Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01289/16
Data do Acordão:06/29/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:ACORDO ORTOGRÁFICO
RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINISTROS
ACTO POLÍTICO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
Sumário:I - Estando excluída da jurisdição administrativa a apreciação de actos praticados no âmbito da função política, como é o caso da RCM nº 8/2011, é este Supremo Tribunal Administrativo e a jurisdição administrativa incompetente em razão da matéria, para conhecer do pedido formulado nos autos quanto àquela, o que impede que o tribunal conheça do mérito da causa e determina a absolvição dos réus da instância.
II - No que diz respeito aos actos do órgão de soberania Governo, órgão de condução da política geral do país (art. 182º da CRP), o ETAF confere a competência ao STA para apreciar os processos relativos a acções ou omissões do Conselho de Ministros (art. 84º da CRP) e do Primeiro-Ministro (art. 187º da CRP), respectivamente nos pontos iii) e iv) da alínea a) do nº 1 do art. 24º.
III - Assim, para efeitos de atribuição da competência ao STA, apenas relevam os actos efectivamente praticados ou omitidos pelo órgão colegial Conselho de Ministros ou pelo Primeiro-Ministro, sendo esses os únicos que foram considerados pelo legislador como possuidores de relevância bastante para serem apreciados pelo mais alto tribunal da jurisdição administrativa.
Nº Convencional:JSTA00070266
Nº do Documento:SA12017062901289
Data de Entrada:11/17/2016
Recorrente:A... E OUTROS
Recorrido 1:ESTADO, CM E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:ACÇÃO ADM ESPECIAL
Objecto:RCM 8/2011 DE 2011/01/25
Decisão:DECL INCOMPETÊNCIA
Área Temática 1:DIR ADM CONT.
Legislação Nacional:CONST05 ART84 ART182 ART187 ART199 G ART213 N3.
ETAF02 ART1 ART4 ART24 ART37 ART44.
CPTA02 ART10 N2 ART16 ART89.
RAR 26/91 DE 1991/08/23.
DPAR 43/91 DE 1991/08/23.
RCM 8/2011 DE 2011/01/25.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC01357/15 DE 2016/11/16.; AC STAPLENO PROC0390/09 DE 2010/05/20.; AC STA PROC0590/16 DE 2017/05/11.; AC STA PROC0500/14 DE 2014/06/26.; AC STA PROC0657/12 DE 2014/11/27.; AC STA PROC077/11 DE 2013/07/10.; AC STA PROC0195/08 DE 2009/04/02.; AC STA PROC028775 DE 2001/05/09.; AC STA PROC043438 DE 1998/03/05.; AC STA PROC033975 DE 1994/06/09.; AC STA PROC029790 DE 1993/04/22.
Referência a Doutrina:MANUEL DE ANDRADE - NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL 1956 PAG92.
MARCELO CAETANO - MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO 10ED VOLI PAG8-10.
SÉRVULO CORREIA - NOÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO PAG29-30.
FREITAS DO AMARAL - CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO VOLI PAG45.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
A………….. e Outros, devidamente identificados na petição inicial, intentam a presente acção popular, acção administrativa de impugnação de normas, ao abrigo do disposto nos arts. 2º, nº 1 da Lei nº 83/95, de 31/8, art. 4º, nº 1, als. b) e f) do ETAF e 73º, nº 1 do CPTA, demandando o Estado, o Conselho de Ministros, a Presidência do Conselho de Ministros e o Minstério da Educação, visando “a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, …, da norma contida no nº 3 da RCM nº 8/2011, conjugado com o nº 1, no que respeita à aplicação do AO90 aos alunos do sistema educativo público, no âmbito da Administração Pública directa, bem como as normas regulamentares subsequentes, em execução daquele nº 3 conjugado com o nº 1 da RCM nº 8/2011, designadamente as notas informativas do Ministério da Educação de Fevereiro e Setembro de 2011 acima referidas na medida em que calendarizaram a aplicação do AO90 ao sistema educativo público”.
Alegam para tanto, que os nºs 3 e 1 da RCM nº 8/2011, de 25/1, como a própria RCM no seu todo, encontram-se feridos de manifestas inconstitucionalidades materiais, orgânicas e formais, que determinam a sua nulidade, bem como à dos actos consequentes praticados ao abrigo da mesma.
Invocando que o AO90 não se encontra em vigor (arts. 16º a 26º da p.i.), imputam à RCM 8/2011 as seguintes ilegalidades e inconstitucionalidades:
III. Das nulidades totais da RCM nº 8/2011;
III.A. Da não revogação do Decreto nº 35.228 de 1945, pela Resolução do Conselho de Ministros nº 8/2011 (arts. 28º a 31º da p.i.);
III.B. Inconstitucionalidade total, formal e orgânica, decorrente de preterição de indicação da correcta lei habilitante (arts. 32º a 46º da p.i.);
III.C. Inconstitucionalidade total, orgânica e formal, decorrente de a RCM 8/2011 não citar nem se basear em nenhuma lei habilitante prévia, que tenha fixado a competência objectiva e subjectiva para a respectiva emissão (arts. 47º a 52º da p.i.);
III.D. Inconstitucionalidade total por violação do princípio da precedência de lei (arts. 53º a 62º da p.i.);
III.E. Inconstitucionalidade total e formal, devido a não assumir a forma de decreto regulamentar (arts. 63º a 66º da p.i.);
III.E. Inconstitucionalidade e ilegalidade total por violação do princípio da participação dos interessados na gestão efectiva da Administração Pública (arts. 67º a 75º da p.i.);
III. F. Ilegalidade total por preterição de formalidade essencial, por falta de consulta da Academia das Ciências de Lisboa (arts. 76 a 78º da p.i.);
IV. Nulidades do nº 3 da RCM nº 8/2011, conjugado com o nº 1 do mesmo regulamento, no que respeita à imposição do AO90 aos alunos
IV. A. Inconstitucionalidade por violação do direito à língua e da liberdade de expressão escrita, incluindo violação da garantia da proibição de censura (arts. 79º a 97º);
IV.B. Restrição ilegal da liberdade de aprender e de ensinar e restrição do direito ao ensino e à educação (arts. 98º a 100º da p.i.);
IV.C Inconstitucionalidade e ilegalidade por violação da proibição de dirigismo estatal na cultura (arts. 101º a 108º da p.i.);
IV. D. Inconstitucionalidade por violação da prevalência dos pais na educação dos filhos (arts. 109º a 118º da p.i.);
IV.E Inconstitucionalidade por violação da proibição de legislar sobre a língua portuguesa (limite material) (arts. 119º a 125º da p.i.);
IV.F. Ilegalidade, por violação do direito à identidade cultural e do valor objectivo do património cultural imaterial da língua portuguesa (arts. 126º a 133º da p.i.);
IV.E. Inconstitucionalidade e ilegalidade por violação da estabilidade ortográfica e por violação do princípio da boa-fé, na vertente de confiança legítima (arts. 134º a 150º da p.i.).

O Conselho de Ministros e a Presidência do Conselho de Ministros contestaram, suscitando a questão de que a RCM nº 8/2011 não é impugnável contenciosamente por não inovar na ordem jurídica, limitando-se a criar as condições materiais para que os compromissos internacionais assumidos pelo Estado português possam ser executados, constituindo um acto de dinamização do Acordo Ortográfico de 1990, sendo, como tal, um acto da função política e não um acto da função administrativa. Tal sendo igualmente a natureza das notas informativas emitidas pelo Ministério da Educação.
Invocam, consequentemente, a incompetência absoluta da Jurisdição Administrativa, face ao disposto no art. 4º, nº 2 do ETAF, segundo o qual está excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de actos praticados no exercício da função política e legislativa.

O Ministério da Educação contestou formulando as seguintes conclusões, em matéria de excepções:
“…Por todo o expendido, parece ser de concluir que os instrumentos jurídicos que os Autores procuram impugnar se baseiam em opções políticas tomadas pelo Governo e, nessa medida, são inimpugnáveis.
…As notas Informativas do Ministério da Educação traduzem-se na execução do estabelecido no n.º 3 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, de 25 de janeiro, razão pela qual também devem ser consideradas inimpugnáveis.”

O Estado contestou invocando que devem ser julgadas procedentes as excepções de incompetência absoluta deste Tribunal nos termos do art. 89º, nºs 1, 2 e 4 alínea a) do CPTA, art. 96º, alínea a), 99º, art. 576º, nºs 1 e 2 e 577º, alínea a) e 578º, todos do CPC, aplicável ex vi do art. 1º do CPTA; e ilegitimidade passiva do Estado, nos termos do art. 10º, nº 2, 89º, nº 1, 2 e 4, al. a) do CPTA, art. 576º, nºs 1 e 2 e 577º, alínea a) e 578º, todos do CPC, aplicável ex vi do art. 1º do CPTA.

2. Os Factos
Considera-se assente a seguinte matéria de facto com interesse para o conhecimento das excepções invocadas:
1 – O “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” de 1990 (AO90), foi assinado em Lisboa, em 16.12.1990, pela República Popular de Angola, pela República Federativa do Brasil, pela República de Cabo Verde, pela República da Guiné-Bissau, pela República de Moçambique, pela República Portuguesa e pela República Democrática de São Tomé e Príncipe – I série-A do DR, nº 193, de 23.08.1991, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
2 - A Resolução da Assembleia da República nº 26/91, de 04.06.1991, aprovou, para ratificação, o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa -I série-A do DR, nº 193, de 23.08.91, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
3 - Foi aprovada a Rectificação nº 19/91, de 15.10.1991, feita à Resolução da Assembleia da República nº 26/91 – I série-A do DR, nº 256, de 07.11.1991, que aqui se dá por integralmente reproduzida;
4 - O Decreto do Presidente da República nº 43/91, de 23.08.1991, ratificou o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa -l série-A do DR, n° 193, de 23.08.1991, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
5 - O “Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa”, assinado na Praia, Cabo Verde, em 17.07.1998, pela República Popular de Angola, pela República Federativa do Brasil, pela República de Cabo Verde, pela República da Guiné-Bissau, pela República de Moçambique, pela República Portuguesa, e pela República Democrática de São Tomé e Príncipe, alterou a redacção dos arts. 2º e 3º, sendo ratificado pelo Decreto Presidencial nº 1/2000, de 28 de Janeiro -1 série-A do DR, nº 23, de 28.01.2000;
6 - O “Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” foi aprovado na V Conferência da CPLP, realizada em São Tomé e Príncipe, em 26 e 27 de Julho de 2004, sendo aprovado pela Resolução da Assembleia da República nº 35/2008, de 26 de Julho, e ratificado pelo Decreto Presidencial nº 52/2008, de 29/7
- cfr. DR, I série, nº 145, de 29.07.2008, aqui dado por integralmente reproduzido;
7 - A Resolução do Conselho de Ministros nº 8/2011 (RCM nº 8/2011), de 09.12.2010 – I série do DR de 25/1, tem o seguinte teor:
“A língua portuguesa é um elemento essencial do património cultural português. A protecção, a valorização e o ensino da língua portuguesa, bem como a sua defesa e promoção da difusão internacional, são tarefas fundamentais do Estado, consagradas na Constituição. A prossecução destes objectivos é, igualmente, um desígnio do XVIII Governo Constitucional, materializado na adopção de uma política da língua, unificada e eficaz, como eixo fundamental do desenvolvimento cultural, económico e social dos Portugueses.
Ao Governo compete criar instrumentos e adoptar medidas que assegurem a unidade da língua portuguesa e a sua universalização, nomeadamente através do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa e da promoção da sua aplicação.
A presente resolução do Conselho de Ministros determina a aplicação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa no sistema educativo no ano lectivo de 2011-2012 e, a partir de 1 de Janeiro de 2012, ao Governo e a todos os serviços, organismos e entidades na dependência do Governo, bem como à publicação do Diário da República.
O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Lisboa em 1990, aprovado pela Resolução da Assembleia da República nº 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República nº 43/91, ambos de 23 de Agosto, simplifica e sistematiza vários aspectos da ortografia e elimina algumas excepções ortográficas, garantindo uma maior harmonização ortográfica. O Acordo Ortográfico incide apenas sobre a ortografia, mantendo-se a pronúncia e o uso das palavras inalteráveis. Deve salientar-se que não se trata do primeiro acordo sobre a ortografia do português ou a primeira convenção ortográfica da língua portuguesa.
Esta resolução adopta, ainda, o Vocabulário Ortográfico do Português, produzido em conformidade com o Acordo Ortográfico, e o conversor Lince como ferramenta de conversão ortográfica de texto para a nova grafia, disponíveis e acessíveis de forma gratuita no sítio da Internet www.portaldalinguaportuguesa.org e nos sítios da Internet de todos os departamentos governamentais, ambos desenvolvidos pelo Instituto de Linguística Teórica e Computacional [ILTEC] com financiamento público do Fundo da Língua Portuguesa. Ainda, para garantir que a aplicação do Acordo Ortográfico é efectuada de forma informada, tanto pelos portugueses em geral como pelas entidades referidas na resolução, prevê-se a realização de iniciativas de informação e de sensibilização e a divulgação de conteúdos de esclarecimento da aplicação do Acordo Ortográfico no sítio da Internet de cada departamento governamental.
O Acordo Ortográfico visa dois objectivos: reforçar o papel da língua portuguesa como língua de comunicação internacional e garantir uma maior harmonização ortográfica entre os oito países que fazem parte da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (PLP).
Em primeiro lugar, a aplicação do Acordo Ortográfico e a definição de uma base ortográfica comum aos oito países que partilham este património linguístico permitem reforçar o papel da língua portuguesa como língua de comunicação internacional. Trata-se de algo particularmente relevante na criação de oportunidades e na exploração do seu potencial económico, cujo valor é consensualmente reconhecido.
Este instrumento visa contribuir para a expansão e afirmação da língua através da consolidação do seu papel como meio de comunicação e difusão do conhecimento, como suporte de discurso científico, como expressão literária, cultural e artística e, ainda, para o estreitamento dos laços culturais.
Deve referir-se que a cooperação no seio dos países de língua portuguesa tem assumido uma importância crescente, o que levou à criação, pelo Governo, do Fundo da Língua Portuguesa, destinado a promover a língua como factor de desenvolvimento e de combate à pobreza.
Em segundo lugar, a harmonização ortográfica nos países da CPLP é fundamental para que os cerca de 250 milhões de falantes, presentes em comunidades portuguesas no estrangeiro, nos países de língua oficial portuguesa ou, ainda, integrados no crescente número de pessoas que procuram a língua portuguesa por outras razões, possam comunicar utilizando uma grafia comum.
O Acordo do Segundo Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, aprovado pela Resolução da Assembleia da República nº 35/2008 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República nº 52/2008, ambos de 29 de Julho, determinou uma nova forma de entrada em vigor do Acordo Ortográfico com o depósito do terceiro instrumento de ratificação. Assim, e nos termos do Aviso nº 255/2010, de 13 de Setembro, publicado no Diário da República, 1a série, de 17 de Setembro de 2010, o Acordo Ortográfico já se encontra em vigor na ordem jurídica interna desde 13 de Maio de 2009. Para salvaguardar uma adaptação e aplicação progressivas dos termos do Acordo Ortográfico, a referida resolução prevê, para determinadas entidades, um prazo transitório de seis anos para a implementação da nova grafia.
Considerando a existência de diversos recursos, em papel ou informáticos, já disponíveis em Portugal, destinados ao apoio à expressão escrita e à produção de texto em língua portuguesa em consonância com as novas regras expressas no Acordo Ortográfico, a utilização da nova grafia está a ser gradualmente introduzida nos hábitos quotidianos dos Portugueses. A adopção do Acordo Ortográfico pelos órgãos de comunicação social tem vindo a contribuir, numa base quotidiana e de forma progressiva e natural, para a familiarização da população com as novas regras ortográficas. A sua aplicação pelas diversas entidades públicas e a sua utilização nos manuais escolares serão determinantes para a generalização da sua utilização e, por consequência, para a sua adopção plena. A este propósito, cumpre esclarecer que, nos termos da Lei nº 47/2006, de 28 de Agosto, e do Decreto-Lei nº 261/2007, de 17 de Julho, os manuais escolares são adoptados por períodos de seis anos, de acordo com um calendário já estabelecido e que importa manter em virtude do investimento feito pelas famílias e pelo Estado na sua aquisição ou comparticipação, adequando a este calendário a utilização progressiva do Acordo Ortográfico, visando que, até ao final do período transitório de seis anos, todos os manuais apliquem a grafia do Acordo Ortográfico. Ora, uma vez que se encontra a decorrer o período transitório, compete ao Governo garantir que os cidadãos disponham de instrumentos de acesso universal e gratuito para a aplicação do Acordo Ortográfico e definir atempadamente os procedimentos a adoptar.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Determinar que, a partir de 1 de Janeiro de 2012, o Governo e todos os serviços, organismos e entidades sujeitos aos poderes de direcção, superintendência e tutela do Governo aplicam a grafia do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, aprovado pela Resolução da Assembleia da República nº 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República nº 43/91, ambos de 23 de Agosto, em todos os actos, decisões, normas, orientações, documentos, edições, publicações, bens culturais ou quaisquer textos e comunicações, sejam internos ou externos, independentemente do suporte, bem como a todos aqueles que venham a ser objecto de revisão, reedição, reimpressão ou qualquer outra forma de modificação.
2 - Determinar que, a partir de 1 de Janeiro de 2012, a publicação do Diário da República se realiza conforme o Acordo Ortográfico.
3 - Determinar que o Acordo Ortográfico é aplicável ao sistema educativo no ano lectivo de 2011-2012, bem como aos respectivos manuais escolares a adoptar para esse ano lectivo e seguintes, cabendo ao membro do Governo responsável pela área da educação definir um calendário e programa específicos de implementação, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
4 - Manterá vigência dos manuais escolares já adoptados até que sejam objecto de reimpressão ou cesse o respectivo período de adopção, previsto no artigo 4º da Lei nº 47/2006, de 28 de Agosto, e no artigo 2º do Decreto-Lei nº 261/2007, de 17 de Julho.
5 - Determinar que cada departamento governamental deve desenvolver iniciativas de informação e de sensibilização e assegurar a divulgação de conteúdos no respectivo sítio da Internet, para esclarecimento da aplicação do Acordo Ortográfico.
6 - Para os efeitos dos números anteriores, adoptar o Vocabulário Ortográfico do Português e o conversor ortográfico Lince, disponíveis no sítio da Internet www.portaldalinguaportuguesa.org e nos respectivos sítios da Internet dos departamentos governamentais.
7 - Determinar a criação de uma rede de pontos focais para acompanhamento da aplicação do Acordo Ortográfico composta por representantes nomeados pelos membros do Governo responsáveis pelas seguintes áreas:
a) Negócios estrangeiros;
b) Finanças;
c) Procedimento legislativo;
d) Educação;
e) Ensino superior;
f) Cultura;
g) Assuntos parlamentares...”.
8 – No que se refere à aplicação da RCM nº 8/2011 aos alunos do sistema de ensino público, em Fevereiro de 2011, com base no nº 3 daquela RCM, o Ministério da Educação emitiu uma nota informativa, com o seguinte teor:
"Aplicação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (...)
Pela Resolução do Conselho de Ministros n.° 8/2011, de 25 de Janeiro de 2011, foi determinada a aplicação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa no sistema educativo português no ano lectivo de 2011/2012.
Considerando que a aplicação do Acordo Ortográfico "pelas diversas entidades públicas e a sua utilização nos manuais escolares serão determinantes para a generalização da sua utilização e, por consequência, para a sua adopção plena", o disposto naquela Resolução deverá ser cumprido no âmbito do processo de avaliação e certificação de manuais escolares.
Assim, o Acordo Ortográfico irá ser aplicado aos manuais escolares a adoptar, com efeitos já no próximo ano lectivo de 2011/2012 e nos anos seguintes, de acordo com o calendário estabelecido entre o Ministério da Educação/DGIDC e a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) (...)
Fevereiro de 2011”
9 - Posteriormente, uma nota informativa do mesmo Ministério, datada de Setembro de 2011, apenas disponível online, estabeleceu a calendarização faseada para os exames nacionais nas escolas portuguesas com a aplicação do AO90, nos seguintes termos:
“Gabinete de Avaliação Educacional - Ministério da Educação e Ciência; Acordo Ortográfíco - Informação 2011/2012; 13 de Set. de 2011; Informação sobre os efeitos da entrada em vigor do Acordo Ortográfico (atualizado em 16 de Novembro de 2011)
O Acordo Ortográfico de 1990 (AO) foi ratificado por Portugal em 2008, prevendo-se uma moratória de seis anos para a sua entrada plena em vigor. O Ministério da Educação estabeleceu como data para entrada em vigor do Acordo Ortográfico, nas escoIas, o início do ano letivo de 2011/2012. A partir do corrente ano letivo, os instrumentos de avaliação produzidos pelo GAVE cumprirão as novas regras ortográficas.
Até aos anos letivos abaixo indicados, na codificação das provas de aferição (1° Ciclo) e na classificação das provas finais (2.° e 3.° Ciclos do Ensino Básico) e das provas de exame nacional (Ensino Secundário), continuarão a ser consideradas corretas as grafias que seguirem o que se encontra previsto quer no Acordo de 1945, quer no Acordo de 1990 (atualmente em vigor), mesmo quando se utilizem as duas grafias numa mesma prova.
A partir dos anos lectivos abaixo indicados (inclusive), os critérios de codificação das provas de aferição do 1° Ciclo e de classificação das provas finais do 2° e 3° Ciclos e das provas de exame nacional do Ensino Secundário considerarão como válidas exclusivamente as regras definidas pelo AO em vigor.
Aplicação do AO na avaliação externa dos alunos
2013/2014 - 6.º ano de escolaridade
2014/2015 – 4.°, 9.°, 11.º e 12.º anos de escolaridade"

3. O Direito
Excepção de incompetência do tribunal
Os réus suscitam a excepção de incompetência material dos tribunais administrativos para conhecer a impugnação da RCM nº 8/2001 alegando que a mesma visou executar, ou pormenorizar, a Resolução da Assembleia da República que acolheu o AO90, e nessa medida não pode deixar de ser integrada no exercício da função política do Governo enquanto meio necessário à implementação das regras do AO90.

Sobre esta questão respeitante à mesma RCM nº 8/2011, já se pronunciou este Supremo Tribunal no acórdão proferido em 11.05.2017, no processo nº 0590/16, estando aí em causa o nº 1 desta, nos seguintes termos:
«Os aqui autores vêm interpor, ao abrigo do art. 73º nº 1 do CPTA, acção de impugnação de normas, pedindo que seja declarada ilegal com força obrigatória geral a norma do nº 1 da RCM 8/2011.
E imputam à referida RCM as seguintes ilegalidades:
"III.A. Inconstitucionalidade total formal e orgânica, decorrente de preterição de indicação da correcta lei habilitante;
lII.B. Inconstitucionalidade total orgânica e formal por não citar nem se basear em nenhuma lei prévia habilitante, que tenha fixado a competência objectiva e subjectiva para a respectiva emissão;
///.C. Inconstitucionalidade total por violação do princípio da precedência de lei;
lII.D. Inconstitucionalidade total formal devido a não assumir a forma de decreto regulamentar;
lII.E. Inconstitucionalidade e ilegalidade total por violação do princípio da participação dos interessados na gestão efectiva da Administração Pública;
III.F. Ilegalidade total por preterição de formalidade essencial, por falta de consulta da Academia das Ciências de Lisboa;
IV.Nulidades do n.º 1 da RCM n.º 8/2011, no que respeita à imposição do AO90 à Administração Pública Directa;
IV.A. Inconstitucionalidade por violação do direito à língua e da liberdade de expressão escrita, incluindo violação da garantia da proibição de censura;
lV.B. Ilegalidade por violação da liberdade de expressão e opinião no contrato de trabalho em funções públicas;
IV.C. Inconstitucionalidade por violação da garantia da proibição de dirigismo estatal na cultura;
lV.D. Inconstitucionalidade por violação da proibição de legislar sobre a língua portuguesa;
1 V. E. Inconstitucionalidade e ilegalidade por violação da estabilidade ortográfica e por violação do princípio da boa fé, na vertente da confiança legitima.”
Ora, desde logo, as nulidades invocadas em IV (de A a E) reportam-se com toda a evidência ao próprio AO90, pelo que não poderia através da sindicância de um eventual acto de execução ser aquele AO90 posto em causa.
Já quanto às inconstitucionalidades referidas em III as mesmas apenas têm a ver com a própria RC, pelo que, relativamente às mesmas há que aferir da natureza política ou não desta.
Então vejamos.
Dispõe o art. 1º do ETAF na redacção dada pelo DL n.º 214-G/2015, de 02 de Outubro que “1- Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4° deste Estatuto.
2 - Nos feitos submetidos a julgamento, os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal não podem aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”.
Veio, assim, reafirmar-se o comando estabelecido no artigo 212º n.º 3 da Constituição, que define a competência material dos tribunais administrativos, como dizendo respeito aos litígios emergentes das relações jurídico-administrativas.
Nos termos do art. 4º do novo ETAF, na referida redacção, vem o legislador indicar exemplificativamente os litígios que se encontram incluídos no âmbito da jurisdição administrativa, assim como aqueles que dela se encontram excluídos.
E, nos termos do alínea a), do n.º 3 deste art. 4º, diz-se que:
«3 - Está nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de:
a) Actos praticados no exercício da função política e legislativa».
A delimitação do poder jurisdicional atribuído aos tribunais administrativos faz-se, pois, segundo um critério material, ligado à natureza da questão a dirimir, tal como resulta do art. 212º nº 3 da C.R.P.
A competência dos tribunais determina-se pelo pedido do A., não dependendo o seu conhecimento nem da legitimidade das partes nem da procedência da acção.
Diz M. de Andrade, (N.E. de Processo Civil, 1956, pág.92) que, a competência em razão da matéria atribuída aos tribunais, baseia-se na matéria da causa, no seu objecto, “encarado sob um ponto de vista qualitativo - o da natureza da relação substancial pleiteada.”
Daí a expressa exclusão supra referida do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal da apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de actos políticos.
E isto não envolve qualquer inconstitucionalidade, pois é imperioso e natural que a jurisdição «administrativa» se ocupe de questões desse mesmo género, e não de quaisquer outras.
Há, pois, que averiguar que tipo de relação está em causa nos autos e se, atentos os pedidos e a causa de pedir, estamos na presença de um acto administrativo ou, como pretendem os réus, perante um acto emitido no exercício da função política.
Como resulta do AC. do STA/Pleno de 20.05.2010, R°0390/09 a «função política» traduz-se na direcção suprema e geral do Estado, tendo por objectivo definir os fins últimos da comunidade e coordenar as outras funções à luz desses fins, definindo e prosseguindo o interesse geral da colectividade, operando escolhas que procuram melhorar, preservar e desenvolver, o modelo económico e social escolhido.
Como se extrai também do Ac deste STA Pleno - P. 01357/15, de 17/11/2016:
“Tem sido considerado pacifico o entendimento segundo o qual, deve considerar-se que o exercício da função política se traduz em definir do interesse geral da colectividade e, por isso, que a mesma se concretiza na escolha das opções destinadas à preservação e melhoria do modelo económico e social por forma a assegurar a satisfação das necessidades colectivas de segurança e de bem estar das pessoas. E, por isso, é que só os órgãos superiores do Estado podem exercer essa função pois só eles têm legitimidade para definir, em termos gerais, os fins que a sociedade deve almejar, os meios que cabe utilizar para os alcançar e os caminhos que será necessário percorrer, legitimidade que encontra fundamento no sufrágio popular, isto é, na livre escolha dos cidadãos [cfr. M. Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10a ed., vol. l, pg.s 8 a 10, Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo pg.s 29/30 e Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. l, pg 45, e Acórdãos deste STA de 22/04/93 (rec. n.º 029.790), de 9/06/1994, (rec n.º 33.975), de 5/03/98 (rec. n.º 43.438), de 9/05/2001 (rec. 28.775) e de 02/04/2009 (rec. n.º 0195/08)].
Como também é indiscutível que a função administrativa se reporta a um momento posterior uma vez que se destina a aplicar as orientações gerais traçadas pela função política revestindo, no essencial, natureza executiva e complementar...”.
Está aqui em causa uma Resolução do Conselho de Ministros que determina a aplicação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa e, na parte aqui impugnada dispõe que, a partir de 1 de Janeiro de 2012, o Governo e todos os serviços, organismos e entidades sujeitos aos poderes de direcção, superintendência e tutela do Governo, a apliquem em todos os actos, decisões, normas, orientações, documentos, edições, publicações, bens culturais ou quaisquer textos e comunicações, sejam internos ou externos, independentemente do suporte, bem como a todos aqueles que venham a ser objecto de revisão, reedição, reimpressão ou qualquer outra forma de modificação.
Esse Acordo Ortográfico de 1990 foi aprovado pela Resolução da Assembleia da República nº 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República nº 43/91, ambos de 23 de Agosto e alvo da Rectificação n.º 19/91, de 7 de novembro, tendo entrado em vigor em Portugal em 13 de maio de 2009, conforme dispõe o Aviso n.º 255/2010, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 182, de 17 de Setembro de 2010.
Trata-se de um tratado internacional firmado em 1990 com o objectivo de criar uma ortografia unificada para o português, a ser usada por todos os países de língua oficial portuguesa.
Foi assinado por representantes oficiais de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe em Lisboa, em 16 de Dezembro de 1990, ao qual aderiu Timor-Leste em 2004 depois da independência.
Ora, nos termos do art.º 9.º da CRP são tarefas fundamentais do Estado o uso e difusão internacional da língua portuguesa.
Pelo que, a adesão do Estado Português juntamente com outros Estados ao AO90 assim como a Resolução da Assembleia da República que o aprovou para ratificação e o Decreto do Presidente da República que o ratificou, são actos que traduzem uma opção fundamental do Estado sobre a definição e prossecução da harmonização ortográfica da língua portuguesa, ou seja, a materialização de uma política da língua enquanto eixo fundamental do desenvolvimento cultural, económico e social dos Portugueses.
Ou seja, estamos perante actos desenvolvidos no exercício da função politico-legislativa apenas suscetíveis de serem sindicados no plano jurídico-normativo no Tribunal Constitucional quando preenchidos os requisitos para tal.
E, será que a RCM tem a mesma natureza de ato emitido no exercício da função política do AO90 ou reveste antes da natureza de ato emitido no exercício da função administrativa?
Independentemente dos argumentos a favor ou contra o novo acordo, importa esclarecer que o mesmo só entrava plenamente em vigor na ordem jurídica portuguesa a partir de 1 de Janeiro de 2016.
E, é precisamente durante o período de transição, que o Governo através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, de 25 de Janeiro, e nomeadamente do seu n.º 1, aqui em causa, impôs a observância do novo acordo ortográfico para a Administração Pública (organismos e entidades tutelados pelo Governo) antecipando a sua entrada em vigor.
Como se extrai do nº 1 daquela RCM 8/2011 o Conselho de Ministros ao abrigo da alínea g) do artigo 199º da Constituição, resolve:
“1 - Determinar que, a partir de 1 de Janeiro de 2012, o Governo e todos os serviços, organismos e entidades sujeitos aos poderes de direcção, superintendência e tutela do Governo aplicam a grafia do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 43/91, ambos de 23 de Agosto, em todos os actos, decisões, normas, orientações, documentos, edições, publicações, bens culturais ou quaisquer textos e comunicações, sejam internos ou externos, independentemente do suporte, bem como a todos aqueles que venham a ser objecto de revisão, reedição, reimpressão ou qualquer outra forma de modificação.”
É certo que é invocado como base habilitante da RCM, o art. 199º al. g) da CRP que é dedicado à “Competência administrativa” do Governo.
Mas, também é certo que esta RCM n.º 8/2011 e nomeadamente o n.º 1 aqui em causa se traduz apenas na antecipação do final do “prazo de transição” em 4 anos e 9 meses do “Acordo Ortográfico” de 1990 [AO90] à Administração Pública (directa, indirecta e autónoma).
Por outro lado, não é a mera alusão a esta competência administrativa que significa, só por si, que efectivamente é um acto desta natureza que está em causa.
Assim, a questão será aferir se a mera antecipação do prazo de entrada em vigor de um tratado internacional em vigor na ordem jurídica interna reveste algum carácter de execução regulamentar ou se o mesmo tem um carácter exclusivamente político.
Ora, a nosso ver, o momento da aplicação de um tratado internacional aprovado no exercício da função política ainda reveste a natureza política deste.
Na verdade, a oportunidade quanto ao momento da entrada em vigor de um tratado internacional aprovado internamente relativamente à Administração revela também uma opção fundamental do Estado quanto à prossecução de uma política da língua portuguesa, ou seja, ainda a sua materialização.
Pelo que, independentemente da caracterização do tipo de acto que é esta Resolução do Conselho de Ministros, o que está em causa na mera antecipação da entrada em vigor de um tratado é ainda a natureza política do mesmo.
Em suma, por estar excluída da jurisdição administrativa a apreciação dos actos praticados no exercício da função política é este Supremo Tribunal e a jurisdição administrativa materialmente incompetente para apreciar do pedido formulado nestes autos.
Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em declarar a jurisdição administrativa incompetente em razão da matéria para conhecer da acção dos autos com a consequente absolvição da instância dos réus».

No caso presente pretendem os AA. a declaração da ilegalidade com força obrigatória geral da norma contida no nº 3 da RCM nº 8/2011, conjugado com o nº 1, no que respeita à aplicação do AO90 aos alunos do sistema educativo público, bem como das denominadas “normas regulamentares subsequentes”, em execução daquele nº 3 conjugado com o nº 1 da RCM nº 8/2011, designadamente as notas informativas do Ministério da Educação de Fevereiro e Setembro de 2011 acima indicadas que calendarizaram a aplicação do AO90 ao sistema educativo público.
O nº 3 da RCM nº 8/2011 determinou que o Acordo Ortográfico é aplicável ao sistema educativo no ano lectivo de 2011-2012, bem como aos respectivos manuais escolares a adoptar para esse ano lectivo e seguintes.
Todos os fundamentos constantes do acórdão de 11.05.2017 (acima transcrito), para considerar a jurisdição administrativa incompetente em razão da matéria para conhecer da ilegalidade com força obrigatória geral em relação ao nº 1 da RCM nº 8/2011, são transponíveis para o disposto no nº 3, que os AA., aliás, conjugam com o referido nº 1.
Com efeito, enquanto este nº 1 manda aplicar a grafia do AO 90 ao Governo e todos os serviços, organismos e entidades sujeitos aos poderes de direcção, superintendência e tutela do Governo (nos termos nele definidos), o nº 3 determina essa aplicação ao sistema educativo público, bem como aos respectivos manuais escolares.
O que, qualquer que seja a caracterização do tipo de acto que é esta RCM nº 8/2011, corresponde a uma simples antecipação da entrada em vigor de um tratado internacional, não inovando quanto às opções nele constantes, tendo a mesma natureza política daquele.
Assim, tratando-se de um acto da função política e não de acto da função administrativa, está excluida da jurisdição administrativa a apreciação de tal acto praticado no exercício de tal função política, atento o disposto no art. 212º, nº 3 da CRP e art. 4º, nº 3, alínea a) do ETAF, revendo-se posição sobre a natureza da RCM nº 8/2011 defendida no acórdão de 26.06.2014, proc. 500/14.
No entanto os AA. pedem ainda a declaração da ilegalidade com força obrigatória geral das “normas regulamentares subsequentes”, em execução daquele nº 3 conjugado com o nº 1 da RCM nº 8/2011, designadamente as notas informativas do Ministério da Educação de Fevereiro e Setembro de 2011 acima indicadas que calendarizaram a aplicação do AO90 ao sistema educativo público.
Tais actos, independentemente da qualificação que se lhes dê, foram praticados por órgãos do Ministério da Educação, demandado nestes autos.
Ora, o conhecimento deste pedido não se inclui na competência material deste STA.
Efectivamente, no contencioso administrativo a competência para os pedidos formulados em 1º grau de jurisdição é determinado pela autoria das acções ou omissões que constituem o objecto do processo (cfr. art. 24º, nº 1, alínea a) do ETAF).
O ETAF atribuindo as competências por exclusão, identifica as matérias cuja competência cabe aos tribunais superiores, no art. 24º, no que respeita ao STA; no art. 37º, quanto aos TCA; deixando o restante aos tribunais de primeira instância – os tribunais administrativos de círculo, de acordo com o seu art. 44º.
Assim, as situações em que a competência está atribuída ao Supremo Tribunal Administrativo, são as txativamente fixadas no art. 24º, tratando-se de uma indicação que visa as mais altas entidades do Estado, tanto singulares como colectivas (apenas se excluindo das respeitantes aos tribunais judiciais).
No que diz respeito aos actos do órgão de soberania Governo, órgão de condução da política geral do país (art. 182º da CRP), o ETAF confere a competência ao STA para apreciar os processos relativos a acções ou omissões do Conselho de Ministros (art. 84º da CRP) e do Primeiro-Ministro (art. 187º da CRP), respectivamente nos pontos iii) e iv) da alínea a) do nº 1 do art. 24º.
Assim, para efeitos de atribuição da competência ao STA, apenas relevam os actos efectivamente praticados ou omitidos pelo órgão colegial Conselho de Ministros ou pelo Primeiro-Ministro, sendo esses os únicos que foram considerados pelo legislador como possuidores de relevância bastante para serem apreciados pelo mais alto tribunal da jurisdição administrativa (neste sentido acórdãos deste STA de 10.07.2013, proc. 077/11 e de 27.11.2014, proc. 0657/12).
Por outro lado, no que respeita à legitimidade passiva o art. 10º, nº 2 do CPTA estabelece que se o pedido tiver por objecto uma “acção ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos”.
Ora, as referidas “notas informativas” não foram emitidas, nem pelo Conselho de Ministros, nem pelo Primeiro-Ministro, mas pelo Ministério da Educação, não cabendo tais actos no âmbito de competência deste STA (ou do TCA).
Assim, cabe ao respectivo tribunal administrativo de círculo (arts. 24º, 37º e 44º do ETAF), a competência para conhecer do pedido agora em causa que, nos termos do art. 16º do CPTA e no Mapa anexo ao ETAF, é o Tribunal Administritivo de Círculo de Lisboa.
Nestes termos, estando excluída da jurisdição administrativa a apreciação de actos praticados no âmbito da função política, como é o caso da RCM nº 8/2011, é este Supremo Tribunal Administrativo e a jurisdição administrativa incompetente em razão da matéria, para conhecer do pedido formulado nos autos quanto àquela, o que impede que o tribunal conheça do mérito da causa e determina a absolvição dos réus da instância (cfr. art. 89º, nºs 1, 2 e 4º, al. a) do CPTA). Quanto ao pedido respeitante à declaração de ilegalidade com força obrigatória geral das notas informativas emitidas pelo Ministério das Finanças é o Supremo Tribunal incompetente em razão da hierarquia.

Pelo exposto, acordam em
a) declarar a jurisdição administrativa incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido de declaração de ilegalidade de norma com força obrigatória geral da RCM nº 8/2011, absolvendo os réus da instância, quanto a este pedido;
b) – declarar este Tribunal incompetente em razão da hierarquia para conhecer do outro pedido;
c) - Sem custas (art. 4º, nº 1 alínea b), do RCP, sem prejuízo do disposto nos nºs 5, 6 e 7 do mesmo preceito).

d) – ordenar a remessa dos autos ao TCA de Lisboa, após o trânsito do presente acórdão.


Lisboa, 29 de Junho de 2017. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.