversos e afirmando claramente que "o direito português não consagrou a suspensão do procedimento disciplinar por efeito da instauração de processo penal relativo à mesma matéria de facto".
Não restam dúvidas, pois, que a Administração, visando a tutela dos interesses específicos que prossegue, poderá punir o ilícito da sua esfera própria, sem ter que esperar a decisão criminal, normalmente muito mais longínqua.
Tratando-se de opção discricionária, a tomar casuisticamente, a verdade é que, in casu, não se vislumbram vantagens na falada suspensão, sendo que a primazia das decisões judiciais nunca estará em causa e dos incontestáveis melhores meios de investigação não será de esperar melhor prova pertinente para o ilícito disciplinar que está líquido, nos termos delimitados na nota de culpa.
16. Posto isto, quanto à regularidade do processado, não ocorreram nulidades, excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
17. Quanto à gravidade das infracções imputadas, não pode deixar de levar-se em conta que se trata de faltas repetidas, com forte grau de intencionalidade.
Com efeito, a arguida em 25 de Novembro de 1976 declarou possuir como habilitações literárias a 4ª classe. E nesta data prestava serviço como escriturária dactilógrafa de 1ª classe em Lisboa, situação que se manteve até à data presente, passando pela Direcção-Geral do Turismo, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Inspecção-Geral de Jogos e actualmente, I.D.N. – vide, por todo o processo, fls. 29.
No entanto, não se coibiu de se arrogar a qualificação académica do 11º ano e 12º incompleto, avançando como provas disso, documentos emitidos em Chaves (fls. 8) – no ano lectivo nele indicado de 73/74 a arguida prestava serviço em Angola - vide fls. 28- e Vila Real de Santo António (fls. 3 e 4)- nos anos lectivos referidos de 83/84 e 85/86 arguida prestava serviço em Lisboa.
No primeiro caso, trata-se de Escola Secundária que a arguida apenas frequentou sem aproveitamento de 1960 a 1963 – fls. 10.
No segundo caso, trata-se de idêntico Estabelecimento de Ensino que jamais frequentou – fls. 5 e 6.
18. É forçoso e seguro concluir que em todos os comportamentos infraccionais aqui imputados à arguida se houve com grande calculismo e obstinação infraccional prolongada, tanto mais que se trata de concursos a que se candidatou em Janeiro/89, Junho/89, Maio/90, Julho/91 e Janeiro/92 e que são processos cada um por si já morosos, tendo que sustentar durante tanto tempo uma situação de tanta falsidade.
19. Trata-se de uma actuação duradoira, extremamente grave, com profundos efeitos negativos na imagem da Administração Pública que, assim, revela falta de idoneidade moral para o exercício das suas funções.
Dai ser necessário concluir que os comportamentos descritos inviabilizam irremediavelmente a manutenção do seu vínculo funcional.
E nem se esgrima em contrário com o facto de a arguida não ter sido preventivamente suspensa no decurso do presente processo por não se haver considerado inconveniente para o apuramento da verdade dos factos a sua continuação ao serviço e a mesma ter mudado de situação após a prática das infracções.
A verdade é que a prática das infracções disciplinares, como descrito, constituem actos desonrosos e desprestigiantes que inviabilizam, absoluta e definitivamente, a confiança que o vínculo profissional pressupõe. A sua manutenção ao serviço poria em causa a imagem da Administração Pública perante o publico determinando grave dano para o interesse público.
Os factos em causa são passíveis de responsabilidade criminal, revelam uma forte dose de segurança, num manifesto propósito doloso, incompatíveis com erros passageiros de carácter inexpressivo e esporádico. E apresentam-se, assim, aos olhos da opinião pública como particularmente lesivos do prestígio, da confiança e da imagem de um serviço público.
20. Assim sendo, a sua permanência ao serviço, para além de geradora de descrença no poder disciplinar, propiciaria reflexos negativos na boa imagem da Administração Pública, perturbando o seu eficaz funcionamento.
21. Na materialidade vista, as infracções em causa patenteiam falta de idoneidade moral para o exercício das funções. Revelam objectivamente uma conduta gravemente lesiva do prestígio e isenção de qualquer organismo do Estado e infringem as suas elementares normas de honestidade e deontologia profissional, inviabilizando a manutenção da relação funcional.
A arguida não teve o mínimo escrúpulo em, durante vários anos, usar documentos falsos para se arrogar um nível de habilitações literárias muito superior ao que detém para colher benefícios ilegítimos sendo efectivamente provida em categoria (3º oficial) para a qual não detém habilitações necessárias (...) e prejudicando os outros concorrentes aos respectivos concursos.
22. A arguida é casada, funcionária pública desde 1 de Abril de 1966 e não consta do seu registo qualquer sanção, o que se considera uma circunstância atenuante.
23. A conduta infraccional reveste-se de extrema gravidade, como ficou visto. Há ainda a ponderar a circunstância agravante especial da acumulação de infracções prevista na alínea g) do nº 1 do arte 31º do Estatuto Disciplinar citado.
24. Para os efeitos previstos no nº 5 do art.. 26º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, foi consultada a Caixa da Aposentação que prestou a informação afirmativa, nos termos autuados a fls. 121.
25. Tudo ponderado, PROPONHO:
– Que à arguida, A..., melhor identificada nos autos e em especial a fls. 62, 3º oficial do quadro do Instituto de Defesa Nacional, seja aplicada a pena disciplinar de aposentação compulsiva prevista na alínea e) do nº 1 do art. 11º e nºs 1 e 3 do art. 26º, ambos do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro;
– Que o presente processo seja remetido ao Gabinete do Senhor Secretário de Estado da Defesa Nacional que, de acordo com o nº 4 do art. 17º do citado Estatuto e Despacho 7/MDN/94, de 10 de Janeiro do Senhor Ministro da Defesa Nacional (in D.R. II Série n.º 17, de 94-01-21) é competente para aplicar a sanção proposta.
INSPECÇÃO-GERAL DE JOGOS, em LISBOA, 1994-05-12
O INSTRUTOR,
...
(Inspector Principal de Jogos)
l) Enviado o processo disciplinar ao Ministério da Defesa Nacional, foi nele emitido, em 24-5-94, o parecer do Senhor Auditor Jurídico que consta de fls. 1 a 3 do processo instrutor, nos seguintes termos:
PROCESSO DISCIPLINAR
A...
A Inspecção-Geral de Jogos determinou a instauração de processo disciplinar contra a 3º Oficial A... por «existirem fortes indícios de que a mesma, durante a sua permanência nesta Inspecção-Geral, apresentou atestados de habilitações falsos, arrogou-se um nível de habilitações que não possuirá e terá cometido o crime de falsificação de documento.
Nomeado instrutor, o processo seguiu seus regulares termos. A prova produzida nos autos é de natureza documental.
Na sua defesa veio a arguida, simplesmente, requerer a suspensão do presente processo disciplinar, ficando a aguardar decisão a proferir no processo penal.
No seu relatório final o Senhor instrutor propõe a aplicação da pena disciplinar de aposentação compulsiva prevista na alínea e) do nº 1 do art. 11º. e nºs l e 3 do art. 26º, ambos do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro.
O processo foi remetido ao Gabinete de Vossa Excelência de acordo com o nº 4 do artigo 17º. do citado Estatuto e Despacho 7/MDN/94, de 10 de Janeiro.
A arguida exerce funções no Instituto de Defesa Nacional desde 93AG016, conforme consta de fls.13.
Dignou-se Vossa Excelência solicitar parecer.
A instrução do processo não merece reparos.
A nota de culpa mostra-se deduzida na forma legal.
Não existem irregularidades nem ocorrem nulidades.
Não há excepções de que cumpra conhecer, designadamente, face ao disposto nos preceitos conjugados dos artigos 228º e 117º do Código Penal e artigo 4º, nº 3 do Estatuto Disciplinar.
O Secretário de Estado da Defesa Nacional dispõe da competência para proferir decisão.
A proposta formulada no relatório do Senhor instrutor é, em meu entendimento, tradução correcta de adequado enquadramento jurídico dos factos, integrantes das infracções disciplinares descritas na nota de culpa.
Face ao exposto, deverá ser proferida decisão nos seguintes termos:
Considerando o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 11º, nº 1, alínea e), 26º, nº l e 3, 17º, nº 4 e 66º, nº 4, todos do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, é punida – no âmbito da competência conferida pelo Despacho 7/MDN/94, de 10 de Janeiro (publicado no DR-IIª Série, nº 17, de 94JAN21) – com a pena disciplinar de aposentação compulsiva a 3º Oficial, exercendo funções no Instituto da Defesa Nacional, A....
Diligências legais necessárias.
À consideração de Vossa Excelência.
Lisboa, 24 de Maio de 1994
AUDITOR JURÍDICO
(...)
m) Na primeira folha deste parecer, o Senhor Secretário de Estado da Defesa Nacional proferiu o seguinte despacho, em 24-5-94:
Concordo.
Cumpra-se.
24-5-94
(Assinatura)
...
Secretário de Estado da Defesa Nacional
n) A ora Recorrente foi notificada deste despacho em 26-5-94 (fls. 5 do processo instrutor)
o) Em 18-4-95, a ora Recorrente interpôs o presente recurso.
p) Por despacho, de 17.5.94, do Director do Instituto de Defesa Nacional, foi homologada a lista de classificação final do concurso interno de ingresso ou acesso para o preenchimento de duas vagas de Técnico Adjunto de 2.ª, 1.ª, principal, especialista ou especialista de 1.ª classe, da carreira técnico-profissional (dotação global) do quadro do Instituto de Defesa Nacional, constante do anexo I ao Dec. Reg. nº 41/91, de 16.8, e aberto por aviso publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 27.1.94.
q) Deste aviso constava, nomeadamente, que as candidaturas deviam ser formalizadas mediante requerimento de admissão, acompanhado de documento comprovativo de habilitações literárias, e que «o concurso é válido para as vagas referidas, cessando o preenchimento das mesmas».
r) Da referida lista de classificação final apenas constam as seguintes candidatas:
1.ª - D... - 17 valores.
2.ª - A... - 15 valores.
s) A primeira classificada foi nomeada em preenchimento de uma das duas vagas.
t) A segunda vaga para cujo preenchimento foi aberto o concurso acima referido em supra 2 não foi preenchida em consequência da aposentação da requerente.
u) No processo criminal n.º 65/96, da 2.ª Vara Criminal de Lisboa, foram dados como provados, por decisão transitada em julgado, os seguintes factos, que aqui também se consideram como provados:
1 – Em 1987, E... foi colega de trabalho de C..., numa empresa de importações e exportações em Lisboa;
2 – A C..., pretendia mudar de emprego e o E...dispôs-se a ajudá-la, tendo-lhe ela entregue para esse efeito, dois certificados de habilitações de que era titular, emitidos pela Escola Secundária de Vila Real de Santo António;
3 – Atestavam ter a C... concluído com aproveitamento, no ano lectivo de 84/85, o Curso Complementar do Ensino Complementar – 10.º e 11.º anos de escolaridade – e, no ano lectivo de 85/86, o 12.º ano de escolaridade, com excepção da disciplina de matemática em que reprovou com 6 valores;
4 – Através da C..., o E...soube que uma amiga desta, B..., completara no ano lectivo de 83/84, o Curso Complementar do Ensino Complementar – 10.º e 11.º anos de escolaridade – com a classificação final de 12 (doze) valores e a classificação final da componente da formação vocacional de Secretariado de catorze (14) valores;
5 – De forma não concretamente apurada, o E..., requereu e foi-lhe entregue, o certificado de habilitações da B...;
6 – O E...conhecia as características de tais “documentos “bem como que a arguida (A...) não possuía as habilitações neles indicadas, mas entregou-os a esta na residência em Lisboa para que os pudesse apresentar nos concursos a que pretendia concorrer para progressão na carreira do funcionalismo público;
7 – A arguida foi nomeada provisoriamente no cargo de “auxiliar técnico “ da Secretaria de Estado do Turismo em 16 de Dezembro de 1976, por despacho do Secretário de Estado do Turismo, tendo então como habilitações literárias a 4.ª classe;
8 – Em 23 de Janeiro de 1989, a arguida decidiu concorrer ao concurso para preenchimento de dois lugares vagos de terceiro oficial da carreira de oficial administrativo do quadro de pessoal da Inspecção – Geral de Jogos da Secretaria de Estado de Turismo, publicado no D.R. II Série de 28.12.88;
9 – Conforme aviso do concurso, era condição de candidatura ser-se possuidor do Curso Geral do Ensino Secundário ou equivalente, com conhecimentos práticos de dactilografia;
10 – A arguida não tinha as habilitações exigidas, mas concorreu e entregou na Direcção – Geral de Turismo, em Lisboa, o requerimento de candidatura acompanhado da “ certidão de habilitações “ na qual falsamente se atestava ter concluído na Escola Industrial e Comercial de Chaves no ano lectivo de 1973/1974, o Curso Geral de Administração do Comércio com a média geral de onze valores e uma décima;
11 – Contudo a arguida apenas frequentou naquela Escola, mas sem qualquer aproveitamento, o Curso Complementar de Aprendizagem de Comércio e nos anos de 1960 a 1963,
12 – A arguida conseguiu o citado documento de forma não apurada;
13 – Foi admitida ao concurso e nomeada definitivamente como 3. º oficial dos quadros da Inspecção – Geral de Jogos em 9 de Maio de 1989 por despacho do Secretário de Estado do Turismo;
14 – Em 22 de Junho de 1989, decidiu concorrer ao concurso geral interno de ingresso para provimento de três vagas de terceiro oficial da Direcção – Geral de Espectáculos e do Direito de Autor, conforme aviso publicado no D.R. II Série de 8.6.89;
15 – Entregou então nesse dia, 22 de Junho de 1989, nas instalações da Direcção – Geral dos Espectáculos e do Direito de Autor, em Lisboa, o requerimento de admissão ao concurso acompanhado da certidão de habilitações na qual falsamente se atestava possuir o 12.º ano incompleto;
16 – Tal certidão tinha sido emitida em 12 de Outubro de 1987 pela Escola Secundária de Vila Real de Santo António à respectiva titular, C...;
17 – Foi forjada e alterada pelo F... a mando do E..., e entregue à arguida;
18 – Esta ficou classificada em 5.º lugar, mas recusou a aceitação do cargo e solicitou a devolução dos documentos, nomeadamente, do referido certificado de habilitações literárias, que lhe foram entregues;
19 – Conforme Aviso do concurso, era condição de candidatura ser-se possuidor do Curso Geral do Ensino Secundário ou equivalente com conhecimentos práticos de dactilografia;
20 – Em 28 de Maio de 1990, a arguida decidiu concorrer ao concurso interno geral de ingresso para preenchimento de três vagas de técnico auxiliar de 2.ª classe da carreira de assistente de relações públicas da Direcção – Geral dos Serviços Centrais da Secretaria de Estado da Cultura, conforme aviso publicado no D. R. II Série, de 11.05.90;
21 – Conforme o aviso do concurso, era condição de candidatura, ser-se possuidor do Curso Geral do Ensino Secundário ou equivalente com conhecimentos práticos de dactilografia;
22 – A arguida não tinha as habilitações exigidas. Mas em 28 de Maio de 1990 entregou na Secretaria de Estado da Cultura, em Lisboa, o requerimento de admissão ao concurso, acompanhado da certidão de habilitações, na qual falsamente se atestava, possuir o 12.º ano incompleto;
23 – Tal certidão tinha sido emitida em 12 de Outubro de 1987 pela Escola Secundária de Vila Real de Santo António e entregue à respectiva titular, C....;
24 – Foi forjada e alterada pelo F..., a mando do E...e entregue à arguida;
25 – Foi aceite ao concurso, mas não ficou colocada em posição de ser nomeada para o lugar,
26 – Em 5 de Julho de 1991 decidiu concorrer ao concurso interno geral de ingresso para provimento de 70 lugares de 3.º oficial administrativo do quadro de pessoal do Ministério dos Negócios Estrangeiros conforme aviso publicado no D. R. II Série de 25.6.91;
27 – Conforme o aviso do concurso era condição de candidatura, ser-se possuidor do Curso Geral do Ensino Secundário ou equivalente com conhecimentos práticos de dactilografia;
28 – A arguida não tinha as habilitações exigidas, mas em 5 de Julho de 1991, entregou nas instalações do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Lisboa, o requerimento de admissão ao concurso, acompanhado da “ certidão de habilitações “ na qual falsamente se atestava possuir o 12.º ano incompleto,
29 – Tal certidão tinha sido emitida em 12 de Outubro de 1987, pela Escola Secundária de Vila Real de Santo António e entregue à respectiva titular, C...;
30 – Foi forjada e alterada pelo F... a mando do E...e entregue à arguida,
31 – Desconhece-se se foi ou não admitida ao concurso, muito embora a documentação apresentada pela arguida, tenha sido aceite;
32 – Continuou a exercer as funções que já tinha na Inspecção – Geral de Jogos;
33 – Em 28 de Janeiro de 1992, a arguida requereu a admissão ao concurso externo de ingresso para preenchimento de duas vagas de especialista auxiliar de polícia "NO" (informações e relações públicas) do quadro de pessoal da Polícia Judiciária, conforme aviso publicado no D. R. II Série, de 31.12.91;
34 – Conforme indicação expressa do aviso publicado, era requisito especial de candidatura, possuir o 11.º ano de escolaridade ou equivalente;
35 – A arguida não tinha as habilitações exigidas, mas em 28 de Janeiro de 1992, entregou no Departamento de Recursos Humanos da Directoria – Geral da Polícia Judiciária, no Largo Andaluz, n.º 7, em Lisboa, o requerimento de admissão ao concurso acompanhado da“ certidão de habilitações “, na qual falsamente se atestava possuir o 12.º ano incompleto;
36 – Em 6 de Novembro de 1992, a solicitação do Chefe de Área do Departamento de Recursos Humanos da Polícia Judiciária e em oficio que lhe dirigiu, por ela assinado, a arguida “ esclarecia “ que a área e disciplina de opção vocacional referente às habilitações literárias que possuía dos 10.º e 11.º anos de escolaridade, era de secretariado;
37 – Em 16 de Agosto de 1993, a arguida foi transferida do quadro de pessoal da Inspecção – Geral de Jogos para o quadro do Instituto de Defesa Nacional onde continuou a exercer funções;
38 – A arguida beneficiou até ao momento de vantagens a que legalmente não tinha direito, nomeadamente, remunerações e outros benefícios, o que só alcançou e recebeu devido à sua conduta;
39 – A arguida possui apenas como habilitações literárias, o 2.º grau do ensino primário emitido em 20 de Outubro de 1976 pela Delegação Escolar de Chaves;
40 – Além dos benefícios alcançados, a arguida sabia ainda que a respectiva conduta era susceptível de causar, como causou, prejuízos ao Estado Português e às várias entidades envolvidas, bem como aos restantes candidatos, nos vários concursos;
41 – Causou concretamente prejuízos aos restantes candidatos ao cargo de 3.º oficial da Inspecção – Geral de Jogos, preteridos em favor da arguida;
42 – Em 95.07.25, foi concedido à arguida equivalência ao Curso Complementar Liceal pelo Departamento do Ensino Secundário do Ministério da Educação.
3 – Por força do preceituado no n.º 4 do art. 684.º do C.P.C., os efeitos do acórdão da Secção de 18-12-1999, na parte que não foi objecto do recurso jurisdicional interposto para o Pleno de Secção, mantêm-se, pelo que não há que tomar posição sobre eles.
Como se vê pelas conclusões das alegações do recurso interposto para o Pleno, que atrás se reproduziram, a recorrente não atacou nele o decidido no acórdão da Secção de 18-2-99, quanto às questões da prescrição (A recorrente refere no recurso interposto para o Pleno de Secção a prescrição, não para impugnar o decidido sobre ela pela Secção no referido acórdão de 18-2-99, mas sim para sublinhar que, se nesse aresto se aplicou nessa matéria o regime da infracção continuada, este regime deve também ser aplicado, em coerência, no que concerne a uma «diminuição considerável da culpa». ), da usurpação de poder, do desvio de poder e do vício de forma por omissão de formalidades essenciais.
Por outro lado, no referido acórdão da Secção decidiu-se que é de entender que a conduta da ora Recorrente integra uma infracção disciplinar continuada e não uma acumulação de infracções, ponto este que não foi objecto de recurso, pelo que também tem de ter-se por assente.
Assim, ficam para apreciar apenas as questões da proporcionalidade da pena aplicada e a da possibilidade de o acto recorrido não ser anulado, apesar de se reconhecer que, diferentemente do que nele se pressupôs, se está perante uma infracção disciplinar continuada e não perante uma acumulação de infracções.
Esta última não foi apreciada explicitamente no referido acórdão de 18-2-99, mas é pertinente tomar dela conhecimento expresso, uma vez que a decisão de anulação ou não do acto recorrido tem forçosamente ínsita uma tomada de posição sobre esta questão.
4 – Relativamente à proporcionalidade da pena de aposentação compulsiva em relação à conduta da ora Recorrente é de manter a posição assumida no referido acórdão de 18-2-99.
Na verdade, a matéria de facto agora fixada em nada altera os pressupostos em que assentou o juízo formulado naquele aresto sobre a adequação da pena disciplinar de aposentação compulsiva a conduta da ora Recorrente.
Com efeito, o uso em concursos públicos de documentos falsificados, imitando documentos autênticos, factos que foram criminalmente punidos a título de dolo directo, revela falta de idoneidade moral da ora Recorrente para o exercício das funções, o que justifica a aplicação de uma pena disciplinar expulsiva, pelo reflexo negativo que a manutenção ao serviço pode trazer para o prestígio deste.
Por isso, sendo a pena de aposentação compulsiva a pena especialmente prevista para os casos de falta de idoneidade moral do funcionário, ela não pode ser considerada desproporcionada, sendo a pena adequada em face do preceituado nos n.ºs 1 e 3 do art. 26.º do Estatuto Disciplinar de 1984.
Para além disso, não se demonstrou existir qualquer atenuante especial e o único facto com valor atenuativo ponderado no acto recorrido, referido no ponto 22 do relatório do Senhor Inspector Principal de Jogos, que é não constar do seu registo a aplicação de qualquer sanção anteriormente, não tem relevo apreciável, pois não implica sequer que não tenha praticado factos susceptíveis de qualificação como infracções.
Assim, entende-se que a pena aplicada não é desproporcionada em relação à gravidade da infracção, pelo que o acto recorrido não viola os princípios constitucionais da justiça e de proporcionalidade.
5 – Como se referiu, deve ter-se por assente, o decidido no acórdão de 18-2-99, e não impugnado pelas partes, sobre a qualificação como infracção disciplinar continuada dos factos praticados pela ora Recorrente, ao usar por cinco vezes documentos falsos em concursos.
No acto recorrido, ao aplicar a pena de aposentação compulsiva, a autoridade recorrida referiu que aqueles factos integravam uma acumulação de infracções, como resulta do ponto 23 do relatório, que está subjacente ao parecer que serviu de base àquele acto.
Assim, é de concluir que no acto recorrido se contém um erro de direito.
Em situações em que o Tribunal entende não se verificarem os pressupostos em que assentou o acto punitivo, quanto ao número de infracções que integram os factos imputados aos arguidos, este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender, geralmente, que se impõe a anulação do acto, como é próprio de um recurso contencioso de anulação e não de plena jurisdição (art. 6.º do E.T.A.F.). (Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos:
de 19-12-1995, do Pleno, proferido no recurso n.º 27026, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30-9-97, página 830;
de 28-3-1996, do Pleno, proferido no recurso n.º 30690, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30-1-98, página 246;
de 3-10-1996, do Pleno, proferido no recurso n.º 32586, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30-10-98, página 706;
de 15-10-99, do Pleno, proferido no recurso n.º 21488, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.° 490, página 98, e em Apêndice ao Diário da República de 21-6-2001, página 1155. )
Porém, esta jurisprudência só se pode justificar quando esse erro incide sobre um dos pressupostos da decisão, isto é, se a circunstância erradamente mencionada no acto tiver tido influência na formação da decisão final, pois se ela não se inserir no processo cognoscitivo e valorativo que conduziu à formação da decisão punitiva não se poderá afirmar que esta está viciada por aquele erro.
Assim, quando seja de considerar seguro, em face da fundamentação da decisão punitiva revelada no acto, que a circunstância sobre que versa o erro não pode considerar-se relevante no processo causal que conduziu à formação da decisão punitiva, esse erro também não poderá ser fundamento da anulação do acto, que não está por ele afectado.
É uma situação deste tipo que se constata no caso dos autos.
Com efeito, pela fundamentação do acto recorrido, que manifesta concordância com o parecer do Senhor Auditor Jurídico que, por sua vez, se baseia no relatório do Senhor Inspector-Geral de Jogos, instrutor do processo disciplinar, constata-se que, antes de ter tido em conta a acumulação de infracções, já se concluíra pela impossibilidade de manutenção da relação funcional.
Na verdade, considerou-se no ponto 19 do relatório que
«se trata de uma actuação duradoira, extremamente grave, com profundos efeitos negativos na imagem da Administração Pública que, assim, revela falta de idoneidade moral para o exercício das suas funções.
Dai ser necessário concluir que os comportamentos descritos inviabilizam irremediavelmente a manutenção do seu vinculo funcional.
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A verdade é que a prática das infracções disciplinares, como descrito, constituem actos desonrosos e desprestigiantes que inviabilizam, absoluta e definitivamente, a confiança que o vínculo profissional pressupõe. A sua manutenção ao serviço poria em causa a imagem da Administração Pública perante o público determinando grave dano para o interesse público.
Na mesma linha, refere-se no ponto 21 do relatório
Na materialidade vista, as infracções em causa patenteiam falta de idoneidade moral para o exercício das funções. Revelam objectivamente uma conduta gravemente lesiva do prestigio e isenção de qualquer organismo do Estado e infringem as suas elementares normas de honestidade e deontologia profissional, inviabilizando a manutenção da relação funcional.
Nestes pontos, baseia-se a conclusão pela inviabilidade da manutenção da relação funcional, logicamente conducente à opção pela aplicação de uma sanção expulsiva, apenas com base na materialidade dos factos imputados à aí arguida, sem se fazer qualquer referência ao respectivo enquadramento jurídico, à face do Estatuto Disciplinar, designadamente quanto à ocorrência de uma circunstância neste qualificada como agravante, pelo que é de concluir que tal enquadramento jurídico não foi relevante para chegar à conclusão referida.
Só na parte final do relatório, no ponto 23, depois de se ter concluído pela inviabilidade de manutenção da relação funcional, se faz referência à acumulação de infracções, que assim aparece como mero reforço, não essencial, um elemento potencialmente corroborante, mas desnecessário, para a formação do juízo sobre a gravidade da conduta da arguida e opção pela aplicação de uma sanção expulsiva, como, aliás, flui dos próprios termos deste ponto 23:
A conduta infraccional reveste-se de extrema gravidade, como ficou visto. Há ainda a ponderar a circunstância agravante especial da acumulação de infracções prevista na alínea g) do nº 1 do art. 31º do Estatuto Disciplinar citado.
Isto é, a conclusão sobre a «extrema gravidade», antecedeu a ponderação da mencionada circunstância agravante e, por isso, se a gravidade, na perspectiva da autoridade recorrida já era extrema, sem a ponderação daquela circunstância, ela não teve qualquer relevo para aquilatar daquela gravidade.
Assim, é de concluir, seguramente, que na valoração subjacente à aplicação da sanção não relevou a qualificação da pluralidade de actos como agravante, antes a conclusão sobre a necessidade de aplicação de uma sanção expulsiva, reclamada pela já assente inviabilidade da manutenção da relação funcional, radica
– no carácter duradouro da actuação (ponto 19);
– no juízo sobre a sua gravidade (que se considerou extrema) (pontos 19 e 23);
– na falta de idoneidade da arguida para o exercício das funções (pontos 19 e 21);
– na absoluta e definitiva inviabilização da confiança que o vínculo profissional pressupõe (ponto 19);
– no perigo para a imagem da Administração Pública perante o público, com o consequente grave dano para o interesse público (ponto 19);
– no entendimento que a conduta é gravemente lesiva do prestigio e isenção de qualquer organismo do Estado (ponto 21);
– e que foram infringidas elementares normas de honestidade e deontologia profissional (ponto 21)
Nenhum destes factores cuja ponderação conduziu à conclusão sobre a inviabilidade da manutenção da relação funcional é afectado pela qualificação da actuação da ora recorrente como infracção continuada, nem mesmo o carácter duradouro da conduta, pois é a mesma a materialidade subjacente, quando à perduração no tempo, que não é alterada pela qualificação jurídica dos factos como infracção continuada ou acumulação de infracções.
Por outro lado, reclamando aquelas considerações, só por si, em coerência, a aplicação de uma pena expulsiva e sendo a aposentação compulsiva a pena expulsiva de menor gravidade, conclui-se que a ponderação da circunstância agravante de acumulação de infracções, a que se faz referência, não teve qualquer relevo na determinação da pena aplicada.
Aliás, confirmando que o quadro jurídico resultante da referida agravante não foi relevante para a determinação da sanção, constata-se que a autor do referido relatório, ao formular, na sua parte final, a proposta de aplicação da pena de aposentação compulsiva, faz indicação das normas legais em que a baseia, mas não inclui aí indicação da alínea g) do n.º 1 do art. 31.º do Estatuto Disciplinar, que prevê a acumulação de infracções com circunstância agravante especial.
Nestes termos, acordam em negar provimento ao recurso.
*Custas pela recorrente, com taxa de justiça de
e procuradoria de,
Lisboa, 24 de Janeiro de 2002
Jorge Manuel Lopes de Sousa – Relator – António Fernando Samagaio – Fernando Azevedo Moreira.

*Este acórdão foi rectificado quanto a Custas, através do acórdão proferido a 27 de Fevereiro de 2002, onde foi fixada a taxa de justiça de 250 € e 50% de procuradoria.