Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0129/19.1BEPDL-S3
Data do Acordão:02/10/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
PROVA PERICIAL
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I – O acórdão, proferido em processo de contencioso pré-contratual, que admite a produção de prova pericial por entender que, para a prolação da decisão, havia que valorar factualidade segundo juízos próprios de outras ciências, designadamente das ciências médicas, não sendo suficiente, para o esclarecimento das questões a decidir, a prova testemunhal e documental produzida nos autos, não padece da nulidade de falta de fundamentação.
II – Embora o CPTA tenha reconhecido a necessidade de imprimir uma maior celeridade às acções de contencioso pré-contratual, fora dos mecanismos de simplificação processual que estabeleceu limitou-se a remeter para a tramitação da acção administrativa, pelo que a admissão da prova pericial não está sujeita, nesse tipo de acções, a qualquer especificidade, só devendo ser indeferida quando o juiz a considere “claramente desnecessária” ou “impertinente ou dilatória”.
III – Estando em causa um vício de violação do caderno de encargos, por as propostas das contra-interessadas não cumprirem as características mínimas dos equipamentos e reagentes a fornecer, cujo conhecimento implica a formulação de juízos especializados de natureza técnica que não fazem parte da cultura geral ou da experiência comum que se deve presumir que o juiz possui, é de admitir a prova pericial requerida.
Nº Convencional:JSTA00071387
Nº do Documento:SA1202202100129/19
Data de Entrada:01/07/2022
Recorrente:A............, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDª
Recorrido 1:B............ SA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO DE REVISTA
Objecto:ACÓRDÃO TCA SUL
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
Legislação Nacional:ARTIGOS 78.º a 96.º E 102º DO CPTA,
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:

1. B…………, S.A., com sede na Av. ………, n.º ……, …..., em Ponta Delgada, intentou acção de contencioso pré-contratual contra a C…………, S.A., e em que eram contra-interessadas a A…………, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA, e a D…………, SOCIEDADE UNIPESSOAL LDA, para impugnação da deliberação, de 28/5/2019, do Conselho de Administração da entidade demandada, que, no âmbito do Lote 7 (Imunologia), adjudicou à contra-interessada “A…………” o concurso público para celebração de contrato de aprovisionamento relativamente ao fornecimento de reagentes e consumíveis, com colocação de equipamentos, às Unidades de Saúde de ilha da Região Autónoma dos Açores.

Após o TAF ter indeferido a produção de prova pericial requerida pela A., esta interpôs recurso desta decisão para o TCA-Sul, o qual, por acórdão de 7/10/2021, concedeu-lhe provimento, determinando a baixa dos autos ao TAF para aí ser proferido despacho a admitir esse meio de prova.

A contra-interessada “A…………” interpôs deste acórdão recurso de revista para este STA, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:
A. O presente Recurso de Revista vem interposto do Acórdão proferido pelo TCAS em 07.10.2021, que concedeu provimento ao âmbito do Recurso Jurisdicional interposto pela Autora/Recorrida, do Despacho proferido pelo Tribunal de 1.ª instância em 28.04.2021, através do qual esse Tribunal indeferiu a realização da Prova Pericial requerida pela Autora/Recorrida, tendo ficado demonstrada a necessidade/imperiosidade de admissão do Recurso de Revista, quer em face da relevância jurídica e social da questão, quer para uma melhor aplicação do direito, justificando-se esta última nos erros de julgamento, e na nulidade, em que incorreu o TCAS no Acórdão sob impugnação.
B. Demonstrou-se relevância jurídica fundamental das questões submetidas a Revista porquanto está em causa a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos: artigo 20.º, da Constituição da República Portuguesa, artigo 388.º, do Código Civil, artigo 476.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, artigo 90.º, n.º 3, do CPTA, assim como está em causa, também, apurar e decidir quanto à susceptibilidade e momento da produção de Prova Pericial em sede de Acções de Contencioso Administrativo onde a Tutela é Urgente, a que acresce a circunstância de estarmos perante questões que suscitam dúvidas sérias quer ao nível da Jurisprudência quer ao nível da Doutrina, uma vez que não se encontra tratada mas urge clarificar, com fundamentos comuns aos do critério da relevância social fundamental.
C. Quanto à relevância social fundamental, a mesma ficou evidenciada e demonstrada em face da especial capacidade de repercussão no tecido social e expansão do interesse orientador da intervenção do Supremo Tribunal Administrativo relativamente a futuros casos análogos ou apenas do mesmo tipo, mas em que a utilidade da decisão se antevê com condições para ultrapassar os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio.
D. Como ficou evidenciado, uma das questões essenciais a dilucidar nesta Revista prende-se com a admissibilidade da realização/produção de Prova Pericial no âmbito de Acções Urgentes de Contencioso Pré-Contratual, em casos em que o Tribunal de 1.ª instância – inteirado e conhecedor do Processo – considera que o apuramento dos factos que relevam para a boa decisão da causa não demanda este concreto meio de prova, uma vez que a prova produzida é suficiente e bastante para concluir pela desnecessidade da Prova Pericial.
E. Igualmente relevante é a questão de saber se a Prova Pericial em sede de Acções de Contencioso Pré-Contratual não deve estar reservada para situações em que se encontre demonstrado, pelo Autor/Impugnante, que a Decisão sob Impugnação Jurisdicional padece de erro grave”, “erro grosseiroe/ou erro manifesto, o que não ocorre no caso vertente, conforme se evidenciou de artigos 81.º a 92.º, da Contestação apresentada pela Contra-Interessada aqui Recorrente, os quais, por economia processual, aqui se dão por integralmente reproduzidos e articulados.
F. Como evidenciado, é sabido que, hoje em dia, as Acções de Contencioso Pré-Contratual constituem o grosso das Acções Administrativas que correm termo junto dos Tribunais Administrativos, razão pela qual, de resto, existam já Juízos de Competência Especializada em Matéria de Contratação Pública (Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa e Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto), para fazerem face ao crescente e permanente aumento da/na instauração destas Espécies de Acção, aos quais compete conhecer de todos os Processos relativos à validade de actos pré-contratuais e interpretação, à validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas colectivas de direito público ou outras entidades adjudicantes, e à sua formação, incluindo a efectivação de responsabilidade civil pré-contratual e contratual, e das demais matérias que lhe sejam deferidas por lei.
G. Estas Acções de Contencioso Pré-Contratual têm, por força da aplicação conjugada dos artigos 3.º, n.º 3, 36.º, n.º 1, alínea c), n.º 2 e n.º 3, 97.º, n.º 1, alínea c), 100.º e seguintes, do CPTA, natureza urgente, no âmbito das quais, como referido pelo artigo 3.º, n.º 3, do CPTA, são assegurados “os meios declarativos urgentes necessários à obtenção da tutela adequada em situações de constrangimento temporal”.
H. Ora, ainda que essa natureza urgente não afaste a susceptibilidade de recurso aos meios de prova legalmente admissíveis, tal como admitido pelo artigo 90.º, n.º 3, do CPTA – entre os quais se inclui a Prova Pericial –, a verdade é que a produção de Prova Pericial, atenta a sua natureza, introduz nos Processos Urgentes de Contencioso Pré-Contratual, onde existem típicos constrangimentos temporais, uma delonga que pode colocar em causa a tutela urgente associada a esta Espécie de Acção.
I. A Prova Pericial tem sido sucessivamente invocada em sede de Acções de Contencioso Pré-Contratual – do qual o presente caso é exemplo – e é uma decorrência da reconhecida vastidão, complexidade e especificidade das normas que, hoje, compõem o ordenamento jurídico-administrativo, e a crescente especialização e tecnicidade da vida económico-social contemporânea, razão pela qual, e como já referido supra, foi considerado que a criação de estruturas jurisdicionais especializadas nos Tribunais Administrativos em determinados sectores do direito apresentava inequívocas vantagens do ponto de vista da celeridade processual, da qualidade das decisões e da uniformidade jurisprudencial.
J. Perante o sobredito – crescente número de Acções de Contencioso Pré-Contratual, aumento da respectiva complexidade e tendência no sentido da convocação da realização/produção de Prova Pericial –, é evidente e manifesto que, in casu, se verifica o pressuposto da relevância social fundamental, já que a questão da admissibilidade da realização/produção de Prova Pericial no âmbito de Acções Urgentes de Contencioso Pré-Contratual, em casos em que o Tribunal de 1.ª instância – inteirado e conhecedor do Processo – considera que o apuramento dos factos que relevam para a boa decisão da causa não demanda este concreto meio de prova, assume essa relevância.
K. Esta é uma questão que revela especial capacidade de repercussão no tecido social, assim como é uma questão susceptível de se verificar não só em casos do mesmo tipo, como, ainda, em futuros casos análogos, o que evidencia a expansão do interesse orientador da intervenção deste Supremo Tribunal Administrativo, já que a utilidade da decisão se antevê com condições para ultrapassar os limites do caso concreto e das Partes envolvidas no litígio, permitindo, designadamente, fixar uma orientação para futuros casos, o que trará a necessária clarificação a um domínio tão importante do Contencioso Administrativo, que é o da articulação/conjugação do Direito à Tutela Jurisdicional Efectiva – na vertente do Direito à Prova (Pericial) – e a necessidade de garantir e assegurar que a Tutela Urgente das Acções de Contencioso Pré-Contratual não é frustrada pelo recurso à Prova Pericial quando a mesma não se afigura como necessária ao apuramento dos factos que relevam para a boa decisão da causa.
L. Em face da demonstração levada a cabo, dúvidas não podem subsistir de que questão em apreço tem susceptibilidade de alcance geral no que respeita ao regime material e processual da Prova Pericial, sendo susceptível de ser recolocada em casos futuros, e cuja dilucidação quanto aos aspectos dubitativos e no contexto apurado carecem também de melhor análise/ponderação por parte deste Supremo Tribunal Administrativo, verificando-se, assim, o pressuposto/requisito da relevância social fundamental, circunstância atestada, de resto, pela ausência de decisão conforme das instâncias quanto à sua necessidade.
M. Acresce, ademais, que, in casu, se verifica o pressuposto da necessidade de melhor aplicação do direito para efeitos de admissibilidade da Revista, porquanto é não só evidente que a quaestio juris foi tratada pelas instâncias de forma contraditória, já que a Prova Pericial requerida pela Autora foi rejeitada em 1.ª instância, mas admitida pelo Tribunal Central Administrativo Sul – o que desde logo justifica a admissibilidade da Revista para melhor aplicação do direito –, como, ainda, é evidente – e assim se demonstrou – que o Tribunal Central Administrativo Sul incorreu em manifestos Erros de Julgamento – e em nulidade – no Acórdão sob impugnação, os quais exigem a intervenção deste Supremo Tribunal Administrativo para melhor aplicação do direito, tendo-se, também por esta via, verificado este pressuposto de admissibilidade.
N. Quanto à Nulidade, a mesma advém da Falta de Fundamentação do Acórdão sob Revista, porquanto são absolutamente inexistentes motivos/fundamentos pelos quais o Tribunal a quo entendeu que a Questão em discussão – relacionada com saber/apurar se os Equipamentos descritos nas Propostas das Contra-Interessadas são compatíveis com os requisitos exigidos no Caderno de Encargos – carece de conhecimentos especiais que os julgadores não possuempara efeitos do disposto no artigo 388.º, do CC, em termos que permitam a realização de Perícia para efeitos do preceituado no artigo 476.º, n.º 1, do CPC.
O. Porque é que o tema da prova congrega matéria de facto que terá de ser valorado segundo juízos próprios de outras ciências? Não é explicado pelo Tribunal a quo. Porque é que a percepção/valoração dos factos em causa carecerá de conhecimentos especiais? Não é explicado pelo Tribunal a quo. Porque é que a percepção/valoração dos factos em causa não está ao alcance do Julgador em 1.ª instância? Não é explicado pelo Tribunal a quo. Porque é que com a realização da Prova Pericial o Tribunal de 1.ª instância ficará melhor habilitado a formar a sua convicção e decidir a causa em conformidade com a verdade material, melhor alcançando a solução justa? Não é explicado pelo Tribunal a quo.
P. Porque é que a apreciação da questão atinente aos factos em discussão na causa carece de conhecimentos especiais? Não é explicado pelo Tribunal a quo.
Q. Ficou suficientemente demonstrado que o Tribunal de 2.ª instância não evidenciou que para o apuramento e apreciação dos Factos Controvertidos sejam necessários especiais conhecimentos técnicos que exijam a produção de Prova Pericial, já que – salvo o devido respeito, que é muito – o que consta do Acórdão sob Recurso de Revista são apenas considerandos conclusivos e genéricos.
R. De igual forma, não logrou o Acórdão em causa contrariar o entendimento do Tribunal de 1.ª instância segundo o qual a prova produzida em sede de Audiência de Julgamento é/foi suficiente e bastante para dilucidar as questões controvertidas nos autos, uma vez que centrou a sua apreciação no facto de o Tribunal de 1.ª instância, no reporte que fez à prova testemunhal, se ter referido à pertinência do testemunho da Testemunha E…………, olvidando que o Tribunal de 1.ª instância utilizou o Advérbio designadamentepara destacar uma das Testemunhas cujo depoimento foi claro em incontroverso e não para circunscrever a relevância da prova testemunhal a apenas essa Testemunha da Contra-Interessada, aqui Recorrente; o TCAS constrói toda uma enviesada tese quanto à relação laboral entre a referida Testemunha e a Contra-Interessada, aqui Recorrente, para daí retirar o seu valor probatório, quando o respectivo depoimento foi apenas um no qual o Tribunal de 1.ª instância se apoiou para indeferir a Prova Pericial requerida pela Autora.
S. O Acórdão ora em crise limita-se a referir genérica e conclusivamente que os Temas de Prova em causa exigiam a produção da Prova Pericial em causa, sem qualquer fundamentação suficiente e bastante que legitime e suporte essa conclusão, pelo que forçosamente se conclui que esse Acórdão não cumpre com o Dever de Fundamentação, na medida em que não permite perceber as razões concretas pelas quais considerou que a Prova Pericial requerida seria essencial e imprescindível para a Decisão a proferir, nem, bem assim, que para a percepção e/ou apreciação dos Factos sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem.
T. Atento o exposto, é manifesta a conclusão quanto à Nulidade do Acórdão proferido pelo Tribunal de 2.ª instância, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 607.º, 615.º, n.º 1, alínea b) e 663.º, n.º 2, todos do CPC, nulidade, essa, que constitui fundamento de admissibilidade (preliminar/prévia) do presente Recurso de Revista, e que, por provada, determina a procedência do respectivo Recurso de Revista com vista uma melhor aplicação do direito, nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, do CPTA, já que não ficou demonstrada a verificação dos pressupostos de que depende a admissibilidade da Prova Pericial, nos termos do disposto no artigo 388.º, do CC, e 476.º, n.º 1, do CPC.
U. Para além da demonstrada nulidade, verificam-se, ainda, evidentes e manifestos Erros de Julgamento, sendo que, e como primeiro erro de julgamento, surge a circunstância de as Questões relativamente às quais a Autora requereu a produção de Prova Pericial, as quais surgem identificadas a fls. 12 e 13, do Acórdão sob Recurso de Revista, pura e simplesmente não carecem de conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, e, nessa medida, houve errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 388.º, do CC.
V. Na verdade, as questões fácticas enunciadas pela Autora para efeitos de Prova Pericial não carecem de conhecimentos especiais, sendo susceptíveis de ser aferidas pelo Juiz, à luz das regras de experiência comum, mediante prova por testemunhas e documental, pelo que a Prova Pericial sobre elas requerida foi correctamente indeferida pelo Tribunal de 1.ª instância.
W. Os factos que a Autora indicou como objecto de Perícia não são factos necessitados de prova que tenham de ser percepcionados segundo especiais conhecimentos, pois que tudo o que a Autora pretende apurar pode ser alcançado directa e exclusivamente pelo Juiz, bastando perscrutar o que consta nas Peças do Procedimento, nas Propostas, no que o Júri do Concurso fundamenta e, eventualmente, na Prova Testemunhal, segundo o conhecimento comum que se supõe ter.
X. O apuramento dos Factos em causa não requer o meio de Prova Pericial, por não exigir os conhecimentos especiais que esta pressupõe, tudo com apoio nos fundamentos em que assentou a Decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, os quais por economia processual aqui se dão por integralmente reproduzidos e articulados, com o que o entendimento do Tribunal de 2.ª instância assenta em errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 90.º, n.º 3, do CPTA, e, bem assim, do artigo 476.º, n.º 1, do CPC, e 388.º, do CC, impondo-se, por conseguinte, a intervenção deste Tribunal de cúpula do nosso Ordenamento Jurídico, para uma melhor aplicação do direito.
Y. Mais; Como ficou demonstrado, não são incomuns os Processos – em especial os de Contencioso Pré-Contratual – em que o Tribunal considera a prova documental como suficiente para a boa decisão sobre o mérito da causa, dispensando a produção da demais prova requerida, designadamente a testemunhal; Esse saneamento prévio é um que resulta – nas Acções de Contencioso Pré-Contratual - de considerações de economia e urgência, pelo que iguais preocupações de economia e urgência não podem deixar de estar presentes na decisão de produção de Prova Pericial, designadamente quando as Partes arrolaram Testemunhas, e, assim, entenderam que estas são aptas a esclarecer as Questões Controvertidas nos autos.
Z. Como ficou evidenciado, impõem as regras da prudência e economia processual, em sede de Tutela Urgente, que se procurem esgotar os meios probatórios mais expeditos e imediatos, designadamente a prova documental e testemunhal, antes de se lançar mão dos mais morosos, como a Prova Pericial, sendo que a esta apenas se poderá recorrer não só caso da produção da demais prova não resulte o esclarecimento cabal das Questões Controvertidas, como, naturalmente, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, nos termos do artigo 388.º, do CC, e se verifiquem os pressupostos do artigo 476.º, n.º 1, do CPC.
AA. Neste Processo, estão já disponíveis todos os elementos suficientes para a boa decisão sobre o mérito da causa, como bem decidiu o Tribunal de 1.ª instância.
BB. É precisamente pelas razões expostas que o artigo 476.º, n.º 1, do CPC, estabelece que o juízo subjacente à decisão de realização, ou não, de Prova Pericial, carece de uma apreciação e decisão quanto à questão de saber se a diligência “não é impertinente nem dilatória”, já que o pode ser em virtude dos demais meios de prova produzidos, como, de resto, foi o acertado entendimento do Tribunal de 1.ª instância.
CC. O entendimento do Tribunal a quo – e para além da circunstância de não estarmos perante Questões Controvertidas para as quais sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem– assenta em errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 90.º, n.º 3, do CPTA, e, bem assim, do artigo 476.º, n.º 1, do CPC, impondo-se, por conseguinte, a intervenção deste Tribunal de cúpula do nosso Ordenamento Jurídico, não só para uma melhor aplicação do direito, como, ainda e também, atenta a relevância social fundamental da questão em apreço, sendo a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo imprescindível para o esclarecimento relativamente a futuros casos análogos e/ou do mesmo tipo, cumprindo-se clarificar a questão da admissibilidade da realização/produção de Prova Pericial no âmbito de Acções Urgentes de Contencioso Pré-Contratual, em casos em que o Tribunal de 1.ª instância – inteirado e conhecedor do Processo – considera que o apuramento dos factos que relevam para a boa decisão da causa não demanda este concreto meio de prova, uma vez que a prova produzida é suficiente e bastante para concluir pela desnecessidade da Prova Pericial.
DD. Em terceiro lugar, demonstrou-se a necessidade de intervenção deste Supremo Tribunal Administrativo em face do Erro de Julgamento ao Tribunal a quo ainda relativamente ao disposto no artigo 90.º, n.º 3, do CPTA, o qual, para o que releva neste momento, dispõe que No âmbito da instrução, o juiz ou relator ordena as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, podendo indeferir, por despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova, quando o considere claramente desnecessário.” (destacado nosso).
EE. No caso vertente, a Autora não demonstrou que o Acto de Adjudicação padece de erro grave, erro grosseiroe/ou erro manifesto– o que, de resto, não ocorre no caso vertente –, conforme se evidenciou de artigos 51.º a 90.º, da Contestação apresentada pela Contra-Interessada aqui Recorrente, os quais, por economia processual, aqui se dão por integralmente reproduzidos e articulados.
FF. Ora, fora dos casos de erro grave, erro grosseiroe/ou erro manifesto, a realização de Prova Pericial, como determinada pelo Tribunal a quo, não pode ser admitida, porquanto as questões em apreço já foram apreciadas segundo conhecimentos especiais, em concreto, pelo Júri do Concurso, não se verificando, assim, o pressuposto da pertinência.
GG. A realização de Prova Pericial, em sede de Acções de Contencioso Pré-Contratual, deve estar reservada para situações em que se encontre demonstrado, pelo Autor/Impugnante, que o Acto de Adjudicação sob Impugnação Jurisdicional padece de erro grave, “erro grosseiroe/ou erro manifesto, o que não ocorre no caso vertente, pelo que o entendimento do Tribunal a quo assenta, assim, em errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 90.º, n.º 3, do CPTA, e, bem assim, do artigo 476.º, n.º 1, do CPC, impondo-se - se, por conseguinte, a intervenção deste Tribunal de cúpula do nosso Ordenamento Jurídico, não só para uma melhor aplicação do direito, como, ainda e também, atenta a relevância social fundamental da questão em apreço, sendo a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo imprescindível para o esclarecimento relativamente a futuros casos análogos e/ou do mesmo tipo, cumprindo-se clarificar a questão de saber se, em sede de Acções de Contencioso Pré-Contratual (Tutela Urgente), a Prova Pericial deve ou não estar reservada para os casos de erro grave, erro grosseiroe/ou erro manifesto.

A recorrida, “B…………”, contra-alegou, tendo concluído que o recurso não deveria ser admitido ou, a não se entender assim, deveria ser-lhe negado provimento.

Pela formação de apreciação preliminar a que alude o art.º 150.º, do CPTA, foi proferido acórdão a admitir a revista.

A Exmª Srª Procuradora-Geral Adjunta junto deste STA, notificada nos termos do art.º 146.º, do CPTA, não emitiu parecer.

2. O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:

“A) Em sede de audiência, realizada a 06.12.2019, no âmbito do incidente de levantamento do efeito suspensivo, a ENTIDADE DEMANDADA, C…………, e a CONTRAINTERESSADA, A…………, foram notificadas para, no prazo de 10 (dez) dias, se pronunciarem sobre o objeto da perícia apresentado pela Autora na petição inicial – cfr. ata da referida audiência a fls. 525, ref. SITAF, P. 129/19-S2.

B) Da ata da audiência prévia, realizada a 10.02.2020 – cfr. fls. 530, ref. SITAF, P. 129/19-S2 –, consta, designadamente, o seguinte:

«(…) Proferido despacho saneador, nos casos em que os autos devam prosseguir, cumpre proferir despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova (cfr. artigo 596.º, n.º 1, do CPC).

Assim, dando cumprimento ao preceito aludido e após debate com os Mandatários das Partes, pela Mmª. Juiz de Direito foi proferido o seguinte:

DESPACHO DE IDENTIFICAÇÃO DO OBJETO DO LITÍGIO E DE ENUNCIAÇÃO DOS TEMAS DA PROVA:

A) Características do equipamento e dos reagentes (área da Imunologia) constantes da proposta da A………… e da sua conformidade com os parâmetros do Caderno de Encargos

Autora: artigos 62.º a 131.º *, da petição inicial.

Entidade Demandada: artigos 36.º a 70.º * da sua contestação.

Contrainteressada A…………: artigos 181.º a 236.º * da sua contestação.

(* - expurgados os artigos que contêm matéria de direito, matéria conclusiva ou meras considerações).

B) Características do equipamento (área da Imunologia) constantes da proposta da D………… e da sua conformidade com os parâmetros do Caderno de Encargos

Autora: artigos 132.º a 185.º * da petição inicial.

Entidade Demandada: artigos 71.º a 96.º * da sua contestação.

Contrainteressada A…………: ________

(* - expurgados os artigos que contêm matéria de direito, matéria conclusiva ou meras considerações).

*

Pelos Il. Mandatários das Partes, foi dito concordarem com o objeto do litígio e com os temas de prova, e não terem reclamações a apresentar.

(…)

Da perícia requerida pela Autora

A Autora requereu a realização de perícia singular, referindo que a mesma deverá ter por objeto a questão de saber se as propostas das Contrainteressadas A………… e D………… violam os requisitos mínimos definidos no Anexo III do Caderno de Encargos, fazendo remissão para os artigos da petição inicial.

A Contrainteressada A…………, na sequência da notificação efetuada na audiência do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, pelo requerimento de 17/12/2019 (registo n.º 45037), pronunciou-se sobre a diligência requerida, considerando-a, em súmula, inadmissível, devendo ser indeferida, mas caso assim não se entenda, requereu que seja a prova pericial realizada por meio de perícia colegial, com aditamento ou alteração do objeto para acolher a matéria indicada por si, bem como a concessão de prazo, após a decisão sobre a prova pericial e seu objeto para indicar Perito.

A Entidade Demandada, pelo requerimento de 18/12/2019 (registo n.º 45064), pronunciou-se no mesmo sentido da Contrainteressada A………….

Por ora, o Tribunal relega para momento posterior a pronúncia sobre a requerida perícia.(…)» (negritos e sublinhados nossos).

C) Por despacho de 10.09.2020, a fls. 543, ref. SITAF, P. 129/19-S2, o tribunal a quo decidiu o seguinte:

«(…) Da perícia requerida pela Autora:

No âmbito dos presentes autos de contencioso pré-contratual, a Autora, requereu a produção de prova pericial (cfr. petição inicial - fls. 1 a 55 do SITAF).

Em sede de audiência do incidente de levantamento do efeito suspensivo, Entidade Demandada e Contrainteressada foram notificadas para, ao abrigo do princípio do contraditório, se pronunciarem sobre a produção de prova pericial.

A Contrainteressada, A…………, Sociedade Unipessoal, Lda., pronunciou-se no sentido da inadmissibilidade da perícia requerida pela Autora, ou caso assim não se entenda, requereu que seja realizada prova pericial por meio de perícia colegial, tudo como melhor resulta do requerimento de fls. 1497 a 1505 do SITAF.

A Entidade Demandada, pronunciou-se no mesmo sentido que a Contrainteressada A…………, conforme resulta do requerimento de fls. 1515 a 1524 do SITAF.

Em sede de audiência prévia, o Tribunal relegou para momento posterior a apreciação e decisão sobre a requerida perícia.

A audiência final realizou-se nos dias 29, 30 e 31 de julho do corrente ano (cfr. atas de fls. 1899 a 1906, fls. 1927 a 1931 e fls. 1940 a 1943, do SITAF).

Cumpre apreciar e decidir.

A prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos relativos a pessoas não devem ser objeto de inspeção judicial - cfr. artigo 388.º do Código Civil (CC).

Compete ao juiz da causa verificar se a perícia não é impertinente, nem dilatória. Impertinente, por não respeitar aos factos da causa, dilatória, por, embora, referir-se aos factos da causa, o seu apuramento não requerer o meio de prova pericial, por não exigir os conhecimentos especiais que a mesma pressupõe.

No caso vertente, atentas as questões controvertidas e tomando em conta a prova documental junta aos autos, aqui incluindo-se o processo administrativo, bem como a prova testemunhal produzida, considera este Tribunal que não estão preenchidos os pressupostos de que depende a realização de prova pericial.

Pelo supra exposto, indefere-se a prova pericial requerida pela Autora.» (sublinhados nossos).

D) Interposto que foi recurso jurisdicional do despacho que antecede, este tribunal recurso decidiu, por acórdão de 10.12.2020, o seguinte – cfr. fls. 599, ref. SITAF:

«(…) conceder provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido e ordenar a baixa dos autos para aí ser proferido novo despacho que admita a prova pericial requerida ou a indefira fundamentadamente, ao abrigo do art. 90.º, n.º 3, do CPTA.»

E) Em cumprimento do acórdão que antecede, o tribunal a quo, proferiu o seguinte despacho de 28.04.2021 [sendo este o despacho recorrido] – cfr. fls. 617 e ss., ref., SITAF:

«(…) Em cumprimento do douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo n.º 129/19.1BEPDL-S2, que revogou o despacho proferido em 10/09/2020, que indeferiu a prova pericial requerida pela Autora, cabe proferir novo despacho.

No âmbito dos presentes autos de contencioso pré-contratual, a Autora, requereu a produção de prova pericial (cfr. petição inicial - fls. 1 a 55 do SITAF).

Em sede de audiência do incidente de levantamento do efeito suspensivo, Entidade Demandada e Contrainteressada foram notificadas para, ao abrigo do princípio do contraditório, se pronunciarem sobre a produção de prova pericial.

A Contrainteressada, A…………, Sociedade Unipessoal, Lda., pronunciou-se no sentido da inadmissibilidade da perícia requerida pela Autora, ou caso assim não se entenda, requereu que seja realizada prova pericial por meio de perícia colegial, tudo como melhor resulta do requerimento de fls. 1497 a 1505 do SITAF.

A Entidade Demandada, pronunciou-se no mesmo sentido que a Contrainteressada A…………, conforme resulta do requerimento de fls. 1515 a 1524 do SITAF.

Em sede de audiência prévia, o Tribunal relegou para momento posterior a apreciação e decisão sobre a requerida perícia.

A audiência final realizou-se nos dias 29, 30 e 31 de julho do corrente ano (cfr. atas de fls. 1899 a 1906, fls. 1927 a 1931 e fls. 1940 a 1943, do SITAF).

Cumpre apreciar e decidir.

A prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos relativos a pessoas não devem ser objeto de inspeção judicial - cfr. artigo 388.º do Código Civil (CC).

Compete ao juiz da causa verificar se a perícia não é impertinente, nem dilatória. Impertinente, por não respeitar aos factos da causa, dilatória, por, embora, referir-se aos factos da causa, o seu apuramento não requerer o meio de prova pericial, por não exigir os conhecimentos especiais que a mesma pressupõe.

No caso sub judice os temas de prova enunciados são:

A) Características do equipamento e dos reagentes (área da Imunologia) constantes da proposta da A………… e da sua conformidade com os parâmetros do Caderno de Encargos.

B) Características do equipamento (área da Imunologia) constantes da proposta da D………… e da sua conformidade com os parâmetros do Caderno de Encargos.

Quanto ao tema de prova A) resulta a necessidade de aferir da compatibilidade da proposta da Contrainteressada A………… com o Anexo III do Caderno de Encargos (na parte relativa a Imunologia), na parte que determina que o equipamento a fornecer assegura a “Possibilidade de repetição automática das amostras, sempre que estão acima ou abaixo de limites previamente programados, com pré diluição e testes reflexos”.

Ora, para responder à questão controvertida e enunciada no tema de prova A), o Tribunal considera suficiente a prova documental junta aos autos (designadamente a constante de fls. 3574, fls. 4145 a 4149, fls. 4614 a 4617, todas do processo administrativo), conjugada com a prova testemunhal produzida (designadamente do depoimento da testemunha E…………).

No que concerne ao tema de prova B) advém a necessidade de indagar da compatibilidade da proposta da Contrainteressada D………… com o Anexo III do Caderno de Encargos (na parte relativa a Imunologia), no segmento em que se exige que o equipamento a fornecer assegure a “Deteção de nível insuficiente de amostra”.

Com vista a apreciar e decidir a questão enunciada no tema de prova B), o Tribunal considera suficiente a prova documental junta aos autos (designadamente a constante de fls. 495 a 510 do processo administrativo).

Por conseguinte, e face ao supra expendido indefere-se a prova pericial requerida pela Autora, por manifesta desnecessidade face à prova documental constante dos autos (incluindo processo instrutor) e à prova testemunhal já produzida (cfr. artigo 90.°, n.º 3, in fine do CPTA). (…)». (sublinhados nossos).

3. O acórdão recorrido, para conceder provimento ao recurso que a A. interpusera do despacho que indeferira a produção de prova pericial que requerera, considerou o seguinte:

“(…)

Dispõe o art. 90.º, n.º 3 do CPTA que «No âmbito da instrução, o juiz ou relator ordena as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, podendo indeferir, por despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova, quando o considere claramente desnecessário.»

Por seu turno, dispõe o art. 476.º do CPC, sob a epígrafe «Fixação do objeto da perícia», que «1 - Se entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição. 2 - Incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respetivo objeto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade.»

E, at last but not least, o art. 388.º do CC, sob a epígrafe, «Objeto» que «A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial.»

O tribunal a quo, ao indeferir, pela segunda vez, a prova pericial requerida, fê-lo «por manifesta desnecessidade face à prova documental constante dos autos (incluindo processo instrutor) e à prova testemunhal já produzida», do que se depreende que o tribunal a quo se considere, no caso em apreço, plenamente esclarecido e que antecipe que nada do que possa vir a resultar do meio de prova pericial requerido possa ser útil para melhor, por mais esclarecida, decisão da causa, ponderação esta que foi feita após a realização da audiência de julgamento, após inquirição das testemunhas arroladas pelas partes.

Retomando aqui a matéria de facto em causa, tal como alegado pela Recorrente em sede de alegações recursivas, «em face do teor dos factos articulados e dos temas da prova fixados, as questões essenciais a que é imprescindível dar resposta para a boa decisão da causa são as seguintes:

1. O Anexo III do caderno de encargos (na parte relativa a Imunologia), determina que o equipamento a fornecer assegure a “Possibilidade de repetição automática das amostras, sempre que estão acima ou abaixo de limites previamente programados, com pré-diluição e testes reflexos” (cfr. p. 45).

1.1. Do ponto de vista técnico como deve ser interpretada esta disposição no que se refere à “repetição automática das amostras pelo equipamento”?

1.2. Esta disposição exige que o equipamento seja capaz de, autonomamente, proceder a esta repetição automática, sem o apoio de qualquer solução externa?

1.3. O analisador Cobas e411 proposto pela A………… cumpre autonomamente este requisito mínimo?

1.4. Do ponto de vista técnico como deve ser interpretada esta disposição no que se refere à “pré-diluição”?

1.5. Esta disposição exige que o equipamento seja capaz de, automaticamente, proceder a esta “pré-diluição”, sem intervenção manual?

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1.6. O analisador Cobas e411 proposto pela A............ cumpre autonomamente este requisito mínimo?

1.7. De harmonia com a proposta da A............ a diluição dos reagentes relativos aos testes “Ácido Fólico (folatos)”, “Anticorpos Anti-Tiroideus (Anti-TPO)”, “Vitamina B12 (Cianocobalamina)” e “Vitamina D (25-(OH)-Vitamina D)” tem de ser efetuada manualmente?

2. De acordo com o Anexo III do caderno de encargos (na parte relativa a Imunologia), exige-se que o equipamento a fornecer assegure a “Deteção de nível insuficiente de amostra” (cfr. p. 45).

2.1. Do ponto de vista técnico como deve ser interpretada esta disposição?

2.2. Deve entender-se que o equipamento detete e assinale a insuficiência da amostra para o teste programado antes do seu início?

2.3. Deve admitir-se como suficiente a indicação de “QNS- quantity not sufficient” durante a execução do teste, no momento em que a amostra se esgote?

2.4. A realização dos testes nestas condições de insuficiência de amostra fica comprometida na sua integridade e fidedignidade?

2.5. A realização de testes com quantidade insuficiente pode danificar o equipamento?

2.6. O equipamento proposto pela D………… (Access 2) cumpre esta disposição do Caderno de Encargos?»

Perante o que, e sem prejuízo de o tribunal, aquando a admissão do meio de prova pericial poder, dever, determinar o respetivo objeto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes – cfr. art. 476.º, n.º 2, do CPC, supra citado e transcrito – o certo é que além da interpretação dos requisitos exigidos no Caderno de Encargos, que o tribunal pode já considerar-se esclarecido, importará ainda decidir sobre a compatibilidade dos equipamentos descritos nas propostas das Contrainteressadas com os mesmos.

Tal juízo de compatibilidade consta, de facto, dos autos, no relatório final de avaliação das propostas levado a cabo pelo júri do concurso – cfr. doc. fls. 118 e ss do SITAF – mas não nos podemos esquecer que essa é a fundamentação, que contém juízos eminentemente técnicos, por mais crível e suficiente que possa parecer, que a Recorrente pretende impugnar nos presentes autos.

Assim, a testemunha cujo depoimento é expressamente referido pelo tribunal a quo no despacho recorrido, E..., tendo sido arrolada por uma das contrainteressadas, empresa para a qual e tendo participado na elaboração da proposta em relação à qual do tema de prova A) resulta a necessidade de aferir a respetiva compatibilidade com o Anexo III do Caderno de Encargos (na parte relativa a Imunologia), «na parte que determina que o equipamento a fornecer assegura a “Possibilidade de repetição automática das amostras, sempre que estão acima ou abaixo de limites previamente programados, com pré diluição e testes reflexos”.», não pode ser considerado suficiente por si e nem mesmo que conjugado com a prova documental junta aos autos.

Na verdade, o tribunal a quo fundamenta também o seu cabal esclarecimento nos documentos que constam do processo administrativo, designadamente, e expressamente, nas fls. 3574, fls. 4145 a 4149, fls. 4614 a 4617 – tema da prova A) – e fls. 495 a 510 – tema da prova B) - que correspondem, essencialmente, a partes das propostas apresentadas pelas Contrainteressadas - designadamente, fls. 497 e ss e fls. 4146 e ss. - e que a A., ora Recorrente, pretende sejam excluídas, por violação do Caderno de Encargos.

Atentemos no seguinte: «(…) compete o meio de prova pericial sempre que seja caso de recurso a lex artis que extravase o direito adjectivo e substantivo, isto é, quando se trate de valorar determinada factualidade segundo juízos próprios de outras ciências que não a ciência jurídica, vd. artºs 388º C. Civil, (…) o depoimento testemunhal incide sobre os factos da causa, com fundamento na razão de ciência que indicam (por ver e ouvir) a título justificativo do modo como vieram ao seu conhecimento, vd. artº 638º nº 1 CPC, não constituindo as suas declarações meio probatório idóneo para, com relevância adjectiva, emitir juízos de valoração técnica, próprios da prova pericial, expressos em relatório, vd. artºs. 568º nº 1 in fine e 586º nº 1 CPC.(1)»(2)(sublinhados nossos) - cfr. acórdão deste tribunal de recurso, de 23.02.2012, P. 08433/12.

Ora, no caso em apreço dúvidas não temos que os temas da prova congregam matéria de facto que terá de ser valorada segundo juízos próprios de outras ciências – designadamente de ciências médicas -, que não o direito adjetivo ou substantivo, a saber: «na parte que determina que o equipamento a fornecer assegura a “Possibilidade de repetição automática das amostras, sempre que estão acima ou abaixo de limites previamente programados, com pré diluição e testes reflexos”.»

Dúvidas também não temos que, por muito esclarecedor que tenha sido o depoimento da testemunha E…………, ou de qualquer outra, mas desta testemunha em particular porque referida no despacho recorrido, arrolada que foi pela contrainteressada, tendo aquela referido que trabalha para esta empresa e que participou na elaboração da proposta, não é suficiente, só por si, para valer como o juízo técnico devidamente avalisado e suficientemente independente e isento sobre a compatibilidade da proposta, em cuja elaboração colaborou, em relação ao Caderno de Encargos. Só por manifesta má-fé ou inconsciência é que uma testemunha, que tenha participado na elaboração da proposta submetida a concurso, iria assumir que a mesma viola ou não cumpre o Caderno de Encargos. E isto porque, independentemente da sua convicção sobre a compatibilidade da proposta com os requisitos exigidos nas peças procedimentais do concurso, apenas um juízo técnico, paralelo ao que o júri do concurso efetuou, poderá esclarecer devidamente o tribunal acerca dos referidos factos.

Assim, imperioso se torna concluir que o despacho recorrido padece de flagrante erro de direito pois, face a todo o exposto, não pode a prova testemunhal produzida e nem a prova documental junta aos autos - que requer que sobre a mesma recaia um juízo técnico que possa contrabalançar, confirmando ou negando o juízo, também ele de natureza técnica, efetuado pelo júri do concurso – cfr. relatório final a fls. 118 e ss., ref SITAF -, suficiente para o esclarecimento necessário à decisão da causa.

Acresce que, como vimos, dúvidas há que os temas da prova convocam a apreciação de factos cuja valoração extravasa a mera subsunção jurídica e apelam a conhecimentos de outras ciências, pelo que a prova pericial requerida não é impertinente.

Por fim, apenas uma última nota, tratando-se, como se trata, de um processo urgente, cuja materialidade subjacente reclama uma decisão jurisdicional tão célere quanto possível, tal desiderato não deve, porém, ser alcançado à custa do direito à prova, revelando-se até causador de demora desnecessária e evitável, como se pode ver pela tramitação dos presentes autos, pelo que, e sem necessidade de mais amplas considerações, grande parte delas já produzidas no acórdão anterior que conheceu do primeiro despacho de indeferimento da prova pericial requerida, impõe-se revogar o despacho recorrido e ordenar a baixa dos autos para que seja admitida a prova pericial requerida”.

A recorrente, na presente revista, imputa a este acórdão a nulidade de falta de fundamentação, vertida na al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC – por se limitar a referir, genérica e conclusivamente, que os temas de prova que haviam sido fixados exigiam a produção de prova pericial –, bem como erros de julgamento, por errada interpretação e aplicação dos artºs. 388.º, do C. Civil, 90.º, n.º 3, do CPTA e 476.º, n.º 1, do CPC, em virtude de as questões enunciadas pela A. para efeitos de produção de prova não exigirem conhecimentos especiais que o julgador não possua, sendo susceptíveis de serem aferidas pelo juiz à luz das regras da experiência comum mediante prova documental e testemunhal, impondo as regras da prudência e da economia processual que, em sede de tutela urgente, se procure esgotar os meios de prova mais expeditos e imediatos antes de se lançar mão dos mais morosos e porque a realização de perícia nas acções de contencioso pré-contratual deve estar reservada para as situações de “erro grave”, “erro grosseiro” e/ou de “erro manifesto”.

Vejamos se lhe assiste razão, começando por apreciar a invocada nulidade.

A exigência de fundamentação implica que o juiz demonstre, na sentença, que a decisão que perfilha é a legal, o que permite, por um lado, que as partes conheçam as razões em que se apoiou o seu veredicto para poder impugná-las e, por outro, que o tribunal superior exerça sobre elas a censura que ao caso couber. Por isso, só a absoluta falta de fundamentação é motivo da nulidade da sentença prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 615 do CPC, pois uma exposição errada, medíocre ou insuficiente dos respectivos fundamentos permite descortinar as razões que a ditaram, sujeitando-a à possibilidade de em recurso vir a ser alterada ou revogada.

Ora, no caso vertente, é manifesto que não ocorre essa total omissão dos fundamentos da decisão.

Efectivamente, no acórdão indicam-se claramente os motivos de facto e de direito que determinaram a decisão, dele resultando que se entendeu que, para a prolação da decisão, havia que valorar factualidade segundo juízos próprios de outras ciências, designadamente das ciências médicas, não sendo suficiente para o esclarecimento das questões a decidir a prova testemunhal e documental produzida nos autos, pelo que a diligência requerida não se poderia considerar desnecessária ou dilatória.

Assim sendo, improcede a arguida nulidade.

Quanto aos erros de julgamento invocados, importa considerar que as acções de contencioso pré-contratual obedecem à tramitação prevista nos artºs. 78.º a 96.º, do CPTA, para a acção administrativa com as alterações que decorrem do art.º 102.º do mesmo diploma legal.

Não sendo impostas limitações quanto aos meios de prova admissíveis, nem quanto aos termos em que se processa a sua produção, nessas acções tem plena aplicação o disposto no art.º 90.º, n.º 2, do CPTA, quando remete a sua instrução para a lei processual civil, pelo que nada obsta à admissão da prova pericial (cf. Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha in “Comentário ao CPTA”, 2017, 4.ª edição, pág. 817).

Assim, se o CPTA – em cumprimento da Directiva 89/665/CEE, revista pela Directiva 2007/66/CE, que, no domínio pré-contratual, exigia a implementação de processos “rápidos e eficazes” – reconheceu a necessidade de imprimir uma maior celeridade a esse tipo de acções para garantir uma intervenção judicial atempada num domínio onde facilmente são criadas situações de irreversibilidade, no entanto, fora dos mecanismos de simplificação processual que estabeleceu, limitou-se a remeter para a tramitação da acção administrativa, pelo que a admissão de prova pericial não está sujeita a qualquer especificidade.

Assim, sendo requerida produção de prova pericial, o juiz só a deve indeferir quando a considere “claramente desnecessária” (cf. citado art.º 90.º, n.º 3) ou, na terminologia do CPC, quando essa diligência seja “impertinente ou dilatória” (cf. artº. 476º, nº. 1).

Como escreve J. P. Remédio Marques (in “Acção Declarativa À Luz do Código Revisto”, 2.ª edição, 2009, pág. 559), “a prova pericial visa percepcionar ou apreciar os factos através de pessoas (os peritos) que são dotados (por via da experiência ou por via de aptidões académicas, ou pelas duas vias) de especiais conhecimentos científicos ou técnicos, pessoas que, diferentemente das testemunhas, interpretam e analisam tais factos através do referido conhecimento técnico-científico que o juiz não possui”. O perito, que pode ser considerado um coadjuvante do tribunal, é, assim, a pessoa dotada de conhecimentos especiais que não fazem parte da cultura geral ou da experiência que se deve presumir no julgador (art.º 388.º, do C. Civil).

No caso em apreço, a A., na acção que intentou, imputou à deliberação adjudicatória, proferida no âmbito do Lote n.º 7 (Imunologia) do concurso público para a celebração de contrato de aprovisionamento relativamente ao fornecimento de reagentes e consumíveis para testes laboratoriais, com colocação de equipamentos, às Unidades de Saúde de ilha da Região Autónoma dos Açores, um vício de violação do Anexo III do Caderno de Encargos, por as propostas das contra-interessadas não cumprirem as características mínimas dos equipamentos e reagentes a fornecer, o que deveria ter determinado a exclusão das mesmas nos termos do art.º 70.º, n.º 2, al. b), “ex vi” do art.º 146.º, n.º 2, al. o), ambos do CCP.

Conforme resulta dos temas de prova referidos no despacho transcrito na al. E) do probatório e do teor do acórdão recorrido, na parte em que especifica a matéria de facto em causa tal como alegada pela A., a compatibilidade dos equipamentos descritos nas propostas das contra-interessadas com os requisitos exigidos pelo Caderno de Encargos implica a formulação de juízos especializados de natureza técnica que não fazem parte da cultura geral ou da experiência comum que se deve presumir que o juiz possui.

Refira-se, finalmente, que, ao contrário do que alega o ora recorrente, a prova pericial não está limitada às situações em que se invoque a existência de um “erro grave” ou “grosseiro”, dado essa restrição não estar legalmente prevista, sendo certo também que nas questões sobre que incidiam os temas de prova a entidade adjudicante não tinha um poder de livre apreciação, tendo sim que averiguar se as propostas em causa cumpriam os requisitos exigidos.

Portanto, porque a lei não estabelece requisitos específicos de admissão da prova pericial no contencioso pré-contratual e, no caso vertente, não se pode considerar a mesma impertinente ou dilatória, terá de improceder a presente revista.

4. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 10 de Fevereiro de 2022. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva - Carlos Luís Medeiros de Carvalho.