Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0635/13
Data do Acordão:05/15/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
REQUISITOS
TAXA MUNICIPAL
Sumário:I - Não ocorre omissão de pronúncia se a decisão de 1ª Instância se pronunciou sobre questão que prejudica o conhecimento da eventual ocorrência da prescrição do crédito da ora recorrente.
II - A questão de saber se o despacho do Sr. Presidente da Câmara Municipal do Seixal que apenas admitiu a compensação parcialmente é ou não um acto material de execução é questão nova não suscitada antes.
III - À compensação de créditos de um particular ou sociedade civil sobre um Município não se aplica, singelamente, a regra do artº 848º nº 1 do Código Civil por a esta figura de extinção de obrigações deverem, atenta a qualidade do devedor de pessoa colectiva de direito público, ser aplicadas normas especiais quer do CPPT quer do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.° 53-E/2006, de 29 de Dezembro).
IV - Ao caso dos autos em que não se levanta a questão do interesse público da compensação uma vez que a mesma já foi admitida parcialmente, mas apenas a extensão dos créditos da sociedade ora recorrente, aplica-se o disposto no artº 90-A do CPPT, com as devidas adaptações, por força do disposto no artº 56º nº 3 da lei 2/2007 de 15/01.
V - Deste preceito resulta, além do mais, que a compensação tem de ser requerida ao Senhor Presidente da Câmara Municipal respectiva e que o crédito apresentado para compensação tem de ser certo líquido e exigível.
Nº Convencional:JSTA00068257
Nº do Documento:SA2201305150635
Data de Entrada:04/22/2013
Recorrente:A......... DISTRIBUIÇÃO - ENERGIA, SA
Recorrido 1:PRES DA CM DO SEIXAL
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Ref. Acórdãos:
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPPTRIBUT99 ART90-A N1 A B N3 N4
RGTAL06 ART11 N2
CCIVC66 ART847 N1 ART848 N1
CONST76 ART235 N2
LFL07 ART30 N4
L 2/2007 DE 15/01 ART56 N3
Referência a Pareceres:P PGR DE 2007/04/09
Referência a Doutrina:SÉRGIO VASQUES - REGIME DAS TAXAS LOCAIS INTRODUÇÃO E COMENTÁRIO 2009 ANOTAÇÃO AO ART11
JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VOLI PAG739
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO


A……… — DISTRIBUIÇÃO ENERGIA, S.A., com o NIF ……… e os demais sinais dos autos, deduziu reclamação da decisão do órgão de execução fiscal, (que se consubstanciou no despacho do Presidente da Câmara Municipal do Seixal datado de 09/11/2012, nos termos do qual não se reconhece a extinção do processo de execução fiscal com o n.° 7883/2006, por pagamento voluntário da dívida exequenda), para o TAF de Almada, o qual, nos termos do nº 2 da Circular nº 41/2012, de 6 de Dezembro, do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, remeteu os autos para o Tribunal Tributário de Lisboa em virtude do processo ter um valor superior a 1 milhão de euros (Cfr. despacho de fls. 102 dos autos).
Por sentença de 28 de Fevereiro de 2013, o Tribunal Tributário de Lisboa, julgou improcedente por não provada a reclamação da decisão do órgão de execução fiscal.
Reagiu a ora recorrente A……… — DISTRIBUIÇÃO ENERGIA, S.A., interpondo o presente recurso cujas alegações integram as seguintes conclusões:

Como decorre do disposto no artigo 11.°, n.° 2, do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, o sujeito passivo pode — enquanto faculdade que lhe é atribuída — pagar as taxas municipais através de compensação sempre que tal operação seja compatível com o interesse público, constituindo este o único requisito exigido para o efeito.

Assim, a extinção da obrigação de pagamento das taxas municipais através de compensação só poderá ser recusada caso a Administração logre demonstrar (ainda que, com algum espaço de liberdade de apreciação, porquanto se encontra perante um conceito indeterminado) que tal operação contende — num determinado caso concreto — com a prossecução do interesse público, não sendo, para o efeito, imperativa (necessária) a (pré-) existência de regulamentação concreta que a admita.

Ora, fixado o pressuposto de que a Câmara Municipal do Seixal dispõe, na situação em análise, de um espaço de livre valoração administrativa que lhe permite avaliar, em face do interesse público, a (in)conveniência da extinção da obrigação de pagamento das taxas de ocupação através de compensação com créditos detidos pela RECORRENTE sobre o MUNICÍPIO DO SEIXAL, e estando assente não ser necessária regulamentação municipal que admita a compensação, faz-se notar que aquela edilidade considerou tal operação (de compensação) é, no caso concreto, compatível com o interesse público.

Concretizando: o reconhecimento da extinção (ainda que parcial) da dívida exequenda por compensação, por parte do MUNICÍPIO DO SEIXAL, pressupõe que essa operação é adequada e conveniente à prossecução do interesse público.

Por conseguinte, tendo o MUNICÍPIO DO SEIXAL considerado, no caso concreto, que a extinção da dívida tributária através da compensação é compatível com o interesse público, sempre se terá que dar por verificado o preenchimento do requisito previsto no artigo 11.°, n.° 2, do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, e, nessa medida, sempre se deverá sindicar — no âmbito do presente processo de reclamação judicial — os fundamentos invocados pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal do Seixal, no despacho reclamado, para recusar a inclusão de determinados créditos de que a RECORRENTE é titular no perímetro da compensação operada.

Sem prejuízo do acima exposto, sempre se diz que, no caso em apreço, encontra-se verificado o preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade da extinção da obrigação da dívida exequenda através de compensação com créditos não tributários, ao abrigo do disposto no artigo 90.°-A, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Com efeito, sendo certo, como vem assinalado na Sentença recorrida, que o regime previsto no artigo 90.°-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário deve ser estendido às situações em que um determinado município é titular do crédito tributário (designadamente, taxas municipais) e em que a respectiva Câmara Municipal — enquanto órgão executivo — é a entidade competente para proceder à cobrança coerciva do mesmo, não se pode perder de vista que aquele regime deve ser aplicado a estas situações, de acordo com as adaptações que se mostrarem necessárias (cf. artigo 56.°, n.° 3, da Lei das Finanças Locais)

Neste pressuposto, nos casos em que o crédito tributário pertence a um município — como sucede no caso em apreço —, o mesmo só pode ser compensado com um crédito (não tributário) detido sobre essa mesma autarquia local (e já não, como se afirma na Sentença recorrida, com um crédito sobre a administração directa do Estado).

Por conseguinte, nos casos em que, como no presente, o processo de execução fiscal visa a cobrança de um crédito tributário de que a autarquia local é titular (v.g. taxa municipal), o sujeito passivo pode livrar-se — nos termos do disposto do artigo 90.°-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicado com as necessárias adaptações — da sua obrigação por meio da compensação com um crédito, de natureza não tributária, que detenha sobre essa edilidade.

10ª De igual modo, é imperioso referir que a reclamação judicial é o meio processual idóneo — aliás o único meio processual ao dispor da RECORRENTE — para aferir se o crédito de que a RECORRENTE é titular prescreveu ou não.

11ª Com efeito, a aplicação do procedimento incidental previsto nos nºs 3 e 4 do artigo 90.°-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, está circunscrita aos casos tipicamente regulados nesta disposição legal, ou seja, aos casos em que o sujeito passivo pretende compensar, no âmbito de um processo de execução fiscal, o crédito tributário do Estado com um crédito sobre uma entidade terceira (que embora integrada na administração directa do Estado, não é a titular daquele crédito tributário).

12ª Noutros termos, como é curial admitir, só nestes casos será necessário obter da entidade devedora terceira o reconhecimento e a validação do crédito a compensar, constituindo tal decisão (de deferimento ou de indeferimento) um acto administrativo autónomo, o qual pode, por esta razão, ser objecto de impugnação paralela, através de acção administrativa especial (cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6ª edição, Lisboa: 2012, página 741).

13.º É, pois, em face deste contexto, que o Tribunal Central Administrativo Sul considerou, no acórdão citado na Sentença recorrida, que não cabe, em sede de processo de execução, «averiguar e decidir se o crédito existe ou não e em que termos».

14ª Inversamente, nos casos em que, como sucede no aqui em análise, o órgão de execução é, concomitantemente, o titular do crédito tributário e o devedor do crédito (não tributário) detido pelo sujeito passivo da relação jurídico-tributária, resulta manifesto que o procedimento previsto nos n.°s 3 e 4 do artigo 90.°-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário não é aplicável (não se verificando nestes casos, por conseguinte, a prolação de uma decisão de uma entidade terceira — distinta do órgão de execução —, i.e., uma decisão autónoma).

15ª Nestes casos, o reconhecimento do crédito não tributário, com o qual se pretende compensar o crédito tributário, compete unicamente ao órgão de execução (e já não a uma entidade terceira), constituindo, assim, a decisão que recuse tal pretensão (v.g., com fundamento na prescrição do crédito não tributário) um acto material de execução que afecta os direitos e interesses legítimos do executado.

16ª Significa o anterior que, o acto praticado pelo Presidente da Câmara Municipal do Seixal, objecto do presente processo judicial — que recusou a aceitação da compensação operada no âmbito do processo de execução fiscal n.° 7883/2006, com fundamento na, suposta, prescrição de parte dos créditos detidos pela RECORRENTE —, constitui um acto material de execução que afecta os direitos e interesses legítimos da RECORRENTE.

17ª Em suma, demonstrado que esta concreta decisão — i.e., a recusa de reconhecimento da exigibilidade do crédito detido pela RECORRENTE, com fundamento em prescrição — consubstancia um acto material de execução que afecta os direitos e interesses legítimos da RECORRENTE, sempre se terá que concluir que o Tribunal a quo estava obrigado a proceder à apreciação dos «argumentos atinentes à decisão sobre a existência dos créditos [detidos pela RECORRENTE] e termos da sua exigibilidade», sendo, pois, esta a matéria — (in)exigibilidade dos créditos pela prestação de serviço de fornecimento de energia eléctrica ao MUNICÍPIO DO SEIXAL — sobre a qual o Tribunal foi chamado a pronunciar-se (i.e, a questão jurídica que se pretende ver decidida).

18ª Assim, e em face de todo o exposto, impõe-se concluir que a decisão recorrida violou o disposto no artigo 11.°, n.° 2, do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, no artigo 56.°, n.° 3, da Lei das Finanças Locais, no artigo 90.°-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário e, bem assim, o comando fixado no artigo 660.°, n.° 2, do Código de Processo Civil.

19ª Nesta medida, deve a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que, acolhendo os fundamentos aduzidos pela RECORRENTE na petição inicial, julgue procedente a presente reclamação judicial, por provado e fundada, anulando-se o despacho proferido pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal do Seixal, notificado à RECORRENTE através do Ofício n.° 35571, de 9 de Novembro de 2012, e, nesta medida, declarando-se verificada a extinção do processo de execução fiscal n.° 7883/2006, por pagamento voluntário da dívida exequenda, nomeadamente através da compensação operada pela RECORRENTE.

20ª Na verdade, como decorre da matéria de facto dada como provada, por Contrato de Cessão de Créditos a Título Oneroso celebrado entre a RECORRENTE e a sociedade A……… SERVIÇO UNIVERSAL, S.A., no dia 15 de Maio de 2012, a RECORRENTE adquiriu os direitos de crédito detidos por aquela sobre o MUNICÍPIO DO SEIXAL, no montante global de € 3.376.536,75 (três milhões, trezentos e setenta e seis mil, quinhentos e trinta e seis euros e setenta e cinco cêntimos).

21ª Os créditos cedidos são resultantes do fornecimento de energia eléctrica ao MUNICÍPIO DO SEIXAL por parte da A……… SERVIÇO UNIVERSAL, S.A., em execução do contrato de concessão para distribuição de energia eléctrica em baixa tensão.

22ª Em concreto, os direitos de crédito objecto da cessão correspondem a fornecimentos de energia facturados ao MUNICÍPIO DO SEIXAL entre o dia 15 de Outubro de 2009 e o dia 30 de Março de 2012, cujo pagamento se encontrava em falta.

23. Em 16 de Maio de 2012, a RECORRENTE notificou o MUNICÍPIO DO SEIXAL, da operada cessão de créditos, nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 1 do artigo 583.° do Código Civil.

24ª Na mesma data, a RECORRENTE declarou ao MUNICÍPIO DO SEIXAL, ao abrigo dos artigos 847.° e 848.° do Código Civil e, bem assim, 11.°, n.° 2, do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, que procedera à compensação entre os direitos de crédito detidos sobre aquela edilidade e os créditos tributários contra si detidos pelo MUNICÍPIO DO SEIXAL, consubstanciados na dívida exequenda subjacente ao processo de execução fiscal a° 7883/2006.

25ª Porém, conforme resulta do despacho ora reclamado — notificado à RECORRENTE através do Ofício n.° 35571, de 9 de Novembro de 2012, — o MUNICÍPIO DO SEIXAL entende que a maioria dos direitos de crédito titulados pelas facturas emitidas pela A……… SERVIÇO UNIVERSAL, S.A. — no montante global de € 2.190.202,71 (dois milhões, cento e noventa mil, duzentos e dois euros e setenta e um cêntimos) — encontrar-se-iam, à data de 16 de Maio de 2012, prescritos por força do que se dispõe no nº1 do artigo 10.° da Lei n.° 23/96, de 26 de Julho, não sendo, nessa medida, passíveis de compensação.

26ª Não obstante, o certo é que a invocada prescrição dos direitos de crédito detidos pela RECORRENTE sobre o MUNICÍPIO DO SEIXAL não se verifica no caso concreto.

27ª Por um lado, o regime prescricional que transcorre do referido n.° 1 do artigo 10.° da Lei n.° 23/96, de 26 de Julho, tem o seu âmbito subjectivo de aplicação circunscrito a consumidores finais de energia eléctrica — conceito que não abrange o MUNICÍPIO DO SEIXAL enquanto consumidor de energia eléctrica fornecida em cumprimento de um contrato de concessão para distribuição de energia eléctrica em baixa tensão.

28ª Por outro lado, porque mesmo que o indicado artigo 10.º da Lei n.° 23/96, de 26 de Julho, se considerasse aplicável aos créditos sob apreciação, o MUNICÍPIO DO SEIXAL propôs, em 13 de Janeiro de 2012, à A……… SERVIÇO UNIVERSAL, S.A. — à data ainda titular dos direitos de crédito cedidos à RECORRENTE —, “que a dívida, no montante de 2.365.803,62, referente ao consumo de energia eléctrica de BT no período de Outubro de 2010 a Dezembro de 2011 e MT/BT no período de Setembro de 2010 a Novembro de 2011, e juros de MT/BT no período de Novembro de 2009 a Dezembro de 2011, seja convertida num plano de pagamentos de 36 prestações mensais, com possibilidade de amortizações parciais, nos meses de Maio e Outubro”.

29ª Nestes termos, sempre se terá de concluir que, por força do proposto plano de pagamentos o MUNICÍPIO DO SEIXAL reconheceu expressamente a exigibilidade dos créditos cujo putativo prazo prescricional de 6 meses se encontrava ainda em curso em 13 de Janeiro de 2012 e renunciou tacitamente aos efeitos da prescrição quanto aos créditos alegadamente prescritos na mesma data.

30ª Neste contexto, tendo-se iniciado no dia 13 de Janeiro de 2012, novo prazo prescricional de 6 meses, permite-se concluir que no dia 16 de Maio de 2012 — data em que se efectivou a compensação de créditos — não se encontrariam, ainda, prescritos os direitos de crédito identificados nos quadros constantes dos artigos 28.°, 29.° e 30.° da presente petição inicial.

31ª Aqui chegados, cabe ainda referir que a dívida relativa ao fornecimento de energia eléctrica em Média Tensão no Bairro de Vale de Chícharos (no montante global de € 72.097,15) é da responsabilidade MUNICÍPIO DO SEIXAL, o qual tem vindo, aliás, a liquidar, ao longo dos anos, as facturas respeitantes a este contrato, quer através das várias operações de factoring realizadas, quer por encontro de contas com a renda da concessão.

32ª Em suma, tendo em consideração que a referida declaração de compensação de créditos foi validamente notificada pela RECORRENTE ao MUNICÍPIO DO SEIXAL no dia 16 de Maio de 2012, conclui-se que, nesta data, se extinguiram, ipso iure, os direitos de crédito detidos pela RECORRENTE sobre o MUNICÍPIO DO SEIXAL e, reciprocamente, os direitos de crédito detidos pelo MUNICÍPIO DO SEIXAL sobre a RECORRENTE, ambos no indicado montante global de € 3.452.793,75 (três milhões, quatrocentos e cinquenta e dois mil, setecentos e noventa e três euros e setenta e cinco cêntimos).

33ª Por conseguinte impõe-se concluir, sem necessidade de ulteriores considerações, pelo consequente efeito extintivo, nos termos dos citados n.ºs 1 e 3 do artigo 264.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, do processo de execução fiscal n.° 7883/2006.

NESTES TERMOS, E NO MAIS DE DIREITO QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS NÃO DEIXARÃO DE SUPRIR, DEVERÁ SER REVOGADA A SENTENÇA ORA RECORRIDA, SENDO JULGADA PROCEDENTE A RECLAMAÇÃO JUDICIAL APRESENTADA PELA ORA RECORRENTE, CONFORME INICIALMENTE PETICIONADO.


Nas suas contra-alegações a recorrida concluiu da seguinte forma:

1- A questão decidenda está unicamente em saber se o Tribunal a quo deveria ou não ter anulado, o despacho do Senhor Presidente da Câmara Municipal do Seixal, através do qual se opôs à compensação de créditos unilateralmente operada e meramente comunicada ao Município.
2- A recorrente não desconhece que as normas jurídicas invocadas, quer na douta sentença recorrida, quer nas suas próprias alegações, não lhe consentem fazer operar unilateralmente a compensação, nos termos em que o fez.
3- Com efeito, nos termos do disposto no art.° 11º n.° 2 da Lei n.° 53-E/2006, de 29 de Dezembro (RGTAL), “as taxas podem ser pagas (...) por compensação, quando tal seja compatível com o interesse público”.
4- Ora, sucede que não cabia à recorrente avaliar do interesse público na compensação de créditos e, como tal não poderia ter operado por vontade própria a referida compensação.
5- Acresce que, a compensação de um crédito (por taxas) só poderá ocorrer nas situações especificamente previstas, nomeadamente, em Regulamento Municipal ou, ainda que assim não se entendesse, quando seja expressamente consentido pela administração tributária, o que pressuporia que a ora recorrente lho tivesse requerido.
6- Todavia, a recorrente não requereu qualquer compensação, antes decidiu-a, comunicou-a e quer impô-la contra um despacho do Senhor Presidente da Câmara em que claramente se invoca a prescrição de parte dos invocados créditos, para fundamentar o interesse público na sua inadmissibilidade.
7- O art.° 90°-A n.°2 do CPPT, também invocado pela recorrente, impunha-lhe expressamente que requeresse e demonstrasse, nomeadamente, que o seu crédito era certo, liquido e exigível.
8- Embora não seja manifestamente esse o objecto deste processo, facto é que o crédito da recorrente, não era sequer, em parte, exigível, uma vez que estava prescrito.
9- E já estavam prescritos quando os serviços propuseram o pagamento prestacional da obrigação prescrita, i.e., quando propuseram o pagamento de uma obrigação prescrita e que se convertera numa obrigação natural que, por isso, não é exigível
— logo insusceptível de compensação.
10- Acresce que um eventual reconhecimento de um crédito prescrito não tem a virtualidade de o fazer renascer e muito menos tem como consequência a renúncia à possibilidade de invocar essa mesma prescrição — quando o próprio interesse público lhe impõe que a invoque!
11- A aplicabilidade do n.° 1 do art.° 10º da lei 23/96, de 26/7 prende-se intimamente com a natureza do crédito da recorrente sobre a recorrida, uma vez que de entre os consumos de energia que faz o município se comporta como mero utente ou consumidor final.
12- Ora não está alegado, nem demonstrado que todos os consumos de energia cuja compensação a recorrente pretendeu fazer operar, respeitem ao âmbito do contrato de concessão.
13- Aliás, do teor das facturas juntas aos autos resulta com mediana clareza que existem consumos de energia em Média tensão (MT) que, por certo, não poderão considerar-se compreendidos no contrato de concessão de energia em baixa tensão (sublinhado nosso), como porventura existem consumos em baixa tensão em instalações do município completamente estranhas ao âmbito do referido contrato de concessão de distribuição de energia.
14-- Tanto bastaria para que a questão da prescrição não pudesse, nem deva ser discutida no âmbito dos presentes autos em que o único tema decidendo é o da admissibilidade da compensação operada pela recorrente nos termos em que realizou.
15- Mas o art.° 90.°A do CPPT ainda dispõe que para operar a compensação devem estar cumulativamente verificados os requisitos aí elencados, nomeadamente, a existência de uma dívida da administração directa do Estado para com o executado.
16- Ora, o Município não está integrado na administração directa do Estado e, como tal, estaria também por esta via vedada a possibilidade de compensação de créditos, conforme, aliás se assinala no douto acórdão recorrido.
17- Em jeito de conclusão, o que o Município foi chamado a decidir foi se estavam ou não preenchidos os requisitos da compensação para que esta pudesse operar.
18- Não se achando desde logo preenchido, na perspectiva do Município, o requisito do reconhecimento da existência do crédito da recorrente, a decisão de indeferir o pedido de compensação a única legalmente admissível e conforme ao interesse público.

Nestes termos e nos melhores de Direito deve o presente recurso ser julgado improcedente e consequentemente mantida a douta decisão recorrida.

O EMMP pronunciou-se emitindo o seguinte parecer:

1. A……… Distribuição Energia vem recorrer da sentença proferida em reclamação, pela qual foi indeferido o pedido de ser anulado o despacho proferido pelo sr. Presidente da CM do Seixal que indeferiu pedido de extinção de execução fiscal por pagamento voluntário da dívida exequenda, nomeadamente, através de compensação operada pela reclamante.
Invoca-se em fundamento da revogação do decidido o disposto no art. 11.º n.º2 do RGTAL, defendendo ser o acima referido de interesse público, bem como a aplicação do previsto no art. 90.º-A do C.P.P.T. com as necessárias adaptações, não sendo ao caso de aplicar o previsto nos seus n.ºs 3 e 4, e de decidir ainda quanto à prescrição que defende não ter ocorrido quanto aos créditos de que é titular perante o referido município, relativamente ao que indica não ser aplicável o previsto no art. 10.º da Lei n.º 23/96, de 26/6, bem como ter havido ainda reconhecimento dos mesmos a 13-1-2012.
2. Emitindo novo parecer, é de começar por observar que a compensação com créditos tributários apenas se encontra prevista nos termos previstos na lei — art. 40.º n.º 2 da L.G.T.
Tratando-se de créditos desse tipo de que seja titular directamente autarquia local, é ainda o regime previsto no art. 90.º-A n.ºs 1 e 2 do C.P.P.T. que no caso resulta ser de aplicar, sendo assim de afastar o fundamento com base em que se decidiu dessa disposição não ser de aplicar disposição quanto às autarquias locais por não serem de considerar na administração directa do Estado.
É de aplicar o mesmo com adaptações, como as relativas à competência para decidir a compensação que pertence ao Presidente da CM ou a titular de cargo de direcção que designar, conforme se refere em sumário de parecer emitido pelo Conselho Consultivo da PGR a 27-4-06 no proc. 000792004, acessível em www.dgsi.pt:
as funções que o «juiz auxiliar» desempenhava nos processos de execução fiscal instaurados nas autarquias municipais são, no actual quadro procedimental tributário, exercidas pelo responsável do órgão de execução que for designado pela câmara municipal, ou pelo presidente da câmara na falta de deliberação daquele órgão, devendo essa designação recair em titular de cargo de direcção ou chefia de serviços de apoio instrumental nos termos do disposto no artigo 58-°, n-° 1, do Decreto-Lei n-° 247/87, de 17 de Junho”.
Contudo, tal não deve levar a que se afaste a aplicação do previsto no art. 90º.-
A n.ºs 1 e 2 do C.P.P.T., como seja as dívidas a compensar terem de ser certas, líquidas e exigíveis, e devendo ser feita prova da existência e da origem dos créditos, do seu valor e do prazo de vencimento, com vista a ser proferida decisão por aquela entidade competente.
Ora, tal não foi o procedimento adoptado pela recorrente que operou a compensação e comunicou a mesma ao dito Presidente para que extinguisse a execução, por pagamento voluntário da dívida exequenda e pela compensação que assim tinha sido operada, sem satisfazer os termos previstos na lei para a compensação.
Concluindo, parece que o recurso é de improceder, sendo de confirmar o decidido ainda que com diferente fundamento.

2 – FUNDAMENTAÇÃO

O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte factualidade:

A. No dia 13/05/2005, a reclamante foi notificada do ato de liquidação da taxa municipal relativa à ocupação do espaço aéreo do Município do Seixal com linhas de Alta Tensão, referente ao ano de 2004, no montante de € 3.171.854,10 (três milhões, cento e setenta e um mil, oitocentos e cinquenta e quatro euros e dez cêntimos) (processo de execução fiscal apenso).
B. No dia 07/09/2006, a Secção de Contencioso Tributário do Município do Seixal instaurou contra a reclamante o processo executivo n.° 7883/2006, para cobrança coerciva da liquidação indicada no ponto A (PEF apenso).
C. No dia 02/11/2006, a reclamante prestou garantia no referido processo executivo, através da Declaração de Seguro Caução n.° 200610006 — apólice CA30003415, emitida pela “B………, S.A.” no dia 27/10/2006 (PEF apenso).
D. Após o trânsito em julgado da decisão de improcedência do processo de impugnação judicial, que a reclamante instaurou contra o indeferimento da reclamação graciosa da sobredita liquidação da taxa de ocupação do espaço aéreo do Município do Seixal, este Município solicitou à “B………, S.A.”, através do Ofício n.° 12702, de 03/05/2012, o pagamento da quantia de € 4.048.948,83 (quatro milhões, quarenta e oito mil, novecentos e quarenta e oito euros e oitenta e três cêntimos), em execução do seguro-caução, consubstanciado na declaração identificada no ponto C (PEF apenso).
E. Por Contrato de Cessão de Créditos a Título Oneroso celebrado entre a reclamante e a sociedade “A……… Serviço Universal, S.A.”, no dia 15/05/2012, a reclamante adquiriu os direitos de crédito detidos por aquela sobre o Município do Seixal, correspondentes a fornecimentos de energia elétrica faturados àquele município entre os dias 15/10/2009 e 30/03/2012, em execução do contrato de concessão para distribuição de energia elétrica em baixa tensão, no montante global de € 3.376.536,75 (três milhões, trezentos e setenta e seis mil, quinhentos e trinta e seis euros e setenta e cinco cêntimos) (Doc. 2 da petição inicial).
F. No dia 16/05/2012, a reclamante remeteu notificação ao Município do Seixal, dando conta da aquisição dos créditos referenciados no ponto E (Doc. 3 da PI e PEF apenso).
G. Na mesma data, a reclamante declarou ao Município do Seixal que procedera à compensação entre os direitos de crédito detidos sobre aquela edilidade, no montante global de € 3.452.793,75 (três milhões, quatrocentos e cinquenta e dois mil, setecentos e noventa e três euros e setenta e cinco cêntimos) e os créditos tributários contra si detidos pelo Município do Seixal, em dívida no processo de execução fiscal n.° 7883/2006 (Doc. 4 da PI e PEF apenso).
H. No dia 16/05/2012, a reclamante procedeu ao pagamento de parte da dívida do processo de execução fiscal n.° 7883/2006 não abrangida pela compensação referida no ponto G, no valor de € 596.155,08 (quinhentos e noventa e seis mil, cento e cinquenta e cinco euros e oito cêntimos) (PEF apenso).
I. No dia 09/11/2012, foi remetido ofício à administração da reclamante, contendo despacho do Presidente da Câmara Municipal do Seixal, constante de fls. 42/44 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta o seguinte:
“O Município rejeita e refuta a pretendida compensação de créditos na sua globalidade, porquanto não reconhece a totalidade do alegado crédito da sociedade A……… Serviço Universal, SA, por efeito da prescrição, nos termos do n.° 1 do art. 10º da Lei n.° 23/96, de 26 de julho, na redação que lhe foi dada que lhe foi dada pela Lei n.° 12/2008, de 26 de fevereiro. O Município também não aceita qualquer compensação que inclua créditos relativos a consumos ocorridos no Bairro de Vale de Chícharos, pois, conforme será do conhecimento de V. Exas., o Município do Seixal nunca assinou o respetivo contrato de fornecimento e há muito que afirma não assumir as responsabilidades decorrentes dos consumos ali ocorridos (cfr. cópia dos n/ofícios nº 561665 e 9128, de 2007-06-25 e 2012-03-23, oportunamente apresentados). Assim, do alegado montante cedido de € 3.376.536,75, constituído por faturas emitidas pela sociedade A……… Serviço Universal, SA nos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, apenas se reconhece, para efeitos de compensação, o valor de € 1.114.236,89 (um milhão, cento e catorze mil duzentos e trinta e seis euros e oitenta e nove cêntimos). (...) Em resultado do supra exposto, o valor global aceite para compensação para pagamento das taxas devidas por essa empresa relativas à ocupação do espaço público deste Município com linhas do alta tensão, no ano do 2004, é de €1.190.493,89 (um milhão cento e noventa mil quatrocentos e noventa e três euros e oitenta e nove cêntimos - 1.114.236,89 + 76.257). Adicionado a este montante o valor do pagamento de € 596.155,08 (quinhentos e noventa e seis mil cento e cinquenta e cinco euros e oito cêntimos), realizado por cheque, em 16 de maio p.p., o total de € 1.786.643,97 (um milhão setecentos e oitenta e seis mil seiscentos e quarenta e oito euros e noventa e sete cêntimos) foi imputado como pagamento parcial da taxa relativa ao ano de 2004, em cobrança no Processo de Execução Fiscal desta Câmara com o n.° 7883/2006, o qual prosseguirá termos até ao integral pagamento da quantia exequenda. Concomitantemente, os pagamentos recebidos neste processo são pelo ofício comunicados à B………, SA, enquanto entidade emitente da garantia prestada pelo Seguro de Caução n.° 200610006 - apólice 0A30003415. Face ao exposto, caso Vexas. não procedam ao pagamento imediato da quantia remanescente em dívida no processo de €2.262.299,86 (dois milhões duzentos e sessenta e dois mil duzentos e noventa e nove euros e oitenta e seis cêntimos), reclamaremos tal pagamento junto daquela a seguradora, por conta da aludida garantia prestada a favor desta Câmara Municipal.” (Doc. 1 da PI e PEF apenso).
J. No dia 13/01/2012, o Presidente da Câmara Municipal do Seixal notificou a “A……… Serviço Universal, S.A.”, (à data ainda titular dos direitos de crédito cedidos à RECLAMANTE) do ofício n.° 1242, com o seguinte teor:
“Considerando o atual quadro de restrições, que tem originado muitos constrangimentos na nossa tesouraria, criando dificuldades ao cumprimento dos compromissos assumidos, vimos propor a título excecional que a dívida, no montante de 2.365.803,62 referente ao consumo de energia elétrica de BT no período de outubro de 2010 a dezembro de 2011 e MT/BT no período de setembro de 2010 a novembro de 2011, e juros de MT/BT no período de novembro de 2009 a dezembro de 2011 (anexo 1), seja convertida num plano de pagamentos de 36 prestações mensais, conforme anexo lI, com possibilidade de amortizações parciais, nos meses de maio e outubro” (Doc. 5 da PI).

Factos Não Provados
Não se provaram quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa.

Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

3 – DO DIREITO

O meritíssimo juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, julgou improcedente por a reclamação da decisão do órgão de execução fiscal, por entender que:

I. Relatório
“A……… — DISTRIBUIÇÃO ENERGIA, S.A.” (doravante reclamante), com o NIF ……… e os demais sinais dos autos, deduziu reclamação da decisão do órgão de execução fiscal, que se consubstanciou no despacho do Presidente da Câmara Municipal do Seixal datado de 09/11/2012, nos termos do qual não se reconhece a extinção do processo de execução fiscal com o n.° 7883/2006, por pagamento voluntário da dívida exequenda.
Alega, em síntese, o seguinte:
- no dia 15/05/2012, a reclamante adquiriu direitos de crédito sobre a entidade exequente no montante global de € 3.376.536,75, resultantes do fornecimento de energia elétrica ao Município do Seixal faturados entre 15/10/2009 e 30/03/2012;
- no dia 16/05/2012, notificou o Município da operada cessão de créditos e declarou que procedera à compensação entre tais direitos de crédito e os créditos tributários em dívida no processo de execução fiscal n.° 7883/2006;
- no despacho sob reclamação, o Município do Seixal entende que parte dos direitos de crédito se encontram prescritos, inviabilizando a compensação, o que não se verifica;
- o Município do Seixal, em 13/01/2012, reconheceu expressamente a exigibilidade de tais créditos e renunciou tacitamente aos efeitos da prescrição;
- a dívida relativa ao fornecimento de energia elétrica do Bairro de Vale de Chícharos é da responsabilidade do Município, que a tem vindo a liquidar ao longo dos anos;
- assim, no dia 16/05/2012, extinguiram-se ipso jure os direitos de crédito detidos pela reclamante sobre o Município e reciprocamente os direitos de crédito detidos pelo Município sobre a reclamante, impondo-se concluir pelo efeito extintivo do processo de execução fiscal;
- justifica-se a subida imediata da reclamação, considerando que a sua retenção tornaria inútil a sua apreciação a final, pois não impedirá os efeitos que se pretendem evitar com a sua propositura.
Pede se julgue procedente a presente reclamação judicial, com anulação do despacho do Presidente da Câmara Municipal do Seixal e extinção do processo de execução fiscal n.° 7883/2006.
Notificada para o efeito, a entidade demandada não apresentou resposta, limitando-se a juntar aos autos cópia certificada do processo de execução fiscal.
Foram os autos com vista à Digna Magistrada do Ministério Público, a qual expressou concordância com os fundamentos da reclamação, sendo de parecer que a mesma deve proceder.

II. Saneamento
(…)

Quanto ao conhecimento imediato da reclamação, de acordo com o disposto no artigo 276.° do CPPT,(…)
Como tal, nada obsta ao conhecimento imediato da reclamação, por existir fundamento razoável para invocação de prejuízo irreparável, cf. artigo 278.°, n.° 3, do CPPT.

III. Fundamentação
(…)

Do Direito
A reclamante veio, com a propositura dos presentes autos, colocar em crise o despacho do Presidente da Câmara Municipal do Seixal datado de 09/11/2012, que indeferiu o pretendido reconhecimento da extinção do processo de execução fiscal com o n.° 7883/2006, por via de compensação de créditos.
Para fundamentar tal indeferimento, ali se entendeu que parte dos créditos invocados se encontravam prescritos e não se aceitou que a compensação incluísse os créditos relativos a consumos ocorridos no Bairro de Vale de Chícharos.
Segundo a reclamante, não se verifica a prescrição de parte dos direitos de crédito e o Município do Seixal já reconheceu expressamente a sua exigibilidade, sendo que quanto à dívida relativa ao fornecimento de energia elétrica do Bairro de Vale de Chícharos é da responsabilidade do Município, que a tem vindo a liquidar ao longo dos anos.
Sustenta, pois, que por compensação de sua iniciativa se extinguiram os direitos de crédito detidos pela reclamante sobre o Município e reciprocamente os direitos de crédito detidos pelo Município sobre a reclamante, impondo-se concluir pelo efeito extintivo do processo de execução fiscal.
Cumpre então apreciar se o despacho sob reclamação, ao recusar a extinção do processo de execução fiscal por via de compensação, respeitou os normativos legais aplicáveis e, concomitantemente, se estava o município legalmente vinculado a aceitar tal compensação, operada por iniciativa da aqui reclamante.
Está aqui em causa dívida proveniente de taxa cobrada por autarquia local, no caso, a taxa municipal relativa à ocupação do espaço aéreo do Município do Seixal com linhas de Alta Tensão, relativa ao ano de 2004. Que, não tendo sido paga pela ora reclamante no respetivo prazo de pagamento voluntário, se encontra em fase de cobrança coerciva no âmbito de uma execução fiscal.
Convocando a reclamante, pelo seu lado, créditos de natureza não tributária que detém sobre o Município do Seixal e que pretende ver compensados com aquela dívida, e deste modo extinto o processo de execução fiscal.
Vejamos então.
Sobre a figura da compensação, dispõe o artigo 847°, n.° 1, do Código Civil (CCiv), que “[q]uando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:
a) [s]er o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção, perentória ou dilatória, de direito material;
b) [t]erem as duas obrigações por objeto coisas fungiveis da mesma espécie e qualidade.”
De acordo com o artigo 848.° deste diploma legal, a compensação torna-se efetiva mediante declaração de uma das partes à outra — n.° 1, sendo a declaração ineficaz, se for feita sob condição ou a termo - n.° 2.
Atente-se, contudo, que de acordo com o disposto no artigo 853.°, nº 1, al. c), do CCiv, não podem extinguir-se por compensação os créditos do Estado ou de outras pessoas coletivas públicas, exceto quando a lei o autorize.
No caso das relações jurídicas tributárias, a compensação é admitida como forma de extinção, nos casos expressamente previstos na lei, conforme preceitua o artigo 40°, n.° 2, da Lei Geral Tributária (LGT).
Na situação em análise, amparou a impugnante a compensação de que se quer fazer valer no disposto nos artigos 847.° e 848.° do Código Civil, já aqui chamados à colação, invocando ainda o artigo 11.º do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.° 53-E/2006, de 29 de dezembro. Prescreve-se aí o seguinte, sob a epígrafe ‘pagamento’:
“1 - As taxas das autarquias locais extinguem-se através do seu pagamento ou de outras formas de extinção, nos termos da lei geral tributária.
2 - As taxas das autarquias locais podem ser pagas por dação em cumprimento ou por compensação, quando tal seja compatível com o interesse público.”
É, pois, inelutável que o legislador veio prever expressamente a possibilidade de, nos casos das taxas cobradas pelas autarquias locais, o pagamento poder ser efetuado através de compensação.
Mas o citado n.° 2 deste artigo 11º, ao apenas admitir a compensação quando seja compatível com o interesse público, inequivocamente veda a possibilidade da compensação operar por mera vontade do particular, antes necessariamente remete para a autarquia a regulamentação concreta da sua admissão (neste sentido, cf. Sérgio Vasques, Regime das Taxas Locais - Introdução e Comentário, 2009, em anotação ao referido artigo).
Sucede que, compulsado o Regulamento de Ocupação do Espaço Público do Município do Seixal, com base no qual foi liquidada a taxa que deu origem à dívida exequenda, não se vislumbra no mesmo qualquer alusão à possibilidade de pagamento através de compensação.
Por outro lado, estamos aqui perante uma execução fiscal, processo judicial criado pelo Estado para a cobrança das dívidas de natureza tributária, estando em causa a realização de fins especiais de interesse público, que ao órgão de execução fiscal cumpre prosseguir.
Conforme decorre do disposto nos artigos 88.° e 188.° do CPPT, a execução fiscal é um modo de cumprimento coercivo das obrigações tributárias, instaurada com base em extração de dívida, findo o respetivo prazo de pagamento voluntário.
Sendo que, nos termos previstos no artigo 7°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 433/99, de 26 de outubro, que aprovou aquele Código de Procedimento e de Processo Tributário, a competência para emitir as certidões de dívida, no caso dos tributos municipais, pertence ao Presidente da Câmara, que a pode delegar em funcionário dos respetivos serviços de execuções fiscais.
A propósito da cobrança coerciva de dívidas provenientes de taxas cobradas pelas edilidades municipais, no parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, de 09/04/2007, foi efetuado o percurso legislativo que de seguida se reproduz, com manifesto relevo para o caso dos autos:
“A Constituição da República de 1976 veio alterar profundamente o regime jurídico-administrativo das autarquias locais, que deixam de constituir Administração dependente do Estado-Administração. Segundo o n° 1 do artigo 6° da Constituição, o Estado respeita na sua organização e funcionamento os princípios da autonomia das autarquias locais. (...) O designado poder tributário das autarquias apresenta-se como um dos vetores da sua autonomia financeira, cumprindo salientar que, na sequência da Revisão Constitucional de 1997, através do aditamento de um n° 4 ao artigo 238° e do aditamento de um n° 2 ao artigo 254°, o legislador ordinário ficou autorizado «a atribuir às autarquias locais poder tributário stricto sensu, ou seja, o poder para criar e disciplinar nos seus elementos essenciais os impostos». Este princípio encontra-se assumido, relativamente aos municípios, no artigo 4° da LFL que, sob a epigrafe «Poderes tributários», dispõe no n° 1, que «[a]os municípios cabem os poderes tributários conferidos por lei, relativamente a impostos a cuja receita tenham direito, em especial os referidos na alínea a) do artigo 16°». (...) Relativamente a estas taxas municipais, cabem aos municípios todos os poderes tributários e, de entre eles, a competência tributária, a capacidade tributária ativa e, naturalmente, a titularidade da respetiva receita. Nestes termos, «cabe à administração municipal gerir e arrecadar — lançando, liquidando e cobrando — as taxas municipais, estabelecendo-se e esgotando-se, por conseguinte, entre o município, como sujeito ativo, e os contribuintes, como sujeitos passivos, as correspondentes relações tributárias». (...) A Lei Geral Tributária (LGT) enuncia e define os grandes princípios substantivos do sistema tributário e os poderes da administração tributária e garantias dos contribuintes. O título III da LGT é dedicado ao procedimento tributário o qual compreende toda a sucessão de atos dirigida à declaração de direitos tributários (artigo 54°, n° 1), abarcando, no fundo, toda a atividade administrativa tributária. (...) [O] Código de Procedimento e de Processo Tributário «não se aplica apenas aos impostos administrados tradicionalmente pela Direção-Geral dos Impostos (DGCI). Fica também claro que se aplica ao exercício dos direitos tributários em geral, quer pela DGCI, quer por outras entidades públicas, designadamente a Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC), quer inclusivamente por administrações não dependentes do Ministério das Finanças». Aplica-se, nomeadamente, ao exercício dos direitos tributários de que são titulares as autarquias locais. Recorde-se que, nos termos do artigo 30°, nº 4, da Lei das Finanças Locais, as normas do CPPT são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à cobrança coerciva das dívidas às autarquias locais provenientes de taxas, encargos de mais-valias e demais receitas de natureza tributária que aquelas devam cobrar. (...) Por força da equiparação contemplada no n° 2 do transcrito artigo 7°, as competências atribuídas ao dirigente superior da Administração Fiscal do Estado — o diretor-geral da Direção-Geral dos Impostos — são exercidas, de acordo com o disposto no artigo 51°, n° 2, alíneas a) e c), do Decreto-Lei n° 135/99, de 22 de abril, pelo presidente da câmara municipal, nas câmaras municipais, e pela junta de freguesia, nas freguesias. A mesma conclusão se retira do artigo 30° da LFL com a referência aí feita aos «aos órgãos executivos» competentes para a cobrança coerciva das dívidas às autarquias locais provenientes de taxas, encargos de mais-valias e outras receitas de natureza tributária que aquelas devam cobrar, neles se incluindo, no que respeita ao município, o presidente da câmara.”
Isto posto, dúvidas não se colocam a propósito da aplicabilidade do CPPT às execuções fiscais municipais.
E no tocante à matéria que aqui nos traz, tal diploma legal admite a compensação por iniciativa da administração tributária, cf. artigo 89°, por iniciativa do contribuinte com créditos tributários, cf. artigo 90°, e por iniciativa do contribuinte com créditos não tributários, cf. artigo 90°-A.
Estatuem como segue, os invocados preceitos legais:
‘Artigo 89.° (Compensação de dividas de tributos por iniciativa da administração tributária)
1 - Os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação ou impugnação judicial de qualquer ato tributário são aplicados na compensação das suas dívidas cobradas pela administração tributária, exceto nos casos seguintes:
a) Estar a correr prazo para interposição de reclamação graciosa, recurso hierárquico, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução;
b) Estar pendente qualquer dos meios graciosos ou judiciais referidos na alínea anterior ou estar a dívida a ser paga em prestações, desde que a dívida exequenda se mostre garantida nos termos do artigo 169°.
2 - Quando a importânda do crédito for insuficiente para o pagamento da totalidade das dívidas e acrescido, o crédito é aplicado sucessivamente no pagamento dos juros de mora, de outros encargos legais e do capital da dívida, aplicando-se o disposto no n.° 3 do artigo 262º.
3 - A compensação efetua-se pela seguinte ordem de preferência:
a) Com dividas da mesma proveniência e, se respeitarem a impostos periódicos, relativas ao mesmo período de tributação;
b) Com dívidas da mesma proveniência e, se respeitarem a impostos periódicos, respeitantes a diferentes períodos de tributação;
e) Com dívidas provenientes de tributos retidos na fonte ou legalmente repercutidos a terceiros e não entregues;
d) Com dívidas provenientes de outros tributos, com exceção dos que constituam recursos próprios comunitários, que apenas serão compensados entre si.
4 - Se o crédito for insuficiente para o pagamento da totalidade das dívidas, dentro da mesma hierarquia de preferência, esta efetua-se segundo a seguinte ordem:
a) Com as dívidas mais antigas;
b) Dentro das dívidas com igual antiguidade, com as de maior valor;
c) Em igualdade de circunstâncias, com qualquer das dívidas.
5 - A compensação é efetuada através da emissão de título de crédito destinado a ser aplicado no pagamento da dívida exequenda e acrescido.
6 - Verificando-se a compensação referida nos números anteriores, os acréscimos legais serão devidos até à data da compensação ou, se anterior, até à data limite que seria de observar no reembolso do crédito se o atraso não for imputável ao contribuinte.
7 - O ministro ou órgão executivo de que dependa a administração tributária pode proceder à regulamentação do disposto no presente artigo que se mostre necessária.
Artigo 90.° (Compensação com créditos tributários por iniciativa do contribuinte)
1 - A compensação com créditos tributários pode ser efetuada a pedido do contribuinte quando, nos termos e condições do artigo anterior, a administração tributária esteja impedida de a fazer.
2 - A compensação com créditos tributários de que seja titular qualquer outra pessoa singular ou coletiva pode igualmente ser efetuada, nas mesmas condições do número anterior, desde que o devedor os ofereça e o credor expressamente aceite.
3 - A compensação referida nos números anteriores é requerida ao dirigente máximo da administração tributária, devendo, no caso do número anterior, o devedor apresentar com o requerimento prova do consentimento do credor.
4 - A compensação com créditos sobre o Estado de natureza não tributária de que o contribuinte seja titular pode igualmente ser efetuada em processo de execução fiscal se a dívida correspondente a esses créditos for certa, líquida e exigível e tiver cabimento orçamental.
Artigo 90°-A (Compensação com créditos não tributários por iniciativa do contribuinte)
1 - A compensação com créditos de qualquer natureza sobre a administração direta do Estado de que o contribuinte seja titular pode ser efetuada quando se verifiquem as seguintes condições cumulativas:
a) A dívida tributária esteja em fase de cobrança coerciva;
b) As dívidas da administração direta do Estado que o contribuinte indique para compensação sejam certas, líquidas e exigíveis.
2 - A compensação a que se refere o número anterior é requerida pelo executado ao dirigente máximo da administração tributária, devendo ser feita prova da existência e da origem do crédito, do seu valor e do prazo de vencimento.
3 - A administração tributária, no prazo de 10 dias, solicita à entidade da administração direta do Estado devedora o reconhecimento e a validação do caráter certo, líquido e exigível do crédito indicado pelo executado para compensação.
4 - A entidade devedora, em prazo igual ao do número anterior, pronuncia-se sobre o caráter certo, líquido e exigível do crédito, indicando o seu valor e data de vencimento, de forma a permitir o processamento da compensação.
5 - O órgão da execução fiscal promove a aplicação do crédito referido no número anterior no processo de execução fiscal, nos termos dos artigos 261.º e 262.°, consoante o caso.
6 - Verificando-se a compensação referida no presente artigo, os acréscimos legais são devidos até ao mês seguinte ao da data da apresentação do requerimento a que se refere o n.° 2.
7 - As condições e procedimentos de aplicação do disposto no presente artigo podem ser regulamentados por portaria do membro de Governo responsável pela área das finanças.”
Os créditos invocados pela reclamante são claramente créditos não tributários, que os pretende compensar com dívidas tributárias.
Cumpre então saber, à luz do último dos normativos citados, introduzido com a Lei n.° 3-B/2010, de 18 de abril, se a compensação de créditos invocada pela reclamante tem cabimento legal.
Como se assinalou em aresto do Tribunal Central Administrativo Sul de 10/05/2005 (proc. n.° 0585/05, disponível em htt://www.dgsi.pt/jtca.nsj), “se a executada pretende efetuar o pagamento da dívida exequenda por compensação com um crédito de que se diz titular sobre o Estado, cumpre apenas, em sede de processo de execução, verificar se estão reunidos os requisitos legais para a pedida compensação e não já averiguar e decidir se o crédito existe ou não e em que termos.” E isto porque, se o Estado não reconhece “tal crédito, não se pode, por ora, dar como verificado o primeiro dos requisitos para a compensação, ou seja, a existência de um crédito a favor do contribuinte de que seja devedor o Estado.”
Deste modo, não é de relevar a ênfase colocada pela reclamante, na petição inicial que aqui nos traz, nos argumentos atinentes à decisão sobre a existência dos créditos e termos da sua exigibilidade. Sendo que, como é consabido, apesar de caber ao tribunal a apreciação e pronúncia sobre as questões jurídicas suscitadas pelas partes, tal não se confunde com a apreciação das razões ou argumentos invocados para concluir sobre tais questões.
Por conseguinte, reforça-se, o que cabe apurar é se o município estava legalmente vinculado a aceitar a invocada compensação, como a consequente extinção do processo de execução fiscal.
Pois só verificado tal circunstancialismo, em função do que vem alegado pela reclamante, se afigura de anular o despacho em reclamação.
Temos, então, que, de acordo com o supra citado artigo 90.°-A do CPPT, para operar esta compensação, devem estar cumulativamente verificados os seguintes requisitos:
• existência de dívida tributária do contribuinte em fase de cobrança coerciva;
• existência de uma dívida da administração direta do Estado para com o executado;
• que esta dívida do Estado seja certa, líquida e exigível:
• existência de um crédito a favor do contribuinte resultante designadamente de reembolso;
• que o contribuinte executado formule um pedido no sentido de ser efetuada a compensação, fazendo prova da existência e da origem do crédito, do seu valor e prazo de vencimento.
Dúvidas não se suscitam quanto ao preenchimento do primeiro requisito, posto que existe uma dívida tributária da reclamante, proveniente de liquidação de taxa, que se encontra a ser exigida no âmbito de processo de execução fiscal.
Mas o mesmo já não sucede quanto à existência de uma dívida da administração direta do Estado para com o executado.
Efetivamente, como assinala Lopes de Sousa (CPPT anotado e comentado, Vol. I, 2011, pág. 739), “com a referência à administração direta do Estado exclui-se a possibilidade de compensação dos créditos tributários com créditos de que o contribuinte executado seja titular de que sejam devedoras entidades não integradas na administração direta do Estado, designadamente entidades das Regiões Autónomas e autarquias locais, bem como institutos públicos.”
Pelo que por aqui claramente se constata, que desde logo não se mostra preenchido o segundo dos apontados requisitos.
Porque assim é, não se vê, como pretende a reclamante, que a sua manifestação de vontade junto do órgão de execução fiscal, no sentido de operar a compensação, tivesse como necessária repercussão a sua admissão, com os efeitos que daí pretende extrair.
Donde, não estava o Presidente da Câmara Municipal do Seixal vinculado a aceitar a aludida compensação e a reconhecer a extinção do processo de execução fiscal, nos termos propugnados pela reclamante.
Termos em que se conclui pela improcedência da presente reclamação da decisão do órgão de execução fiscal, resultando do que fica descrito que o despacho impugnado se deve manter na ordem jurídica.
(…)

IV. Decisão
Por todo o exposto, julgo improcedente por não provada a presente reclamação da decisão do órgão de execução fiscal.”

DECIDINDO NESTE STA

Com o devido respeito por opinião diversa ( manifestada, segundo nos parece, nas conclusões de recurso de onde depreendemos que se entende que este Supremo Tribunal devia conhecer da ocorrência de prescrição ou não dos créditos da ora recorrente sobre o Município do Seixal) com o argumento de que o despacho do Sr. Presidente da Câmara do seixal consubstancia um acto material de execução que afecta os direitos e interesses legítimos da recorrente a questão a decidir nos presentes autos é apenas a de verificar da legalidade do despacho reclamado o que implica a verificação ou não dos requisitos da efectivação da compensação, no caso concreto.
É que a questão de saber se tal despacho consubstancia um acto material de execução é uma questão nova nunca antes suscitada o que obsta desde logo à pronúncia deste Tribunal sobre esta matéria.
Por outro lado, não se nos afigura que a decisão de 1ª Instância tenha incorrido em omissão de pronúncia decorrente de não ter percorrido o caminho que lhe foi indicado pela recorrente de averiguar se os seus créditos estariam parcialmente prescritos ou não, como foi assinalado no despacho reclamado do Presidente da referida Edilidade. A decisão ora recorrida para julgar improcedente a reclamação bastou-se com a apreciação da falta de verificação dos requisitos para a efectivação da compensação, questão que se situa a montante da questão da prescrição ficando esta prejudicada pela solução encontrada.
Diremos, em primeiro lugar, que não se questiona a admissibilidade legal da mesma compensação, desde logo, porque prevista no Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais e na lei civil. Com efeito, a compensação é uma forma de extinção das obrigações que pode verificar-se quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, tornando-se efectiva mediante declaração de uma parte à outra (cfr. arts. 847º, nº 1, e 848º, nº 1, do Código Civil).
Como resulta da al. a) deste art. 847º, nº 1, do CC, para que possa operar a compensação exige-se que o crédito com se pretende compensar a dívida seja exigível judicialmente, ou seja, que o credor possa compelir judicialmente o devedor a cumprir a obrigação. E, quando os recíprocos sujeitos credores e simultaneamente são entidades particulares a efectivação e eficácia da compensação depende apenas da observância do disposto no artº 848º nº 1 do C. Civil. Porém, já assim não é se um dos sujeitos for uma pessoa colectiva de direito público como é o caso do Município do Seixal, sendo as normas do CPPT, (designadamente as dos artºs 90-A do CPPT e, 11.º do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.° 53-E/2006, de 29 de Dezembro) que regulam a forma de operar a compensação, normas especiais relativas à daquele preceito civilista e, por isso, de aplicação preferencial. A questão do interesse público não é despicienda pois este requisito veda a possibilidade da compensação operar por mera vontade do particular. Como bem refere a decisão recorrida citando Sérgio Vasques, Regime das Taxas Locais - Introdução e Comentário, 2009, em anotação ao referido artigo 11º “antes necessariamente remete para a autarquia a regulamentação concreta da sua admissão”.
Em sede das obrigações tributárias está pois, também, prevista a compensação como forma de extinção das dívidas, quer por iniciativa da AT, quer por iniciativa do contribuinte (cfr. arts. 89º e 90º do CPPT).Quando a compensação seja da iniciativa do contribuinte, fica dependente da verificação de diferentes requisitos, consoante a pretendida compensação seja a efectuar com créditos tributários ou com créditos sobre o Estado de natureza não tributária. Assim, para a compensação de dívidas com créditos tributários, por iniciativa do contribuinte, exige-se:
a) que haja um crédito a favor do contribuinte de que seja devedora a AT;
b) que esse crédito resulte de reembolso, ou de revisão oficiosa, ou de reclamação graciosa, ou de impugnação judicial, ou de outro meio gracioso ou contencioso;
c) que o credor (contribuinte) seja, ao mesmo tempo, devedor de tributos;
d) que o mesmo credor peticione, em requerimento, a compensação;
e) caso se trate de compensação com crédito de terceiro, que seja apresentada prova de que este consente que se faça a compensação (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, 3ª edição, nota 2 ao art. 90º, pág. 414).
Caso a compensação de dívidas deva fazer-se com créditos de natureza não tributária que contribuinte detenha sobre o Estado, ou Municípios exige-se ainda, para além dos requisitos acima referidos e de que se esteja já em fase de cobrança coerciva (execução fiscal), que, as dívidas destes sejam certas, líquidas e exigíveis.
Da aplicabilidade do artº 90º-A do CPPT aos Municípios:
Não ocorre dúvidas de que os Municípios não integram a administração directa do Estado.
Segundo o art. 235 nº 2 da Constituição da República que define a existência de autarquias locais na Administração Pública, de que os Municípios são parte integrante, estas “São pessoas colectivas territoriais, dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas”.
As autarquias locais são pois pessoas colectivas públicas territoriais, o que significa que incidem sobre um espaço de território delimitado, têm como objectivo a prossecução dos interesses das populações que residem nesse espaço. Os seus objectivos são atingidos através de órgãos próprios, representativos dos respectivos habitantes.
Ainda assim e, ao contrário do decidido na sentença de 1ª Instância, o artº 90º- A do CPPT , a nosso ver, deve aplicar-se com as devidas adaptações à compensação de créditos de qualquer natureza sobre os Municípios na consideração de que o CPPT se aplica à cobrança das dívidas às autarquias, o que se afigura pacífico face ao que dispõe o artigo 30°, nº 4, da Lei das Finanças Locais, que refere que as normas do CPPT são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à cobrança coerciva das dívidas às autarquias locais provenientes de taxas, encargos de mais-valias e demais receitas de natureza tributária que aquelas devam cobrar. É certo que este entendimento não é acolhido por todos (vide o Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, vol. I, pag. 739 onde se refere : « Com a referência a administração directa do Estado exclui-se a possibilidade estender este regime (90-A) à compensação dos créditos tributários com créditos de que o contribuinte executado seja titular e em que sejam devedoras entidades não integradas na administração directa do Estado, designadamente entidades das Regiões Autónomas e autarquias locais, bem como institutos públicos) e que o parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, de 09/04/2007, a propósito da cobrança coerciva de dívidas provenientes de taxas cobradas pelos Municípios destacado na sentença recorrida, teve em conta a redacção do artº 90º e não o artº 90-A, que ainda não existia uma vez que só foi introduzido, posteriormente, pela Lei 3-B/2010, mas o certo é que só com esta lei se passou a regulamentar a compensação com créditos de natureza não tributária mantendo-se em vigor a norma do artº 56 nº 3 da lei 2/2007 de 15/01 que manda aplicar o CPPT com as devidas adaptações à cobrança coerciva das dívidas às autarquias locais. Ocorrendo a inovação de o CPPT autorizar a compensação com créditos de natureza não tributária não faria sentido que não pudessem beneficiar desse regime os Municípios quando tal compensação for compatível com o interesse público.
No caso sub judice, entendemos que não se levanta sequer a questão de a compensação efectuada ser compatível com o interesse público, uma vez que tendo havido o reconhecimento da extinção (ainda que parcial) da dívida exequenda por compensação, por parte do Município do Seixal, tal pressupõe que essa operação é adequada e conveniente à prossecução do interesse público.
Ainda assim, não podemos dar o passo tão largo como pretende a recorrente quando afirma: “sempre se terá que dar por verificado o preenchimento do requisito previsto no artigo 11.°, n.° 2, do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais” com o implícito alcance de que não existem outros requisitos a observar. Este preceito encerra apenas uma possibilidade de efectivar a compensação ao estabelecer que: “2 — As taxas das autarquias locais podem ser pagas por dação em cumprimento ou por compensação, quando tal seja compatível com o interesse público”. Preexistem requisitos para a efectivação de tal compensação, sendo o primeiro dos mesmos, que o crédito sobre a autarquia seja certo, líquido e exigível. Ora, no caso em apreço, não está verificado o requisito da alínea b) do nº 1 do artº 90-A do CPPT pois não está definida a amplitude da existência do invocado crédito a favor da recorrente, matéria de facto, sobre a qual sempre este STA estaria impedido de fixar e conhecer, por atenção às suas competências em razão da hierarquia. Também é de recusar a ideia da efectivação da compensação por via directa, (como fez a ora recorrente) pois que, como se disse, sendo de aplicar ao caso, o artº 90-A do CPPT, os números 3 e 4 do mesmo preceito devem ser adaptados à compensação de créditos quando um dos sujeitos intervenientes for um Município. Assim, a compensação deve ser sempre requerida ao presidente do Município o qual, verificando-se os requisitos das alíneas a) e b) do nº 1 do referido preceito, só a poderá recusar invocando o interesse público e afigurando-se-nos a sua decisão sindicável judicialmente desde logo quando como no caso dos autos esteja instaurada execução para cobrança coerciva de taxas municipais contra o(a) requerente da compensação.
Porque a existência desse crédito não está definida (bem pelo contrário, não é aceite pelo Município, como resulta claramente do despacho que não acolheu a compensação operada unilateralmente e sem requerimento prévio), a recorrente não pode ver deferida a sua pretensão de ver compensado o crédito exequendo, com aquele alegado crédito sobre o Município para além dos limites em que este a aceitou.
Ainda que se entendesse que não era de aplicar o artº 90-A do CPPT, sempre deveria improceder o recurso pois que o n.° 2 do artigo 11º da Lei nº 53-E/2006 de 29/12 que aprova o regime geral das taxas das autarquias locais, ao apenas admitir a compensação quando seja compatível com o interesse público, inequivocamente veda a possibilidade da compensação operar por mera vontade do particular e, antes, necessariamente, remete para a autarquia a regulamentação concreta da sua admissão (neste sentido, cf. O mesmo autor: Sérgio Vasques, Regime das Taxas Locais - Introdução e Comentário, 2009, em anotação ao referido artigo).
A concluir diremos que, não cumprindo nesta sede (reclamação de despacho proferido no âmbito da execução fiscal e incidente única e exclusivamente sobre a compensação operada) averiguar e decidir da existência ou não do crédito invocado pela executada, existência que aqui deve ser apresentada como incontroversa, apenas se nos impõe verificar do preenchimento ou não dos requisitos de que a lei faz depender a possibilidade da compensação de créditos. E a conclusão é que, não se verificam todos os requisitos da aludida forma de extinção de obrigações, como supra se deixou expresso.
Tanto basta, para que seja de julgar improcedente o recurso.
Preparando a decisão alinhamos as seguintes proposições:
1) Não ocorre omissão de pronúncia se a decisão de 1ª Instância se pronunciou sobre questão que prejudica o conhecimento da eventual ocorrência da prescrição do crédito da ora recorrente.
2) A questão de saber se o despacho do Sr. Presidente da Câmara Municipal do Seixal que apenas admitiu a compensação parcialmente é ou não um acto material de execução é questão nova não suscitada antes.
3) À compensação de créditos de um particular ou sociedade civil sobre um Município não se aplica, singelamente, a regra do artº 848º nº 1 do Código Civil por a esta figura de extinção de obrigações deverem, atenta a qualidade do devedor de pessoa colectiva de direito público, ser aplicadas normas especiais quer do CPPT quer do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.° 53-E/2006, de 29 de dezembro).
4) Ao caso dos autos em que não se levanta a questão do interesse público da compensação uma vez que a mesma já foi admitida parcialmente, mas apenas a extensão dos créditos da sociedade ora recorrente, aplica-se o disposto no artº 90-A do CPPT, com as devidas adaptações, por força do disposto no artº 56º nº 3 da lei 2/2007 de 15/01.
5) Deste preceito resulta, além do mais, que a compensação tem de ser requerida ao Senhor Presidente da Câmara Municipal respectiva e que o crédito apresentado para compensação tem de ser certo líquido e exigível.


Por tudo o exposto, a sentença recorrida é de confirmar com a presente fundamentação.


4- DECISÃO:
Pelo exposto acordam os Juízes deste STA em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida com a presente fundamentação.
Custas a cargo da recorrente.
Lisboa, 15 de Maio de 2013. - Ascensão Lopes (relator) - Pedro Delgado (Voto a decisão, mas não a fundamentação por entender que à compensação das dívidas das autarquias locais será apenas aplicável o disposto nos arts. 40º da LGT e 11º nº 2 do Reg. das Taxas Locais) - Valente Torrão.