Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0691/07.1BECBR
Data do Acordão:12/09/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA JUSTIÇA
AUDIÇÃO PRÉVIA
APROVEITAMENTO DO ACTO TRIBUTÁRIO
Sumário:I - Com referência ao decidido no processo a que alude a Recorrente, cabe notar que tal situação não produz quaisquer efeitos nos presentes autos, uma vez que não estamos perante “questão prejudicial” de cuja resolução dependesse a solução a dar à questão objecto dos presentes autos, além de que a diversidade de tributos implica a aplicabilidade de regimes legais distintos quanto à determinação do valor tributável, atento que à data - 2005 - as normas que regiam um e outro imposto não observavam o mesmo regime quanto à determinação do valor tributável dos bens, o que só ocorreu com o aditamento do nº 4 ao artigo 9º pela Lei nº 60-A/2005, de 30-12, o que significa que não se impunha ao Tribunal “a quo” que tomasse em consideração o decidido naquele processo quanto ao valor tributável a atender para efeitos de IMT se a liquidação em apreço não poderia ter tido por base o acto de fixação do valor patrimonial de imóveis na situação como a dos autos.
II - O legislador elegeu como referência para o cálculo do imposto o valor mais próximo do valor real de mercado, o qual há-de corresponder ao valor declarado pelas partes ou ao valor patrimonial tributário (que desde a reforma da tributação do património constitui um valor aproximado do valor de mercado). A escolha da administração fiscal está, assim, limitada ao valor que for mais elevado. Esta opção legislativa é, aliás, um modo de prevenir a evasão fiscal e, assim, contribuir para a igualdade entre os cidadãos na tributação do património. Assim, não assiste ao contribuinte a possibilidade de provar, para efeitos de IMT, que o preço declarado corresponde ao preço efectivamente pago e é inferior ao valor patrimonial tributário.
III - O disposto no artigo 12º, n.º 1 do CIMT não encerra qualquer violação do princípio da igualdade pelo facto de não ser aceite como valor atendível para efeitos de cálculo do imposto o valor da transacção no caso de ser inferior ao VPT, sendo que o cálculo do imposto – CIMT - tendo por base o VPT é a metodologia que melhor assegura o respeito pelo princípio da igualdade entre os contribuintes, por ser esse o que melhor reflecte o valor de mercado dos imóveis.
IV - Acresce que, as razões subjacentes ao procedimento previsto na altura no artigo 129º e actualmente no artigo 139º do CIRC, conexas com o apuramento do lucro tributável e a tributação do rendimento, não estão presentes no figurino e concepção do IMT, em que se visa a tributação da riqueza manifestada pelo ato aquisitivo, ou seja, a tributação do património.
V - Perante um acto de liquidação adicional de IMT em que está em causa a determinação do valor tributável do imóvel e cujo resultado foi objecto de um procedimento de avaliação próprio, no qual participou o sujeito passivo, a que se seguiu a emissão da liquidação, tem de entender-se que o juízo formulado pelo Tribunal “a quo”, no sentido de que não existia no caso concreto a mínima probabilidade de a participação da impugnante influenciar a decisão final, por o valor atribuído ao imóvel já não poder ser alterado, está correta, pois que, não se vislumbra como é que a aqui Recorrente pudesse influenciar naquela fase a decisão a tomar sobre a determinação daquele valor, uma vez que o mesmo foi fixado pelos peritos em 2ª avaliação requerida pela Recorrente, ou seja, em procedimento autónomo realizado com esse fim, pelo que neste caso pode falar-se em estabilização da matéria tributável, além de que não se detecta que outros elementos podia a Recorrente carrear para o procedimento com aptidão para influenciar os termos dessa liquidação.
Nº Convencional:JSTA000P28668
Nº do Documento:SA2202112090691/07
Data de Entrada:11/04/2021
Recorrente:A................, S.A.
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Processo n.º 691/07.1BECBR (Recurso Jurisdicional)


Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

“A……………., S.A.”, devidamente identificada nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 29-09-2016, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com a liquidação adicional de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) de 08.01.2007, com o número 1042791, referente ao prédio urbano inscrito na matriz da freguesia da Mealhada sob o artigo …., no valor de EUR 152.347,15.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

1. A douta sentença recorrida julgou improcedente a impugnação, por considerar que, é impossível o contribuinte demonstrar que o valor da transação (da compra) foi inferior ao valor resultante da avaliação do imóvel para efeitos de imposto municipal sobre imóveis.

2. A douta sentença recorrida considerou ainda que a decisão proferida no âmbito do procedimento de revisão instaurado para efeitos do artigo 129º do CIRC (não é suscetível de determinar a alteração da matéria coletável para efeitos de tributação em sede de IMT).

3. O Tribunal a quo ao proferir a decisão sindicada contrariou a decisão encontrada para caso igual ao dos autos que foi proferida no processo nº 550/08.0BECBR relativa à mesma impugnante “A…………….., SA” e relativa ao mesmo pedido (Pede-se a anulação da liquidação por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, por preterição de formalidades legais, por vício de forma) e relativa à mesma causa de pedir (uma vez que a pretensão deduzida nas duas ações, de anulação das liquidações, tem origem no mesmo contrato de compra e venda do mesmo prédio e com o mesmo valor), a fundamentação que está na base das liquidações de ambos os processos é coincidente, pois os pressupostos de ambos os processos relacionam-se com o facto de a A.T. em vez de considerar o valor da aquisição que consta do contrato, tomou por base o valor patrimonial do prédio resultante de avaliação.

4. A recorrente impugnou a liquidação de imposto de Selo, e tal impugnação foi definitivamente julgada (Proc. 550/08.0BECBR) por decisão transitada em julgado.

5. Para a sentença que apreciou a situação (do imposto de selo) foi considerado que uma vez que a AT aceitou que o valor de venda declarado foi o efetivamente praticado e nesta conformidade, não procedeu a qualquer alteração da declaração de rendimentos do ano de 2005 da vendedora entendeu que a decisão não pode deixar de ser válida também para a impugnante (compradora) uma vez que está em causa o mesmo prédio e valor de venda.

6. Para a sentença que apreciou a legalidade da liquidação do imposto de selo é apontado que o tribunal não vislumbrava razão válida para necessariamente com base nos mesmos documentos e demais elementos probatórios, chegar a conclusão diferente da alcançada pelos senhores peritos nomeados para o procedimento de revisão previsto no artigo 129º do CIRC e artº 91º e 92º da LGT.

7. Não faz qualquer sentido que o tribunal a quo perante as mesmas partes, e o mesmo objeto, vá contradizer, decidindo diversamente.

8. A sentença recorrida desrespeitou o artº 619º nº 1 CPC, que dispõe que a sentença transitada em julgado, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele.

9. A sentença recorrida devia reconhecer a autoridade de caso julgado à decisão que foi proferida no processo nº 550/08.0 BECBR, aqui junta como documento nº 1.

10. A presente impugnação que tem por objeto a liquidação de IMT, é uma repetição da ação anterior, já que os elementos definidores das duas ações são os mesmos, analisados na ótica do artº 581º do CPC.

11. Na 1ª e na 2ª impugnação há identidade das partes, e há identidade do pedido, atendendo ao objeto da sentença que apresentou o pedido de anulação da liquidação por enfermar do vício de violação de lei, por erro na sua qualificação e quantificação.

12. Há igualmente identidade quanto à causa de pedir invocada já que a pretensão deduzida nas duas ações, de anulação das liquidações, tem origem no mesmo contrato de compra e venda do mesmo imóvel, e ambos os impostos incidem sobre o património e a fundamentação que está na base das liquidações de ambos os processos é coincidente, os pressupostos de ambos os processos relacionam-se com o facto de a AT em vez de considerar o valor da aquisição que consta do contrato, tomou por base o valor patrimonial do prédio resultante de avaliação.

13. Reconhecida em ação anterior entre as mesmas partes uma situação jurídica favorável à impugnante, de que uma vez que a AT aceitou que o valor de venda declarado foi o efetivamente praticado tal decisão não pode deixar de ser válida também para a impugnante (compradora) uma vez que está em causa o mesmo prédio e valor de venda, e constitui caso julgado na presente impugnação onde se discute idêntica matéria.

14. A douta sentença sob recurso errou porque não retirou na decisão recorrida as corretas consequências jurídicas da respetiva fixação da matéria de facto dada como provada.

15. No caso como foi dito na sentença recorrida, em 21/03/2005, a ora recorrente adquiriu um imóvel (artigo urbano nº ….. da freguesia da Mealhada) pelo preço de € 429.367.70. (Veja-se ponto 1 dos factos provados)

16. Mais tarde a AT procedeu a uma avaliação do imóvel em termos do CIMI em sequência da 1ª aquisição de imóveis na vigência do IMI e da apresentação da competente Mod. 1 de IMI para inscrição e atualização do prédio na matriz. (Veja-se ponto 9 do probatório)

17. O valor patrimonial tributário que resultou dessa avaliação (e que serviu de base à liquidação de IMT) foi significativamente mais alto do que aquele que foi declarado na venda do imóvel.

18. No caso vertente tanto a compradora como a vendedora apresentaram um pedido de revisão elaborado ao abrigo dos artigos 129º do CIRC e dos artºs 91º e 92º da LGT. (Veja-se ponto 7 e 8 do probatório)

19. Esse procedimento foi decidido a favor da vendedora B……….., sendo assim reconhecido pela administração fiscal que o preço da transmissão do imóvel acima referido foi pelo preço declarado na escritura. (Veja-se ponto 11 dos factos provados)

20. O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo conclui que o contribuinte não pode provar, para efeitos de IMT, que o preço declarado corresponde ao preço efetivamente pago e é inferior ao valor patrimonial tributário.

21. Entende a recorrente que a sentença recorrida errou no julgamento efetuado, desde logo quanto ao pedido e à causa de pedir formulado pela impugnante, já que esta não pretende demonstrar que o valor da transação (da compra) foi inferior ao valor resultante da avaliação do imóvel para efeitos de imposto municipal sobre imóveis, mas o facto de a liquidação não ter tido por base o valor declarado que foi o efetivamente praticado e que foi aceite pela AT.

22. Conforme consta da p.i. e do documento junto a fls. 302 a 312, o que está verdadeiramente em causa é uma ilegalidade da própria liquidação a qual, no entender da impugnante, não poderia ter tido por base o ato de fixação do valor patrimonial de imóveis na situação como a dos autos em que a AT aceitou que o valor declarado de venda foi o efetivamente praticado.

23. O que está aqui em causa é, isso sim, a circunstância de a AT ter reconhecido que o preço efetivamente praticado na transação do prédio em causa foi o declarado na escritura de compra e venda, afastando por conseguinte a possibilidade que a sua tributação incida sobre um valor apurado de acordo com uma ficção jurídica (a de que a venda tenha sido realizada pelo valor patrimonial tributário, por ser este montante superior ao valor declarado na escritura de venda).

24. O cálculo da liquidação de IMT ora impugnada veio a ter por base um valor obtido exclusivamente com referência ao valor patrimonial tributário posteriormente atribuído ao imóvel, facto que perante o reconhecimento por parte da AT de que o valor de venda declarado foi o efetivamente praticado, corresponde à primazia da tributação da recorrente por uma capacidade contributiva manifestada pelo adquirente quando faz a aquisição do imóvel meramente ficcionada em detrimento frontal do direito a ser tributada de acordo com a sua situação individual e concreta, ou seja, pela capacidade aquisitiva efetivamente verificada, em clara violação do artº 104º nº 3 da CRP “A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos”.

25. Será assim de todo injusto para a ora recorrente e violador do espírito da lei que regula o código do IMT que seja o valor do imposto fixado, tendo por base uma avaliação, quando é a própria administração fiscal a reconhecer que o preço declarado foi o efetivamente praticado.

26. O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo para considerar que o contribuinte não tem a possibilidade de provar, para efeitos de IMT, que o preço declarado corresponde ao preço efetivamente pago e é inferior ao valor patrimonial tributário, baseia-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16/09/2015, proferido no processo nº 0156/15 - RELATOR DRº ARAGÃO SEIA, no qual se entendeu que o nº 1 do artigo 12º do CIMT não permite atender ao valor da transação nas situações em que é inferior ao valor patrimonial tributário, com o argumento de que a prova de que o valor da transação foi inferior ao valor real do imóvel, não consubstancia um direito que o legislador (...) tenha querido atribuir ao contribuinte.

27. No entanto, em sentido contrário aquele acórdão do STA, há Jurisprudência que entende que o SP não está impedido de demonstrar que o valor da transação corresponde ao valor declarado em situações em que é inferior ao valor patrimonial.

28. De que é exemplo o Acórdão do TCA-Sul de 04/02/2016 in processo nº 08157/14 – RELATOR DRº JORGE CORTÊS, onde se aprecia e decide sobre qual o valor da venda a considerar quando o valor declarado é inferior ao VPT, para efeitos de tributação do rendimento, onde se interpreta o sentido e alcance do artº 44º nº 2 do CIRS, norma similar à do artº 12º nº 1 do CIMT.

29. E ainda o acórdão do STA de 13/07/2016 in recurso 0173/16 - RELATOR DRª DULCE NETO, onde foi decidido que é possível apreciar e decidir em impugnação judicial de IMT, a questão de saber se a administração tributária podia ter atendido para efeitos da liquidação adicional deste imposto a um valor patrimonial tributário que resultou de uma avaliação posterior à transmissão, efetuada na sequência da apresentação de declaração mod. 1 para efeitos de IMI. Com o argumento de que tal liquidação de IMT pode ser sindicada com base nessa eventual ilegalidade, porquanto o que verdadeiramente está em causa é a questão jurídica da produção de efeitos, em sede de outros impostos que não o IMI, das avaliações5 efetuadas no âmbito da avaliação imposta pelo DL nº 287/2003 de 12.11, e traduz-se em saber se pode atender-se para efeitos de liquidação adicional de IMT, a um valor patrimonial fixado numa avaliação posterior à transmissão e que tendo sido realizada para efeitos de IMI, atendeu a uma realidade que não existia à data da transmissão.

30. O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo conclui que a decisão proferida no âmbito do procedimento de revisão instaurado para efeitos do artº 129º do CIRC não é suscetível de determinar a alteração da matéria coletável para efeitos de tributação em sede de IMT.

31. A impugnante invocou a decisão que foi proferida no âmbito do processo de prova do preço efetivo porque considera que a mesma não pode deixar de ser válida também para a impugnante.

32. E é com este sentido que a impugnante invocou a aplicação desta decisão e do princípio da justiça e da igualdade que sua utilização encerra, apelando a que a liquidação impugnada de IMT tome por base o valor real da transmissão que foi admitido pela AT naquele procedimento instaurado nos termos do artigo 129º do CIRC.

33. O tribunal a quo ao considerar que não pode atender para efeitos de IMT ao preço declarado que corresponde ao preço efetivamente pago que é inferior ao valor patrimonial tributário, viola o direito da recorrente a ser tributada de acordo com a sua situação individual e concreta, tendo feito uma errónea interpretação da norma contida no artº 12º nº 1 do CIMT, e violado os princípios constitucionais da igualdade (artº 13º e 104º nº 3 da CRP) e da justiça (artº 20º CRP)

34. Com efeito, na ótica da recorrente, a decisão do pedido de prova do preço efetivo afeta imediata e diretamente a esfera jurídica da vendedora e da compradora, com consequência em sede de IRC, IMT e Imposto de Selo, e como tal não pode deixar de se relevar no presente caso.

35. O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo embora admitindo que houve preterição da formalidade legal (por falta de audiência prévia) concluiu que o ato impugnado não padece de vício de forma por 6aplicação do princípio do aproveitamento do ato uma vez que entendeu que se apura no processo contencioso que, se a audiência tivesse sido realizada, o interessado não teria a possibilidade de alterar o conteúdo e sentido do ato.

36. A recorrente entende que não se verificam os pressupostos para aplicação do princípio do aproveitamento do ato administrativo, no caso concreto.

37. Segundo a impugnante, a AT em vez de considerar o valor da aquisição que consta do contrato e que foi aceite pela AT em procedimento com vista à prova do preço efetivo da transmissão tomou por base o valor patrimonial resultante de avaliação.

38. Resultando dos autos que a liquidação adicional de IMT deriva do facto de ter sido considerado como valor da matéria coletável um valor superior ao considerado inicialmente, em resultado de avaliação do imóvel efetuada nos termos do CIMT. (Cfr. Ponto 9 dos factos provados) é manifesto que não se está perante uma situação de absoluta impossibilidade de a decisão do procedimento de liquidação ser influenciada pela audição da impugnante.

39. Segundo a sentença recorrida a liquidação de IMT foi elaborada com base no resultado do procedimento de avaliação do prédio adquirido pela impugnante sem que esta o tenha impugnado judicialmente, pelo que no procedimento de liquidação de IMT esta estava impedida de sindicar o valor patrimonial tributário do prédio, e consequentemente de alterar a decisão ao exercer o direito de audição.

40. Não colhe o argumento avançado na sentença recorrida de que a impugnante está impedida de sindicar o valor patrimonial tributário do prédio, e portanto, o quantum da liquidação de IMT não é suscetível de ser alterado, uma vez que participou no procedimento de avaliação do prédio sem ter impugnado o resultado.

41. Primeiro, o argumento de que o resultado da avaliação do prédio não foi impugnado judicialmente, não releva por si só para efeito de averiguar da degradação da omissão do direito de audiência em formalidade não essencial, conforme foi decidido no Acórdão do STA de 25/06/2015 in recurso nº 01391/14 - RELATOR Drº FRANCISCO ROTHES em que foi entendido que o facto da matéria tributável que serviu de base à liquidação se dever considerar já estabilizada e fixada em procedimento autónomo de avaliação no qual o contribuinte teve oportunidade de participar não significa, sem mais, que seja dispensável a notificação para exercício do direito de audiência prévia à liquidação.

42. Segundo, o que a impugnante contesta é o facto de a liquidação não ter tido por base o valor declarado que foi o efetivamente praticado e que foi aceite pela AT, e não a ilegalidade do VPT.

43. Ora no presente caso, sendo certo que o valor da matéria coletável foi o fixado para efeitos de IMI, em processo prévio de avaliação, o que é certo é que até à fase da liquidação do IMT, poderia a recorrente fornecer elementos úteis à liquidação, designadamente chamando a atenção de que a matéria coletável que serviu para a liquidação de IMT se encontra errada, porque desconforme com o valor real da transmissão e invocar as preterições de formalidades legais e as ilegalidades que foram cometidas no procedimento de liquidação de IMT, aliás como o veio a fazer na presente impugnação.

44. A alusão ao pedido de prova do preço efetivo da compra e venda a que se refere o ponto 11 dos factos provados, poderia ter sido efetuada se a recorrente tivesse sido notificada para o exercício do direito de audiência prévia.

45. Trata-se de um elemento novo que podia ter sido careado e relevado na liquidação.

46. Ora relativamente ao valor da matéria coletável, nada nos garante que sempre seria o mesmo caso tivesse havido lugar à audição da impugnante.

47. Os pressupostos fácticos poderiam ser substancialmente diferentes daqueles subjacentes à prática do ato tributário, e assim “poderia ter sido praticado um ato diferente ou até nenhum ato” (nesse sentido, vide, Ac. do STA de 18/06/2014, proc. 01102/13 - RELATOR DRº ARAGÃO SEIA.

48. Terceiro, é irrelevante para o juízo de prognose póstuma a fazer para a aplicação do princípio do aproveitamento do ato tributário, a procedência ou improcedência dos vícios invocados na impugnação.

49. A sentença recorrida conheceu do vício de violação da lei por erro sobre os pressupostos de facto, e concluiu pela sua não verificação, por ter entendido que a impugnante está impedida de sindicar o valor patrimonial tributário do prédio, e dando essa impossibilidade como um dado adquirido, concluiu que não existia a mínima probabilidade da participação da impugnante em sede de audiência prévia influenciar a decisão final noutro sentido.

50. Pois conforme tem sido decidido pela Jurisprudência não é a procedência ou improcedência dos vícios invocados que serve para aferir a relevância da participação do sujeito passivo. Veja-se neste sentido o Acórdão do TCA-Norte de 12/05/2016 in processo nº 00065/11.0BEBRG em que foi relator a Juiz ANA PATROCÍNIO quando decidiu que: “III - Para a formulação do juízo de prognose póstuma, no âmbito de aplicação do princípio do aproveitamento do ato tributário, é irrelevante a procedência ou improcedência dos vícios invocados na impugnação judicial”. E ainda o Acórdão do TCA-Norte de 27/11/2014 in processo nº 00072/01-Porto - RELATORA DRª CRISTINA FLORA.

51. Ora perguntando-se se afinal se se está ou não perante uma situação de absoluta impossibilidade de a decisão do procedimento ser influenciada pela participação do interessado, a resposta só poderá ser negativa.

52. Assim sendo, haverá de concluir-se que o direito de audiência não podia neste caso deixar de ser assegurado, pelo que, em consequência a decisão recorrida errou ao não julgar preterida tal formalidade legal.

53. O Tribunal recorrido violou os artigos 580º nº 2, 581º, 619º nº 1 CPC, 12º nº 1 CIMT, 104º nº 3, 13º, e 20º da CRP.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, E COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXªs, DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E REVOGAR-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA COM TODAS AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, ASSIM SE FAZENDO A ESPERADA JUSTIÇA”

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Cumpre decidir.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em apreciar a autoridade de caso julgado no que concerne à decisão proferida no processo nº 550/08.0BECBR, que teve por objecto uma situação similar à dos autos envolvendo as mesmas partes e que estando em causa o mesmo prédio e valor de venda constitui caso julgado na presente impugnação bem como indagar se a liquidação em apreço não poderia ter tido por base o acto de fixação do valor patrimonial de imóveis na situação como a dos autos em que a AT aceitou que o valor declarado de venda foi o efectivamente praticado, colocando também em crise o direito da recorrente a ser tributada de acordo com a sua situação individual e concreta, tendo feito uma errónea interpretação da norma contida no art. 12º nº 1 do CIMT, e violado os princípios constitucionais da igualdade e da justiça e ainda indagar da relevância da preterição de formalidade legal por falta de exercício do direito de audição prévia ao acto de liquidação, por não se mostrarem reunidos os requisitos da aplicação do princípio do aproveitamento do acto e não ser a procedência ou improcedência dos vícios invocados que serve para aferir a relevância da participação do sujeito passivo.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

1. Em 21.03.2005, no Cartório Notarial de Cantanhede, a sociedade “B…………….., S.A.”, representada pelos seus administradores C……………. e D……………, na qualidade de vendedora, e a Impugnante, representada pelos seus administradores E…………. e D…………., na qualidade de compradora, outorgaram um contrato de compra e venda, pelo qual foi vendido, além de outro, o prédio urbano sito em ……. ou ……, inscrito na matriz da freguesia e concelho da Mealhada sob o artigo …… e descrito na Conservatória do Registo Predial da Mealhada sob o número 01378, pelo preço de EUR 429.367,70 - cfr. escritura pública de fls. 21 a 27 do processo físico.

2. Em 21.03.2005 a Impugnante emitiu o cheque com o n.º …………, do Banco Espírito Santo, no valor de EUR 522.217,90 à ordem da sociedade “B…………., S.A.” - cfr. cheque de fls. 28 do processo físico.

3. Em 05.07.2005 a Impugnante recebeu um ofício do Serviço de Finanças da Mealhada, sob o assunto “Notificação da avaliação”, cuja cópia a fls. 31 do processo físico aqui se dá por reproduzida, referente ao prédio em propriedade total sem andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ……. da freguesia da Mealhada, relativamente ao qual foi fixado um valor patrimonial tributário de EUR 3.143.700,00 - cfr. ofício de fls. 31 do processo físico e artigo 8.º da petição inicial.

4. Em 02.08.2005 a Impugnante apresentou no Serviço de Finanças da Mealhada um pedido de segunda avaliação do imóvel identificado no ponto anterior do probatório, tendo nomeado um perito para intervir em sua representação na comissão de avaliação - cfr. requerimento de fls. 33 do processo físico.

5. Em 11.10.2006 a Impugnante recebeu um ofício do Serviço de Finanças da Mealhada, sob o assunto “Notificação da 2.ª Avaliação”, cuja cópia a fls. 35 do processo físico aqui se dá por reproduzida, referente ao prédio em propriedade total sem andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ……… da freguesia da Mealhada, relativamente ao qual foi fixado um valor patrimonial tributário de EUR 2.773.170,00 - ofício de fls. 35 do processo físico e artigo 10.º da petição inicial.

6. Em data exacta não apurada a sociedade “B………….., S.A.” recebeu um ofício do Serviço de Finanças da Mealhada, sob o assunto “Notificação da 2.ª Avaliação”, cuja cópia a fls. 36 do processo físico aqui se dá por reproduzida, referente ao prédio em propriedade total sem andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …….. da freguesia da Mealhada, relativamente ao qual foi fixado um valor patrimonial tributário de EUR 2.773.170,00 - ofício de fls. 36 do processo físico

7. Em 08.11.2006 a Impugnante apresentou no Serviço de Finanças de Cantanhede um pedido de revisão elaborado ao abrigo dos artigos 129.º do CIRC e dos artigos 91.º e 92.º da LGT - cfr. requerimento de fls. 37 a 39 do processo físico.

8. Em 08.11.2006 a sociedade “B……………, S.A.” apresentou no Serviço de Finanças de Cantanhede um pedido de revisão elaborado ao abrigo dos artigos 129.º do CIRC e dos artigos 91.º e 92.º da LGT - cfr. requerimento de fls. 40 a 42 do processo físico.

9. Em 12.04.2007 a Impugnante foi notificada da liquidação adicional de IMT, referente à transmissão do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia e concelho da Mealhada sob o artigo ……, da qual consta o valor patrimonial tributário resultante de avaliação no montante de EUR 2.773.170,00, colecta no montante de EUR 180.256,13, e imposto a pagar no valor de EUR 152.347,15, liquidação cuja cópia a fls. 20 do processo físico aqui se dá por reproduzida e transcreve parcialmente:

“Fica notificado(a) nos termos do n.º 4 do art. 31.º do Código do Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) e do art. 36.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), da liquidação adicional do Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) efectuada em resultado de avaliação do prédio (n.º 2 do art. 31.º do CIMT), com fundamento no n.º 1 do artigo 12.º do CIMT e alínea a) do n.º 1 do art. 27.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12/11, relativo à transmissão abaixo descrita. (...)” – cfr. liquidação de fls. 20 do processo físico.

10. Em 05.12.2007 foi assinado o aviso de recepção da notificação dirigida à Impugnante, sob o assunto “Procedimento de revisão da matéria colectável. Decisão”, pelo qual aquela foi notificada do teor integral do Despacho n.º 18/2007, de 2007/10/23, referente à decisão elaborada no âmbito do pedido de revisão instaurado para o apuramento do preço efectivo na transmissão de imóveis, cuja cópia a fls. não numeradas do processo administrativo aqui se dá por reproduzida e transcreve parcialmente:

“(...)

A………………., S.A., com sede em Freixial, 3060 CANTANHEDE, apresentou em 8 de Novembro de 2006, nos termos do artigo 129.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), um pedido de demonstração de que o preço efectivamente praticado na transmissão do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ……, da matriz predial urbana da freguesia de Mealhada, foi inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel.

(...)

O debate contraditório, entre os peritos do contribuinte e o da administração fiscal, concluiu-se em 21 de Fevereiro de 2007, com início às onze horas, conforme acta n.º 08-A/LGT. Conclui o perito da administração no laudo junto a esta referida acta, “que não foi feita a prova do preço de construção e que a reclamante não tem legitimidade para deduzir a reclamação nos termos do artigo 129.º do CIRC e nem para aproveitar o procedimento de revisão nos termos do artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária.”.

(...)

Assim, e concordando plenamente com a posição tomada pelo perito da administração fiscal neste procedimento, também é nossa convicção “que a reclamante não tem legitimidade para deduzir a reclamação nos termos do artigo 129.º do CIRC” e, consequentemente, não se enquadra no procedimento de revisão nos termos dos artigos 91.º e 92.º da LEI GERAL TRIBUTÁRIA, dado que o artigo 129.º do CIRC ao estipular que “o disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis for inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis” (negrito nosso) apenas quis contemplar o transmitente e não o adquirente.

Pelo que se indefere o pedido por falta de legitimidade.

(...)” - cfr. ofício, aviso de recepção e despacho de fls. não numeradas do processo administrativo.

11. Por ofício datado de 07.07.2008 a sociedade “B…………., S.A.” foi notificada do resultado decorrente do debate contraditório realizado no âmbito do Procedimento de Revisão instaurado nos termos do n.º 3 do artigo 129.º do CIRC, referente à alienação de imóveis no ano de 2005, cuja cópia de fls. 302 a 312 do processo físico aqui se dá por reproduzida e transcreve parcialmente:

“(...)

2 - Historial do Processo

(...)

2.2 - Conforme elementos processuais verifica-se que foi alienado o imóvel abaixo identificado.

As entidades intervenientes na alienação foram:

Na qualidade de Alienante – B……………, S.A. (NIF …………); e

Na qualidade de Adquirente – A……….., S.A. (NIF ………..).

2.3 - Prédio em Propriedade Total sem Andares nem Divisões Susceptíveis de Utilização Independente

Freguesia 011 105 (Mealhada)

[IMAGEM]

4 - Conclusão sobre a solicitação de revisão da matéria tributável

4.1 - Face a tudo o antes descrito conclui-se:

4.1.1 – Não haver lugar à introdução da correcção [referida no Artigo 58.º-A, n.ºs 2 e 3 sua alínea a), do CIRC], na declaração de rendimento de IRC, do ano de 2005, do contribuinte B…………., S.A., em relação à quantia de € 2.343.802,30.
4.1.2 – Tudo por via do transcrito na parte final de 2.6.3, quando aí é referido que “(...) a falta de expressão documental e financeira de montante diferente do preço declarado inviabiliza a conclusão de que o preço praticado na venda não corresponde ao escriturado, (...)” sendo que, deste modo há que atentar no conteúdo do Artigo 129.º do CIRC que determina, “(...) 1 – O disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (...)”.
4.1.3 – Concluindo, o valor que vem reclamado, na quantia de € 2.343.802,30, reconfigura-se na cifra de € ZERO, pelo que a quantia de 2.343.802,30 não surte qualquer efeito a nível da cédula IRC/2005, do Contribuinte B…………….., S.A..
(...)” - cfr. documento de fls. 302 a 312 do processo físico.
12. A petição inicial dos presentes autos deu entrada no Serviço de Finanças de Cantanhede em 28.08.2007 - cfr. carimbo aposto a fls. 5 do processo físico.

*
Com relevo para os presentes autos não resultou provado que:

A) A Impugnante tivesse sido notificada para se pronunciar em relação à liquidação impugnada em momento prévio à sua emissão - cfr. artigo 25.º da petição inicial.


*
A convicção do tribunal quanto à matéria de facto provada assentou na análise da documentação constante dos autos e do processo administrativo, conforme discriminado supra no probatório.
A matéria de facto não provada foi alegada no artigo 25.º da petição inicial e decorre da inexistência de prova documental que a comprove.”

«»

3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de apreciar a autoridade de caso julgado no que concerne à decisão proferida no processo nº 550/08.0BECBR, que teve por objecto uma situação similar à dos autos envolvendo as mesmas partes e que estando em causa o mesmo prédio e valor de venda constitui caso julgado na presente impugnação bem como indagar se a liquidação em apreço não poderia ter tido por base o acto de fixação do valor patrimonial de imóveis na situação como a dos autos em que a AT aceitou que o valor declarado de venda foi o efectivamente praticado, colocando também em crise o direito da recorrente a ser tributada de acordo com a sua situação individual e concreta, tendo feito uma errónea interpretação da norma contida no art. 12º nº 1 do CIMT, e violado os princípios constitucionais da igualdade e da justiça e ainda indagar da relevância da preterição de formalidade legal por falta de exercício do direito de audição prévia ao acto de liquidação, por não se mostrarem reunidos os requisitos da aplicação do princípio do aproveitamento do acto e não ser a procedência ou improcedência dos vícios invocados que serve para aferir a relevância da participação do sujeito passivo.

A decisão recorrida recusou conceder abrigo à pretensão da ora Recorrente, por ter considerado que não assiste ao contribuinte a possibilidade de provar, para efeitos de IMT, que o preço declarado corresponde ao preço efectivamente pago e é inferior ao valor patrimonial tributário, na medida em que o legislador elegeu como referência para o cálculo do imposto o valor mais próximo do valor real do mercado, tendo invocado em apoio desse entendimento a jurisprudência do Acórdão deste tribunal de 16-09-2015, proferido no proc. 0156/15 e ainda que embora não existisse fundamento legal para a dispensa do direito de audição em momento prévio à liquidação, não existia no caso concreto a mínima probabilidade de a participação da impugnante influenciar a decisão final, por o valor atribuído ao imóvel já não poder ser alterado.

Nas suas alegações, a Recorrente refere que a sentença recorrida devia ter reconhecido a autoridade de caso julgado à decisão que foi proferida no processo nº 550/08.0BECBR, de que juntou cópia, que teve por objecto uma situação similar à dos autos envolvendo as mesmas partes e que estando em causa o mesmo prédio e valor de venda constitui caso julgado na presente impugnação, sendo que o que está em causa é uma ilegalidade da própria liquidação, a qual, não poderia ter tido por base o acto de fixação do valor patrimonial de imóveis na situação como a dos autos em que a AT aceitou que o valor declarado de venda foi o efectivamente praticado, além de que o Tribunal a quo ao considerar que não pode atender para efeitos de IMT ao preço declarado que corresponde ao preço efectivamente pago que é inferior ao valor patrimonial tributário, viola o direito da recorrente a ser tributada de acordo com a sua situação individual e concreta, tendo feito uma errónea interpretação da norma contida no art. 12º nº 1 do CIMT, e violado os princípios constitucionais da igualdade (art. 13º e 104º nº 3 da CRP) e da justiça (art. 20º CRP), colocando em crise ainda o entendimento do Tribunal “a quo” sobre a preterição de formalidade legal por falta de exercício do direito de audição prévia ao acto de liquidação, por entender, que no caso concreto não se mostram reunidos os requisitos da aplicação do princípio do aproveitamento do acto, e não ser a procedência ou improcedência dos vícios invocados que serve para aferir a relevância da participação do sujeito passivo, para o que convoca a jurisprudência do acórdão deste Tribunal de 26-06-2015, proferido no processo nº 01391/14, e do acórdão do TCA Norte de 12-05-2016, proc. 00065/11.0BEBRG.

Que dizer?

Desde logo, cumpre ter presente que resulta da matéria de facto fixada na sentença recorrida que a ora Recorrente adquiriu em 21/03/2005 um imóvel pelo preço de € 429.367,70 euros, ao qual foi atribuído, em procedimento de avaliação realizado pela AT, o valor de € 2.773.170,00 euros, sendo que a Recorrente requereu a abertura de procedimento para prova do preço efectivo da transmissão ao abrigo do artigo 129º do CIRC, o qual foi indeferido por falta de legitimidade da Requerente na qualidade de adquirente do imóvel.

Nesta sequência, considerando a primeira questão suscitada pela Recorrente, tem de dizer-se que é jurisprudência uniforme que os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova, o que significa que, em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões de conhecimento oficioso.

Pois bem, a ressalva assinalada na parte final do parágrafo anterior e o disposto no art. 579º do C. Proc. Civil, cauciona a alegação da Recorrente quando invoca a autoridade do caso julgado de decisão proferida noutro processo (550/08.0BECBR), no âmbito do qual o TAF de Coimbra deu razão à Recorrente, considerando que o preço a atender para efeitos de imposto de selo era o efectivamente praticado e que no caso concreto correspondia ao preço indicado no contrato de compra e venda, por ter sido este o valor fixado por acordo no âmbito do procedimento de revisão apresentado pela vendedora ao abrigo do disposto no artigo 129º do CIRC, decisão que não pode ser posta em causa nos presentes autos, por se tratar de uma questão prejudicial já resolvida entre as partes, devendo ser atendido o mesmo valor do prédio para efeitos de IMT.

Neste domínio, da certidão junta com as alegações de recurso resulta que a sentença proferida em 18-09-2015 no processo nº 550/08.0BECBR, transitou em julgado em 05-10-2015, ou seja, em data anterior à prolação da sentença recorrida e ainda que o processo respeita a acção de impugnação judicial intentada pela aqui Recorrente e tendo por objecto a liquidação de imposto de selo resultante do contrato de compra e venda do mesmo imóvel e no qual o tribunal se decidiu por atender ao valor fixado no procedimento de revisão apresentado pela vendedora e correspondente ao preço atribuído pelas partes contratantes ao imóvel no contrato de compra e venda.

Sendo assim, entende-se que o decidido naquele processo não produz quaisquer efeitos nos presentes autos, uma vez que não estamos perante “questão prejudicial” de cuja resolução dependesse a solução a dar à questão objecto dos presentes autos, além de que a diversidade de tributos implica a aplicabilidade de regimes legais distintos quanto à determinação do valor tributável, atento que à data - 2005 - as normas que regiam um e outro imposto não observavam o mesmo regime quanto à determinação do valor tributável dos bens, o que só ocorreu com o aditamento do nº 4 ao artigo 9º pela Lei nº 60-A/2005, de 30-12, o que significa que não se impunha ao Tribunal “a quo” que tomasse em consideração o decidido naquele processo quanto ao valor tributável a atender para efeitos de IMT.

Por outro lado, a Recorrente insiste no erro de julgamento, por errónea interpretação do disposto no artigo 12º nº 1 do CIMT e violação dos princípios constitucionais da igualdade e da justiça.

Ora, como se refere na decisão recorrida, o IMT incide, entre o mais, sobre as transmissões onerosas do direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis situados em território nacional (cfr. artigo 1.º e n.º 1 do artigo 2.º do CIMT), referido o art. 12º nº 1 de tal diploma que “O IMT incidirá sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.”. Decorre do referido preceito legal que o legislador elegeu um critério comparativo para determinar a matéria colectável para efeitos de IMT. Com efeito, a taxa de IMT incidirá sobre o mais elevado dos seguintes valores: o correspondente à contrapartida devida pelo adquirente ou o valor patrimonial tributário, verificando-se que o referido preceito legal não estabelece uma presunção, ou sequer uma ficção, de que nas situações em que o valor patrimonial tributário seja mais elevado, o preço corresponderá ao seu montante. De facto, o legislador elegeu como referência para o cálculo do imposto o valor mais próximo do valor real de mercado, o qual há-de corresponder ao valor declarado pelas partes ou ao valor patrimonial tributário (que desde a reforma da tributação do património constitui um valor aproximado do valor de mercado). A escolha da administração fiscal está, assim, limitada ao valor que for mais elevado. Esta opção legislativa é, aliás, um modo de prevenir a evasão fiscal e, assim, contribuir para a igualdade entre os cidadãos na tributação do património. Assim, não assiste ao contribuinte a possibilidade de provar, para efeitos de IMT, que o preço declarado corresponde ao preço efectivamente pago e é inferior ao valor patrimonial tributário.

De facto, como se aponta no Ac. deste Supremo Tribunal de 16-09-2015, Proc. nº 0156/15, www.dgsi.pt, citado na sentença recorrida, “A avaliação dos imóveis feita nos termos do CIMI (valor tributário) pretende ser uma avaliação o mais próxima possível dos valores de mercado, não contribuindo para a formação do valor circunstâncias próprias e específicas de cada contribuinte que possam determinar valores inferiores ou superiores. Tratam-se de condicionalismos objectivos, sem motivações de ordem subjectiva que possam criar distorção nesses valores. Portanto, e ao contrário do que a recorrente pretende, não lhe assiste o direito de ver o imposto calculado sobre o valor concreto da transacção, apesar de esse valor ser inferior ao resultante da avaliação nos termos do CIMI, cfr. artigo 12º, n.º 1 do CIMT, nem isso constitui qualquer presunção inilidível de que o valor resultante da avaliação corresponde ao valor da transacção. É o próprio legislador que admite que o valor patrimonial resultante da avaliação possa efectivamente ser superior ao concreto valor da transacção, mas é esse valor resultante da avaliação que mais se aproxima do real valor de mercado dos imóveis, e só nesta medida é que é possível respeitar o disposto nos artigos 13º, n.º 1 e 104º, n.º 3 da CRP, ou seja, todos os cidadãos são tributados pelo valor de mercado dos imóveis que possuam. …”.

Acresce que, as razões subjacentes ao procedimento previsto na altura no artigo 129º e actualmente no artigo 139º do CIRC, conexas com o apuramento do lucro tributável e a tributação do rendimento, não estão presentes no figurino e concepção do IMT, em que se visa a tributação da riqueza manifestada pelo ato aquisitivo, ou seja, a tributação do património, o que implica a improcedência da pretensão da Recorrente neste âmbito.

Finalmente, a Recorrente discute também o entendimento do Tribunal “a quo” sobre a preterição de formalidade legal por falta de exercício do direito de audição prévia ao acto de liquidação, por entender, que no caso concreto não se mostram reunidos os requisitos da aplicação do princípio do aproveitamento do acto, situação que se coloca no âmbito do juízo de prognose póstuma sobre a possibilidade ou não que o exercício do direito de audição por parte da Recorrente de influenciar a decisão sobre a determinação do valor tributável do imóvel.

O Pleno deste Supremo Tribunal (Acórdão de 15-10-2014, Proc. nº 1374/13, www.dgsi.pt) refere que “aplicação do princípio do aproveitamento do acto para obstar à anulação de um acto de liquidação efectuado sem prévia audição do destinatário depende de um juízo de prognose póstuma no sentido da inexistência de qualquer possibilidade de a sua intervenção poder influenciar o conteúdo daquele acto”.

Assim sendo, perante um acto de liquidação adicional de IMT em que está em causa a determinação do valor tributável do imóvel e cujo resultado foi objecto de um procedimento de avaliação próprio, no qual participou o sujeito passivo, a que se seguiu a emissão da liquidação, acompanha-se o exposto pelo Ex.mo Magistrado do Ministério Público, quando, perante a realidade em equação nos autos, sustenta que o juízo formulado pelo Tribunal “a quo”, no sentido de que não existia no caso concreto a mínima probabilidade de a participação da impugnante influenciar a decisão final, por o valor atribuído ao imóvel já não poder ser alterado, está correta, pois que, não se vislumbra como é que a aqui Recorrente pudesse influenciar naquela fase a decisão a tomar sobre a determinação daquele valor, uma vez que o mesmo foi fixado pelos peritos em 2ª avaliação requerida pela Recorrente, ou seja, em procedimento autónomo realizado com esse fim, pelo que neste caso pode falar-se em estabilização da matéria tributável, além de que não se detecta que outros elementos podia a Recorrente carrear para o procedimento com aptidão para influenciar os termos dessa liquidação, o que conduz à improcedência total do presente recurso.




4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.

Custas pela Recorrente.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 09 de Dezembro de 2021. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.