Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0357/18.7BEFUN
Data do Acordão:07/09/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ADRIANO CUNHA
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
DOCUMENTO
CONTRATAÇÃO PÚBLICA
OBJECTO SOCIAL
PODER DE REPRESENTAÇÃO
Sumário:I - A falta de apresentação de “DEUCP” (que apesar de obrigatória não era exigida no programa do concurso) não conduz à imediata exclusão do concorrente, implicando o convite ao suprimento de preterição de formalidades não essenciais nos termos previstos no art. 72° n° 3 do CCP.
II - As sociedades comerciais não podem exercer atividade que não se compreenda no seu objeto social, sob pena de dissolução administrativa, nos termos do art. 142º nº 1 d) do Código das Sociedades Comerciais. Consequentemente, uma proposta pode ser excluída com tal fundamento, já que “o contrato a celebrar implicaria a violação de vinculação legal” - art. 70º nº 2 f) do CCP;
III - No entanto, tal só deve suceder perante uma atividade que, de forma manifesta, se não possa considerar abrangida, explícita ou implicitamente, no objeto social da sociedade concorrente, uma vez que há também que acautelar os princípios da concorrência e do “favor participationis”.
IV - A emissão de procuração para a prática de uma categoria de atos (representação de uma sociedade no âmbito de procedimentos de contratação pública), respeita o disposto no art. 252º nº 6 do CSC, sem contender com o princípio da pessoalidade da gerência, por não corresponder a mais do que a uma limitada parte dos poderes de gerência.
Nº Convencional:JSTA000P26205
Nº do Documento:SA1202007090357/18
Data de Entrada:06/15/2020
Recorrente:A................, LDA
Recorrido 1:B................, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – RELATÓRIO

1. “A…………, Lda” interpôs o presente recurso de revista do Ac.TCAS de 18/12/2019 que negou provimento ao recurso subordinado que a mesma interpusera da sentença do TAF do Funchal, de 18/5/2019, e concedeu provimento ao recurso, principal, de apelação interposto pela Entidade Demandada “B……….., Lda.”.

2. A ora Recorrente intentou, no TAF do Funchal, a presente ação administrativa de contencioso pré-contratual contra a referida Entidade Demandada “B…………., Lda.” e contra – na qualidade de Contrainteressadas – “C……….., Lda.”, “D…………, Lda.”, “E…………, Lda.”, “F………….., Lda.”, “G…………, Lda.” e “H…………, Lda.”, estas co-concorrentes no Concurso Público para a celebração de contrato para “Fornecimento de paletes de madeira de pinho com tratamento fitossanitário para o acondicionamento e transporte de caixas contendo Banana da Madeira”.

Pediu ali, de forma cumulativa:
a) A anulação do acto de adjudicação da proposta da “C…………, Lda.”;
b) A condenação da Entidade Demandada à exclusão da proposta apresentada pela adjudicatária “C…………., Lda.”, à exclusão das propostas apresentadas pelas concorrentes “D…………., Lda.” e “E…………., Lda.”, e a classificação da proposta da Autora em primeiro lugar e correspondente adjudicação do contrato administrativo a esta última;
c) Caso o contrato administrativo já tenha sido celebrado, a sua anulação com fundamento em invalidade derivada;
d) No caso de se ter iniciado a execução do contrato, a condenação da Entidade Demandada à adjudicação parcial do contrato à Autora;
e) Caso o contrato já tenha sido integralmente executado, a condenação da Entidade Demandada ao pagamento de uma indemnização destinada a compensar a Autora pelos danos causados pela não celebração do contrato, correspondente ao valor de €390.500,00 e de juros à taxa legal até efetivo e total pagamento.

3. Por despacho proferido pelo TAF do Funchal foi determinada a apensação aos autos do proc. nº 358/5BEFUN (também ação de contencioso pré-contratual – referente ao mesmo procedimento concursal) intentada pela “E……….., Lda.” contra a mesma Entidade Demandada e as restantes Contrainteressadas, pedindo:
a) A anulação do convite ao suprimento das propostas efetuado pelo Júri do Procedimento do Concurso Público CP_01……/2018 e a decisão de indeferimento da impugnação administrativa praticado pela Entidade Demandada;
b) A anulação do ato de adjudicação da proposta da Contrainteressada “C…………., Lda.”, e atos conexos praticados, nomeadamente o contrato, e serem dados como não escritos os suprimentos que foram praticados pelos concorrentes faltosos na sequência do ilegal convite referido em a);
c) A condenação da Entidade Demandada a retomar o procedimento de Concurso Público CP_01…../2018 e proceder à análise e avaliação das propostas em conformidade com as regras regulamentares e legais aplicáveis, a excluir as propostas das Contrainteressadas “D…………., Lda.” e “C…………., Lda.”, por não conterem o DEUCP legalmente exigido, e a adjudicar a proposta da Autora.

4. Na sequência de ter, entretanto, ocorrido a caducidade do ato de adjudicação à Contrainteressada “C…………, Lda.”, por falta de apresentação dos documentos de habilitação e de prestação de caução, não foi celebrado o contrato e, após pronúncia das partes, o TAF do Funchal concluiu pela inutilidade superveniente da lide quanto à impugnação do ato de adjudicação.

5. Por sentença do TAF do Funchal de 18/5/2019 (cfr. fls. 1801 e segs. SITAF) foi a ação intentada pela Autora ora Recorrente julgada procedente e, em consequência, condenada a Entidade Demandada a adjudicar, no procedimento em causa, a proposta apresentada por aquela.

E julgou improcedente a ação relativa ao processo apenso (358/18.5BEFUN).

6. Inconformada com esta sentença, A Entidade Demandada interpôs dela recurso de apelação para o TCAS, pedindo a sua revogação. A Autora, ora Recorrente, para além de ter contra-alegado sustentando a sentença recorrida, apresentou recurso subordinado.

7. Por Acórdão de 18/12/2019 (cfr. fls. 2327 e segs. SITAF), o TCAS concedeu provimento ao recurso principal (interposto pela Entidade Demandada), negou provimento ao recurso subordinado (da Autora, ora Recorrente) e revogou a sentença recorrida na parte em que determinara a exclusão da proposta apresentada pela concorrente “D…………., Lda.” e que, em consequência, condenara a Entidade Demandada a adjudicar a proposta apresentada pela Autora, ora Recorrente, assim julgando a presente ação improcedente.

8. Agora inconformada com este julgamento do TCAS veio a Autora “A……….., Lda.” interpor o presente recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo, terminando as alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 2392 e segs. SITAF):

«Sobre a admissibilidade do recurso

1ª – Nos termos do nº 1 do artigo 150° do CPTA, existem dois requisitos alternativos que justificam a admissão do recurso, questão que pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou, necessidade clara de admissão do recurso jurisdicional para uma melhor aplicação do direito, sendo que no caso em apreço verificam-se ambos os pressupostos.

2ª – Nos autos em apreço, verificam-se os dois pressupostos para a admissão da presente revista excecional.

Quanto ao primeiro pressuposto,

3ª – Entende-se que a revista deve ser admitida «pelo interesse geral e susceptibilidade de vir a colocar-se no futuro e relativamente à qual este STA não teve ainda oportunidade de se pronunciar.» (Acórdão nº 02150/17.5BELSB, de 11 de janeiro de 2019 do STA).

4ª - Também deve ser admitida a revista sempre que «conjugue múltiplas e complexas quaestiones juris» relacionadas com a contratação pública – mais particularmente, conexas com várias causas de exclusão de propostas e com diversos problemas acerca da submissão de documentos à plataforma electrónica – por se tratar de assuntos juridicamente relevantes e repetíveis em inúmeros dissídios.»; (Acórdão do STA, nº 0742/17, de 6 de julho de 2017; Acórdão nº 0742/17, de 6 de julho de 2017).

5ª – No caso, são várias as questões complexas relacionadas com a contratação pública e com causas de exclusão, com possibilidade de replicação e que ainda não foram objeto de pronúncia por parte do STA e têm que ver com a falta de apresentação do Documento Europeu Único de Contratação Pública, com a suficiência ou insuficiência dos poderes de representação e vinculação conferidos por procuração e, ainda, com a habilitação para o exercício da atividade.

6ª - Uma das questões que se embrenha no presente recurso e cuja complexidade demanda a intervenção do STA, é saber se a falta de apresentação do DEUCP com a proposta configura a preterição de uma formalidade essencial.

7ª – Não obstante, o STA já se ter pronunciado quanto a este tema do DEUCP, a verdade é que aqui, para além de se enxertarem questões que não foram ainda enfrentadas pela jurisprudência e, como tal, merecem o douto contributo jurisprudencial do STA, também, atualmente assiste-se à divergência na doutrina sobre esta concreta questão do DEUCP, e que pode ser verificado pelo estudo de Gonçalo Guerra Tavares (publicado no Comentário ao CCP) e pelo artigo de Luís M. Alves e José Carlos Coelho (publicado na Revista de Direito Administrativo, Janeiro-Abril 19, n.° 4, da AAFDL Editora), sendo que estes dois últimos Autores defendem que o Júri deve propor a exclusão da proposta.

Por isso,
8ª - É fundamental, atento o impacto e a relevância que o DEUCP assumirá nos procedimentos de contratação pública (é o primeiro documento interoperável e que demonstra a aposta da Comissão Europeia na evolução tecnológica dos procedimentos) que o STA responda se o DEUCP apenas visa comprovar factos ou qualidades anteriores à data da apresentação da proposta ou se congrega factos, elementos, escolhas, decisões do operador (como o caso da subcontratação) que não são averiguáveis antes da apresentação da proposta e se o recurso ao suprimento de irregularidades da proposta (artigo 72º n.° 3 do CCP) não viola o Direito da União (Diretiva 2014/24/UE e Regulamento de Execução (UE) 2016/7, da Comissão, de 5 de janeiro), a jurisprudência do TJUE (em particular de Manova) e o princípio da igualdade de tratamento dos operadores económicos.

E, por fim,
9ª - Que informe os operadores económicos acerca da amplitude do regime do suprimento de irregularidades das propostas, atenta a utilização e a relevância que este recente regime tem assumido nos procedimentos de contratação pública.

10ª – Também se justifica a admissão da revista sobre este tema em virtude de nele se congregar várias legislações (nacionais e comunitárias), designadamente, o Código dos Contratos Públicos, a Diretiva 2014/24/UE e o Regulamento de Execução 2016/7, de 5 de janeiro e, ainda, a própria jurisprudência do TJUE (quanto ao suprimento de irregularidades) e, que inclusivamente apelam a análise deste tema à luz das normas do Direito da União através do reenvio prejudicial.

11ª – Justifica-se a também a intervenção do STA para que responda se é necessário que uma procuração no âmbito da contratação pública seja emitida «ad hoc», ou seja, para aquele concreto procedimento, portanto, apenas depois de publicado o anúncio em diário da república, sob pena de violação da jurisprudência do STA e do princípio da pessoalidade da gerência.

12ª – Em caso negativo, pretende-se que o STA se pronuncie sobre quais os critérios que devem ser tidos em conta para se poder considerar que uma procuração foi emitida «ad hoc» e, de qualquer modo, se no âmbito da contratação pública, para que se observe o regime estatuído no nº 4 do artigo 57º do CCP, a mesma tem que conter expressamente a menção aos poderes de vinculação, e em caso de omissão, se tal determina a exclusão da proposta, nos termos da alínea e) do nº 2 do artigo 146.° do CCP.

Ademais,
13ª – No caso em concreto, está também em causa a falta de habilitação para o exercício da atividade e que não foi ainda objeto de qualquer pronúncia por parte do STA, sendo que esta matéria foi ainda objeto de divergência nas instâncias recorridas.

14ª – Trata-se de uma matéria com elevado potencial de repetição no futuro e que, por isso, impõe que o STA responda se o objeto social constitui uma condição para a apresentação da proposta e se a falta de habilitação (atento o objeto social e os códigos CAE associados) configura uma causa de exclusão da proposta ou, pelo contrário, se respeita à habilitação, nos termos do artigo 81º do CCP.

15ª – É igualmente relevante, que os Venerandos Conselheiros norteiem os operadores quanto ao grau de exigência na ligação entre o objeto social do concorrente e o concreto objeto do procedimento a que pretende apresentar proposta, bem como, quanto à obrigatoriedade (ou não) do objeto social (e respetivos códigos CAE) compreender a atividade de comércio a retalho, no caso dos procedimentos cujo objeto respeita ao fornecimento de bens, atenta a figura do Estado consumidor.

Quanto ao segundo pressuposto,
16ª – O STA entendeu que «A admissão para uma melhor aplicação do direito tem tido lugar relativamente a matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação, vendo-se a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo, isto é, que o recurso não visa primariamente a correcção de erros judiciários.» (Acórdão do STA nº 0376/13, de 4 de abril de 2013).

17ª – No caso sub judice verificou-se uma manifesta divergência quer no sentido das próprias decisões, quer na própria fundamentação das decisões e, ainda, quanto ao acórdão recorrido, este violou diretamente jurisprudência proferida pelos tribunais superiores sobre situações semelhantes.

Em primeiro lugar,
18ª – Os tribunais recorridos decidiram em sentido contrário, tendo em primeira instância, sido julgada a exclusão da proposta da Contrainteressada D…………, Lda. e a Recorrida sido condenada na adjudicação do contrato à proposta da Recorrente e no TCAS, este julgou totalmente improcedente a ação interposta pela aqui Recorrente.

19ª – Em segundo lugar, os tribunais recorridos decidiram de forma diametralmente oposta quanto a uma das causas de exclusão da proposta da Contrainteressada D……….., Lda., tendo o TAF do Funchal entendido que os Códigos CAE associados ao objeto social desta não compreendiam a atividade de fornecimento de paletes de madeira, ao passo que o TCAS entendeu que, quer o objeto social, quer os códigos CAE associados possibilitavam o exercício daquela atividade, tendo a final julgado improcedente o referido vício da proposta.

20ª - Por fim, o acórdão do TCAS está em manifesta oposição com a jurisprudência e entendimento do STA, no que diz respeito à necessidade de a procuração ter que ser emitida «ad hoc», ou seja, para um concreto procedimento "'«Nas sociedades por quotas, tais representantes são os gerentes, e é errado supor que estes, por procuração, podem abdicar de facto da gerência, transferindo para outrem poderes de gestão que estatutária e legalmente lhes incumbem – o que se oporia ao princípio da pessoalidade da gerência e ao correspectivo regime da responsabilidade dos gerentes para com a sociedade e os sócios. O que, todavia, não exclui que os gerentes duma sociedade por quotas possam fazer-se substituir, «ad hoc», por um procurador na expressão da sua prévia vontade de contratar.» (Acórdão do STA nº 040/14, de 9 de abril de 2014).

21ª – E, ainda, em contradição com o acórdão de admissão da revista do acórdão transcrito acima, datado de 13 de fevereiro de 2014 «Em face do exposto, não acompanhamos o discurso jurídico fundamentador sustentado pelo Tribunal a quo, no tocante à distinção entre actos de administração ordinária e extraordinária porque não vem ao caso, pois a finalidade jurídica da atribuição de poderes de representação para efeitos de contratação eletrónica na procuração em causa na alínea C do probatório, carregada na plataforma da entidade adjudicante ora Recorrente que lançou o procedimento concursal a que se reporta a alínea A do probatório, evidentemente que há-de ser a prática de actos jurídicos em nome e representação da sociedade representada e ora Recorrida no domínio daquele concreto procedimento pré-contratual e não noutro qualquer.»

22ª – Uma vez que as instâncias recorridas decidiram de forma diversa e, uma vez que, o acórdão recorrido se encontra em contradição com jurisprudência do STA, entende a Recorrente que a admissão da revista é, de facto, necessária para uma melhor aplicação do direito, de forma a dilucidar e a resolver de forma plena e consolidada as matérias complexas que aqui se discutem (acórdão nº 0997/16.9BELRA, de 9 de novembro de 2018 do STA) «Por fim, dir-se-á que as instâncias divergiram frontalmente na resolução deste caso, o que reforça a necessidade da admissão da revista para mais esclarecida aplicação do direito.»

23ª – Assim, as questões a apreciar pelo STA são as seguintes:
1. A falta de apresentação do Documento Europeu Único de Contratação Pública configura a preterição de formalidade essencial ou não essencial?
1.1 O DEUCP visa exclusivamente comprovar factos e a atestar qualidades anteriores à data da apresentação da proposta ou do documento resultam factos, elementos, escolhas e decisões do operador (como o caso da subcontratação) que antes da apresentação da proposta não são averiguáveis?
1.2 O recurso ao suprimento de irregularidades das propostas, neste caso, não viola o Direito da União (Diretiva 2014/24/UE e Regulamento de Execução (UE) 2016/7, da Comissão, de 5 de janeiro), a jurisprudência do TJUE, em particular, o acórdão de Manova, e o princípio da igualdade de tratamento dos operadores económicos?
1.3 Por fim, qual a amplitude do regime do suprimento de irregularidades das propostas,
previsto no nº 3 do artigo 72º do CCP?
2. A procuração outorgada para efeitos da contratação pública, tem que ser emitida ad hoc,
ou seja, para o concreto procedimento em que se pretende apresentar a proposta, portanto, depois de publicado o anúncio em Diário da República, sob pena de violar a jurisprudência do STA?
2.1 Não o sendo (ad hoc), a procuração não viola o princípio da pessoalidade da gerência? 2.2 Nesse caso, então, quais são os critérios, os parâmetros para que se possa considerar que a procuração no âmbito da contratação pública foi emitida «ad hoc»? O prazo, um
determinado objeto, como por exemplo, a área das paletes, a área alimentar, etc.?
2.3 A procuração no âmbito da contratação pública deve conter expressamente, por força do n° 4 do artigo 57º do CCP, a menção aos poderes de vinculação?
2.4 Não contendo, a proposta deve ser excluída, por força da alínea e) do nº 2 do artigo 146.°
do CCP?
3. O objeto social constitui uma condição inelutável para a apresentação de proposta?
3.1 A falta de objeto ou de código de atividade económica (CAE) em face do concreto objeto
do procedimento constitui causa de exclusão da proposta, por violação do bloco da legalidade, nos termos da alínea f) do nº 2 do artigo 70º do CCP?
3.2 Em sentido negativo, reconduz-se apenas à fase da habilitação documental, nos termos do artigo 81º do CCP?
3.3 Qual o grau de exigência da relação entre o objeto social da sociedade comercial concorrente e o concreto objeto do procedimento?
3.4 Por último, a entrega/fornecimento de um bem ao Estado consumidor não impõe a necessidade de os concorrentes possuírem no seu objeto social e nos códigos CAE associados, a atividade de comércio por retalho?

Sobre o fundo

Da falta de apresentação do Documento Europeu Único de Contratação Pública

24ª – Ao contrário do que defendem as instâncias recorridas, a falta de apresentação do DEUCP não configura a preterição de formalidade não essencial, na medida em que, para além de o referido documento ser exigido pela Diretiva 2014/24/UE (artigo 59°) e pelo Regulamento de Execução (UE) 2016/7, de 5 de janeiro, o artigo 57º, n° 6 do CCP, prevê a apresentação do DEUCP em substituição do anexo I, e a sua falta é sancionada com a exclusão da proposta, nos termos da alínea d) do nº 2 do artigo 146º do CCP – entendimento esse que também foi partilhado pelos próprios Venerandos Desembargadores do TCAS.

25ª - Como defendem os Autores Luís M. Alves e José Carlos Coelho «A não submissão da proposta constituída, ergo, pelo DEUCP obriga o júri do procedimento a propor a exclusão da proposta, nos termos do disposto no artigo 146 n° 2, alínea d) do CCP.» (Cfr. Os Autores in Revista de Direito Administrativo, Janeiro-Abril 19, nº 4, AAFDL Editora, pág. 73).

26ª – Portanto, nos procedimentos com publicidade internacional o Anexo I é substituído pelo DEUCP e o é em todos os seus efeitos, inclusivamente, quanto à sanção a empregar em caso de falta de apresentação, sendo uma substituição imperativa e integral, tudo se passando como a partir dali o DEUCP integrasse a própria alínea a) do no nº 1 do artigo 57° do CCP.

27ª – Para além de não configurar a preterição de formalidade não essencial, também não se limita apenas a atestar factos/qualidades anteriores à data da apresentação da proposta, sendo um desses factos – por exemplo - o recurso à subcontratação (o que neste caso, ainda mais relevante se poderia tornar, uma vez que a Contrainteressada não possui objeto social nem os códigos CAE exigidos para o exercício da atividade de fornecimento de paletes e, não sendo apresentado o DEUCP dentro do prazo fixado para a apresentação de propostas, não é possível ter conhecimento sobre aquele concreto facto àquela data).

28ª - Para além da subcontratação, existem outras realidades que podem ser extraídas do DEUCP e que só são passíveis de ser conhecidas com a apresentação do DEUCP dentro do prazo fixado para a apresentação de propostas, e entre outros, a dimensão da empresa, se está inscrita numa lista oficial de operadores aprovados, se é uma empresa social, se lhe são aplicáveis motivos de exclusão que não constam do conteúdo do anexo I.

Pelo que,
29ª - Por também não resultarem do anexo I (que foi apresentado ao invés do DEUCP) vários factos e elementos que integram o DEUCP, como se demonstrou, não se mostra assegurado o fim visado com a exigência de apresentação do DEUCP e, como tal, a referida formalidade (essencial) não se degradou - ainda que por mera hipótese de defesa - em formalidade não essencial.

30ª – Nas palavras de Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira «Existirá assim uma situação de
irrelevância (substantiva) do vicio de procedimento sempre que, e na medida em que, os fins específicos que a imposição legal ou regulamentar da formalidade visava atingir tenham sido comprovadamente alcançados, no caso concreto, ainda que por outra via.» (Cfr. Os Autores in Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, Almedina, 2011, pág. 247).

Caso assim não se entenda,
31ª – Sempre a apresentação do DEUCP - após o termo do prazo de apresentação de propostas – originava a apresentação de escrito que não se destinava a confirmar factos já presentes à data de apresentação de propostas violando, assim, o último segmento do nº 3 do artigo 72º do CCP e a própria jurisprudência do TJUE.

32ª – Como se entendeu em Manova A/S «Assim, a entidade adjudicante pode pedir que os dados que constam de tal dossiê sejam pontualmente corrigidos ou completados, desde que esse pedido se refira a elementos ou dados, como o balanço publicado, cuja anterioridade relativamente ao termo do prazo fixado para apresentar a candidatura seja objetivamente averiguável.» (O caso inscrito no processo de Manova foi precisamente o contrário do que sucede no caso dos autos, já que o documento – Balanço - já existia à data de apresentação da proposta).

33ª – Para além de não se limitar a atestar factos/qualidades anteriores à data da apresentação da proposta, ao contrário do documento que estava em causa neste acórdão do TJUE (balanço financeiro que se entra publicado independentemente de qualquer procedimento), o DEUCP não existe independentemente do procedimento, pois, o mesmo visa responder às concretas exigências do procedimento em causa.

Assim,
34ª – E, suportando-nos nas palavras dos Autores Luís M. Alves e José Carlos Coelho «Por fim, levantam-se-nos ainda duas outras questões muito pertinentes no âmbito da temática em análise, (...) e a outra a de aquilatar as consequências (de exclusão) no caso do concorrente em sede de concurso público com publicidade internacional, em vez de apresentar o DEUCP, apresenta os anexos I e V (…) Ora, no primeiro caso, importa considerar que comportando o DEUCP mais informação, será de excluir o concorrente que apresente os Anexos I e V.» (Cfr. Os Autores in Revista de Direito Administrativo, Janeiro-Abril 19, nº 4, AAFDL Editora, pág. 75).

35ª – Por fim, é fundamental uma tomada de posição do STA que mostre aos operadores económicos e às entidades adjudicantes a relevância do DEUCP e, portanto, que se coadune com a enorme aposta da comunidade europeia quanto a este documento, seja pelo impacto que este documento tem para esta em termos estatísticos, designadamente, quanto à relevância das informações que são transmitidas, seja pela prossecução do objetivo de tornar os procedimentos de contratação pública cada vez mais tecnológicos e eficientes, uma vez que o DEUCP é o primeiro documento interoperável nos procedimentos adjudicatórios.

36ª – Por todo o exposto, a proposta apresentada pela Contrainteressada D……….., Lda. tem que ser excluída, nos termos da alínea d) do nº 2 do artigo 146º do CCP, por falta de apresentação do Documento Europeu Único de Contratação Pública, não sendo admissível o recurso ao regime contido no nº 3 do artigo 72º do CCP, sob pena de violação do Direito da União, da Jurisprudência do TJUE e do próprio CCP, uma vez que a falta de apresentação do DEUCP não configura a preterição de formalidade não essencial e nem se limita a atestar/comprovar factos anteriores á data de apresentação da proposta.

Da falta de habilitação para o exercício da atividade

37ª – Nos termos da cláusula 1ª do Caderno de Encargos, o objeto é constituído pelo «fornecimento de paletes de madeira de pinho com tratamento fitossanitário, para o acondicionamento e transporte de caixas contendo Banana da Madeira» e, portanto, contrariamente ao referido no douto acórdão, não visa o fornecimento de paletes de madeira para o acondicionamento de bananas, mas sim, o acondicionamento e transporte de caixas contendo bananas da Madeira.

38ª – As paletes servem para facilitar e otimizar o transporte das mercadorias, sendo inclusivamente transversal a todo o sistema de transportes e independentemente do tipo de mercadoria, ou seja, independentemente de se tratar de bananas ou de qualquer outro bem e, portanto, não se cinge ao minimamente ao transporte de bananas da madeira.

Por isso,
39ª – As paletes de madeira não têm qualquer ligação com atividades agrícolas ou com serviços relacionados com atividades agrícolas, pois, para além de não se cingir apenas ao transporte de caixas contendo bananas ou outros produtos alimentares, inserem-se na secção C dos códigos de atividade, ou seja, nas indústrias transformadoras (fabricação de paletes), ao passo que os serviços relacionados com atividades agrícolas inserem-se na secção A.

40ª – Sendo certo, que da leitura das atividades descritas no código CAE indicado pela Contrainteressada (0161) verifica-se, à saciedade, que nenhuma das atividades permite – nem sequer por hipótese ou aproximadamente - integrar a atividade de fornecimento de paletes de madeira.

Para além do mais,
41ª – Também contrariamente ao defendido no douto acórdão, a previsão no objeto social (e seu código CAE associado – 46610) da comercialização e distribuição de equipamentos e acessórios agrícolas não permite integrar a atividade de fornecimento de paletes de madeira, pois, o mesmo está pensado para o fornecimento de máquinas e equipamentos agrícolas, o que, não é naturalmente o caso das paletes de madeira.

Posto que,
42ª – Tal como havia sido decidido em primeira instância, a Contrainteressada D…………, Lda. não dispõe manifestamente de objeto social (nem códigos CAE associados) para executar o objeto do contrato, sendo tal uma condição essencial para a apresentação da proposta, sob pena de exclusão, nos termos da alínea f) do nº 2 do artigo 70º do CCP, pois do seu objeto não consta a atividade de fornecimento de paletes de madeira, sendo certo, que estando perante o Estado consumidor, sempre deveria prever no seu objeto (e respetivo código CAE) a atividade de comércio a retalho.

Da falta de poderes de representação e vinculação do representante da sociedade

43ª – Na esteira do que foi entendido pelo STA «nas sociedades por quotas, tais representantes são os gerentes; e é errado supor que estes, por procuração, podem abdicar de facto da gerência, transferindo para outrem os poderes de gestão que estatutária e legalmente lhes incumbem - o que se oporia ao princípio da pessoalidade da gerência e ao correspectivo regime da responsabilidade dos gerentes para com a sociedade e os sócios. O que, todavia, não exclui que os gerentes duma sociedade por quotas possam fazer-se substituir, "ad hoc", por um procurador na expressão da sua prévia vontade de contratar.» (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo nº 040/14, de 9 de abril de 2014)

44ª – Em sede de admissão da revista, o STA havia entendido que «Em face do exposto, não acompanhamos o discurso jurídico fundamentador sustentado pelo Tribunal a quo, no tocante à distinção entre actos de administração ordinária e extraordinária porque não vem ao caso, pois a finalidade jurídica da atribuição de poderes de representação para efeitos de contratação eletrónica na procuração em causa na alínea C do probatório, carregada na plataforma da entidade adjudicante ora Recorrente que lançou o procedimento concursal a que se reporta a alínea A do probatório, evidentemente que há-de ser a prática de actos jurídicos em nome e representação da sociedade representada e ora Recorrida no domínio daquele concreto procedimento pré-contratual e não noutro qualquer.» (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo nº 040/14, de 13 de fevereiro de 2014)

45ª – Ora, atento o conteúdo da procuração emitida a favor do representante da Contrainteressada D…………, Lda., verifica-se que a mesma não foi emitida «ad hoc», afrontando manifestamente o princípio da pessoalidade da gerência, uma vez que não foi outorgada para um determinado ato ou conjunto de atos, mas sim para um sem número de atos, sem qualquer limitação de conteúdo ou de tempo, revelando um total alheamento dos gerentes da função para a qual foram designados.

Acresce que,
46ª – A procuração não foi emitida para um fim específico, ou seja, não foi emitida para um concreto procedimento, o que só poderia ser possível assegurar caso a mesma tivesse sido emitida depois de o anúncio de concurso ter sido publicado em Diário da República, o que não sucedeu, uma vez que a procuração foi outorgada em janeiro de 2015.

47ª – Resulta também do teor da procuração, que a mesma não confere os necessários poderes para a subscrição do DEUCP, uma vez que a mesma foi emitida em janeiro de 2015, ou seja, antes de ter sido disponibilizado o formulário-tipo do DEUCP, sendo que o mesmo congrega informações que só poderiam ser assumidas e respondidas pelos seus representantes legais ou por procurador munido expressamente de poderes para o efeito, o que não ocorreu.

Por fim,
48ª – Não foram conferidos os poderes para obrigar a sociedade, tal como exigido pelo n.° 4 do artigo 57º do CCP, pois, da procuração apenas consta a menção a «representar a sociedade», mas já não para a obrigar, violando assim a jurisprudência do STA, segundo a qual «I – A procuração, emitida pelos gerentes de uma sociedade a favor de um sócio dela, que conferiu ao procurador os poderes necessários para representar a sociedade para efeitos de contratação electrónica» destinava-se a atribuir a esse procurador – titular da assinatura digital de que a sociedade carecia – o «poder de representação e assinatura» a que alude o art. 27°, n° 3, da Portaria n° 701-G/2008, de 29/7.
II – Assim, tal procuração cingia-se à função de submeter documentos na plataforma electrónica onde correria o procedimento pré-contratual, não conferindo ao procurador o poder de, por si, obrigar a sociedade.
III - Se a declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, cujo texto fora redigido como se ela emanasse da gerência daquela sociedade, não foi assinada pelos gerentes, tendo sido o dito procurador quem a assinou electronicamente, há que concluir que a mesma sociedade, ao menos nessa altura, não cumpriu o dever imposto no art. 57°, n° 4, do CCP – sendo de revogar o aresto do TCA que decidiu em contrário.» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo nº 040/14, de 9 de abril de 2014)

Em suma,
49ª – Resulta da procuração constante da proposta da Contrainteressada D…………., Lda. a inexistência dos necessários poderes de representação e de vinculação no procedimento em crise, porquanto, não foi emitida «ad hoc» - para o concreto procedimento -, não foi emitida depois de publicado o anúncio em diário da república, não conferiu os exigidos poderes de vinculação, nem os necessários poderes para subscrever o Documento Europeu Único de Contratação Pública e, também porque a mesma viola o princípio da pessoalidade da gerência, pelo que, a proposta apresentada pela Contrainteressada D…………, Lda. teria que ser necessariamente excluída, nos termos da alínea e) do nº 2 do artigo 146º do CCP».

9. A Entidade Demandada, ora Recorrida, “B………., Lda.” apresentou contra-alegações que terminou com as seguintes conclusões (cfr. fls. 2444 e segs. SITAF):

«Da inadmissibilidade da revista excecional

1. Apesar do esforço da recorrente é manifesto que as questões suscitadas, não se revestem de relevância jurídica e social, nem postulam uma melhor aplicação do direito ao caso.

2. A recorrente cria uma aparente mas inexistente complexidade de questões que no seu entender justificam a admissibilidade da revista excecional, sendo certo que não basta, para o efeito, alegar uma mera discordância com o decidido, como resulta das suas conclusões.

3. A apresentação do Anexo I-M, exigida pelo PP, em vez do DEUCP, num concurso internacional, e a sua subsequente apresentação na sequência do suprimento de propostas, configura uma questão simples e pacífica, decidida de forma unânime pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, designadamente TACS (acórdão de 10.05.2018, Proc. N.º 1061/17.9BELSB), TACN (acórdão de 01.03.2019) e por este Digníssimo Supremo Tribunal (acórdão de 11.09.2019, Proc. 0829/18.3BEAVR).

4. Acresce que, sedimentadas que estão as alterações ao CCP, efetuadas pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2008, de 29 de janeiro, trata-se de uma questão em vias de extinção, cujas possibilidades de repetição são escassas para não dizer nulas.

5. A questão da falta de poderes de representação foi decidida pela primeira e segunda instância de forma consonante e pacífica, sendo matéria essencialmente factual e juridicamente simples.

6. O mesmo se alega quanto à alegada falta de habilitação para o exercício da atividade, cuja apreciação decorre da factualidade assente e foi bem decidia pelo Tribunal a quo.

Sem prescindir,

Da manifesta improcedência da revista excecional

7. O douto Acórdão recorrido julgou corretamente e de modo irrepreensível a improcedência dos fundamentos invocados pela recorrente para a exclusão da proposta da contrainteressada D…………, Lda., referentes à falta de apresentação do DEUCP, à alegada falta de habilitação para a atividade e à alegada falta de poderes de representação e vinculação.

Vejamos,

- Da alegada falta de apresentação do DEUCP

8. Nos presentes autos não está em causa a falta ou omissão pura e simples do DEUCP mas sim a apresentação do Anexo I-M, exigido pelo PP, em vez daquele documento e a sua posterior apresentação em sede de suprimento de propostas.

9. O que significa que não está em causa simplesmente a falta de um documento da proposta mas sim a apresentação de um documento em vez de outro (de conteúdo essencial semelhante), por estar em causa um concurso com publicidade internacional.

10. A questão da legalidade e validade do convite ao suprimento efetuado pelo júri para a apresentação do DEUCP aos concorrentes que apresentaram o Anexo I-M, impõe que se atenda ao regime jurídico do suprimento de propostas, previsto no art. 72.º do CCP, o qual constitui uma consagração no Direito Nacional do regime de sanação previsto no n.º 3 do art. 56.º da Diretiva 2014/24/EU sobre contratos públicos.

11. A ratio legis do regime do suprimento de propostas visa evitar exclusões desproporcionais e lesivas para os operadores económicos e para o próprio interesse público das entidades adjudicantes subjacente ao direito contratual público que visa adquirir bens e serviços com o menor custo possível para o erário público num ambiente de livre e salutar concorrência.

12. O atual regime do suprimento de propostas resume-se aos seguintes aspetos essenciais:
a) O suprimento de propostas constitui um verdadeiro dever imposto ao júri e não uma opção/faculdade.
b) O suprimento deve ser satisfeito no prazo máximo de 5 dias.
c) Só pode ser objeto de suprimento da proposta a preterição de formalidades não essenciais, o que constitui o recurso a um conceito jurídico geral, indeterminado e abstrato e a um regime de atipicidade de situações suscetíveis de suprimento, incluindo-se, a titulo exemplificativo, naquela categoria de formalidades não essenciais as que respeitem a documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data da apresentação da proposta ou da candidatura.
d) O suprimento não pode afetar a concorrência e a igualdade de tratamento.

13. A legalidade e validade do convite ao suprimento das propostas aos concorrentes que apresentaram o Anexo I-M em vez do DEUCP pressupõe que “ante omnia” se proceda à caraterização da preterição da formalidade em causa como sendo ou não essencial.

14. A apresentação do Anexo I-M em vez do DEUCP configura, nitidamente, uma irregularidade não essencial passível de suprimento, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 72.º do CCP.

15. A essencialidade de determinada formalidade deve ser objeto de uma ponderação casuística e circunstancial, sendo fundamental percecionar a sua ratio, os interesses que pretende acautelar e se o seu suprimento colide com a concorrência e igualdade de tratamento dos concorrentes.

16. Não estão causa documentos referentes a atributos ou que digam respeito a termos ou condições referentes a aspetos da execução do contrato submetido ou não à concorrência.

17. A substituição do Anexo I-M pelo DEUCP visa unicamente reduzir encargos administrativos com a obtenção de certificados, conforme decorre dos considerados do Regulamento de Execução (EU) 2016/7 da Comissão de 5 de janeiro de 2016.

18. Estão em causa documentos, essencialmente destinados a confirmar factos ou qualidades dos concorrentes anteriores à data da apresentação das propostas, suscetíveis de serem comprovados com a apresentação de qualquer um deles e em sede habilitação.

19. Está em causa um vício formal ad probationem e não um vício substancial ou ad subtantiam.

20. O n.º 3 do art. 72.º do CCP, ao invés do n.º 2, não exclui do dever de suprimento das propostas as matérias referentes a atributos, nem as que poderiam conduzir à exclusão das propostas, assim o aponta os elementos literal, teleológico e sistemático da hermenêutica jurídica.

21. No caso sub judice não está em causa a falta de documentos referentes a atributos ou de documentos referentes a aspetos da execução do contrato não ou submetidos à concorrência, mas apenas a apresentação de um documento em vez do outro, cujos conteúdos são, no essencial, semelhantes e as diferenças insignificantes, sendo certo que no Anexo I-M, vai-se mais longe no que respeita à declaração de vinculação e de aceitação do concorrentes ao CE.

22. Na verdade, no DEUC pede-se informações sobre a publicitação (n.º do anúncio), o que é irrelevante para o que está em causa, sendo inquestionável que tal informação é pública e do conhecimento da R. e de todos os concorrentes, mediante consulta do DR e do JOUE.

23. No DEUCP pede-se informações sobre o procedimento; no Anexo I-M, consta a identificação do procedimento.

24. No DEUCP pede-se informações sobre o operador económico; no Anexo I-M e noutros documentos das propostas de todos os concorrentes, maxime da certidão permanente do registo comercial, constam as informações essenciais (denominação/NIPC/Sede/objeto, capital social, sócios e gerentes) do concorrente.

25. No DEUCP pede-se informações sobre se é possível ao concorrente apresentar documentos para comprovar o pagamento de impostos e contribuições através de bases de dados de consulta gratuita; no Anexo I o concorrente declara não esta em incumprimento e assume o compromisso de comprovar, em sede da apresentação dos documentos de habilitação, a regularidade de todas estas obrigações.

26. No DEUCP pede-se informações sobre o representante do operador; no Anexo I-M, consta a identificação do representante do concorrente, bem como noutros documentos (procurações e certidões do registo comercial).

27. No DEUCP pede-se informações sobre o recurso a capacidades de outras entidades; irrelevante para a apreciação e avaliação da proposta.

28. No DEUCP pede-se informações sobre a intenção de subcontratar; é irrelevante, sendo certo que o CCP e o CE preveem regras sobre a subcontratação, que têm relevância em sede de execução do contrato e não na fase da análise das propostas.

29. No DEUCP pede-se informações sobre os motivos de exclusão (relacionados com contraordenações penais, pagamento de impostos e contribuições para a segurança social, insolvências e conflitos de interesses e faltas graves em matéria profissional); no Anexo I-M, consta todas estas declarações por remição para o art. 55.º do CCP, bem como pela obrigação de apresentar os documentos de habilitação, quando tal lhe for solicitado, para comprovar as declarações.

30. No DEUCP pede-se informações sobre o preenchimento dos critérios de seleção; no Anexo I-M consta a declaração de cumprimento de todos os critérios de seleção, bem como do cumprimento de todas as obrigações vertidas na CE e de que o concorrente que irá apresentar os documentos de habilitação a que se refere o art. 81.º.

31. O CCP distingue perfeitamente duas fases distintas, ou seja, a fase da apresentação das propostas e a fase da habilitação dos concorrentes, sendo certo que à luz das normas aplicáveis a apresentação do DEUCP não dispensa os concorrentes de cumprir com a obrigação de apresentação dos documentos de habitação, o que sempre permitiria atingir os fins visados pela norma e concluir, que mesmo existindo algum aspeto que não pudesse ser comprovado por falta de apresentação do DEUCP, tal seria ultrapassado em sede de apresentação dos documentos de habilitação.

32. Por igualdade ou maioria de razão a possibilidade de suprir irregularidades por preterição de formalidades deve ter, no mínimo, o mesmo alcance que a faculdade de pedir esclarecimentos e só não deveria ser possível efetuar quando estivesse em causa formalidades essenciais relativas a atributos e a fundamentos que determinariam a exclusão das propostas à luz da al. a) do n.º 2 do art. 70.º, com remissão para as al. b) e c) do n.º 2 do art. 57.º do CCP e já não pelas razões relacionados com o Anexo I-M e o DEUCP (al. a) do n.º 2 e n.º 6 do art. 57.º do CCP) que configuram formalidades situadas a um nível inferior (não essenciais), especialmente quando estão em causa formalidades referentes a documentos que se limitam confirmar factos pré existentes à apresentação das propostas e foi apresentado um dos documentos em vez do outros, sem violação da concorrência e da igualdade.

33. A ponderação da essencialidade ou não de determinada formalidade deve ser efetuada à margem da respetiva cominação de exclusão da proposta por a sanação da preterição não depender da previsão legal daquela consequência.

34. Entender de outro modo seria esvaziar, reduzir e tornar inócuo o dever de suprimento de propostas de modo ilegal e intolerável, atenta a sua ratio.

35. Por ser incontornável importa mencionar que o suprimento em apreço não violou o princípio da igualdade, que implica, na sua aceção negativa, tratar de modo diferente o que é diferente (como foi o caso, por o convite só se impor efetuar aos concorrentes que não apresentaram o DEUCP mas apresentaram o Anexo I-M) e de tratar o que é igual de modo igual.

36. O suprimento em causa também não atentou contra o princípio da concorrência, no sentido em que deve ser concebido de assegurar a apreciação do maior número de propostas, sem que, através dos aspetos submetidos à concorrência, nenhum dos concorrentes obtenha vantagens e privilégios ilícitos e ilegais (Vide Ac. do TCAN, datado de 29.06.2013, proc. n.º 00592/12.1BEPNF, in www.dgsi.pt; Ac. do STA, de 12.03.2015, proc. 01469/14, in www.dgsi.pt; Ac. do TCAS, de 29.10.2015, proc. 11938/15, in www.dsgsi.pt).

37. Por sua vez, o princípio da legalidade não foi beliscado por estarem preenchidos todos os pressupostos e requisitos legais previstos no n.º 3 do art. 72.º do CCP.

38. Nesta conformidade, o júri ao cumprir com o deve de suprimento da proposta da recorrente prestou tributo ao princípio da concorrência, bem observou um conjunto de princípios fundamentais aplicáveis à contratação pública, designadamente: o princípio da prossecução do interesse público, com proteção dos interesses privados em causa; o principio da boa administração, visto que respeitou-se a eficiência, economicidade e celeridade, sem prejudicar os interesses divergentes; o princípio da proporcionalidade, sendo certo que a exclusão da proposta se revelaria uma medida extremamente desproporcional; o princípio da justiça e da razoabilidade; o princípio da imparcialidade; o princípio da boa-fé e o princípio da colaboração;

39. Ao invés, a não realização do pedido de suprimento e/ou a exclusão da proposta revelar-se-ia como sendo claramente desproporcional, desrazoável, contrária à boa-fé, colaboração e prossecução do interesse público, por ser efetivamente a proposta com melhor preço e ser manifesto que não ocorreu a violação dos princípios basilares da concorrência e da igualdade.

40. É importante registar que a jurisprudência, no que respeita à apresentação do Anexo I em vez do Anexo I-M, que prevê obrigações declarativas fiscais que assumem especial relevo para a RAM, sempre considerou estar em causa uma irregularidade não essencial passível de sanação (Vide Ac. do TCAS, de 02.06.2016, in www.dgsi.pt).

41. No Ac. do TCAS, de 10.05.2018, Proc. n.º 1061/17.9BELSB, consultável in www.dgsi.pt, começou-se a adivinhar o desfecho desta questão, tendo sido assumido que a não apresentação do DEUCP em substituição do Anexo I “(…) Seria sempre uma irregularidade formal não essencial (cf. artigo 72º/3 do CCP; e PEDRO GONÇALVES, Direito…, 2ª ed., I, nº 124, p. 773 ss). – O negrito e sublinhado é nosso.

42. Mesmo que se alegue que está em causa um acórdão proferido num procedimento iniciado antes das recentes alterações ao CCP, em especial à introdução do n.º 6 do art. 57.º do CCP, não se pode descurar que a apresentação do DEUCP, em substituição do Anexo I nos concursos internacionais, por força da aplicabilidade direta das diretivas e do primado do direito comunitário, já era considerada obrigatória.

43. Importa destacar pela sua assertividade e identidade com os factos sub judice a jurisprudência do acórdão do TCAN de 01.03.2019, confirmada por este Digníssimo Supremo Tribunal no acórdão de 11.09.2019, Proc. 0829/18.3BEAVR: “III - A falta de apresentação de “DEUCP” (que apesar de obrigatória não era exigida no programa do concurso) não conduz à imediata exclusão do candidato, apenas implicando o convite ao suprimento de preterição de formalidades não essencial previsto no art. 72° n° 3 do CCP (redação do DL 111-8/2017, de 1/1/2018.”

44. A jurisprudência do TJUE invocado pela recorrente (Acórdão Manova) não se aplica ao caso sub judice, na medida em que naquele caso estava em causa atributos e documentos de análise das propostas e não um caso de suprimento de propostas, referente a documentos confirmativos de factos ou situações dos concorrentes anteriores à apresentação da proposta, mais concretamente a entrega do Anexo I-M, exigido pelo PP, em vez do DEUCP.

45. Por estar em causa uma norma de direito nacional (n.º 3 do art. 72.º do CCP), já objeto de decisões pacíficas pelos Tribunais Portugueses não se justifica recorrer ao reenvio prejudicial.

Sem prescindir,
46. Admitindo por cautela que o pedido de suprimento enferma do vício de violação de lei, sempre seria de recorrer à teoria da degradação de formalidades essenciais em formalidades não essenciais e/ou teoria dos atos inoperante, atualmente consagrada no n.º 5 do art. 163.º do CPA, bem como nos artigos 283, n.º 4 e 283.º-A, n.º 2 a 5 e 285.º do n.º 1 do CCP.

47. A Aplicação desta teoria, para além de se justificar plenamente no caso em discussão de apresentação do Anexo I-M em vez do DEUCP, não colide com nenhum dos basilares princípios da contratação pública, previstos no n.º 1 do art.º 1.º-A do CCP, nem com nenhuma das suas normas.

48. E justifica-se porque está suficientemente alegado e demostrado que o fim visada pela norma procedimental, no que respeita a exigência do Anexo I-M e do DEUCP em sua substituição e/ou em seu complemento, foi sobejamente alcançado com a apresentação de um daqueles documentos e com a apresentação do DEUCP, bem como pela conjugação com os demais documentos constantes da proposta da contrainteressada D…………, Lda., e, ainda, por ser manifesto que na fase da apresentação dos documentos de habilitação e de eventual subcontratação, em face às normas aplicáveis, o resultado e a finalidade estará seguramente garantido na totalidade sem colocar em crise os princípios da concorrência e da igualdade.

49. Para efeitos de aplicabilidade da teoria da degradação, deverá atender-se ao alegado a respeito do conteúdo essencial de ambos os documentos serem semelhantes no que é relevante e significativo para efeitos de apresentação das propostas.

50. Preterição de uma formalidade essencial insuscetível de degradação ou sanação poderia ser a não apresentação de qualquer um deles, mas nunca a apresentação de um em vez do outro.

- Da alegada falta de habilitação para o exercício da atividade

51. O Tribunal recorrido decidiu imaculadamente esta questão.

52. A questão de saber se a contrainteressada D…………, Lda., está ou não habilitada a exercer a atividade de fornecimento de paletes de madeira de pinho com tratamento fitossanitário para o transporte de banana da Madeira, depende da análise jurídica do conceito de objeto social e do regime da Classificação das Atividades Económicas, aprovado
pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro.

53. Para a boa apreciação da matéria de direito importa considerar o facto provado 9. e o facto aditado pelo Acórdão recorrido na sequência da impugnação da matéria de facto, referente ao registo da contrainteressada como operador económico autorizado a proceder ao TRATAMENTO DE MADEIRA E CASCA DE CONÍFERAS E DE MATERIAL DE EMBALAGEM DE MADEIRA, para circulação intracomunitária e exportação para países terceiros.

54. O objeto social da contrainteressada D……….., Lda. comtempla a “Importação, exportação, comercialização e distribuição de equipamentos e acessórios agrícolas e de materiais de construção, designadamente tanques, sistemas de regas, adubos, pesticidas, substratos, consumíveis, sementes, rações para animais e maquinaria em geral. (…). Construção civil e obras públicas.

55. Ao seu objeto social foi associado o CAE principal 0161 - Atividades dos serviços relacionados com a agricultura e os CAE secundários: 4661 Comércio por grosso de máquinas e equipamentos agrícolas; 43992 Outras atividades especializadas de construção diversas, N.E; 46750 Comércio por grosso de produtos químicos.

56. Por sua vez, a entidade adjudicante tem por objeto: “Gestão, administração e exploração dos meios de produção da Banana na Madeira, a sua subsequente distribuição e comercialização e, em especial, a obrigação de prestar apoio à produção, à sua recolha junto do produtor, à sua classificação, embalamento e preparação para o comércio e distribuição (…)”.

57. É óbvio que o fornecimento de paletes de madeira de pinho com tratamento fitossanitário para o transporte de banana da Madeira está comtemplado no objeto social da contrainteressada D…………, Lda., a titulo principal, ou, no mínimo, a titulo acessório ou complementar, bem como está abrangido pela CAE principal de atividades de serviços relacionados com a agricultura e/ou de comercialização/fornecimento de acessórios para fins agrícolas ou de materiais de construção e/ou de construção civil da especialidade de carpintaria ou de fabrico ou montagem de paletes de madeira e respetivo fornecimento.

58. O objeto social constitui um dos elementos do contrato de sociedade e consiste nas atividades que os sócios propõem que a sociedade venha a exercer (al. d) d art. 9.º e n.º 2 do art. 11.º do CSC).

59. Embora seja pacífico, na doutrina e jurisprudência, que o objeto social tenha que ser determinado, o mesmo já não sucede com o respetivo grau de determinação, situação para a qual não existe solução legal.

60. Conforme defende a doutrina “Nada impede uma sociedade de ter um objeto mais ou menos vasto (por exemplo, “importação, exportação e comercialização de uma grande variedade de mercadorias”), um objeto determinado pelo recurso à caraterização de uma atividade e a diversos aspectos em que exemplificadamente a mesma se pode decompor (…).” (Vide Paulo Olavo Cunha, Direito das Sociedade Comerciais, 6.ª Edição, 2016, Almedina).

61. Por sua vez, Raul Ventura, in Objeto da Sociedade e Actos Ultra Vires, R.O.A, (1980), pag. 330, ensina que “enunciado com precisão o objeto e não sendo mencionado qualquer outro como acessório, podem alguns objetos ser implicitamente considerados acessórios daquele e autorizados pelo pacto”.

62. Nesta conformidade, é admissível que uma sociedade tenha um abjeto social principal, suscetível de ser complementado com outros considerados acessórios, quer explícita, quer implicitamente.

63. Constitui um erro e uma incorreção pretender reduzir o conceito de objeto social ao conceito de CAE.

64. O regime da CAE foi concebido para fins essencialmente estatísticos, - vide preâmbulos do Decreto-lei n.º 331/2007, de 14 de novembro e do do Regulamento (CE) n.º 1893/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Dezembro, que aprovou a Nomenclatura das
Actividades Económicas da Comunidade Europeia, Revisão 2.

65. A sua ratio nunca foi a de se sobrepor ou ofuscar o objeto social das sociedades comercias.

66. Em suma: A CAE não substitui, nem pode substituir a função da descrição do objeto da Sociedade fixado pelos sócios no momento da constituição, nos termos do disposto nos artigos 11º n.º 1 e 9º nº 1 al. d) do Código das Sociedades Comerciais, com vista ao exercício de atividades principais e acessórias que não de mera fruição.

67. O objeto social pode comtemplar o exercício de atividades secundarias, acessórias e/ou complementares sem correspondência nas CAE ou sem a respetiva indicação.

68. Atentas as atividades principais da contrainteressada D…………, Lda. de importação, exportação, comercialização e distribuição de equipamentos e acessórios agrícolas e de materiais de construção (a que corresponde a CAE principal de atividades de serviços relacionados com a agricultura), bem como de construção civil, impõe-se concluir que o fornecimento/tratamento,/fabrico/montagem de paletes de madeira com tratamento fitossanitário para o transporte de banana da Madeira, está coberto pelo seu objeto social, na medida em que está em causa uma atividade relacionada com a agricultura e com a sua CAE principal, ou, pelo menos, acessória da sua atividade principal, ou uma atividade da especialidade de construção civil, ou seja, a carpintaria/fabrico/montagem de paletes de madeira.

69. Entender de outro modo seria atentar contra o no n.º 2 do art. 11.º do CSC; a al. f) do n.º 2 do art. 70.º e o Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro.

- Da alegada falta de poderes de poderes de vinculação e vinculação

70. A procuração apresentada pela contrainteressada D…………, Lda. é legal e válida e contém todos os poderes de representação para obrigar e vincular a sociedade em sede de contratação pública, em especial para os efeitos previstos no n.º 4 do art. 57.º do CCP.

71. É um absurdo alegar que poderes de representação para a prática de atos, tal como consta da procuração sub judice, não significa conferir poderes para vincular.

72. A recorrente confunde o regime da representação de gerentes e/ou delegação de poderes/competências de gerentes com o regime da representação de sociedades.

73. Os sócios são soberanos e podem constituir procuradores livremente e sem limitações, ao contrário dos gerentes, conforme decorre dos n.ºs 4 e 5 do art. 252.º, sem prejuízo do n.º 2 do art. 261.º e n.º 6 do art. 252.º do CSC.

74. O princípio da pessoalidade da gerência não impede os sócios de constituírem procuradores, apenas impede que os gerentes, eleitos/designados com base numa deliberação dos sócios, possam, á sua revelia frustrar a relação de confiança, fazendo-se representar ou transmitido os poderes de gerência a terceiros.

75. Decorre da procuração e da certidão permanente que o mandato foi conferido por decisão soberana dos sócios da contrainteressada D……….., Lda, razão pela qual a ratio do princípio da pessoalidade da gerência e da consequente tutela da confiança já não se colocar, nem fazer sentido.

76. Aliás, impedir os sócios e uma pessoa coletiva de celebrar um mandato e constituir procuradores, para além de ilegal seria inconstitucional, atento ao princípio da liberdade de disposição e autonomia contratual.

77. Acolhendo está posição, veja-se o Ac. do TCAN, de 11.05.2018, Proc. n.º 00738/13.2BECBR: “III - Da conjugação dos n.º 5 e 6 do artigo 252.º do CSC resulta estar vedado aos gerentes “fazer-se representar no exercício do seu cargo”, podendo, no entanto, a sociedade constituir procuradores ou mandatários, sendo que os actos praticados por estes se repercutem na esfera jurídica do mandante.”

78. É manifesto que, atendo ao facto provado 11, a procuração confere todos os poderes necessário e suficientes para o procurador representar, vincular e obrigar a contrainteressada no procedimento pré-contratual em causa.

79. Conferir poderes para representar a sociedade, praticar determinados atos e assinar os documentos a eles respeitantes é obviamente conferir podres para vincular e obrigar o mandante.

80. A procuração sub judice confere poderes para assinar todos os documentos da proposta, sendo irrelevante que os mesmos variem, como aliás é natural, de procedimento para procedimento, consoante o que é exigido pelas peças dos procedimentos e pela lei.

81. O facto de a procuração ter sido emitida e conferir os poderes, tal como dela constam, antes da exigência expressa da apresentação do DEUCP em substituição do Anexo I-M, é irrelevante e não a invalida, bem como não impede que o procurador possa assinar os documentos que vão sendo exigidos ao longo do tempo, contando que a procuração lhe confira, como é o caso, os poderes para representar, vincular e obrigar a mandante e assinar todos os documentos da proposta.

82. A procuração outorgada pelos sócios não tem de ser conferida “ad hoc” podendo ser conferida para representar a sociedade em procedimentos, sem individualizar, desde que contenha os poderes de representação e vinculação para a prática dos atos necessários efetuar.

83. Exigir uma procuração para cada procedimento, para além de ilegal, seria limitativo da vida das sociedades, desproporcional e desrazoável».

10. O presente recurso de revista foi admitido pelo Acórdão de 7/5/2020 (cfr. fls. 2549 e segs. SITAF) proferido pela formação de apreciação preliminar deste STA, prevista no nº 5 do art. 150º do CPTA, designadamente nos seguintes termos:

«(…) Na presente revista a Recorrente pretende discutir: i) a falta ou omissão de apresentação do Documento Europeu Único de Contratação Pública (DEUCP) e a admissibilidade de apresentação posterior; ii) a falta de habilitação para o exercício da actividade; iii) a falta de poderes de representação e vinculação de representante.

O TAF do Funchal por sentença de 18.05.2019 julgou procedente a acção dos presentes autos (está apenso o proc. nº 358/18.5BEFUN) e condenou a entidade demandada a adjudicar a proposta apresentada pela autora; julgou a acção correspondente ao processo apenso improcedente e absolveu a entidade demandada e contra-interessados dos pedidos.

Por sua vez o acórdão recorrido julgou não se verificar a causa de exclusão da proposta — falta de habilitação para o exercício da actividade — detectada na sentença.

Considerou ainda, concordando com a 1ª instância, que a falta de apresentação do DEUCP com a proposta era sanável, não sendo motivo de imediata exclusão. E, finalmente, que a concorrente D…………, Lda. estava representada e vinculada por representante com poderes para tal.

Como se vê as instâncias decidiram de forma não coincidente quanto à questão suscitada no recurso principal [falta de habilitação para o exercício da actividade] e que levaria à exclusão da proposta da concorrente D………… Lda.

Ora, se a questão respeitante à falta do DEUCP já mereceu pronúncia deste STA no acórdão de 11.09.2019, 9roc. n° 0829/18.3BEAVR, as outras duas questões não foram ainda apreciadas neste Supremo Tribunal e, só por si, justificam a admissão da revista, por terem relevância jurídica, podendo vir a replicar-se noutros casos de contencioso pré-contratual».

11. O MºPº junto deste STA, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 146º nº 1 do CPTA, nada veio referir sobre o mérito do presente recurso.

12. Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, mas com prévia divulgação do projeto do acórdão pelos Srs. Juízes Adjuntos, o processo vem submetido à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

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II - DAS QUESTÕES A DECIDIR

13. Constitui objeto do presente recurso de revista, saber se o Ac.TCAS recorrido procedeu a um correto julgamento do recurso de apelação interposto, em face dos erros de julgamento que lhe são apontados, no presente recurso de revista, pela Autora, ora Recorrente, quanto às 3 questões invocadas nas respetivas alegações e referidas no Acórdão deste STA que admitiu a revista:

I) A falta ou omissão de apresentação do Documento Europeu Único de Contratação Pública (DEUCP) e a admissibilidade da sua posterior apresentação posterior, por parte da Concorrente “D…………, Lda.”;

II) A falta de habilitação para o exercício da atividade, por parte da mesma Concorrente; e,
III) A falta de poderes de representação e vinculação de representante da referida Concorrente.

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III - FUNDAMENTAÇÃO

III. A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

14. Remete-se para os termos da decisão sobre a matéria de facto constante de págs. 8 a 17 da sentença de 18/5/2019 do TAF do Funchal, integralmente reproduzida a págs. 26 a 36 do Acórdão do TCAS, de 18/12/2019, ora recorrido (arts. 663º nº 6 e 679º do CPC, “ex vi” do art. 140º nº 3 do CPTA), com o aditamento efetuado pelo Ac.TCAS (a pág. 37 do Acórdão): «o concorrente D………., Lda., encontra-se registado na "Lista de Operadores Económicos Registados autorizados a proceder ao TRATAMENTO DE MADEIRA E CASCA DE CONÍFERAS E DE MATERIAL DE EMBALAGEM DE MADEIRA, para circulação intracomunitária e exportação para países terceiros", com o número de registo ……, publicitada pela Direção Geral de Agricultura e Veterinária (DGAV). Tal facto consta de lista pública, acessível no site da DGAV».


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III. B – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

15. Apreciemos, pois, as três questões que a Autora, ora Recorrente, afirma que o Ac.TCAS recorrido julgou erradamente.

1) A questão da falta ou omissão de apresentação do Documento Europeu Único de Contratação Pública (DEUCP) e a admissibilidade da sua posterior apresentação posterior, por parte da Concorrente “D……….., Lda.”.

16. As instâncias coincidiram no entendimento de que a falta de apresentação do Documento Europeu Único de Contratação Pública (DEUCP) com a proposta constituía uma irregularidade sanável, mediante a sua apresentação posterior, em resposta a convite à sua junção, uma vez que tal documento comprova factos ou qualidades já existentes e susceptíveis de demonstração à data de apresentação da proposta, não integrando, por isso, uma causa de exclusão das propostas dos concorrentes.

A ora Recorrente entende, pelo contrário, que tal omissão configura uma formalidade essencial, insusceptível de ser sanada nos termos do art. 72º nº 3 do CCP.

Vejamos.

17. O “DEUCP” surgiu previsto pela Diretiva 2014/24/UE, de 26/2 (art. 59º), regulamentado pelo Regulamento de Execução (UE) 2016/7 da Comissão, de 5/1/2016, sendo obrigatório, desde 16/4/2016 (termo final do prazo para a respetiva transposição – cfr. art. 90º nº 1 da mencionada Diretiva), para os procedimentos concursais abrangidos pelos limiares europeus e com publicação de anúncio no JOUE – como é o caso do presente concurso.

É certo que esta obrigação só formalmente foi introduzida no nosso direito interno através da alteração da redação dos arts. 57º nº 6 e 168º nº 1 do CCP levada a cabo pelo DL 111-B/2017, de 31/8/2017, sendo que o nº 1 do seu art. 12º determinou que «(…) o presente decreto-lei só é aplicável aos procedimentos de formação de contratos públicos iniciados após a sua data de entrada em vigor, bem como aos contratos que resultem desses procedimentos».

Tendo sido fixada para 1/1/2018 a data de entrada em vigor deste DL 111-B/2017 (cfr. seu art. 13º), é evidente que, pelo menos a partir desta data (mesmo não tendo em conta o “primado do direito europeu”, e ainda que só por imposição do direito nacional formal), as entidades adjudicantes nacionais teriam de passar a incluir, nos respetivos programas dos procedimentos abrangidos, a exigência de apresentação de “DEUCP”.

Como o presente concurso foi lançado em 28/3/2018 (data da publicação do anúncio), é de concluir pela obrigatoriedade da exigência de apresentação de “DEUCP” no presente procedimento concursal.

E o art. 146º nº 2 d) do CCP, ao prever a exclusão das propostas que não incluam todos os documentos exigidos nos termos do disposto nos nºs 1 e 2 do art. 57º, está a abranger a falta de apresentação do “DEUCP”, quando obrigatória, na medida em que o nº 6 deste art. 57º faz substituir pelo “DEUCP”, em determinados procedimentos, o Anexo I, requerido no nº 1, alínea a); assim, em tais procedimentos, a falta de “DEUCP” equivalerá à falta do Anexo I nos restantes procedimentos, sancionada pela exclusão prevista naquele art. 146º nº 2 d), por referência ao art. 57º nºs 1 a) e 6.

18. Porém, tal como julgado pelas instâncias (e contra o defendido pela Autora, ora Recorrente), a falta de apresentação de “DEUCP” – ainda que a sua exigência constasse do programa do concurso - não é motivo de imediata exclusão, tendo aqui plena aplicação o regime de convite ao suprimento de preterição de formalidades não essenciais (“incluindo a apresentação de documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta ou candidatura”) previsto no art. 72º nº 3 do CCP – em redação introduzida, a partir de 1/1/2018, pelo aludido DL 111-B/2017.

Como refere Gonçalo Guerra Tavares (“Comentário ao CCP”, Almedina, Jan/2019, pág. 321 e notas 368 e 369): «(…) permite-se que um concorrente que por lapso não juntou à sua candidatura algum dos documentos destinados à qualificação (documentos destinados a comprovar a capacidade técnica e a capacidade financeira) - ou o “DEUCP”, quando se tratar de um procedimento para adjudicação de um contrato que se inclua no âmbito de aplicação das Directivas de Contratação Pública ou, nas palavras do legislador do CCP, menos exactas, quando se tratar de um procedimento de contratação com publicação obrigatória no JOUE -, possa vir juntá-lo no prazo máximo de 5 dias, nos termos deste nº 3 do art. 72º do Código, dado que os documentos em falta se limitam a comprovar factos ou qualidades dos concorrentes, anteriores à data da apresentação das candidaturas. Obviamente que neste caso a norma da exclusão da candidatura por falta de apresentação de documentos obrigatórios (a alínea e do nº 2 do art. 184º do CCP) só pode funcionar se o concorrente, na sequência da fixação de prazo para junção dos documentos da candidatura em falta, não proceder à junção desses documentos».

Já o artigo de Luís M. Alves e José Carlos Coelho, citado pela Recorrente (“O DEUCP: obrigação sem exclusão?”, in “Revista de Direito Administrativo” nº 4, págs. 71 e segs.) não afirma que a omissão não possa ser sanada nos termos do art. 72º nº 3 do CCP, limitando-se a concluir pela obrigatoriedade de apresentação do DEUCP e pela consequente exclusão em caso de não apresentação – conclusões com que integralmente concordamos, como expusemos supra.

É que parece decorrer das alegações da Autora/Recorrente que, nos casos de previsão de exclusão das propostas pelo art. 146º nº 2 do CCP, fica inviabilizado o seu suprimento, quando, diversamente, a regularização prevista, como obrigatória, no art. 72º nº 3 do CCP, dirige-se, precisamente, às propostas que sofrem de uma irregularidade (formal, não essencial) que o art. 146º nº 2 (ou o programa concursal) comina com a exclusão – exceto se forem salvas pelo recurso obrigatório à regularização.

Nas palavras de Pedro da Costa Gonçalves: «Insiste-se numa ideia já exposta: as propostas objeto de regularização são aquelas que padecem de uma irregularidade para a qual a lei (artigo 146º nº 2) ou o programa do procedimento determinam a exclusão. É precisamente para evitar este resultado que a lei estabelece o mecanismo de regularização, que é, afinal, de “salvação” de propostas. Não existe, assim, qualquer incoerência entre a previsão na lei ou nas peças do procedimento da exclusão da proposta com faltas ou irregularidades e o processo de regularização, pois é a própria lei (artigo 72º nº 3) que expressamente prevê o mecanismo de regularização nesse caso» (“Direito dos Contratos Públicos, vol. I”, 3ª edição, 2018, Almedina, pág. 850).

Acresce que, no presente caso, a Contrainteressada “D…………, Lda.” (como também, aliás, a “C…………, Lda.”) cumpriu com tudo o que lhe foi solicitado nas peças do Concurso, pelo que eventual ilegalidade da Entidade Adjudicante derivada da não exigência do “DCEUP” que, porventura, ditasse a invalidade do procedimento, nunca poderia beneficiar exclusivamente a Autora/Recorrente em detrimento daquelas Contrainteressadas (e em detrimento da concorrência, da transparência, da justiça e do interesse público), somente podendo acarretar a anulação do procedimento e a sua eventual repetição com o cumprimento dos requisitos e solicitações legais - mas relativamente a todos os Concorrentes, em pé de igualdade.

Note-se que não está em causa, no presente caso, a falta de apresentação do DEUCP e do Anexo I, mas sim a falta de apresentação do DEUCP (não exigido pelas peças do Concurso) com a apresentação do Anexo I.

A Autora/Recorrente refere que a não exclusão (imediata, pressupõe-se) por não apresentação do DEUCP contraria a iniciativa europeia de criação e introdução deste documento. Porém, para além de tal afirmação ser contrariada pelo disposto no art. 56º nº 3 da Diretiva 2014/24/UE, a verdade é que – como explica Pedro Costa Gonçalves (ob. cit., pág. 578) - «o modelo aqui concebido pressupõe que seja a Entidade Adjudicante a iniciar o preenchimento da versão eletrónica do DEUCP, que, depois, será disponibilizada na plataforma eletrónica para continuação do preenchimento individualizado por cada candidato ou concorrente».

Ora, nada disto foi feito pela Entidade Adjudicante, a qual, como se disse, nem sequer previu, nas peças do Concurso, a exigência de apresentação do DEUCP.

Mas, como se disse, de uma forma ou de outra (isto é, ainda que o Programa tivesse exigido a apresentação do “DEUCP” – o que não sucedeu), a sua posterior junção em resposta ao convite nesse sentido sana tal omissão original por parte das Contrainteressadas.

Na verdade, o DEUCP «é um documento apresentado pelos candidatos ou concorrentes constituído por uma declaração sob compromisso de honra atualizada que tem o valor de prova preliminar sobre a verificação de condições relativas aos candidatos ou concorrentes (habilitação pessoal e preenchimento de requisitos mínimos de capacidade): cfr. artigo 59º da Diretiva 2014/24/UE» - Pedro Costa Gonçalves, ob.cit., pág. 577. Assim, para além de pretender substituir a declaração de compromisso do Anexo I – no presente caso, apresentada pelas Contrainteressadas -, trata-se de um documento destinado a atestar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta, pelo que a sua falta (ademais, em caso da sua não exigência nas peças do concurso, e de apresentação do Anexo I), se insere na obrigação de convite ao suprimento exigida no art. 72º nº 3 do CCP.

Por outro lado, estando em causa uma irregularidade formal não essencial – no sentido de que se trata de inobservância de uma exigência formal sobre o modo de apresentação da proposta ou sobre documentos que a devem integrar, cuja regularização não atenta contra os princípios gerais da contratação pública, designadamente os princípios da transparência e da igualdade entre os concorrentes -, impunha-se legalmente o convite ao seu suprimento.

E um dos exemplos que é dado por Pedro Costa Gonçalves de uma irregularidade formal não essencial que obriga, nos termos do art. 72º nº 3 do CCP ao convite ao suprimento é, precisamente, a da falta de apresentação de DEUCP quando obrigatória: («Estamos agora em condição de delimitar o conceito de irregularidade formal não essencial ou, nas palavras da lei, de proposta apresentada com preterição de formalidade não essencial; trata-se de uma proposta apresentada num procedimento de contratação sem observar uma ou várias exigências formais, sobre o modo de apresentação ou sobre os documentos que a devem integrar (v.g., DEUCP), declarações conforme os anexos ao CCP, instrumentos de mandato) cuja regularização ou suprimento não atenta contra nem põe em risco os valores protegidos pelos princípios gerais da contratação pública, designadamente os princípios da transparência e da igualdade entre os concorrentes (“concorrência-igualdade”)» - “Direito dos Contratos Públicos”, 4ª edição, 2020, Almedina, pág. 888.

Como se tem observado, a Diretiva 2014/24/UE representou uma evolução no sentido de uma maior abertura à regularização de propostas irregulares (“favor participationis”, em homenagem à concorrência e ao interesse público), com o correspondente eco na sua transposição pelo DL 111-B/2017, como resulta, desde logo, das preocupações enunciadas no preâmbulo deste: «a possibilidade de sanar a preterição de formalidades não essenciais pelas propostas apresentadas, evitando exclusões desproporcionadas e prejudiciais para o interesse público».

E seria, no presente caso, certamente desproporcionada a exclusão de propostas que apresentaram o Anexo I – mas não o DEUCP, não exigido nas peças do concurso - sem, antes, serem convidadas à junção do DEUCP.

Aliás, quanto a esta matéria, já este STA teve ocasião de julgar, em recurso de revista também interposto pela aqui Autora/Recorrente (Acórdão de 11/9/2019, 0829/18.3BEAVR), que:

«III - A falta de apresentação de “DEUCP” (que apesar de obrigatória não era exigida no programa do concurso) não conduz à imediata exclusão do candidato, apenas implicando o convite ao suprimento de preterição de formalidades não essencial previsto no art. 72° n° 3 do CCP (redação do DL 111-8/2017, de 1/1/2018).
IV - Apenas uma ilegalidade que determinasse a invalidade do procedimento poderia implicar a anulação do procedimento e a sua eventual repetição com o cumprimento dos requisitos e solicitações legais relativamente a todos os concorrentes».

É, pois, de concluir, como as instâncias, que não procede o entendimento defendido pela Recorrente quanto a esta questão.


II) A questão da falta de habilitação para o exercício da atividade, por parte da Concorrente/Contrainteressada “D……….., Lda.

19. Esta foi a única, das três questões objeto do presente recurso de revista, que foi resolvida de forma diferente pelas instâncias.

A sentença do TAF do Funchal, não se pronunciando quanto ao objeto social da “D……….., Lda.”, mas apenas aos CAES detidos, entendeu que nenhum deles, principal ou acessórios, compreende o fornecimento de paletes de madeira, até porque, como ponderou, a Classificação Portuguesa de Atividades Económicas inclui um Código CAE relativo a paletes de madeira (fornecimento, fabrico, manutenção, aluguer). Assim, concluiu pela procedência desta invocada causa de exclusão da proposta da referida Concorrente/Contrainteressada, nos termos do art. 70º nº 2 f) do CCP.

20. Por sua vez, o TCAS entendeu, pelo contrário, que o objeto social da sociedade em questão, com a amplitude revelada, permite abranger o fornecimento de paletes de madeira para o acondicionamento de bananas, pois que naquele objeto social se inclui a comercialização e distribuição de equipamentos e acessórios agrícolas, o que não pode deixar de englobar o dito objeto, em consonância com o registo da atividade obtido junto da Direção Geral de Agricultura e Veterinária (DGAV). E também considerou que o CAE principal (de atividades dos serviços relacionados com a agricultura) e o CAE secundário (de comércio de equipamentos agrícolas) igualmente o abrangem, sem olvidar que, tendo os CAE a sua relevância, não obnubilam o que consta do objeto da sociedade.

21. A Recorrente defende que, contrariamente ao decidido no Ac.TCAS recorrido, que assim reverteu a correta decisão da 1ª instância, do TAF do Funchal, a Concorrente/Contrainteressada “D……….., Lda.” não dispõe de objeto social, nem de códigos CAE associados, para executar o objeto do contrato em causa no presente procedimento concursal. E afirma que o TCAS pressupôs, erradamente, que se estava em causa o fornecimento de paletes para acondicionamento de bananas, quando se trata, diferentemente, de fornecimento de paletes para acondicionamento de caixas de bananas.

22. A Entidade Demandada diz ser óbvio que a atividade a prosseguir pelo contrato colocado a concurso está contemplado no objeto social da Contrainteressada “D……………, Lda.”, a título principal ou, no mínimo, a título acessório ou complementar, bem como está abrangido pela CAE principal. Refere que, ainda que o objeto social tenha de ser determinado, nada impede que uma sociedade tenha um objeto social principal sucetível de ser complementado com outros, considerados acessórios, quer explícita quer implicitamente. Mais argumenta que a finalidade legal da CAE é essencialmente estatística, pelo que não pode obstar ao que consta, principal ou acessoriamente, explícita ou implicitamente, no objeto social.


23. O objeto do contrato visado pelo presente procedimento é o “fornecimento de paletes de madeira de pinho com tratamento fitossanitário para o acondicionamento e transporte de caixas contendo banana da Madeira”.

A dita sociedade tem como objeto social a “Importação, exportação, comercialização e distribuição de equipamentos e acessórios agrícolas e de materiais de construção, designadamente tanques, sistema de rega, adubos, pesticidas, substratos, consumíveis, sementes, rações para animais e maquinaria em geral. Compra, venda, aluguer e exploração de terrenos e instalações dedicadas a agricultura, pecuária, floricultura, fruticultura, apicultura e agro-turismo. Compra e venda de produtos agrícolas transformados ou por transformar. Transformação de produtos hortícolas, frutícolas e plantas ornamentais. Aluguer de equipamentos e maquinaria para o desenvolvimento da actividade agrícola em geral. Comércio de bebidas e produtos alimentares em geral. Construção civil e obras públicas.

Dispõe de CAE principal 01610 (Atividades dos serviços relacionados com a agricultura) e os CAE secundários 46610 (Comércio por grosso de máquinas e equipamentos agrícolas), 43992 (Outras atividades especializadas de construção diversas, N.E), e 46750 (Comércio por grosso de produtos químicos).

E conforme aditado, pelo TCAS, à matéria de facto, a referida sociedade encontra-se registada na "Lista de Operadores Económicos Registados autorizados a proceder ao tratamento de madeira e casca de coníferas e de material de embalagem de madeira, para circulação intracomunitária e exportação para países terceiros", com o número de registo ….., publicitada pela Direção Geral de Agricultura e Veterinária (DGAV), conforme consta de lista pública, acessível no site da DGAV.

24. Começamos por referir ser efetivamente causa de exclusão de proposta, nos termos do art. 70º nº 2 f) do CCP, invocado pelo TAF do Funchal, a não inclusão, no objeto social de uma sociedade concorrente, da atividade económica a desenvolver no cumprimento do contrato colocado a concurso.

Refere aquela norma do CCP que «são excluídas as propostas cuja análise revele: (…) f) que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis».

Ora, no nosso ordenamento jurídico – diferentemente do que sucede no mais permissivo sistema anglo-saxónico (sobretudo americano, de cláusula “omnibus”, já que o regime inglês, pelo menos até ao “brexit”, estava condicionado pelo direito europeu, designadamente pelos termos da Diretiva 2017/1132/UE, de 14/6/2017, relativa a determinados aspetos do direito das sociedades) -, uma sociedade comercial não pode exercer atividade que não se compreenda no seu objeto social. Aliás, basta considerar que, nos termos do art. 142º nº 1 d) do Código das Sociedades Comerciais, é causa de dissolução administrativa, entre outras, “o exercício de facto, por uma sociedade, de uma atividade não compreendida no objeto contratual”, estando o regime jurídico do correspondente procedimento administrativo de dissolução atualmente regulado no DL 76-A/2006, de 29/3, e seu Anexo III.

E o objeto da sociedade deve constar, obrigatoriamente, do contrato de sociedade, importando a sua falta a nulidade deste contrato - cfr. arts. 9º nº 1 d) e 42º nº 1 b) do CSC.

Prevendo-se, no art. 11º nº 2 do CSC, que «como objeto da sociedade devem ser indicadas no contrato as actividades que os sócios propõem que a sociedade venha a exercer».

Note-se que esta questão nada tem que ver com requisitos de qualificação relativos à capacidade técnica das sociedades enquanto concorrentes, que poderão ser exigidos noutra sede – designadamente, na fase de qualificação dos concursos públicos com prévia qualificação - ou com requisitos de habilitação, nos termos do art. 81º nº 8 do CCP, quanto aos documentos comprovativos de habilitações legalmente exigidas para a execução das prestações objeto do contrato a celebrar. Está em causa, somente, a verificação, que resulta imposta pelo já referido art. 70º nº 2 f) do CCP, de que a execução destas prestações não exorbite do objeto da sociedade, de forma a que a consequente atividade, então contrária à lei (cfr. citado art. 142º nº1 d) do CSC), a sociedade houvesse que ser administrativamente dissolvida.

25. Tendo como pressuposto que uma sociedade comercial não pode exercer, de facto, atividade não compreendida no seu objeto social, colocam-se as questões – diferentes – da determinabilidade do objeto social e da interpretação do conteúdo do objeto social, sobretudo nos casos, como o presente, de grande amplitude, como vimos, do seu objeto social.

Ora, embora a doutrina e jurisprudência convirjam na conclusão de que é legalmente imposto que o objeto social das sociedades comerciais seja determinado, não é pacífico, nem tal resulta claro das normas legais aplicáveis, qual o grau de determinação requerido. Assim, desde que o mesmo não seja de uma tal amplitude que inviabilize qualquer determinação, é considerada legalmente aceitável a estatuição de objetos sociais abrangentes ou plurifacetados, bem como a previsão “de vários graus”, de objetos principais com objetos acessórios ou secundários, e, ainda, objetos acessórios implicitamente extraídos do(s) objetos(s) expressamente fixado(s) - neste sentido, cfr. Raúl Ventura, “Objecto da sociedade e actos ultra vires”, R.O.A., 1980, pág. 12: «(…) podem alguns objectos ser implicitamente considerados acessórios daquele [objeto principal expresso] e autorizados pelo pacto».

26. Perante tudo o que vem de se expor, entendemos que o Ac.TCAS decidiu corretamente, não merecendo a crítica que a Autora/Recorrente lhe dirige quanto a esta questão.

Na verdade, concordamos com o Ac.TCAS pois que não é de concluir que a atividade de fornecimento de paletes de madeira, com tratamento fitossanitário, para o transporte de caixas de bananas não se possa considerar, de todo, compreendida no objeto social da “D…………, Lda.”, com a amplitude que o caracteriza, designadamente, no conjunto de todos os objetos nele expressados, na “comercialização e distribuição de equipamentos e acessórios agrícolas”. Sendo certo, como vimos, que o objeto social não pode ser lido de forma absolutamente estanque, do mesmo podendo decorrer, mesmo implicitamente, objetos acessórios.

E repare-se que o Ac.TCAS se referiu a paletes para o transporte de bananas e não para o transporte de caixas de bananas certamente por mero lapso de escrita, ou por simplificação de expressão, sendo certo que, em todo o caso, não vemos que tal diferença relevasse para a conclusão.

27. Também quanto aos CAEs, bem ponderou o Ac.TCAS que, “não obstante a sua relevância, não obnubilam o que consta do objeto do contrato”.

É que a “Classificação Portuguesa das Actividades Económicas” (Lei 381/2007, de 14/11 – Revisão 3) têm uma finalidade própria – classificativa, estatística -, diversa da finalidade da estatuição do objeto social das sociedades comerciais.

Por isso, ainda que possa revelar-se útil, a título meramente indicativo, não pode substituir, para efeitos da ponderação da questão em análise, a interpretação do conteúdo do objeto social. Aliás, o CAE está limitado a uma classificação principal e três secundárias, o que bem se compreende em face do seu objetivo classificativo/estatístico, enquanto o objeto social não tem semelhante limitação.

Por este motivo, consideramos criticável, nesta parte, a sentença de 1ª instância, do TAF do Funchal, por ter ponderado e decidido esta questão com exclusivo apelo aos CAEs atribuídos, sem qualquer consideração efetuada sobre o objeto social da sociedade.

Acresce que – como também julgado pelo Ac.TCAS, e bem – nem sequer se pode concluir que a atividade de fornecimento de paletes para transportes de caixas de bananas esteja, de todo, arredada dos CAEs atribuídos à “D…………, Lda.”, designadamente do CAE principal (de atividades dos serviços relacionados com a agricultura) e do CAE secundário (de comércio de equipamentos agrícolas).

Por último, consideramos, quanto a esta questão, ainda relevante – ainda que, se se quiser, não determinante por si só, mas ao menos a título também indicativo (para efeitos de interpretação do objeto social) – o facto aditado como provado de que «o concorrente D…………, Lda., encontra-se registado na "Lista de Operadores Económicos Registados autorizados a proceder ao TRATAMENTO DE MADEIRA E CASCA DE CONÍFERAS E DE MATERIAL DE EMBALAGEM DE MADEIRA, para circulação intracomunitária e exportação para países terceiros", com o número de registo ….., publicitada pela Direção Geral de Agricultura e Veterinária (DGAV). Tal facto consta de lista pública, acessível no site da DGAV».

Improcede, pois, a alegação da Autora/recorrente também quanto a esta segunda questão.


III) A questão da falta de poderes de representação e vinculação do representante da Concorrente/Contrainteressada “D……….., Lda.

28. Alega a Recorrente que, contrariamente ao decidido no Ac.TCAS recorrido, a procuração emitida a favor do representante da Contrainteressada “D………, Lda.” não lhe outorgava os necessários poderes de representação e de vinculação porquanto “não foi emitida “ad hoc” – para o concreto procedimento -, não foi emitida depois de publicado o anúncio em diário da república, não conferiu os exigidos poderes de vinculação, nem os necessários poderes para subscrever o Documento Europeu Único de Contratação Pública e também porque o mesmo viola o princípio da pessoalidade da gerência». Conclui que, consequentemente, a respetiva proposta teria que ser necessariamente excluída nos termos do art. 146º nº 2 e) do CCP.

29. A Entidade Demandada contra-alega que a Recorrente confunde o regime da representação de gerentes com o regime de representação das sociedades e que, tendo sido o mandato em causa conferido pelos sócios da sociedade em causa (“D………….”, Lda.) é inaplicável o princípio da pessoalidade da gerência invocado pela Recorrente. E mais contra-alega que a procuração outorgada pelos sócios é legal e válida, contendo todos os poderes de representação para obrigar e vincular a sociedade em sede de contratação pública, em especial para os efeitos previstos no art. 57º nº 4 do CCP, não tendo que ser conferida “ad hoc” para cada ato ou procedimento, o que se revelaria uma exigência ilegal, desproporcional e desrazoável.

30. Como resulta do ponto 11 do probatório, a procuração em questão foi emitida em 15/1/2015, outorgando ao representante em causa os poderes para, entre o mais, «concorrer a procedimento públicos para fornecimento de bens e serviços, designadamente ajustes diretos, concursos públicos e aí representar a sociedade e praticar todos os atos, designadamente os necessários para a formalização da proposta bem como para assinar todos os documentos da proposta, podendo, para o efeito, apresentar e assinar a proposta e todos os documentos que a acompanham, retirar a proposta e substitui-la por outra dentro do prazo previsto para a sua apresentação no programa do procedimento, definir todas as condições contratuais, nos termos que melhor considerar adequados aos interesses da sociedade, designadamente o preço, as condições de fornecimento, assistir ao ato de abertura de propostas, apresentar reclamações e/ou recursos, exercer o direito de audiência prévia, pronunciar-se sobre a minuta do contrato, reclamar da mesma, receber quaisquer notificações, para representar a sociedade nas plataformas eletrónicas utilizadas e proceder à assinatura digital utilizando o respetivo cartão de cidadão. Conferir-lhe ainda os poderes para em caso de adjudicação, apresentar e assinar todos os documentos de habilitação que sejam necessários assinar, celebrar e assinar o contrato público, nos termos e condições que melhor entender».

Entendemos que, claramente, estes poderes outorgados pelos sócios da “D…………., Lda.” são os necessários e suficientes para o respetivo mandatário representar e vincular a mesma nos atos do presente procedimento concursal, incluindo, naturalmente, a assinatura do DEUCP, ainda que se trate de documento não previsto à altura da emissão da procuração, pois que esta, como vimos, transmite os poderes necessários «para assinar todos os documentos da proposta, podendo, para o efeito, apresentar e assinar a proposta e todos os documentos que a acompanham».

Por outro lado, atento o seu conteúdo e o seu objeto – a prática de um mesmo tipo de atos, relativos à representação da sociedade em procedimentos públicos para fornecimento de bens e serviços – o que, obviamente, não corresponde a mais do que uma limitada parte dos poderes de gerência, não se vê que se possa considerar, como defende a Autora/Recorrente, que a sua outorga atente contra o princípio da pessoalidade da gerência, extravasando o legalmente permitido no art. 252º nº 6 do CSC, o qual não exclui a possibilidade de nomeação de mandatários ou procuradores da sociedade para a prática de determinados actos ou categorias de actos, tal como sucedeu neste caso.

Nestes termos, não tem razão a Recorrente também quanto a esta última questão, corretamente decidida pelas instâncias, nomeadamente pelo Ac.TCAS recorrido.



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IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202º da Constituição da República Portuguesa, em:

Negar provimento ao recurso de revista deduzido pela Autora/Recorrente “A…………., Lda.”, e, consequentemente, manter o Acórdão do TCAS recorrido, que julgara improcedente a presente ação de contencioso pré-contratual.

Custas a cargo da Autora/Recorrente.

D.N.

Lisboa, 9 de julho de 2020 – Adriano Cunha (relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15º-A do DL nº 10-A/2020, de 13/3, aditado pelo art. 3º do DL nº 20/2020, de 1/5, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, Conselheiro Jorge Artur Madeira dos Santos e Conselheiro José Francisco Fonseca da Paz) – Madeira dos Santos – Fonseca da Paz.