Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0129/19.1BEPDL-S3 |
Data do Acordão: | 02/10/2022 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | FONSECA DA PAZ |
Descritores: | CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL PROVA PERICIAL FUNDAMENTAÇÃO |
Sumário: | I – O acórdão, proferido em processo de contencioso pré-contratual, que admite a produção de prova pericial por entender que, para a prolação da decisão, havia que valorar factualidade segundo juízos próprios de outras ciências, designadamente das ciências médicas, não sendo suficiente, para o esclarecimento das questões a decidir, a prova testemunhal e documental produzida nos autos, não padece da nulidade de falta de fundamentação. II – Embora o CPTA tenha reconhecido a necessidade de imprimir uma maior celeridade às acções de contencioso pré-contratual, fora dos mecanismos de simplificação processual que estabeleceu limitou-se a remeter para a tramitação da acção administrativa, pelo que a admissão da prova pericial não está sujeita, nesse tipo de acções, a qualquer especificidade, só devendo ser indeferida quando o juiz a considere “claramente desnecessária” ou “impertinente ou dilatória”. III – Estando em causa um vício de violação do caderno de encargos, por as propostas das contra-interessadas não cumprirem as características mínimas dos equipamentos e reagentes a fornecer, cujo conhecimento implica a formulação de juízos especializados de natureza técnica que não fazem parte da cultura geral ou da experiência comum que se deve presumir que o juiz possui, é de admitir a prova pericial requerida. |
Nº Convencional: | JSTA00071387 |
Nº do Documento: | SA1202202100129/19 |
Data de Entrada: | 01/07/2022 |
Recorrente: | A............, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDª |
Recorrido 1: | B............ SA E OUTROS |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | RECURSO DE REVISTA |
Objecto: | ACÓRDÃO TCA SUL |
Decisão: | NEGA PROVIMENTO |
Área Temática 1: | CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL |
Legislação Nacional: | ARTIGOS 78.º a 96.º E 102º DO CPTA, |
Aditamento: | |
Texto Integral: | ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: 1. B…………, S.A., com sede na Av. ………, n.º ……, …..., em Ponta Delgada, intentou acção de contencioso pré-contratual contra a C…………, S.A., e em que eram contra-interessadas a A…………, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA, e a D…………, SOCIEDADE UNIPESSOAL LDA, para impugnação da deliberação, de 28/5/2019, do Conselho de Administração da entidade demandada, que, no âmbito do Lote 7 (Imunologia), adjudicou à contra-interessada “A…………” o concurso público para celebração de contrato de aprovisionamento relativamente ao fornecimento de reagentes e consumíveis, com colocação de equipamentos, às Unidades de Saúde de ilha da Região Autónoma dos Açores. Após o TAF ter indeferido a produção de prova pericial requerida pela A., esta interpôs recurso desta decisão para o TCA-Sul, o qual, por acórdão de 7/10/2021, concedeu-lhe provimento, determinando a baixa dos autos ao TAF para aí ser proferido despacho a admitir esse meio de prova. A contra-interessada “A…………” interpôs deste acórdão recurso de revista para este STA, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:
A recorrida, “B…………”, contra-alegou, tendo concluído que o recurso não deveria ser admitido ou, a não se entender assim, deveria ser-lhe negado provimento.
Pela formação de apreciação preliminar a que alude o art.º 150.º, do CPTA, foi proferido acórdão a admitir a revista.
A Exmª Srª Procuradora-Geral Adjunta junto deste STA, notificada nos termos do art.º 146.º, do CPTA, não emitiu parecer.
2. O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos: “A) Em sede de audiência, realizada a 06.12.2019, no âmbito do incidente de levantamento do efeito suspensivo, a ENTIDADE DEMANDADA, C…………, e a CONTRAINTERESSADA, A…………, foram notificadas para, no prazo de 10 (dez) dias, se pronunciarem sobre o objeto da perícia apresentado pela Autora na petição inicial – cfr. ata da referida audiência a fls. 525, ref. SITAF, P. 129/19-S2. B) Da ata da audiência prévia, realizada a 10.02.2020 – cfr. fls. 530, ref. SITAF, P. 129/19-S2 –, consta, designadamente, o seguinte: «(…) Proferido despacho saneador, nos casos em que os autos devam prosseguir, cumpre proferir despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova (cfr. artigo 596.º, n.º 1, do CPC). Assim, dando cumprimento ao preceito aludido e após debate com os Mandatários das Partes, pela Mmª. Juiz de Direito foi proferido o seguinte: DESPACHO DE IDENTIFICAÇÃO DO OBJETO DO LITÍGIO E DE ENUNCIAÇÃO DOS TEMAS DA PROVA: A) Características do equipamento e dos reagentes (área da Imunologia) constantes da proposta da A………… e da sua conformidade com os parâmetros do Caderno de Encargos Autora: artigos 62.º a 131.º *, da petição inicial. Entidade Demandada: artigos 36.º a 70.º * da sua contestação. Contrainteressada A…………: artigos 181.º a 236.º * da sua contestação. (* - expurgados os artigos que contêm matéria de direito, matéria conclusiva ou meras considerações). B) Características do equipamento (área da Imunologia) constantes da proposta da D………… e da sua conformidade com os parâmetros do Caderno de Encargos Autora: artigos 132.º a 185.º * da petição inicial. Entidade Demandada: artigos 71.º a 96.º * da sua contestação. Contrainteressada A…………: ________ (* - expurgados os artigos que contêm matéria de direito, matéria conclusiva ou meras considerações). * Pelos Il. Mandatários das Partes, foi dito concordarem com o objeto do litígio e com os temas de prova, e não terem reclamações a apresentar. (…) Da perícia requerida pela Autora A Autora requereu a realização de perícia singular, referindo que a mesma deverá ter por objeto a questão de saber se as propostas das Contrainteressadas A………… e D………… violam os requisitos mínimos definidos no Anexo III do Caderno de Encargos, fazendo remissão para os artigos da petição inicial. A Contrainteressada A…………, na sequência da notificação efetuada na audiência do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, pelo requerimento de 17/12/2019 (registo n.º 45037), pronunciou-se sobre a diligência requerida, considerando-a, em súmula, inadmissível, devendo ser indeferida, mas caso assim não se entenda, requereu que seja a prova pericial realizada por meio de perícia colegial, com aditamento ou alteração do objeto para acolher a matéria indicada por si, bem como a concessão de prazo, após a decisão sobre a prova pericial e seu objeto para indicar Perito. A Entidade Demandada, pelo requerimento de 18/12/2019 (registo n.º 45064), pronunciou-se no mesmo sentido da Contrainteressada A…………. Por ora, o Tribunal relega para momento posterior a pronúncia sobre a requerida perícia.(…)» (negritos e sublinhados nossos). C) Por despacho de 10.09.2020, a fls. 543, ref. SITAF, P. 129/19-S2, o tribunal a quo decidiu o seguinte: «(…) Da perícia requerida pela Autora: No âmbito dos presentes autos de contencioso pré-contratual, a Autora, requereu a produção de prova pericial (cfr. petição inicial - fls. 1 a 55 do SITAF). Em sede de audiência do incidente de levantamento do efeito suspensivo, Entidade Demandada e Contrainteressada foram notificadas para, ao abrigo do princípio do contraditório, se pronunciarem sobre a produção de prova pericial. A Contrainteressada, A…………, Sociedade Unipessoal, Lda., pronunciou-se no sentido da inadmissibilidade da perícia requerida pela Autora, ou caso assim não se entenda, requereu que seja realizada prova pericial por meio de perícia colegial, tudo como melhor resulta do requerimento de fls. 1497 a 1505 do SITAF. A Entidade Demandada, pronunciou-se no mesmo sentido que a Contrainteressada A…………, conforme resulta do requerimento de fls. 1515 a 1524 do SITAF. Em sede de audiência prévia, o Tribunal relegou para momento posterior a apreciação e decisão sobre a requerida perícia. A audiência final realizou-se nos dias 29, 30 e 31 de julho do corrente ano (cfr. atas de fls. 1899 a 1906, fls. 1927 a 1931 e fls. 1940 a 1943, do SITAF). Cumpre apreciar e decidir. A prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos relativos a pessoas não devem ser objeto de inspeção judicial - cfr. artigo 388.º do Código Civil (CC). Compete ao juiz da causa verificar se a perícia não é impertinente, nem dilatória. Impertinente, por não respeitar aos factos da causa, dilatória, por, embora, referir-se aos factos da causa, o seu apuramento não requerer o meio de prova pericial, por não exigir os conhecimentos especiais que a mesma pressupõe. No caso vertente, atentas as questões controvertidas e tomando em conta a prova documental junta aos autos, aqui incluindo-se o processo administrativo, bem como a prova testemunhal produzida, considera este Tribunal que não estão preenchidos os pressupostos de que depende a realização de prova pericial. Pelo supra exposto, indefere-se a prova pericial requerida pela Autora.» (sublinhados nossos). D) Interposto que foi recurso jurisdicional do despacho que antecede, este tribunal recurso decidiu, por acórdão de 10.12.2020, o seguinte – cfr. fls. 599, ref. SITAF: «(…) conceder provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido e ordenar a baixa dos autos para aí ser proferido novo despacho que admita a prova pericial requerida ou a indefira fundamentadamente, ao abrigo do art. 90.º, n.º 3, do CPTA.» E) Em cumprimento do acórdão que antecede, o tribunal a quo, proferiu o seguinte despacho de 28.04.2021 [sendo este o despacho recorrido] – cfr. fls. 617 e ss., ref., SITAF: «(…) Em cumprimento do douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo n.º 129/19.1BEPDL-S2, que revogou o despacho proferido em 10/09/2020, que indeferiu a prova pericial requerida pela Autora, cabe proferir novo despacho. No âmbito dos presentes autos de contencioso pré-contratual, a Autora, requereu a produção de prova pericial (cfr. petição inicial - fls. 1 a 55 do SITAF). Em sede de audiência do incidente de levantamento do efeito suspensivo, Entidade Demandada e Contrainteressada foram notificadas para, ao abrigo do princípio do contraditório, se pronunciarem sobre a produção de prova pericial. A Contrainteressada, A…………, Sociedade Unipessoal, Lda., pronunciou-se no sentido da inadmissibilidade da perícia requerida pela Autora, ou caso assim não se entenda, requereu que seja realizada prova pericial por meio de perícia colegial, tudo como melhor resulta do requerimento de fls. 1497 a 1505 do SITAF. A Entidade Demandada, pronunciou-se no mesmo sentido que a Contrainteressada A…………, conforme resulta do requerimento de fls. 1515 a 1524 do SITAF. Em sede de audiência prévia, o Tribunal relegou para momento posterior a apreciação e decisão sobre a requerida perícia. A audiência final realizou-se nos dias 29, 30 e 31 de julho do corrente ano (cfr. atas de fls. 1899 a 1906, fls. 1927 a 1931 e fls. 1940 a 1943, do SITAF). Cumpre apreciar e decidir. A prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos relativos a pessoas não devem ser objeto de inspeção judicial - cfr. artigo 388.º do Código Civil (CC). Compete ao juiz da causa verificar se a perícia não é impertinente, nem dilatória. Impertinente, por não respeitar aos factos da causa, dilatória, por, embora, referir-se aos factos da causa, o seu apuramento não requerer o meio de prova pericial, por não exigir os conhecimentos especiais que a mesma pressupõe. No caso sub judice os temas de prova enunciados são: A) Características do equipamento e dos reagentes (área da Imunologia) constantes da proposta da A………… e da sua conformidade com os parâmetros do Caderno de Encargos. B) Características do equipamento (área da Imunologia) constantes da proposta da D………… e da sua conformidade com os parâmetros do Caderno de Encargos. Quanto ao tema de prova A) resulta a necessidade de aferir da compatibilidade da proposta da Contrainteressada A………… com o Anexo III do Caderno de Encargos (na parte relativa a Imunologia), na parte que determina que o equipamento a fornecer assegura a “Possibilidade de repetição automática das amostras, sempre que estão acima ou abaixo de limites previamente programados, com pré diluição e testes reflexos”. Ora, para responder à questão controvertida e enunciada no tema de prova A), o Tribunal considera suficiente a prova documental junta aos autos (designadamente a constante de fls. 3574, fls. 4145 a 4149, fls. 4614 a 4617, todas do processo administrativo), conjugada com a prova testemunhal produzida (designadamente do depoimento da testemunha E…………). No que concerne ao tema de prova B) advém a necessidade de indagar da compatibilidade da proposta da Contrainteressada D………… com o Anexo III do Caderno de Encargos (na parte relativa a Imunologia), no segmento em que se exige que o equipamento a fornecer assegure a “Deteção de nível insuficiente de amostra”. Com vista a apreciar e decidir a questão enunciada no tema de prova B), o Tribunal considera suficiente a prova documental junta aos autos (designadamente a constante de fls. 495 a 510 do processo administrativo). Por conseguinte, e face ao supra expendido indefere-se a prova pericial requerida pela Autora, por manifesta desnecessidade face à prova documental constante dos autos (incluindo processo instrutor) e à prova testemunhal já produzida (cfr. artigo 90.°, n.º 3, in fine do CPTA). (…)». (sublinhados nossos).
3. O acórdão recorrido, para conceder provimento ao recurso que a A. interpusera do despacho que indeferira a produção de prova pericial que requerera, considerou o seguinte: “(…) Dispõe o art. 90.º, n.º 3 do CPTA que «No âmbito da instrução, o juiz ou relator ordena as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, podendo indeferir, por despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova, quando o considere claramente desnecessário.» Por seu turno, dispõe o art. 476.º do CPC, sob a epígrafe «Fixação do objeto da perícia», que «1 - Se entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição. 2 - Incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respetivo objeto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade.» E, at last but not least, o art. 388.º do CC, sob a epígrafe, «Objeto» que «A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial.» O tribunal a quo, ao indeferir, pela segunda vez, a prova pericial requerida, fê-lo «por manifesta desnecessidade face à prova documental constante dos autos (incluindo processo instrutor) e à prova testemunhal já produzida», do que se depreende que o tribunal a quo se considere, no caso em apreço, plenamente esclarecido e que antecipe que nada do que possa vir a resultar do meio de prova pericial requerido possa ser útil para melhor, por mais esclarecida, decisão da causa, ponderação esta que foi feita após a realização da audiência de julgamento, após inquirição das testemunhas arroladas pelas partes. Retomando aqui a matéria de facto em causa, tal como alegado pela Recorrente em sede de alegações recursivas, «em face do teor dos factos articulados e dos temas da prova fixados, as questões essenciais a que é imprescindível dar resposta para a boa decisão da causa são as seguintes: 1. O Anexo III do caderno de encargos (na parte relativa a Imunologia), determina que o equipamento a fornecer assegure a “Possibilidade de repetição automática das amostras, sempre que estão acima ou abaixo de limites previamente programados, com pré-diluição e testes reflexos” (cfr. p. 45). 1.1. Do ponto de vista técnico como deve ser interpretada esta disposição no que se refere à “repetição automática das amostras pelo equipamento”? 1.2. Esta disposição exige que o equipamento seja capaz de, autonomamente, proceder a esta repetição automática, sem o apoio de qualquer solução externa? 1.3. O analisador Cobas e411 proposto pela A………… cumpre autonomamente este requisito mínimo? 1.4. Do ponto de vista técnico como deve ser interpretada esta disposição no que se refere à “pré-diluição”? 1.5. Esta disposição exige que o equipamento seja capaz de, automaticamente, proceder a esta “pré-diluição”, sem intervenção manual? 12/23 1.6. O analisador Cobas e411 proposto pela A............ cumpre autonomamente este requisito mínimo? 1.7. De harmonia com a proposta da A............ a diluição dos reagentes relativos aos testes “Ácido Fólico (folatos)”, “Anticorpos Anti-Tiroideus (Anti-TPO)”, “Vitamina B12 (Cianocobalamina)” e “Vitamina D (25-(OH)-Vitamina D)” tem de ser efetuada manualmente? 2. De acordo com o Anexo III do caderno de encargos (na parte relativa a Imunologia), exige-se que o equipamento a fornecer assegure a “Deteção de nível insuficiente de amostra” (cfr. p. 45). 2.1. Do ponto de vista técnico como deve ser interpretada esta disposição? 2.2. Deve entender-se que o equipamento detete e assinale a insuficiência da amostra para o teste programado antes do seu início? 2.3. Deve admitir-se como suficiente a indicação de “QNS- quantity not sufficient” durante a execução do teste, no momento em que a amostra se esgote? 2.4. A realização dos testes nestas condições de insuficiência de amostra fica comprometida na sua integridade e fidedignidade? 2.5. A realização de testes com quantidade insuficiente pode danificar o equipamento? 2.6. O equipamento proposto pela D………… (Access 2) cumpre esta disposição do Caderno de Encargos?» Perante o que, e sem prejuízo de o tribunal, aquando a admissão do meio de prova pericial poder, dever, determinar o respetivo objeto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes – cfr. art. 476.º, n.º 2, do CPC, supra citado e transcrito – o certo é que além da interpretação dos requisitos exigidos no Caderno de Encargos, que o tribunal pode já considerar-se esclarecido, importará ainda decidir sobre a compatibilidade dos equipamentos descritos nas propostas das Contrainteressadas com os mesmos. Tal juízo de compatibilidade consta, de facto, dos autos, no relatório final de avaliação das propostas levado a cabo pelo júri do concurso – cfr. doc. fls. 118 e ss do SITAF – mas não nos podemos esquecer que essa é a fundamentação, que contém juízos eminentemente técnicos, por mais crível e suficiente que possa parecer, que a Recorrente pretende impugnar nos presentes autos. Assim, a testemunha cujo depoimento é expressamente referido pelo tribunal a quo no despacho recorrido, E..., tendo sido arrolada por uma das contrainteressadas, empresa para a qual e tendo participado na elaboração da proposta em relação à qual do tema de prova A) resulta a necessidade de aferir a respetiva compatibilidade com o Anexo III do Caderno de Encargos (na parte relativa a Imunologia), «na parte que determina que o equipamento a fornecer assegura a “Possibilidade de repetição automática das amostras, sempre que estão acima ou abaixo de limites previamente programados, com pré diluição e testes reflexos”.», não pode ser considerado suficiente por si e nem mesmo que conjugado com a prova documental junta aos autos. Na verdade, o tribunal a quo fundamenta também o seu cabal esclarecimento nos documentos que constam do processo administrativo, designadamente, e expressamente, nas fls. 3574, fls. 4145 a 4149, fls. 4614 a 4617 – tema da prova A) – e fls. 495 a 510 – tema da prova B) - que correspondem, essencialmente, a partes das propostas apresentadas pelas Contrainteressadas - designadamente, fls. 497 e ss e fls. 4146 e ss. - e que a A., ora Recorrente, pretende sejam excluídas, por violação do Caderno de Encargos. Atentemos no seguinte: «(…) compete o meio de prova pericial sempre que seja caso de recurso a lex artis que extravase o direito adjectivo e substantivo, isto é, quando se trate de valorar determinada factualidade segundo juízos próprios de outras ciências que não a ciência jurídica, vd. artºs 388º C. Civil, (…) o depoimento testemunhal incide sobre os factos da causa, com fundamento na razão de ciência que indicam (por ver e ouvir) a título justificativo do modo como vieram ao seu conhecimento, vd. artº 638º nº 1 CPC, não constituindo as suas declarações meio probatório idóneo para, com relevância adjectiva, emitir juízos de valoração técnica, próprios da prova pericial, expressos em relatório, vd. artºs. 568º nº 1 in fine e 586º nº 1 CPC.(1)»(2)(sublinhados nossos) - cfr. acórdão deste tribunal de recurso, de 23.02.2012, P. 08433/12. Ora, no caso em apreço dúvidas não temos que os temas da prova congregam matéria de facto que terá de ser valorada segundo juízos próprios de outras ciências – designadamente de ciências médicas -, que não o direito adjetivo ou substantivo, a saber: «na parte que determina que o equipamento a fornecer assegura a “Possibilidade de repetição automática das amostras, sempre que estão acima ou abaixo de limites previamente programados, com pré diluição e testes reflexos”.» Dúvidas também não temos que, por muito esclarecedor que tenha sido o depoimento da testemunha E…………, ou de qualquer outra, mas desta testemunha em particular porque referida no despacho recorrido, arrolada que foi pela contrainteressada, tendo aquela referido que trabalha para esta empresa e que participou na elaboração da proposta, não é suficiente, só por si, para valer como o juízo técnico devidamente avalisado e suficientemente independente e isento sobre a compatibilidade da proposta, em cuja elaboração colaborou, em relação ao Caderno de Encargos. Só por manifesta má-fé ou inconsciência é que uma testemunha, que tenha participado na elaboração da proposta submetida a concurso, iria assumir que a mesma viola ou não cumpre o Caderno de Encargos. E isto porque, independentemente da sua convicção sobre a compatibilidade da proposta com os requisitos exigidos nas peças procedimentais do concurso, apenas um juízo técnico, paralelo ao que o júri do concurso efetuou, poderá esclarecer devidamente o tribunal acerca dos referidos factos. Assim, imperioso se torna concluir que o despacho recorrido padece de flagrante erro de direito pois, face a todo o exposto, não pode a prova testemunhal produzida e nem a prova documental junta aos autos - que requer que sobre a mesma recaia um juízo técnico que possa contrabalançar, confirmando ou negando o juízo, também ele de natureza técnica, efetuado pelo júri do concurso – cfr. relatório final a fls. 118 e ss., ref SITAF -, suficiente para o esclarecimento necessário à decisão da causa. Acresce que, como vimos, dúvidas há que os temas da prova convocam a apreciação de factos cuja valoração extravasa a mera subsunção jurídica e apelam a conhecimentos de outras ciências, pelo que a prova pericial requerida não é impertinente. Por fim, apenas uma última nota, tratando-se, como se trata, de um processo urgente, cuja materialidade subjacente reclama uma decisão jurisdicional tão célere quanto possível, tal desiderato não deve, porém, ser alcançado à custa do direito à prova, revelando-se até causador de demora desnecessária e evitável, como se pode ver pela tramitação dos presentes autos, pelo que, e sem necessidade de mais amplas considerações, grande parte delas já produzidas no acórdão anterior que conheceu do primeiro despacho de indeferimento da prova pericial requerida, impõe-se revogar o despacho recorrido e ordenar a baixa dos autos para que seja admitida a prova pericial requerida”. A recorrente, na presente revista, imputa a este acórdão a nulidade de falta de fundamentação, vertida na al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC – por se limitar a referir, genérica e conclusivamente, que os temas de prova que haviam sido fixados exigiam a produção de prova pericial –, bem como erros de julgamento, por errada interpretação e aplicação dos artºs. 388.º, do C. Civil, 90.º, n.º 3, do CPTA e 476.º, n.º 1, do CPC, em virtude de as questões enunciadas pela A. para efeitos de produção de prova não exigirem conhecimentos especiais que o julgador não possua, sendo susceptíveis de serem aferidas pelo juiz à luz das regras da experiência comum mediante prova documental e testemunhal, impondo as regras da prudência e da economia processual que, em sede de tutela urgente, se procure esgotar os meios de prova mais expeditos e imediatos antes de se lançar mão dos mais morosos e porque a realização de perícia nas acções de contencioso pré-contratual deve estar reservada para as situações de “erro grave”, “erro grosseiro” e/ou de “erro manifesto”. Vejamos se lhe assiste razão, começando por apreciar a invocada nulidade. A exigência de fundamentação implica que o juiz demonstre, na sentença, que a decisão que perfilha é a legal, o que permite, por um lado, que as partes conheçam as razões em que se apoiou o seu veredicto para poder impugná-las e, por outro, que o tribunal superior exerça sobre elas a censura que ao caso couber. Por isso, só a absoluta falta de fundamentação é motivo da nulidade da sentença prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 615 do CPC, pois uma exposição errada, medíocre ou insuficiente dos respectivos fundamentos permite descortinar as razões que a ditaram, sujeitando-a à possibilidade de em recurso vir a ser alterada ou revogada. Ora, no caso vertente, é manifesto que não ocorre essa total omissão dos fundamentos da decisão. Efectivamente, no acórdão indicam-se claramente os motivos de facto e de direito que determinaram a decisão, dele resultando que se entendeu que, para a prolação da decisão, havia que valorar factualidade segundo juízos próprios de outras ciências, designadamente das ciências médicas, não sendo suficiente para o esclarecimento das questões a decidir a prova testemunhal e documental produzida nos autos, pelo que a diligência requerida não se poderia considerar desnecessária ou dilatória. Assim sendo, improcede a arguida nulidade. Quanto aos erros de julgamento invocados, importa considerar que as acções de contencioso pré-contratual obedecem à tramitação prevista nos artºs. 78.º a 96.º, do CPTA, para a acção administrativa com as alterações que decorrem do art.º 102.º do mesmo diploma legal. Não sendo impostas limitações quanto aos meios de prova admissíveis, nem quanto aos termos em que se processa a sua produção, nessas acções tem plena aplicação o disposto no art.º 90.º, n.º 2, do CPTA, quando remete a sua instrução para a lei processual civil, pelo que nada obsta à admissão da prova pericial (cf. Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha in “Comentário ao CPTA”, 2017, 4.ª edição, pág. 817). Assim, se o CPTA – em cumprimento da Directiva 89/665/CEE, revista pela Directiva 2007/66/CE, que, no domínio pré-contratual, exigia a implementação de processos “rápidos e eficazes” – reconheceu a necessidade de imprimir uma maior celeridade a esse tipo de acções para garantir uma intervenção judicial atempada num domínio onde facilmente são criadas situações de irreversibilidade, no entanto, fora dos mecanismos de simplificação processual que estabeleceu, limitou-se a remeter para a tramitação da acção administrativa, pelo que a admissão de prova pericial não está sujeita a qualquer especificidade. Assim, sendo requerida produção de prova pericial, o juiz só a deve indeferir quando a considere “claramente desnecessária” (cf. citado art.º 90.º, n.º 3) ou, na terminologia do CPC, quando essa diligência seja “impertinente ou dilatória” (cf. artº. 476º, nº. 1). Como escreve J. P. Remédio Marques (in “Acção Declarativa À Luz do Código Revisto”, 2.ª edição, 2009, pág. 559), “a prova pericial visa percepcionar ou apreciar os factos através de pessoas (os peritos) que são dotados (por via da experiência ou por via de aptidões académicas, ou pelas duas vias) de especiais conhecimentos científicos ou técnicos, pessoas que, diferentemente das testemunhas, interpretam e analisam tais factos através do referido conhecimento técnico-científico que o juiz não possui”. O perito, que pode ser considerado um coadjuvante do tribunal, é, assim, a pessoa dotada de conhecimentos especiais que não fazem parte da cultura geral ou da experiência que se deve presumir no julgador (art.º 388.º, do C. Civil). No caso em apreço, a A., na acção que intentou, imputou à deliberação adjudicatória, proferida no âmbito do Lote n.º 7 (Imunologia) do concurso público para a celebração de contrato de aprovisionamento relativamente ao fornecimento de reagentes e consumíveis para testes laboratoriais, com colocação de equipamentos, às Unidades de Saúde de ilha da Região Autónoma dos Açores, um vício de violação do Anexo III do Caderno de Encargos, por as propostas das contra-interessadas não cumprirem as características mínimas dos equipamentos e reagentes a fornecer, o que deveria ter determinado a exclusão das mesmas nos termos do art.º 70.º, n.º 2, al. b), “ex vi” do art.º 146.º, n.º 2, al. o), ambos do CCP. Conforme resulta dos temas de prova referidos no despacho transcrito na al. E) do probatório e do teor do acórdão recorrido, na parte em que especifica a matéria de facto em causa tal como alegada pela A., a compatibilidade dos equipamentos descritos nas propostas das contra-interessadas com os requisitos exigidos pelo Caderno de Encargos implica a formulação de juízos especializados de natureza técnica que não fazem parte da cultura geral ou da experiência comum que se deve presumir que o juiz possui. Refira-se, finalmente, que, ao contrário do que alega o ora recorrente, a prova pericial não está limitada às situações em que se invoque a existência de um “erro grave” ou “grosseiro”, dado essa restrição não estar legalmente prevista, sendo certo também que nas questões sobre que incidiam os temas de prova a entidade adjudicante não tinha um poder de livre apreciação, tendo sim que averiguar se as propostas em causa cumpriam os requisitos exigidos. Portanto, porque a lei não estabelece requisitos específicos de admissão da prova pericial no contencioso pré-contratual e, no caso vertente, não se pode considerar a mesma impertinente ou dilatória, terá de improceder a presente revista.
4. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido. Custas pela recorrente.
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