Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:055/21.4BALSB
Data do Acordão:09/22/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
TRÂNSITO EM JULGADO
Sumário:I - O recurso (extraordinário) para uniformização de jurisprudência, entre outros requisitos de admissibilidade, pressupõe, no sentido de que, exige, o trânsito em julgado da decisão, identificada e convocada, pelo recorrente, como fundamento.
II - Por definição, considera-se transitada em julgado a decisão judicial (ou equiparada), “logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação”.
III - O recurso, para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), da decisão (arbitral) fundamento, impede o seu trânsito em julgado.
Nº Convencional:JSTA000P28164
Nº do Documento:SAP20210922055/21
Data de Entrada:05/07/2021
Recorrente:A............, S.A.
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA/SERVIÇO DE FINANÇAS DO PORTO-4
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;


# I.

A…………, S.A., …, ao abrigo do disposto nos artigos (arts.) 25.º n.ºs 2 a 4 e 26.º do Decreto-Lei (DL.) n.º 10/2011 de 20 de janeiro, que estabeleceu o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT) e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpôs, para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, recurso, destinado a uniformização de jurisprudência, da decisão (colegial) proferida, em 18 de fevereiro de 2021, no âmbito do pedido de pronúncia arbitral, formulado no processo nº 429/2020-T, do Centro de Arbitragem Administrativa (caad), a qual, na primeira linha, julgou improcedente o pedido arbitral e manteve, “na ordem jurídica, o acto de liquidação de IRC impugnado, bem como, o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa contra ele deduzido”.
Aponta-lhe contradição/oposição com o decidido na, também, decisão arbitral (colegial), datada de 27 de novembro de 2020, emitida no processo nº 729/2019-T, do caad.


*

Por despacho do relator, foi a recorrente (rte) notificada para, além do mais, se pronunciar sobre a circunstância de a decisão arbitral fundamento não haver, ainda, transitado em julgado.

*

Na sequência da aludida notificação, a rte expôs e requereu: «


(…).
B. DA FALTA DE TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO ARBITRAL FUNDAMENTO

15.º
Conforme acima referido, nos termos da notificação efetuada, o STA informa que a decisão arbitral fundamento adotada pela Recorrente no âmbito do Recurso interposto encontra-se, ainda, presentemente, pendente de recurso para uniformização de jurisprudência, neste Supremo Tribunal, pelo que não transitou em julgado.
16.º
Recorde-se que em causa está o acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral no âmbito do processo n.º 729/2019-T, de 27 de novembro de 2020, que a Recorrente utilizou como decisão arbitral fundamento no âmbito do Recurso, ao abrigo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), em conjugação com o regime previsto no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), por se encontrar em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 429/2020-T, de 18 de fevereiro de 2021, que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela ora Recorrente.
17.º
De salientar que a questão fundamental de direito em referência é a dos efeitos da revogação do regime previsto no n.º 2 do artigo 32.º do Estatuto dos Benefício Fiscais (“EBF”) na dedutibilidade fiscal, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), no período de tributação de 2014, dos encargos financeiros suportados por Sociedades Gestoras de Participações Sociais (“SGPS”) com a aquisição de partes de capital (cuja transmissão onerosa não foi realizada até ao momento da revogação do regime fiscal aplicável às SGPS) no âmbito e durante a vigência desse regime – um tema de manifesta relevância jurídica e tributária, que tem sido alvo de discussão e apreciação no âmbito de vários pedidos de pronúncia arbitral interpostos no Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), dos quais, ao longo dos últimos anos, resultaram decisões diversas, verificando-se posições diametralmente opostas por parte dos tribunais arbitrais, com graves consequências para os contribuintes afetados, como foi o caso, relativamente à decisão arbitral recorrida quando comparada com a decisão arbitral fundamento escolhida pela Recorrente, cfr. melhor exposto e demonstrado no âmbito do Recurso apresentado.
18.º
Ora, a este respeito, começa a Recorrente por reconhecer que, de acordo com a jurisprudência recorrente do STA, é entendimento uniformizado deste Supremo Tribunal que “(…) o recurso - este ou qualquer outro destinado a prevenir ou solucionar conflitos de jurisprudência – não pode ser admitido (ou, tendo-o sido indevidamente, deve ser julgado findo) se o acórdão invocado como fundamento não transitou, também ele, em julgado, pois que tal seria contrário à razão de ser de tais recursos. É que não pode pretender-se uniformizar jurisprudência tendo como parâmetro uma decisão ainda não definitiva e que pode nunca vir a sê-lo.”, cfr. entendimento já acolhido no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 3 de julho de 2013, no recurso nº 01136/12, também interposto ao abrigo do artigo 25.º do RJAT.
19.º
Isto é, é entendimento do STA que é pressuposto formal essencial do recurso previsto no artigo 25.º do RJAT, tal como acontece com o recurso para fixação de jurisprudência, o trânsito em julgado do acórdão fundamento, o que, nos termos do artigo 628.º do CPC, se verifica logo que a decisão não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação.
20.º
Este entendimento de que o trânsito em julgado da decisão fundamento constitui um pressuposto substantivo de que depende o conhecimento do mérito da pretensão deduzida decorre do previsto nos termos do n.º 2 do artigo 688.º do CPC, que o STA considera aplicável ao caso em apreço, por força do disposto no n.º 3 do artigo 140.º do CPTA, que determina que “Os recursos das decisões proferidas pelos tribunais administrativos regem-se pelo disposto na lei processual civil, salvo o disposto no presente título”.
21.º
Note-se que, segundo o n.º 2 do artigo 688.º do CPC, que dispõe sobre o fundamento do recurso de uniformização de jurisprudência no processo civil, “Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior com trânsito em julgado, presumindo-se o trânsito.” (…).
22.º
No caso em apreço, a Recorrente não juntou, aquando da interposição deste recurso, a 3 de maio de 2021, prova do trânsito em julgado do acórdão fundamento, e, notificada para o fazer, juntou certidão, emitida pelo CAAD a 25 de maio de 2021, onde se certifica que o acórdão foi alvo de interposição de recurso para o STA, a que foi atribuído o número de processo 11/21.2BALSB,
23.º
Tendo, por força da notificação a que ora responde, ficado a conhecer que o referido processo 11/21.2BALSB terá sido interposto, também ele, no âmbito de recurso para uniformização de jurisprudência, ao abrigo do disposto no artigo 25.º do RJAT.
24.º
Foi, portanto, neste momento, já após a interposição do Recurso, que a Recorrente ficou a conhecer que a decisão arbitral fundamento, presentemente, ainda não transitou em julgado.
25.º
A este respeito, note-se que, não só os regimes previstos nos termos do artigo 25.º do RJAT e do artigo 152.º do CPTA não preveem expressamente o requisito de que a decisão fundamento tenha transitado em julgado à data da apresentação do recurso para uniformização de jurisprudência, como, conforme acima exposto, o próprio n.º 2 do artigo 688.º do CPC prevê a presunção de trânsito em julgado do acórdão fundamento, procedimento adotado pela Recorrente no âmbito da apresentação do Recurso em apreço.
26.º
Adicionalmente, a decisão proferida no âmbito do acórdão do processo n.º 729/2019-T, utilizado como decisão fundamento do Recurso, data de 27 de novembro de 2020, pelo que, em condições normais, atendendo aos termos e prazos legais aplicáveis, afigura-se perfeitamente plausível e justificável a presunção assumida pela Recorrente de que, a 3 de maio de 2021, data da interposição do Recurso, a decisão já teria transitado em julgado.
27.º
Até porque, à data da referida decisão, havia já um vasto histórico de vários anos de decisões arbitrais diametralmente opostas sobre a mesma questão de direito, não tendo a Recorrente informação de que a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) tivesse interposto recurso para uniformização de jurisprudência sobre qualquer desses acórdãos.
28.º
A título de exemplo, atente-se às decisões arbitrais emitidas no âmbito dos processos 285/2017-T e 645/2017-T, referidas na própria decisão arbitral recorrida, bem como as decisões emitidas nos processos 35/2019-T, 144/2019-T, 14/2020-T e, em particular, à decisão arbitral emitida no âmbito do processo 342/2018-T, de 9 de abril de 2019, substancialmente idêntica à decisão fundamento escolhida pela Recorrente no âmbito do Recurso apresentado (conforme adiante melhor se expõe) e sobre a qual a AT, podendo, não interpôs recurso para uniformização de jurisprudência.
29.º
Ao mesmo tempo, sendo a decisão favorável ao contribuinte, não seria expectável que fosse esta parte a impugnar a decisão ou interpor recurso para uniformização de jurisprudência.
30.º
Ademais, a decisão proferida no âmbito do acórdão do processo n.º 729/2019-T estava já, à data da apresentação do Recurso, disponível para consulta no website do CAAD, sem qualquer menção que pudesse indiciar o não trânsito em julgado do acórdão (o que, tanto quanto foi possível apurar, se mantém até ao presente dia).
31.º
E note-se que não será de desconsiderar que foi bem aplicada a presunção do trânsito em julgado expressamente prevista nos termos do n.º 2 do artigo 688.º do CPC, sob pena de esvaziar de sentido e efeito prático aquela que foi uma pretensão expressa do legislador, o que, manifestamente, não seria admissível.
32.º
A este respeito, atente-se ao próprio entendimento esgrimido pelo STA no recente acórdão referente ao processo n.º 01658/13.6BESNT-A, de 27 de maio de 2021, onde reconhece que a presunção do trânsito em julgado do acórdão fundamento é pressuposto de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência:
2.1. Da verificação dos pressupostos do artigo 152.º do CPTA (admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência)
2.1.1. Os recursos para uniformização de jurisprudência destinam-se a obter uma «orientação jurisprudencial», sendo para o efeito necessário que estejam verificados os seguintes pressupostos [artigo 152.º, n.º 1, n.º 2, e n.º 3, do CPTA]:
a) Existência de decisões contraditórias entre acórdãos do STA, ou deste e do TCA, ou entre acórdãos do TCA;
b) Que a contraditoriedade decisória se verifique sobre a «mesma questão» fundamental de direito;
c) Que os acórdãos em causa - «acórdão recorrido» e «acórdão fundamento» - tenham transitado em julgado, e o respectivo recurso tenha sido interposto «no prazo de 30 dias» após o trânsito do acórdão recorrido;
d) Que a orientação jurídica perfilhada no «acórdão recorrido» não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada no STA.
Estes pressupostos são de verificação cumulativa, pelo que a não verificação de um deles conduz à «não admissão do recurso».
2.1.2. No presente caso verificam-se os pressupostos referidos nas «alíneas c) e d)», sendo certo que o trânsito em julgado dos dois arestos em alegada oposição se presume - ver artigo 688.º, n.º 2, do actual CPC, ex vi do artigo 140.º do CPTA.
Importará aferir, pois, se ocorrerão também os pressupostos elencados nas anteriores alíneas a) e b), ou seja, se se verifica «contraditoriedade decisória» sobre «a mesma questão fundamental de direito» - ver artigo 152.º, n.º 1, do CPTA.
(…)
33.º
Assim, conclui-se que não existe qualquer lapso ou omissão, procedimental ou substantivo, imputável à Recorrente que prejudique a admissibilidade do Recurso.
34.º
Na verdade, os acórdãos recorrido e fundamento adotaram soluções clara e diametralmente opostas relativamente à mesma questão fundamental de direito, foram preferidos em processos diferentes e presume-se o trânsito em julgado do segundo, conforme o disposto no n.º 2 do artigo 688.º do CPC.
35.º
Existe, isso sim, um facto pendente de verificação – o de, à presente data, a decisão fundamento ainda não ter, efetivamente, transitado em julgado – que poderá implicar um ajustamento aos termos e trâmites processuais associados ao presente Recurso.
36.º
Posto isto, cumpre aferir sobre os efeitos que o facto do acórdão fundamento não ter, ainda, transitado em julgado tem no âmbito da interposição do Recurso.
Destarte,
37.º
Atento o acima exposto e o próprio teor do Recurso apresentado, resulta claro que o Recurso foi tempestivamente interposto pela Recorrente e em integral cumprimento com o regime legal aplicável, nomeadamente, com as disposições do artigo 25.º do RJAT, do artigo 152.º do CPTA e, até, com as disposições do artigo 688.º do CPC.
38.º
Sem prejuízo, é um facto que, conforme ficou agora a conhecer a Recorrente, o acórdão fundamento ainda não transitou, efetivamente, em julgado, encontrando-se pendente do resultado de recurso para uniformização de jurisprudência já interposto sobre o mesmo e que corre termos no Pleno desta mesma secção do STA.
39.º
Ou seja, estamos perante um caso em que, apesar de terem sido cumpridos pela Recorrente todos os requisitos e pressupostos formais para a admissão do Recurso interposto, se verifica, à posteriori, que a presunção de trânsito em julgado da decisão fundamento, de facto, pode não subsistir, não sendo, também, certo que tal venha a acontecer.
40.º
De facto, o próprio STA reconhece que o acórdão fundamento poderá ainda transitar em julgado, ao referir que “(…) a decisão arbitral fundamento encontra-se, ainda, presentemente, pendente de recurso para uniformização de jurisprudência, neste Supremo Tribunal, pelo que, não transitou em julgado”.
41.º
Perante todo este enquadramento fáctico e jurídico, entende a Recorrente que não lhe deverá ser, desde já, negada a admissão do presente Recurso para uniformização de jurisprudência, sob pena de se criar uma situação de manifesta injustiça, senão vejamos:
i) Face a tudo o exposto, resulta claro e evidente que o presente recurso foi tempestivamente apresentado e que a Recorrente agiu de boa-fé e em integral cumprimento com a legislação aplicável em vigor;
ii) À data da interposição do recurso para uniformização de jurisprudência junto do STA, a Recorrente não tinha conhecimento de que a decisão arbitral fundamento selecionada não havia transitado em julgado;
iii) A presunção de trânsito em julgado da decisão fundamento, adotada pela Recorrente, encontra-se devidamente fundamentada;
iv) Atenta a diversidade de acórdãos com decisões diametralmente opostas àquela da decisão recorrida, sobre a mesma questão de direito (atente-se, em particular, à decisão arbitral emitida no âmbito do processo 342/2018-T, de 9 de abril de 2019, substancialmente idêntica à decisão fundamento escolhida pela Recorrente), se não fosse a presunção do trânsito em julgado da decisão um requisito expresso que permite a admissão do Recurso, teria, naturalmente, a Requerente optado por escolher como decisão fundamento outra decisão arbitral que já tivesse transitado em julgado à data da apresentação do Recurso, o que não alteraria materialmente o pedido formulado nem o colocaria em causa; e
v) Caso seja negada, ab inito e sem mais, a admissibilidade do presente Recurso, o STA esgota os meios à disposição da Recorrente para que possa vir a ser feita justiça, mesmo que o próprio STA se venha a pronunciar no sentido de manter na ordem jurídica a decisão arbitral fundamento que se encontra pendente de recurso para uniformização de jurisprudência.
42.º
Ou seja, está apenas e só nas mãos do STA garantir que será feita justiça, independentemente de esta se traduzir, ou não, em conferir provimento ao pedido formulado pela Recorrente, de que o Recurso seja julgado totalmente procedente e, em consequência, de que seja revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por outra que julgue procedente a pretensão da Recorrente.
Sem prejuízo,
43.º
Hipótese que não se considera aplicável é a da consequência processualmente mais radical de não admissão do Recurso, com perda do correspondente direito, que conforme indiciado por JORGE LOPES DE SOUSA, parece adequar-se mal à não verificação de um pressuposto formal (i.e., o efetivo trânsito em julgado da decisão fundamento à data da apresentação do Recurso) cuja imposição às partes não foi sequer legalmente prevista de forma explícita e na medida em que a lei nada prevê quanto aos efeitos da não verificação da presunção do trânsito em julgado da decisão fundamento (cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume IV, 6.ª edição, 2011, pp. 470).
44.º
Note-se que a consequência da não admissão do recurso está expressamente prevista noutras disposições legais, não se vendo razão para que, neste caso, ela não esteja formulada de forma expressa, se também fosse esta a consequência adequada para o caso da não confirmação da presunção de trânsito em julgado da decisão fundamento prevista no n.º 2 do artigo 688.º do CPC.
45.º
Ademais, conforme reconhece JORGE LOPES DE SOUSA, “(…) a não admissão do recurso por um motivo de carácter eminentemente formal, parece estar em contradição com o princípio basilar do processo civil que impõe que, sempre que possível, em relação a todas as irregularidades de natureza processual, se evite que a parte perca a causa por motivos puramente formais.” (cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume IV, 6.ª edição, 2011, pp. 470).
46.º
Assim, continua o autor defendendo que “Por isso, parece-nos que a referida solução de não admissão do recurso sem dar ao recorrente a possibilidade de suprir a deficiência está em dissonância com o espírito que enforma o processo civil e o processo judicial administrativo vigentes, estando em conflito, assim, com a unidade do sistema jurídico, que o intérprete deve salvaguardar, como valor primacial, na interpretação da lei.” (…).
47.º
Note-se que, o próprio Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA tem já histórico de adoção de uma postura em linha com aquela defendida por Jorge Lopes de Sousa, nos termos acima expostos, nomeadamente, em casos em que o recorrente apresente recurso para uniformização de jurisprudência com base em mais do que uma decisão fundamento, optando, nesses casos, por considerar como fundamento do recurso apenas o acórdão anterior que o recorrente indicar em primeiro lugar ou por formular convite para o recorrente indicar por qual deles opta como fundamento do recurso, considerando o tribunal apenas o indicado em primeiro lugar se o recorrente não fizer tal indicação na sequência do convite (cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Volume IV, 6.ª edição, 2011, pp. 470).
48.º
Entendimento semelhante adota MANUEL DE ANDRADE, que defende que “(…) se prevê que o juiz convide as partes a corrigir ou suprir deficiências de qualquer dos seus articulados, mesmo em casos em que estas são incomparavelmente mais graves do que a mera indicação excessiva de acórdãos em oposição com o recorrido e em que o suprimento da deficiência pode acarretar significativa perturbação da marcha normal do processo, nos casos em que houver necessidade de assegurar a contraditoriedade (…)” (cfr. Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pp. 387).
49.º
Acrescentando ainda este autor que “O CPTA enunciou expressamente este princípio da promoção do acesso à justiça, no seu art. 7.º, em que se estabelece que «para efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas».” (cfr. Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pp. 387).
Concluindo,
50.º
Do exposto se retira que seria até inconstitucional não admitir o presente Recurso pelo simples facto de a decisão fundamento, à presente data, não ter transitado em julgado, na medida em que é manifestamente claro que o acórdão do processo n.º 729/2019-T, de 27 de novembro de 2020, ainda poderá vir a transitar em julgado, dependendo do desfecho do já referido processo 11/21.2BALSB que corre termos no presente Supremo Tribunal, caso em que se estaria a negar à Recorrente, a priori, o direito fundamental do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, previsto nos termos do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
Nestes termos,
51.º
Pese embora, no caso em apreço, não estejamos perante um vício de forma suscitado diretamente pela Recorrente, certo é que, conforme já introduzido, o facto de a decisão fundamento não ter, ainda, transitado em julgado poderá implicar uma necessidade de ajustamento aos termos e trâmites processuais associados ao curso do presente Recurso.
52.º
Pelo que, haverá que encontrar uma solução justa que, em integral cumprimento com o regime jurídico aplicável, não prejudique os direitos e pretensões da Recorrente, sob pena de determinar uma situação irreversível que impeça a Recorrente de ver refletida na sua esfera jurídica e tributária os corretos efeitos decorrentes da revogação do regime então previsto nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF.
Ora,
53.º
Para o efeito, a Recorrente perfilha duas alternativas, a saber:
a) Suspensão da instância
54.º
Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 269.º do CPC, está prevista a possibilidade de suspensão da instância, nomeadamente “(…) quando o tribunal ordenar a suspensão ou houver acordo das partes.”.
55.º
Por seu turno, o artigo 272.º do mesmo Código, prevê os termos em que poderá operar a suspensão da instância por determinação do juiz ou por acordo das partes, determinando que:
1 - O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
2 - Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
3 - Quando a suspensão não tenha por fundamento a pendência de causa prejudicial, fixa-se no despacho o prazo durante o qual estará suspensa a instância.
4 - As partes podem acordar na suspensão da instância por períodos que, na sua totalidade, não excedam três meses, desde que dela não resulte o adiamento da audiência final”.
56.º
A este respeito, o nexo de prejudicialidade define-se por estarem pendentes duas ações e dá-se o caso de a decisão de uma poder afetar o julgamento a proferir noutra; a razão de ser da suspensão, por pendência de causa prejudicial, é a economia e a coerência de julgamentos; uma causa é prejudicial em relação à outra quando a decisão da primeira possa destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda (cfr. Ana Filipa Urbano, Ricardo Maia Magalhães, José Pinto de Almeida e Carlos José Batalhão, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Anotações Práticas, edição de março de 2020, Livro II, pp. 333).
57.º
Note-se que o próprio STA, no âmbito do acórdão proferido por referência ao processo n.º 0775/17, de 15 de março de 2018, reconhece que “(…) em princípio, estamos perante uma causa prejudicial quando o julgamento dela pode destruir a razão de ser da outra causa; é assim, aquela que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada, como bem define José Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra, vol. 1º, p. 501.”.
58.º
Conforme já demonstrado, no caso em apreço estamos perante uma situação em que o desfecho da apreciação do Recurso apresentado está dependente do trânsito em julgado da decisão fundamento adotada pela Recorrente, o qual, por sua vez, se encontra pendente do resultado de recurso de uniformização de jurisprudência interposto neste STA, que se encontra a ser julgado pelo Pleno desta mesma secção!
59.º
De facto, existindo uma clara relação de prejudicialidade entre o desfecho do processo 11/21.2BALSB, que corre termos neste STA, e a apreciação do Recurso interposto pela Recorrente, certo também o é que o STA se encontra ao corrente e é plenamente conhecedor dos pressupostos associados a ambos os processos, estando na melhor posição para assegurar que é feita justiça e que são cumpridos todos os pressupostos e requisitos legais de cada processo,
60.º
Sendo, assim, passível de aplicação o regime de suspensão da instância disposto nos termos dos artigos 269.º e 272.º do CPC.
61.º
E não se entenda que a escolha da decisão fundamento foi efetuada unicamente com o intuito de se obter a suspensão da instância, tanto mais que, conforme é por demais evidente, este facto não traz qualquer vantagem para a Recorrente.
62.º
Ademais, este não seria o primeiro caso na ordem jurídica em que é determinada a suspensão da instância no âmbito de um recurso para uniformização de jurisprudência, por se encontrar pendente recurso para uniformização de jurisprudência suscetível de adquirir relevância para a questão a decidir.
63.º
De facto, recentemente, no âmbito do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça (“STJ”) no âmbito do processo n.º 2227/18.0YRLSB.S1-A, de 10 de agosto de 2020, determinou este Supremo Tribunal que “A circunstância de se encontrar pendente recurso para uniformização de jurisprudência susceptível de adquirir relevância para a questão a decidir é caso paradigmático de um motivo justificado para a suspensão da instância, no sentido do art. 272.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.” (…).
64.º
Acrescentando o STJ, no âmbito desse mesmo acórdão, que “O facto de as questões a decidir em cada um dos dois processos serem tão semelhantes e de, no quadro do processo n.º 2552/18.0YRLSB.S2-A, o Pleno das Secções Cíveis ter de se pronunciar sobre a questão prévia da admissibilidade do recurso, determina que, no interesse da uniformização da jurisprudência deva suspender-se a instância até ao trânsito em julgado da decisão que seja proferida no processo n.º 2552/18.0YRLSB.S2-A.” (…).
65.º
Não sendo, também, estranho ao STA a aplicação do regime de suspensão da instância motivada pela extrema relevância que o desfecho de outros processos poderia ter na esfera do processo sub judice.
Adicionalmente,
66.º
Não será de descartar o facto de a suspensão da instância geral poder encontrar outros motivos cuja justificação é sujeita ao escrutínio do juiz, o qual, neste campo, goza de uma larga margem de discricionariedade, devendo aquilatar se efetivamente se justifica tal medida, devendo, nesses casos, sempre fixar o prazo de suspensão, o que, no entanto, não obsta a que o mesmo seja renovado se acaso as circunstâncias continuarem a revelar a necessidade de suspensão (cfr. Ana Filipa Urbano, Ricardo Maia Magalhães, José Pinto de Almeida e Carlos José Batalhão, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Anotações Práticas, edição de março de 2020, Livro II, pp. 334).
67.º
Pelo que deverá ser sempre possível e admissível a suspensão da instância referente ao Recurso em apreço caso o juiz considere ser de material importância para o desfecho deste processo o resultado do recurso para uniformização de jurisprudência já interposto e que corre termos neste STA por referência à decisão fundamento, o que, com todo o respeito, parece por demais evidente para a Recorrente,
68.º
Sem prejuízo, claro está, que, caso no âmbito do processo 11/21.2BALSB o STA entenda que não será de manter na ordem jurídica a decisão arbitral emitida no âmbito do processo n.º 729/2019-T, de 27 de novembro de 2020, os devidos efeitos deverão ser, natural e necessariamente, repercutidos no âmbito do Recurso interposto pela Recorrente.
Posto isto,
69.º
Propõe a Recorrente que seja determinada a suspensão da presente instância, nos termos dos artigos 269.º e 272.º do CPC, até que se verifique o desfecho do processo 11/21.2BALSB e refletindo-se na apreciação do presente Recurso os efeitos da eventual manutenção, ou não, na ordem jurídica da decisão fundamento adotada pela Recorrente.
Alternativamente,
b) Substituição da decisão arbitral fundamento
70.º
Atendendo à manifesta identidade entre o acórdão do processo arbitral n.º 729/2019-T, escolhido como decisão fundamento do Recurso interposto, e o acórdão do processo arbitral n.º 342/2018-T, de 9 de abril de 2019, o qual, segundo entende a Recorrente, já teria transitado em julgado a 3 de maio de 2021, data da interposição do Recurso em apreço,
71.º
Propõe a Recorrente considerar a possibilidade de alterar a decisão fundamento utilizada para a do acórdão do processo arbitral n.º 342/2018-T.
72.º
De facto, a identidade entre os dois acórdãos em referência é por demais evidente, senão vejamos:
i) Ambas as decisões arbitrais delimitam a questão substancial que se apresenta a decidir como sendo a de “(…) saber quais os efeitos da revogação do art.º 32.º do EBF, operada pela Lei n.º 83- C/2013, de 31/12, com efeitos a partir de 01/01/2014, no que diz respeito a encargos financeiros com participações sociais detidas por SGPS à data da referida revogação, não deduzidos em exercícios anteriores, por força do disposto no n.º 2.º do referido art.º 32.º do EBF, revogado.” (citação retirada pela Recorrente, sem qualquer adaptação, de ambos os processos).
ii) Ambas as decisões arbitrais efetuam uma adequada análise, enquadrada no âmbito da questão de fundo da tributação em sede de IRC, em especial, atendendo às idiossincrasias associadas à problemática da aplicação do regime anteriormente previsto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF e ao impacto que deve ser conferido às alterações legislativas ocorridas, para posteriormente analisar e concluir sobre qual a resposta à questão sub judice, ou seja, se os encargos financeiros suportados pelas SGPS na aquisição de participações sociais (cuja transmissão onerosa não foi realizada até ao momento da revogação do regime fiscal aplicável às SGPS) e não deduzidos ao lucro tributável no âmbito da aplicação do referido regime, em exercícios anteriores, deverão ser deduzidos ao lucro tributável de 2014 destas entidades, em consequência da revogação deste regime.
iii) Tanto mais que, em ambos os casos, uma vez definida a questão em análise, o tribunal arbitral passa a delinear de forma clara, concisa e isenta as hipóteses a analisar com vista a aferir dedutibilidade dos encargos financeiros efetivamente incorridos pelas SGPS com a aquisição de participações sociais, no período de tributação de 2014, escrutinando-as ao longo do acórdão, da hipótese mais concreta para a mais genérica, sem espaço para qualquer juízo prévio ou preconceito.
iv) Em ambas as decisões arbitrais, o tribunal arbitral constituído veio conceder provimento ao pedido de pronúncia arbitral apresentado, considerando que, em virtude revogação do regime privativo das SGPS, ocorrida em 2014, cessa a indedutibilidade ex ante dos encargos financeiros suportados por estas entidades ao abrigo do regime revogado e, consequentemente, os encargos financeiros suportados com financiamentos contraídos com vista à aquisição de partes de capital (cuja transmissão onerosa não foi realizada até ao momento da revogação do regime fiscal aplicável às SGPS), anteriormente desconsiderados da formação do seu lucro tributável, deverão ser considerados fiscalmente dedutíveis, no exercício de 2014, concluindo em sentido diametralmente oposto ao vertido na decisão arbitral recorrida, por forma a encontrar resposta à mesma questão fundamental de direito.
v) Ambas as decisões arbitrais reconhecem que “No caso, o erro que afecta as liquidações anuladas é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que manteve o acto de liquidação objecto da presente acção arbitral, sem o necessário suporte legal.” (citação retirada pela Recorrente, sem qualquer adaptação, de ambos os processos).
vi) Ambas as decisões reconhecem, também, que “Tem, pois, direito a ser reembolsada a Requerente da quantia que pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos actos anulados e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, (…) à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.” (citação retirada pela Recorrente, sem qualquer adaptação, de ambos os processos).
vii) Conclui-se, assim, que ambas as decisões julgam integralmente procedente o pedido arbitral formulado, condenando a AT à restituição dos montantes de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios e condenam a requerida (a AT) nas custas do processo.
viii) Não podendo, ainda, ser desconsiderado que ambas as decisões arbitrais em apreço tiveram o mesmo árbitro presidente, o Exmo. Sr. Dr. B…………, o que contribui para assegurar a identidade do juízo formulado.
73.º
Conforme exposto, a identidade entre as duas decisões arbitrais em apreço é tal que os argumentos esgrimidos pela Recorrente no Recurso interposto permanecem integralmente aplicáveis se considerados por referência ao acórdão do processo arbitral n.º 342/2018-T, sem outra necessidade de adaptação que não a mera alteração da decisão arbitral fundamento referida ao longo do auto.
74.º
Tanto mais é que, de facto, a Recorrente inicialmente ponderou utilizar o acórdão do processo arbitral n.º 342/2018-T como decisão fundamento, tendo a escolha recaído sobre a decisão arbitral emitida no âmbito do processo n.º 729/2019-T apenas por, presumindo-se o seu trânsito em julgado, se tratar do acórdão mais recente e, por isso, demonstrativo da manifesta altercação entre decisões arbitrais emitidas com elevada proximidade temporal.
75.º
Apenas para facilitar a apreciação dos factos, em anexo, a Recorrente junta cópia da decisão arbitral emitida no âmbito do processo n.º 342/2018-T, de 9 de abril de 2019. A este respeito,
76.º
Note-se que a hipótese considerada de substituição da decisão fundamento por força da não verificação da presunção do seu trânsito em julgado não constitui circunstância substancialmente diferente daquela em que o recorrente que apresente várias decisões fundamento em oposição à decisão recorrida possa escolher aquela que pretende, de facto, utilizar no âmbito da interposição de recurso para uniformização de jurisprudência,
77.º
Caso em que, conforme já demonstrado, este STA tem adotado uma postura (louvável!) de cooperação com os recorrentes, conferindo a possibilidade de admissão do recurso com base numa das várias decisões fundamento inicialmente elencadas, ao invés de liminarmente decidir pela não admissão do recurso.
78.º
Ora, no caso em apreço e atendendo a tudo o por demais exposto, entende a Recorrente que deverá o STA possibilitar a substituição do acórdão fundamento inicialmente utilizado por outro substancialmente idêntico, que havia já transitado em julgado à data da apresentação do presente Recurso e que não implica qualquer alteração adicional ao teor do Recurso apresentado, mantendo a consistência com aquela que tem vindo a ser a sua posição de evitar que os recorrentes percam a causa por motivos puramente formais, assegurando, assim, que é feita justiça!
79.º
Sendo o entendimento deste STA admitir a alteração da decisão fundamento utilizada no âmbito do Recurso interposto pela Recorrente, a mesma desde já protesta juntar certidão a emitir pelo CAAD a atestar o trânsito em julgado da decisão arbitral emitida no âmbito do processo n.º 342/2018-T.
Nestes termos,
80.º
Entende a Recorrente que o presente Recurso deverá ser admitido, por ter sido tempestivamente apresentado e por terem sido cumpridos todos os requisitos formais e substantivos que lhe estão inerentes,
81.º
E que as soluções acima propostas, como sendo a suspensão da instância até à verificação (ou não) da manutenção na ordem jurídica da decisão fundamento ou a substituição da decisão fundamento por outra manifestamente idêntica, deverão ser consideradas pelo STA com vista à definição dos termos e trâmites em que se realizará o curso do processo,
82.º
Admitindo, ainda, que possa ser considerada outra solução justa que assegure à Recorrente o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, conforme previsto nos termos do artigo 20.º da CRP, em integral cumprimento com o regime jurídico aplicável, não prejudicando os direitos e pretensões da Recorrente por referência a este tema de manifesta relevância jurídica e tributária, sob pena de determinar uma situação irreversível que impeça a Recorrente de ver refletida na sua esfera jurídica e tributária os corretos efeitos decorrentes da revogação do regime então previsto nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF.

Termos em que deve o presente Recurso ser julgado tempestivamente apresentado e legalmente admissível e apreciado pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo à luz do regime legal aplicável ao recurso para uniformização de jurisprudência.»
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A Exma. Procuradora-geral-adjunta, notificada, emitiu pronúncia, no sentido de que “…não há lugar ao seu conhecimento, devendo ser julgado findo o presente recurso”.

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Cumpridas as formalidades legais, compete conhecer e decidir.

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# II.

Como suporte da decisão que, a final, seguirá, relevam, essencialmente, os seguintes factos:

1. No processo n.º 729/2019-T, do caad, foi proferida, em 27 de novembro de 2020, decisão arbitral (fundamento), por coletivo de árbitros, com o seguinte teor: «


Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Julgar improcedente a excepção arguida pela Requerida;
b) Anular o acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa n.º ...2019... e, parcialmente, o acto de autoliquidação de IRC relativo ao exercício de 2014, na parte em não computou como dedutíveis os gastos com a aquisição de participações sociais o valor total de € 264.531,99;
c) Condenar a AT na restituição dos montantes de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos supra expostos;
d) Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.» - cf. pág. 45 segs. (SITAF).

2. A decisão identificada em 1., foi objeto de recurso, para uniformização de jurisprudência, dirigido à Secção de Contencioso Tributário do STA; apresentação comunicada, ao caad, em 20 de janeiro de 2021 - pág. 113.
3. No momento (3 de maio de 2021) da interposição do corrente recurso, para uniformização de jurisprudência, o apelo mencionado em 2., não se encontrava julgado e corria termos, no STA, sob o n.º 11/21.2BALSB.

***

Liminarmente, visto o despacho mencionado no exórdio deste aresto, haver (também) questionado a tempestividade do recurso, presente, agora, que a notificação, da decisão arbitral recorrida, foi realizada, Via CTT, no dia 19 de fevereiro de 2021 (pág. 112) e, portanto, concretizou-se a 22 do mesmo mês, por força do regime de suspensão de prazos processuais, estabelecido pelos arts. 6.º-B da Lei n.º 4-B/2021 de 1 de fevereiro, 6.º e 7.º da Lei n.º 13-B/2021 de 5 de abril, concluímos que a respetiva apresentação, ao STA, no dia 3 de maio de 2021, ocorreu dentro dos 30 dias disponíveis para o efeito.


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Em todas as jurisdições, onde está presente, o recurso (extraordinário) para uniformização de jurisprudência, entre outros requisitos de admissibilidade, pressupõe, no sentido de que, exige, o trânsito em julgado da decisão, identificada e convocada, pelo recorrente, como fundamento; aquela que (alegadamente) se encontra em contradição com a decisão recorrida, sobre a mesma questão fundamental de direito. Assim, na primeira linha (por aplicável, in casu) (Na jurisdição tributária, por efeito do disposto nos arts. 281.º, 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 688.º n.º 2 do CPC.), nos termos conjugados dos arts. 140.º n.º 3, 152.º do CPTA e 688.º n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), “Como fundamento do recurso (para uniformização de jurisprudência) só pode invocar-se acórdão anterior com trânsito em julgado, …”.

Noutra formulação, nesta espécie de recurso jurisdicional, constitui conditio sine qua non de admissão, a conferência e assunção, de que, no momento da respetiva interposição, se mostrava transitada, passada, em julgado, a decisão fundamento.

Esta exigência radica e justifica-se, imediatamente, no pressuposto de que indo discutir-se soluções jurídicas, em potencial conflito, com posterior e necessária escolha da correta, só poder valer e ser relevante decisão (fundamento) definitiva, imutável, em ordem a evitar-se, desde o primeiro momento, a eventualidade da sua alteração e possível perda de valor, importância/substrato, quanto ao sentido do respetivo veredicto, para efeitos de assegurar a oposição/contradição com a decisão recorrida; nos casos de recursos para uniformização de jurisprudência, esta última, também, obrigatoriamente, transitada em julgado. Trata-se, portanto, de defender, salvaguardar, interesses e princípios de segurança jurídica, no que tange às decisões, finais, imodificáveis, emitidas pelos tribunais, com reflexos na garantia, aos particulares, do “mínimo de certeza do Direito ou de segurança jurídica indispensável à vida de relação”.

Por definição, considera-se transitada em julgado a decisão judicial (ou equiparada), “logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação” - art. 628.º do CPC. Decompondo, a decisão passa em julgado, quando não admite, decorreu o prazo de interposição ou foram esgotados os (cabidos) recursos de apelação e/ou de revista ou, igualmente, quando da mesma, já, não é possível reclamar, para os efeitos previstos no art. 613.º n.º 2 do CPC (bem como, na hipótese regulada no art. 643.º do mesmo diploma).

Esta noção legal e abrangente (no sentido de operável, em geral), de trânsito em julgado, sendo, perfeitamente, percetível, nada propensa a obstáculos, quanto à sua integração/consubstanciação, no caso em apreço, contudo, coloca a reserva decorrente de saber se é possível atribuir, a um recurso (específico) de decisão arbitral (em matéria tributária), interposto para o STA (Cf. art. 25.º n.º 2 do RJAMT.), o efeito preclusivo (de não deixar, a concreta decisão recorrida, transitar em julgado), que vimos de achar conferido aos recursos ordinários (nas demais jurisdições).

Entendemos que sim, fundamentalmente, porque a esse resultado, desde logo, conduz, de forma implícita, mas, inequívoca, necessária, o disposto no art. 24.º n.ºs 1 e 2 do RJAMT, com destaque para a previsão de que “A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, …”; por semelhança, uma vez decorrido o período temporal para recorrer (ou impugnar (Nos termos e para os efeitos dos arts. 27.º e 28.º do RJAMT.)), a decisão arbitral adquire a eficácia típica das decisões jurisdicionais transitadas em julgado, pelo que, a pendência de recurso (no STA e/ou no Tribunal Constitucional (TC)), tal como os, estritos, recursos ordinários, implica, sem mais, a impossibilidade de qualquer decisão recorrida passar em julgado.

Posto isto, estamos, pois, devida e legalmente, autorizados, a afirmar que, na situação julganda, a decisão arbitral, invocada como fundamento, pela rte, não havia transitado em julgado, por pendente de recurso, no STA, na data, 3 de maio de 2021, da interposição do corrente recurso para uniformização de jurisprudência (O que, aliás, é assumido, pela rte, supra, no ponto 35.º.).

Somente, resta aduzir, que a presunção (do trânsito em julgado) afirmada no art. 688.º n.º 2, in fine, do CPC, como qualquer ilação, apenas, releva para as hipóteses de não ser possível, objetiva e rigorosamente, determinar se o acórdão/decisão fundamento transitou em julgado, sendo, portanto, irremediavelmente, de afastar, quando, como neste caso, o facto presumido (trânsito) não se verifica. Efetivamente, sendo as presunções, por definição (Ver, art. 349.º do Código Civil (CC).), ilações que a lei ou o julgador tiram de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, resulta prejudicado o respetivo funcionamento se este último se apresentar comprovado, valendo, consequentemente, como tal, na correspondente realidade.

Antes que se decida, em conformidade, retirar a consequência, inicialmente, avançada, para a apurada e demonstrada ocorrência do não trânsito em julgado da decisão (arbitral) fundamento, coligida pela rte, versemos as “alternativas” que perfilha (art. 53.º segs.); a suspensão da instância ou a substituição da decisão arbitral fundamento.

Relativamente à proposta de suspensão desta instância até que seja proferida decisão, pelo STA, no recurso que corre e versa a decisão arbitral fundamento, é de rejeitar, pela singela razão, como acima já demos nota, de a lei exigir que, no apoio a um pedido de recurso para uniformização de jurisprudência, esteja decisão anterior (proferida em data anterior à recorrida) transitada em julgado, por referência à data da respetiva interposição e, obviamente, que não venha a passar em julgado num momento posterior.

Quanto à requerida substituição da decisão arbitral fundamento (art. 70.º segs.), é inviável, por uma dupla ordem de razões. Primeiro, a concessão de tal faculdade, do ponto de vista da paridade processual (Imposta, genericamente, pelo art. 4.º do CPC.), traduzir-se-ia na assunção de um tratamento mais favorável (de favor) à rte, destinado, apenas, a corrigir o erro que cometeu da indicação de uma decisão fundamento transitada em julgado, quando, aparentemente, existia, pelo menos, uma outra com a mesma virtualidade (oposição com a decisão, aqui, recorrida) e que cumpria o requisito, imprescindível, do trânsito (da definitividade). Segundo, permitir a pedida substituição, nesta fase do devir processual, implicaria, reflexamente, uma clara violação do disposto no art. 152.º n.º 2 do CPTA («A petição de recurso é acompanhada de alegação na qual se identifiquem, de forma precisa e circunstanciada, os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada e a infração imputada ao acórdão recorrido.») (e 690.º n.º 1 do CPC), pelo que, não podemos dar azo ao cometimento de uma, manifesta, ilegalidade (Não se olvide que, na atualidade, com o requerimento de recurso tem, obrigatoriamente, de ser contida ou junta a alegação do recorrente, sob pena de imediata rejeição (ou seja, sem lugar a qualquer convite ao aperfeiçoamento/correção) – arts. 637.º n.º 2, parte inicial, e 641.º n.º 2 al. b) do CPC.).

Por fim, julgamos que, tudo, o entendido, neste aresto, não encerra qualquer violação do art. 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) (Ponto 50.º.), pois, o acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva tem de concretizar-se, além do mais, no respeito, por parte dos interessados/requerentes, pela lei ordinária (infraconstitucional), que, neste caso, exige o trânsito em julgado da decisão que serve de fundamento (segundo indicação da estrita responsabilidade do recorrente).


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# III.

Pelo exposto, em conferência, no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos não admitir este recurso para uniformização de jurisprudência.


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Custas a cargo da recorrente.
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Comunique-se ao caad.

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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 22 de setembro de 2021


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Pelas (os) Exmas. (os.) Senhoras (es) Conselheiras (os) Isabel Cristina Mota Marques da Silva, Francisco António Pedrosa de Areal Rothes, Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia, José Gomes Correia, Joaquim Manuel Charneca Condesso, Nuno Miguel Morgado Teixeira Bastos, Gustavo André Simões Lopes Courinha, Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro, Pedro Nuno Pinto Vergueiro e Anabela Ferreira Alves e Russo, na condição de adjuntos, foi transmitido, enquanto relator, a mim, Aníbal Augusto Ruivo Ferraz, voto de conformidade, com os fundamentos e a decisão supra, nos termos e para os efeitos do artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março.

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