Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0217/14
Data do Acordão:04/02/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECLAMAÇÃO JUDICIAL
EXECUÇÃO FISCAL
FALTA DE CITAÇÃO
NULIDADE
Sumário:I - Se a nulidade do processo executivo por falta de citação do executado é invocada como um dos vícios geradores da invalidade do acto reclamado, e não como fundamento autónomo de reclamação judicial, pode ser apreciada na reclamação deduzida ao abrigo dos artigos 276.º e seguintes do CPPT sem que antes tenha sido arguida perante o órgão de execução fiscal.
II - O regime da sanação da falta de citação previsto no Código de Processo Civil não é aplicável ao processo de execução fiscal, pois o art. 165.º, n.º 1, alínea a), do CPPT é uma norma expressa sobre o efeito da falta de citação nestes processos executivos, de que resulta que, se for de concluir que a falta de citação pode ter prejudicado a defesa de quem devia ser citado, estar-se-á perante uma nulidade insanável, que nunca poderá considerar-se sanada, independentemente das intervenções processuais que essa pessoa tenha concretizado.
III - Para que ocorra a nulidade por falta de citação basta a mera possibilidade de prejuízo para a defesa do executado e não a demonstração da existência de efectivo prejuízo, sendo que, no caso dos autos, não há elementos que permitam concluir no sentido de que o alegado prejuízo para a defesa da executada decorrente da impossibilidade de dedução de oposição à execução fiscal e suspensão do processo executivo mediante prestação de garantia não se verificou.
Nº Convencional:JSTA00068639
Nº do Documento:SA2201404020217
Data de Entrada:02/25/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PENAFIEL
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART10 N1 F ART165 N1 A N2 N3 ART189 N1 N2 N3 ART190 N6 ART191 ART196 N1 ART201 N1 ART203 ART276.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC0923/08 DE 2010/02/24.; AC STAPLENO PROC0873/11 DE 2012/07/05.; AC STA PROC0214/10 DE 2010/07/07.; AC STA PROC0187/11 DE 2011/05/25.; AC STA PROC01211/13 DE 2013/07/24.; AC TCAN PROC2508/12.5BEPRT DE 2013/09/13.; AC TCAS PROC01967/07 DE 2007/10/16.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIII PAG138-139.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 6 de Janeiro de 2014, que, na reclamação judicial deduzida por A…….., S.A., com os sinais dos autos, contra a decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Valongo-1, de 14 de Maio de 2013, que ordenou o prosseguimento da execução fiscal, julgou verificada nulidade insanável do processo de execução fiscal por falta de citação da reclamante e determinou a anulação dos termos subsequentes do processo, incluindo o despacho reclamado.
A recorrente terminou as suas alegações de recurso apresentando as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a reclamação deduzida nos termos do disposto no art. 276.º do CPPT, contra o despacho do Órgão de Execução Fiscal (chefe do serviço de finanças de Valongo 1) proferido a 13/05/2013, que ordenou o prosseguimento dos autos de execução fiscal (PEF) n.º 1899201201035720.
B. O douto tribunal “a quo” decidiu a final, com a ressalva do devido respeito após sinuosa argumentação, dar provimento à reclamação, considerando que ocorreu “a invocada falta de citação da reclamante que pode prejudicar a sua defesa (art. 165.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do CPPT, o que determina a anulação dos termos subsequentes do processo que dela dependam absolutamente, designadamente o prosseguimento da execução e a consequente ilegalidade do despacho reclamado”. (negrito e sublinhado nosso).
C. Ora, com o assim decidido, e salvo o devido respeito por melhor opinião, não pode a Fazenda Pública conformar-se, porquanto incorreu o mesmo em erro de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação do art. 165.º n.º 1 do CPPT.
D. Entre outros factos, o Tribunal a quo deu como provado:
B) O órgão de execução fiscal enviou a nota de citação de fls. 200, cujo teor se dá por reproduzido, endereçada a “A………., S.A. – na pessoa do seu administrador Sr. B……. – Rua ….., n.º ….. – 4445-….. Ermesinde (fls. 300).
C) Essa nota de citação foi enviada por carta registada em 12/09/2012 (fls. 297, 296 e 300 a 302).
D) Esta nota de citação foi entregue ao destinatário em 13/9/2012 (fls. 300 a 302).
F) A reclamante realizou em 14-25-27 de Setembro de 2012 pagamentos por conta no valor de €5.325,88, €10.000,00 e €5.162,90, no total de €20.488,78 (fls. 77 e 127 a 130)
E. Motivado pela informação do Serviço de Finanças de fls. 297 a 298, que não conhece o paradeiro do aviso de receção, conjugado com a falta de indicação no documento do registo postal dos CTT do envio da carta registada com aviso de receção, o Tribunal a quo concluiu que “não houve qualquer extravio do aviso de receção, mas apenas o envio da nota de citação por carta registada sem aviso de receção.”
F. Pese embora tais factos, o Tribunal a quo considerou que a citação não foi regularmente realizada, na medida em que, atendendo ao valor da quantia exequenda €78.968,30 esta “teria de ser realizada por carta registada com aviso de receção, o que não foi, de todo, o caso dos autos,”
G. Pelo que entendeu não ser de aplicar ao caso sub judice o n.º 6 do artigo 190.º do CPPT.
H. A Fazenda Pública entende e alegou na sua resposta, que a nulidade do processo executivo por falta de citação do executado tem de ser primariamente arguida perante o OEF conforme tem vindo a ser defendido pela Jurisprudência dos Tribunais superiores.
I. No entanto e neste tocante, o meritíssimo Juiz do Tribunal a quo considerou que a sua decisão não desrespeitava o douto acórdão do pleno da secção do Contencioso Tributário do colendo Supremo Tribunal Administrativo de 24/0272010, proferido no processo n.º 923/08.
J. Suporta o seu entendimento no douto acórdão do Venerado Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN) de 13/09/2013, proferido no processo n.º 2508/12.5beprt, tendo considerado que a reclamante “invoca a falta de citação como um dos fundamentos da ilegalidade do despacho reclamado (…) A reclamante não invocou a falta de citação como causa de pedir duma ilegalidade autónoma distinta da ilegalidade do despacho reclamado, isto é, a reclamante não pede a declaração da nulidade insanável do PEF. A reclamante pede a anulação do despacho reclamado, entre outros motivos, por ser um ato processual nulo por resultar da prática dum ato processual dum PEF que padece de nulidade insanável.”
K. Ora, com o assim decidido, e salvo o devido respeito por melhor opinião, não pode a Fazenda Pública conformar-se, na medida em que desta forma, a reclamante obtém os mesmos efeitos de “anulação dos termos subsequentes” do PEF,
L. Não tendo suscitado a nulidade insanável do processo por falta de citação, mas solicitando individualmente a anulação de qualquer acto que lhe seja posterior !!! Enviesando assim o entendimento proferido pela Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.
M. Acresce que, encontra-se igualmente assente na Jurisprudência dos Tribunais superiores, sob pena de sanação do vício, que o executado deverá arguir tal vício na sua primeira intervenção no processo, demonstrando que a falta de citação prejudicou a sua defesa, por todos veja-se o sumário do douto acórdão do Tribunal Central administrativo do Sul, de 16/10/2007, proferido no processo n.º 01967/07.
N. Ora, nos presentes autos não foi isso que aconteceu, com efeito conforme factos dados como provados, a Reclamante interveio no processo n.º 1899201201035720 efectuando diversos pagamentos por conta durante o mês de setembro de 2012, sem no entanto ter arguido a falta de citação.
O. Acresce que, os print’s dos PEF que a própria junta cfr. Doc. 1 e 2 anexos à reclamação, mencionam a data de consulta de 09/12/2012.
P. E veja-se que, mesmo no requerimento apresentado em 08/01/2013 junto do OEF, a ora reclamante demonstrou perfeito conhecimento que contra ela tinham sido instaurados os processos executivos n.ºs 1899201201035266 e n.º 1899201201035720, e não invocou a falta de citação, nem tão pouco no posterior esclarecimento prestado perante o OEF.
Q. A reclamante alegou a falta de citação, apenas na Reclamação apresentada nos termos do art. 276.º do CPPT que originou os presentes autos.
R. A nulidade da citação não se traduz na omissão de uma formalidade essencial mas uma falta que pode prejudicar a defesa do citado.
S. Devendo pois, a alegada nulidade insanável de falta de citação, por não ter prejudicado em nada a defesa da reclamante, considerar-se suprida.
Subsidiariamente,
E sem conceder,
T. Se doutamente se considerar que uso indevido da citação por via postal sem aviso de receção, não integra o vício de falta de citação, mas de nulidade de citação,
U. Ainda que não tenha sido cumprida a formalidade prevista no art. 191.º do CPPT, a citação tem-se como perfeita na medida em que essa nulidade não foi arguida dentro do prazo de oposição.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.

2 – Contra-alegou a recorrida, concluindo nos termos seguintes:
a) A ora Recorrente encontra-se isenta de custas nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea u) do regulamento das Custas processuais;
b) Alega o Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação do artigo 165.º, n.º 1 do CPPT;
c) Alegando ainda o recorrente que a nulidade do processo executivo por falta de citação do executado tem de ser primariamente arguida perante o OEF;
d) Contudo, decorre do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 02508/12.6BEPRT, de 13.09.2013 que “a nulidade de falta de citação pode ser conhecida pelo tribunal sem que o órgão de execução fiscal sobre ela se tenha pronunciado, se invocada na reclamação prevista no artigo 276.º do CPPT;
e) Se, como é o caso, é interposta reclamação de uma decisão do órgão de execução fiscal, e se também é arguida a falta de citação, por causa da oficiosidade do conhecimento da falta de citação, o juiz deve dela conhecer. Se assim não se entendesse a oficiosidade que a lei determina apenas se aplicava ao órgão de execução fiscal, interpretação que não tem qualquer apoio na letra da lei. Até porque o processo de execução fiscal é um processo judicial – cfr. artigo 103.º da Lei Geral Tributária;
f) “Mas, independentemente de a nulidade ser do conhecimento oficioso ou não, o que é decisivo para aferir do modo da sua arguição, é saber se a parte põe em causa um determinado acto do órgão de execução fiscal, ou se pura e simplesmente arguiu a nulidade por falta de citação ou qualquer outra nulidade. No primeiro caso, o meio processual próprio é a reclamação prevista no artigo 276.º do CPPT, a nulidade funciona como vício invalidante do acto – acórdão do supremo Tribunal administrativo de 24-07-2013, recurso n.º 1211/13. Na segunda hipótese, e aplicando-se a doutrina do acórdão do Pleno da secção do Contencioso Tributário do Supremo tribunal administrativo atrás referido, a nulidade deve ser arguida perante o órgão de execução fiscal” – cfr- Acórdão do Tribunal Central administrativo Norte, processo n.º 02508/12.6BEPRT, de 13.09.2013;
g) Ora, na reclamação apresentada, a Reclamante ora Recorrida não se limitou apenas a arguir a nulidade de falta de citação, pondo ainda em causa um acto do órgão de execução fiscal, o prosseguimento dos autos de execução fiscal quando se encontra pendente processo de insolvência.
h) Assim, a reclamação nos termos do artigo 276.º do CPPT, constitui o meio processual adequado para arguir a falta de citação;
i) Alega ainda a Recorrente, que a falta de citação não prejudicou a defesa do interessado uma vez que “a Reclamante interveio no processo n.º 1899201201035720 efectuando diversos pagamentos por conta durante o mês de Setembro de 2012, sem no entanto ter arguido a falta de citação” – cfr. ponto 15 das alegações de recurso.
j) Não tendo a ora recorrida sido citada, apenas tendo conhecimento da instauração da execução fiscal, não pôde opor-se à execução nem tão pouco prestar garantia idónea, tendo prejudicado e muito a sua defesa.
k) Assim, “”o que releva para efeito de saber se deve ser atendida a arguição de nulidade é a possibilidade de prejuízo para a defesa do executado e não a existência de um prejuízo efectivo, pelo que uma vez apurada essa possibilidade de prejuízo passa a competir à exequente demonstrar factos que permitam concluir que o prejuízo acabou por não ocorrer” – cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 02508/12.6BEPRT;
l) Face ao exposto, a falta de citação prejudicou a defesa da ora Recorrida, pelo que deve ser declarada a nulidade insanável de falta de citação.
m) Alega ainda o recorrente que ”a citação tem-se como perfeita na medida em que essa nulidade não foi arguida dentro do prazo da oposição”;
n) Note-se que “quer a falta de citação quer a nulidade da citação, por inobservância das formalidades restritas na lei, não constituem fundamento de oposição à execução fiscal” – cfr. acórdão do Supremo tribunal administrativo, processo n.º 0187/11, de 25.05.2011, relator: António calhau, disponível em www.dgsi.pt
o) Face ao exposto, dúvidas não subsistem de que, no caso “Sub Judice”, a reclamação é o meio processual adequado para arguir, entre outros vícios, a falta de citação, tal como o fez a ora recorrida.
Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser mantida a sentença proferida pelo tribunal a quo.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
(…)
A nosso ver o recurso não merece provimento.
Conforme reiterada e consolidada jurisprudência do STA a nulidade por falta de citação, nos termos do disposto no artigo 10.º/1/f) do CPPT, deve ser arguida perante o OEF, cabendo reclamação para o Tribunal tributário do despacho que a indefira e não directamente perante o Tribunal.
Todavia, quando a nulidade por falta de citação é deduzida a título incidental e não principal é lícito ao tribunal conhecer de tal alegada nulidade. (Acórdão do STA, de 24 de Julho de 2013 – P. 01211/13, disponível no sítio da internet www.dgsi.pt)
Como deflui da PI a recorrida sindica apenas e directamente o despacho de 14 de Maio de 2013 do Chefe do SLF de Valongo 1, que ordenou o prosseguimento dos autos de execução fiscal, acto lesivo, e, como tal reclamável.
O pedido formulado consiste na anulação do despacho que ordenou o prosseguimento da execução fiscal.
Só a título meramente incidental a recorrida arguiu a nulidade processual por falta de citação, que é de conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final. (artigo 165.º/3 do CPPT).
É certo que a constatação da nulidade processual por falta de citação implica a anulação do acto sindicado (artigo 165.º/2 do CPPT).
Portanto, não ocorre erro na forma de processo uma vez que a recorrida não arguiu a nulidade processual decorrente da falta de citação a título principal, mas sim a título meramente incidental.
Ocorre falta de citação, uma vez que, como decorre do probatório, a pretendida «citação» foi feita através de simples carta registada, quando a lei exige carta registada com aviso de recepção, na pessoa de B…….. que não era representante legal da recorrida.
A falta de citação, pode prejudicar, a defesa da recorrida, uma vez que, por via dessa omissão ficou impossibilitada de usar os meios de defesa que a lei prevê, a saber, a dedução de oposição à execução fiscal, de requerer o pagamento em prestações ou de requerer a dação em pagamento (artigos 203.º, 189.º/1/2/3, 196.º/1 e 201.º/1 do CPPT).
Para que ocorra a nulidade em causa basta a mera possibilidade de prejuízo e não a demonstração da existência de prejuízo efectivo.
Também se nos afigura que a nulidade em causa não se pode considerar suprida pelo facto da recorrida ter, nomeadamente, efectuado pagamentos por conta, em Setembro de 2012, sem que tenha invocado a falta de citação.
Na verdade, tal nulidade insuprível, apenas poderá ser sanada praticando, nos termos legais a citação omitida.
O STA, no acórdão de 7 de Julho de 2010, proferido no recurso n.º 0214/10 sustentou a tese de que o disposto no artigo 196.º do CPC, que considera suprida a nulidade por falta de citação se o réu intervier no processo sem arguir tal nulidade não tem aplicação no processo de execução fiscal, pois o artigo 165.º do CPPT é norma expressa sobre os efeitos da falta de citação na execução fiscal.
Termos em que, salvo melhor juízo, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.

Com dispensa dos vistos legais, dada a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência.
- Fundamentação -

4 – Questão a decidir
É a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação do art. 165.º n.º 1 do CPPT, ao julgar procedente a reclamação judicial deduzida contra o acto do órgão de execução fiscal que ordenou o prosseguimento da execução fiscal em razão da verificação de nulidade insanável do processo executivo por falta de citação do executado, tendo por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo, incluindo o despacho reclamado.

5 – Matéria de facto
Na sentença objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:

A) Em 28/8/2012 o Serviço de Finanças de Valongo-1 instaurou contra a reclamante o PEF n.º 1899201201035720 por dívidas de IVA de janeiro a outubro de 2009, constantes das certidões de dívidas de fls. 61 a 75 verso, cujo teor aqui se dá por reproduzido, no montante total de €78.177,17, cuja data limite de pagamento voluntário terminou em 31/7/2012 (fls. 60 a 75 verso).
B) O órgão de execução fiscal enviou a nota de citação de fls. 300, cujo teor aqui se dá por reproduzido, endereçada a “A…….. SA --- na pessoa do seu administrador Sr. B……. --- Rua ……. --- 4445 – ….. Ermesinde “ (fls. 300).
C) Essa nota de citação foi enviada por carta registada em 12/9/2012 (fls. 297, 298 e 300 a 302).
D) Essa nota de citação foi entregue ao destinatário em 13/9/2012 (fls. 300 a 302).
E) Em 23/11/2012 a reclamante apresentou no PEF o requerimento de fls. 303 e 303 verso, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
F) A reclamante realizou em 14-25-27 de Setembro de 2012 pagamentos por conta no valor de €5.325,88, €10.000,00 e €5.162,90, no total de €20.488,78 (fls. 77 e 127 a 130)
G) A reclamante foi julgada insolvente por sentença de 28/11/2011 (fls. 98).
H) Em assembleia de credores realizada em 1/10/2012 foi aprovado, com o voto contra da Fazenda Nacional, o plano de insolvência da reclamante, que foi homologado por sentença de 29/4/2013 (fls. 93 a 121).
I) A reclamante tem um administrador único e vincula-se com a sua assinatura (fls. 103 a 106).
J) B……… foi administrador único da reclamante entre 30/10/2007 e 29/1/2008, data em que cessou funções por renúncia (fls. 106 a 106).
K) A partir de 29/1/2008 é administrador único da reclamante C………, contribuinte fiscal n.º …….. (fls. 106 a 106).
L) Em 7/1/2013 a reclamante apresentou ao órgão de execução fiscal o requerimento constante de fls. 70 a 82, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
M) Este requerimento foi completado pelo requerimento de fls. 86 e 87, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
N) Os requerimentos referidos em L) e M) deram origem ao despacho de fls. 122 e 123, cujo teor aqui se dá por reproduzido, que constitui o despacho reclamado.

6 – Apreciando.
6.1 Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida
A sentença recorrida, a fls. 316 a 322 dos autos, julgou procedente a reclamação judicial deduzida pela ora recorrida contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Valongo-1 que determinou o prosseguimento da execução fiscal não obstante a declaração de insolvência da executada (porquanto o vencimento dos créditos exequendos ocorreu após a declaração de insolvência), no entendimento de que tendo a reclamante invocado como fundamento de anulação do despacho reclamado, a par das ilegalidades invocadas relativas à instauração do PEF depois da declaração de insolvência, a falta de citação da executada, não estava o Tribunal impossibilitado de a conhecer não obstante não ter sido tal falta de citação previamente arguida perante o órgão de execução fiscal e conhecendo-a, julgou-a verificada, porquanto esta além de não ter sido realizada por carta registada com aviso de receção foi realizada em pessoa que não é o legal representante da reclamante, o que, podendo prejudicar a sua defesa, determina a anulação dos termos subsequentes do processo, designadamente do despacho reclamado, o que determinou (cfr. sentença recorrida, a fls. 319 a 322 dos autos).
Fundamentou-se o decidido, quanto à possibilidade de conhecimento da nulidade do processo de execução por falta de citação em reclamação judicial quando esta tenha sido invocada como fundamento de ilegalidade do acto reclamado, no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13 de Setembro de 2013, proc. n.º 2508/12.6BEPRT, e quanto à verificação da falta de citação, nas anotações de JORGE LOPES DE SOUSA aos artigos165.º e 190.º do CPPT.
A recorrente Fazenda Pública, não pondo em causa directamente a falta de citação da executada, insurge-se, porém, contra o conhecimento desta pelo Tribunal sem que a executada nunca antes a tenha arguido perante o órgão de execução fiscal, pois que desta forma se “enviesaria” o entendimento proferido pela Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo nos termos da qual tal nulidade deve primariamente ser arguida perante o órgão de execução fiscal. Mais alega a recorrente que a falta de citação do executado se deve ter por sanada ou suprida, porquanto encontra-se igualmente assente na Jurisprudência dos Tribunais superiores, (…), que o executado deverá arguir tal vício na sua primeira intervenção no processo, demonstrando que a falta de citação prejudicou a sua defesa, não tendo tal sucedido no caso dos autos.
A recorrida defende o não provimento do recurso, sendo igualmente essa a posição do Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto junto deste STA, no seu bem fundamentado parecer junto aos autos e supra transcrito.
Vejamos.
Constitui jurisprudência consolidada deste STA (cfr. os Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 24 de Fevereiro de 2010, rec. n.º 923/08 e de 5 de Julho de 2012, rec. n.º 873/11) que a nulidade por falta de citação tem de ser primariamente arguida perante o órgão de execução fiscal, intervindo o tribunal na apreciação da questão se, na sequência do indeferimento administrativo dessa arguição, a sua intervenção for requerida através de reclamação judicial deduzida nos termos dos arts. 276.º e seguintes do CPPT. Tem-se, porém, entendido que assim já não será quando tal nulidade seja invocada como vício invalidante do próprio acto reclamado ao abrigo do artigo 276.º do CPPT (cfr. o Acórdão deste STA de 24 de Julho de 2013, rec. n.º 1211/13, por nós relatado), como sucede no caso dos autos, em que, como bem se consignou na sentença recorrida (a fls. 319 dos autos), a reclamante pede a anulação do despacho reclamado, entre outros motivos, por ser um acto processual nulo por resultar da prática dum ato processual dum PEF que padece de nulidade insanável, pelo que a nulidade insanável da sua falta de citação tem de ser analisada enquanto fundamento da ilegalidade do despacho reclamado, independentemente de ter sido invocado antes pela reclamante e de ter sido apreciado e decidido anteriormente pelo órgão de execução fiscal.
Neste contexto, nenhuma censura merece a apreciação pelo tribunal “a quo” na reclamação judicial deduzida contra o acto que ordenou a prossecução da execução fiscal da falta de citação do executado como fundamento da invalidade do acto reclamado, não estando o tribunal impedido de apreciar tal fundamento, porquanto o meio próprio para sindicar os actos lesivos praticados na execução fiscal pelo órgão de execução fiscal é a reclamação judicial prevista nos artigos 276.º e seguintes do CPPT e não há restrição legal às ilegalidades que nesta reclamação podem ser conhecidas, sendo que, in casu, a nulidade invocada como determinante da ilegalidade do acto sindicado é de conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final (cfr. o n.º 4 do artigo 165.º do CPPT).
Sem pôr em causa a ocorrência, no caso dos autos, da falta de citação da executada, alega a recorrente que esta nulidade se encontra sanada, pelo facto de a executada ter tido intervenção no processo executivo (efectuando pagamentos por conta em Setembro de 2012, consultando o sistema informático em Dezembro de 2012 e dirigindo requerimento ao órgão de execução fiscal em Janeiro de 2013 – cfr. as conclusões N a P das alegações de recurso) sem que alguma vez tenha arguido a nulidade deste por falta de citação, alegando ainda que tal falta de citação não prejudicou em nada a defesa da reclamante, daí que deva considerar-se suprida.
No que à alegada sanação em virtude da intervenção no processo respeita, basta lembrar para afastar a alegação da recorrente que, como se sumariou no Acórdão deste STA de 7 de Julho de 2010, rec. n.º 0214/10, o regime da sanação da falta de citação previsto no Código de Processo Civil não é aplicável ao processo de execução fiscal, pois o art. 165.º n.º 1, alínea a), do CPPT é uma norma expressa sobre o efeito da falta de citação nestes processos executivos, de que resulta que, se for de concluir que a falta de citação pode ter prejudicado a defesa de quem deveria ser citado, estar-se-á perante uma nulidade insanável, que nunca poderá considerar-se sanada, independentemente das intervenções processuais que essa pessoa tenha concretizado, a não ser que a citação antes em falta seja realizada, deste modo improcedendo a alegação da recorrente.
Já no que tange ao alegado “suprimento” da nulidade, pelo facto de alegadamente a falta de citação em nada ter prejudicado a defesa da reclamante, está por demonstrar que assim seja, pois o facto de a executada ter realizado pagamentos por conta, consultado o sistema informático ou ter dirigido requerimento ao órgão de execução fiscal que está na origem do despacho reclamado não demonstram a inexistência de prejuízo para a sua defesa, porquanto, como a reclamante invocou na sua petição de reclamação, a falta de citação poderá tê-la impedido de deduzir oposição à execução fiscal e de, na pendência desta, prestar garantia para suspender o processo executivo, argumentos estes que a recorrente não contraria.
Ora, como bem diz o Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto junto deste STA no seu parecer junto aos autos, apoiando-se na lição de JORGE LOPES DE SOUSA (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Volume III, 6.ª edição, pp. 138/139), para que ocorra a nulidade por falta de citação basta a mera possibilidade de prejuízo para a defesa do executado e não a demonstração da existência de efectivo prejuízo, sendo que no caso dos autos não há quaisquer elementos que permitam concluir no sentido de que o alegado prejuízo para a defesa da executada decorrente da impossibilidade de dedução de oposição à execução fiscal e suspensão do processo executivo mediante prestação de garantia não se verificou.

Pelo exposto se conclui que o recurso não merece provimento, sendo de confirmar a sentença recorrida que bem julgou.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 2 de Abril de 2014. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Pedro Delgado - Ascensão Lopes.