Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0972/16
Data do Acordão:11/09/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO
PENHORA DE BENS
IMÓVEL
REGIME DE SEPARAÇÃO ABSOLUTA DE BENS
CONVOLAÇÃO
Sumário:Face ao disposto no art. 1795º-A do CCivil, nos termos do qual, relativamente aos bens, a separação de pessoas e bens produz os efeitos que produziria a dissolução do casamento (extinguindo-se, consequentemente, qualquer regime de bens existente), ficará afastada a obrigatoriedade legal de citação do cônjuge do executado à luz do disposto no art. 239º do CPPT, podendo ser admitido a deduzir embargos de terceiro, em caso de posterior penhora sobre bem imóvel de que é proprietário.
Nº Convencional:JSTA00069898
Nº do Documento:SA2201611090972
Data de Entrada:08/05/2016
Recorrente:A.......
Recorrido 1:AT AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TTRIB LISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:LGT98 ART97 N2.
CPPTRIB99 ART98 N4 ART165 ART220 ART237 N1 ART239 ART276 ART280 N1.
CPC96 ART199 ART351 N1 ART352 ART825 ART864 N3 ART864-A ART1037 N2.
CPC13 ART342 ART343.
CCIV66 ART1689 ART1692 B ART1795-A.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC0478/13 DE 2014/02/19.; AC STAPLENO PROC021438 DE 2001/12/05.; AC STA PROC082/09 DE 2009/06/03.; AC STA PROC023428 DE 2001/01/31.
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VOLIII 6ED PAG456 VOLIV 6ED PAG28-29.
PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA - CÓDIGO CIVIL ANOTADO VOLIV 2ED 1992 PAG580.
ANTUNES VARELA - DIREITO DA FAMÍLIA 1982 PAG431-432.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO

1.1. A………., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida no Tribunal Tributário de Lisboa, julgou verificada a excepção da impropriedade do meio processual e, em consequência, convolou em requerimento de arguição de nulidade por falta de citação, os presentes embargos de terceiro que aquela deduziu no âmbito dos processos de execução fiscal n.º 3255200801047426 e apensos, instaurados no Serviço de Finanças de Lisboa 10, sendo executado B…………

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
A) Conforme resulta da página 10 da Sentença recorrida, no que concerne ao “enquadramento fáctico” a decisão do Tribunal a quo sobre a (alegada falta de) qualidade de terceiro da Embargante resulta de três factos: i) “A embargante e o executado, não obstante a separação de pessoas e bens, estão casados”; ii) “Foi objeto de penhora um imóvel, penhora essa que fundou a reação por parte da embargante através dos presentes embargos.”; iii) “A embargante nunca foi citada no âmbito da execução fiscal.”.
B) Tais factos são insuficientes para se alcançar a conclusão, errada, de que no caso em apreço a Embargante (alegadamente) não tem a qualidade de terceiro, porquanto, não poderiam ter sido valorados de forma descontextualizada ou desconexa com outros factos igualmente considerados provados na Sentença recorrida, e resultantes da prova documental produzida, cuja subsunção ao Direito aplicável impõe uma decisão absolutamente oposta à tomada pelo Tribunal a quo, designadamente os factos provados 6) e 7).
C) Aquando da realização do registo da penhora o direito de propriedade sobre o imóvel já se encontrava registado a favor da Embargante desde o dia 18/10/2011, em virtude da partilha decorrente da separação Judicial de pessoas e bens, isto é, também como refere a Digníssima Procuradora da República junto do Tribunal a quo no seu parecer a fls. 141, “resulta demonstrado nos autos que a separação de pessoas e bens ocorreu antes do registo provisório da penhora bem como a aquisição do imóvel dela decorrente, o que significa que a comunhão do casal já não existia à data do registo provisório da penhora”, tendo sido por ignorar tais factos essenciais que o douto Tribunal a quo incorreu num manifesto erro de julgamento quanto à aplicação do Direito.
D) Conforme resulta das disposições conjugadas dos artigos 1688º e 1795º-A do Código Civil, e é pacificamente aceite na Jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, com a separação de pessoas e bens o vínculo matrimonial não cessa, pelo que os cônjuges continuam a ser marido e mulher, mas ao invés, as relações patrimoniais entre os cônjuges cessam pela separação judicial de pessoas e bens nos mesmos termos da dissolução do casamento, tendo a separação os mesmos efeitos patrimoniais que resultariam do divórcio.
E) Ao fazer a sua interpretação e aplicação da disciplina que se encontra vertida no artigo 239.º do CPPT, o Tribunal a quo teve em consideração que a “embargante e o executado, não obstante a separação de pessoas e bens, estão casados”, confundindo assim duas dimensões distintas da separação de pessoas e bens, ou seja, ignorando que apesar de se manter o vínculo conjugal/dimensão pessoal, no que concerne aos bens/dimensão patrimonial a separação produziu os efeitos que produziria a dissolução do casamento, cessando por completo as relações patrimoniais entre os cônjuges.
F) Sendo que, é por demais evidente que no que concerne à aplicação do artigo 239º do CPPT estamos apenas e só perante uma dimensão patrimonial, pelo que, o conceito de “cônjuge” aí presente não abrange aqueles que se encontram separados de pessoas e bens, relativamente aos quais se produziram os efeitos patrimoniais da dissolução do casamento, sendo precisamente esse o caso dos autos, porquanto, à data da penhora sobre o imóvel a ora Embargante já era separada de pessoas e bens do Executado, e era já a única e legitima proprietária de tal bem face à aquisição por partilha resultante da separação (cfr. factos provados 6 e 7 da Sentença recorrida).
G) O que significa que, contrariamente ao decidido pelo douto Tribunal a quo, não havia que aplicar o artigo 239º do CPPT ao caso dos autos, sendo manifestamente errada a interpretação constante da Sentença recorrida quando refere que “Independentemente de o bem ser próprio ou comum, de ter ou não havido separação de pessoas e bens ou de a dívida ser ou não comunicável, havendo penhora de bem imóvel ou móvel sujeito a registo, o cônjuge do executado é considerado co-executado, devendo ser citado enquanto tal.”
H) Da letra do artigo 239º do CPPT nada resulta que permita interpretar o mesmo no sentido de aí se incluírem as situações em que os cônjuges já se encontram separados de pessoas e bens à data da penhora, e em que o bem penhorado já foi partilhados, não pertencendo por isso ao Executado nem tendo este qualquer meação sobre o mesmo ... como sucede no caso dos autos.
I) A interpretação conjugada do artigo 239º do CPPT com os artigos 1688º e 1795º-A ambos do Código Civil permite concluir que o conceito de “cônjuge” aí presente não tem qualquer âmbito pessoal, mas apenas patrimonial, perdendo qualquer sentido a aplicação da referida disposição legal nas situações em que os cônjuges, embora o sejam do ponto de vista da manutenção do vínculo matrimonial, já não têm qualquer relação patrimonial entre si face à separação judicial de pessoas e bens.
J) Tanto da Jurisprudência invocada na Sentença recorrida, como da doutrina aí referida relativamente à aplicação do artigo 239º do CPPT, resulta que no caso de penhora de bem imóvel é obrigatória a citação do cônjuge do Executado qualquer que seja o regime de bens do casamento, mas não que essa citação tenha de ser realizada ao cônjuge do Executado quando no momento da penhora já deixou de existir qualquer regime de bens, o que sucede precisamente com a separação judicial de pessoas e bens, com a qual deixa de haver um regime de bens do casamento.
L) O conceito de cônjuge previsto no artigo 239º do CPPT não abrange as situações como a da Embargada e do Executado nos presentes autos, ou seja, a situação em que o cônjuge já está separado de pessoas e bens do Executado no momento da realização de uma penhora, e quando essa penhora incide sobre um imóvel que na data da sua realização já pertence exclusivamente ao cônjuge do Executado na decorrência da partilha subsequente à separação de pessoas e bens, não tendo o Executado qualquer direito de propriedade ou meação sobre tal bem, o qual já não é sequer um bem próprio ou comum, pois a separação extinguiu o regime de bens existente, produzindo os efeitos do divórcio.
M) Contrariamente ao que decidiu o Tribunal a quo na Sentença recorrida, é manifesto que no caso dos autos a Embargante tem a qualidade de terceiro que lhe permite recorrer aos presentes Embargos para reagir à penhora realizada sobre o imóvel do qual é a única e legitima proprietária, porquanto, a ora Recorrente não só não é parte nem foi citada para o processo de execução nos termos do artigo 220º ou do artigo 239º do CPPT, como não tinha de o ser face às circunstâncias fácticas assentes nos autos, ou seja, por já ser separada de pessoas e bens do Executado à data da realização da penhora, e por essa penhora ter incidido sobre um bem imóvel que já tinha adquirido anteriormente através da partilha decorrente da separação de pessoas e bens (cfr. factos provados 6) e 7)).
N) Não podendo a Embargante assumir na execução uma posição igual à do cônjuge Executado do qual já se encontrava separada de pessoas e bens na data da penhora, e não sendo caso de a citar para os efeitos previstos nos artigos 220.º e 239º do CPPT, os embargos de terceiro constituem o meio processual adequado para defesa dos seus direitos relativamente ao bem penhorado do qual é a única e legitima proprietária.
O) Tendo a ora Recorrente legitimidade activa para deduzir os Embargos de terceiro nos termos em que o fez, impõe-se que seja nesta sede revogada a decisão do Tribunal a quo que julgou verificada a excepção de impropriedade do meio processual e consequentemente convolou os embargos em requerimento de arguição de nulidade por falta de citação, devendo os Embargos de terceiro seguir os seus demais termos até à decisão final que aprecie o mérito dos mesmos.
P) Configurando como acertada a decisão do Tribunal a quo no que concerne à excepção de impropriedade do meio processual, o que se concebe sem conceder e por mera cautela de patrocínio, quem deu causa aos Embargos de Terceiro não foi a Embargante, mas sim a Embargada Fazenda Pública, porquanto não realizou a citação da ora Recorrente no momento da penhora do bem imóvel, o que não deixou à ora Recorrente qualquer outra hipótese de reagir processualmente para se opor à penhora que não fosse deduzir os Embargos de Terceiro, uma vez que, não sendo executada no processo de execução fiscal, não poderia Reclamar de tal acto atentatório da sua posse e direito de propriedade sobre o imóvel.
Q) Existindo uma convolação dos Embargos de Terceiro em requerimento de arguição de nulidade por falta de citação, para efeitos da sua condenação em custas também não se poderá considerar que foi a Embargante quem ficou vencida, porquanto, tal convolação só existe na medida em que o douto Tribunal concluiu que a Embargada não praticou um acto que tinha de realizar, ficando assim obrigada ao mesmo.
R) Face à alegada verificação da excepção de impropriedade do meio processual e convolação dos embargos em requerimento de arguição de nulidade por falta de citação, sempre deveria ter sido a Embargada, e não a Embargante, condenada nas custas do incidente nos termos do artigo 446º do CPC, ex vi artigo 2º alínea e) do CPPT.
Termina pedindo a procedência do recurso e que, consequentemente, a decisão de verificação da excepção de impropriedade do meio processual e convolação em requerimento de arguição de nulidade por falta de citação seja substituída por outra que julgue a embargante parte legítima para os presentes embargos, determinando assim o prosseguimento dos demais termos do processo.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. Tendo o recurso sido interposto para o TCA Sul, aquele Tribunal veio, por decisão do respectivo Relator de 9/06/2016 (fls. 235/241), a declarar-se incompetente, em razão da hierarquia, para dele conhecer, por versar apenas matéria de direito, declarando, consequentemente, a competência deste STA.

1.5. O MP emite parecer nos termos seguintes:
«FUNDAMENTAÇÃO
1. A citação obrigatória do cônjuge do executado, em caso de penhora de bens imóveis ou de móveis sujeitos a registo, visa a preservação do seu património e a protecção da segurança e da estabilidade das vendas no processo de execução fiscal (art. 239º nº 1 CPPT).
À imperatividade da citação é indiferente o regime de bens do casamento; a teleologia da norma justifica exemplarmente que a citação não seja omitida no caso de separação judicial de pessoas e bens, face à possibilidade de penhora de bens que integrem o património absolutamente autónomo do cônjuge não executado (para melhor desenvolvimento Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 6ª edição 2011 Volume IV pp. 28/29).
2. Conferindo ao titular do direito ao interesse atingido pela penhora tutela jurisdicional mais consistente que a resultante da dedução de embargos de terceiro, a citação do cônjuge do executado:
a) outorga-lhe a qualidade jurídica de co-executado;
b) permite-lhe o exercício dos direitos processuais atribuídos ao executado originário: oposição à execução, pagamento em prestações, extinção total ou parcial da obrigação exequenda mediante dação em pagamento (art. 189º nº 1 CPPT) /acórdãos STA- SCT 25.05.2004 processo nº 476/04; 12.05.2004 processo nº 477/04; 23.06.2004 processo nº 1786/03; 24.10.2007 processo nº 626/07; 29.11.2006 processo nº 174/06; 25.11.2009 processo nº 1123/09; 19.01.2011 processo nº 842/10/. Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 6ª edição 2011 Volume IV pp. 29/30).
A qualidade jurídica de co-executada conferida pela citação é incompatível com a qualidade de terceiro, porquanto a citada passou a ser parte da causa com intervenção no processo (art. 342º nº 1 CPC vigente).
3. Não deve obstar à convolação da petição de embargos de terceiro em requerimento de arguição da nulidade por falta de citação a oposição da recorrente à sua realização (com a alegação de que não se justifica no caso de separação judicial de pessoas e bens): constituindo aquela omissão nulidade de conhecimento oficioso, impõe-se a intervenção do tribunal para a observância da formalidade legal omitida (art. 165º nº 1 al. a) e 4 CPPT).
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A decisão impugnada deve ser confirmada.»

1.5. Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe apreciar.

FUNDAMENTOS

2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
a) Foram instaurados, no SF de Lisboa 10, contra a sociedade C……….., Lda., os seguintes PEF:

Nº Processo
Data da
instauração
Proveniência
Quantia
Exequenda
3255200801047426
29.05.2008
IRC e IRS 2008
10.146,03
3255200801062476
11.06.2008
IVA (março de 2008)
9.388,12
3255200801072137
12.07.2008
IRC e IRS 2008
9.590,66
3255200801080636
05.08.2008
IVA (abril de 2008)
23.726,57
3255200801081764
12.08.2008
IRC e IRS 2008
9.480,23
3255200801082116
24.08.2008
IVA (maio de 2008)
26.037,02
3255200801094114
12.09.2008
IRC e IRS 2008
17.057,03

estando os últimos apensados ao primeiro (cfr. fls. 1 a 3 e 28 a 33 verso, do PEF apenso; fls. 1, 2, 3, 10, 13 e 19, do PEF apenso - Vol. I; fls. 377-A, do PEF apenso - Vol. III; fls. 1 a 3, do PEF 3255200801062476 apenso - Vol. V; fls. 1 e 2, do PEF 3255200801072137 apenso-Vol. V; fls. 1 e 2, do PEF 3255200801080636 apenso - Vol. V; fls. 1 a 3, do PEF 3255200801081764 apenso - Vol. V; fls. 1 a 3, do PEF 3255200801082116 apenso-Vol. V; fls. 1 e 2, do PEF 3255200801094114 apenso - Vol. V).
2) No âmbito dos PEF mencionados em 1) foi proferido, a 27.01.2011, despacho de reversão contra B…………. (cfr. fls. 4 verso, do PEF apenso, e fls. 293, do PEF apenso - Vol. II).
3) Na sequência do mencionado em 2), foi remetido oficio, designado de “Citação (reversão)”, dirigido a B…………. , via correio postal registado com aviso de recepção (cfr. fls. 5 e 6, do PEF apenso, e fls. 296 e 297, do PEF apenso - Vol. II).
4) No âmbito dos PEF mencionados em 1) não foi enviado qualquer ofício à embargante, com vista à sua citação nos termos do art. 239.º, do CPPT.
5) Está descrita, na conservatória do registo predial de Lisboa, a fração autónoma ......., correspondente ao .........º andar, letra ......, do prédio urbano situado na Rua ........., n.º ......., núcleo........, freguesia de ........, concelho de Lisboa, sob o n.º 2.402-J (cfr. certidão da conservatória do registo predial, constante de fls. 21 a 23).
6) Foi registada, a favor da oponente, a aquisição, por partilha subsequente a separação de pessoas e bens, através da inscrição correspondente à Ap. 2454, de 18.10.2011, do prédio mencionado em 5) (cfr. certidão da conservatória do registo predial, constante de fls. 21 a 23).
7) Foi registada, a favor da Fazenda Nacional, penhora, realizada no PEF mencionado 1) a 30.09.2011, através da inscrição correspondente à Ap. 5242, de 16.11.2011, do prédio mencionado em 5) (cfr. certidão da conservatória do registo predial, constante de fls. 21 a 23, e fls. 509 a 523, do PEF apenso - Vol. IV).
8) A embargante é casada com B…………., estando separados de pessoas e bens (cfr. certidão da conservatória do registo predial, constante de fls. 22 a 23).
9) A embargante teve conhecimento da penhora mencionada em 7) pelo menos a 14.03.2012.

3.1. Como acima se referiu, o recurso foi interposto para o TCA Sul, tendo ali sido declarada a respectiva incompetência, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, considerando competente o STA, dado estar em causa apenas matéria de direito.
E porque também aqui se entende que, na perspectiva considerada pelo TCAS, o recurso tem por exclusivo objecto matéria de direito (nº 1 do art. 280º do CPPT) pois as partes não contestam os factos constantes do probatório, divergindo apenas quanto à interpretação das regras jurídicas aplicáveis, importa apreciá-lo, sendo que a questão a decidir se resume à de saber se a recorrente tem, ou não, a qualidade de terceiro que lhe permita deduzir os presentes embargos, porquanto não foi citada para o processo de execução, nos termos do art. 220º ou do art. 239º do CPPT, nem tinha de o ser, por já ser separada de pessoas e bens do executado à data da realização da penhora, a qual incidiu sobre um bem imóvel que já tinha adquirido anteriormente através da partilha decorrente da separação de pessoas e bens.

3.2. A sentença recorrida considera, no essencial, o seguinte:
— Da conjugação do disposto nos arts. 237º, nº 1, do CPPT e 351º, nº 1, do CPC/1961, resulta que, no âmbito da execução fiscal, será terceiro, para efeitos de embargos de terceiro, quem não tenha a posição de parte no processo de execução fiscal, o que se afere, designadamente, quer porque a execução não foi, ab initio, contra ele instaurada, quer porque a própria diligência de ofensa da posse ou direito não é contra si dirigida. Ou seja, está aqui subjacente um conceito material de terceiro, porquanto este não será o destinatário dos efeitos jurídicos nem da diligência nem da execução.
— Na concretização do conceito de terceiro, em sede de execução fiscal a posição do cônjuge do executado revela especificidades próprias: em determinadas circunstâncias, mesmo em casos de responsabilidade exclusiva do executado, o cônjuge deste poderá assumir a posição de co-executado, afastando-se, pois, a sua qualidade de terceiro - basta que sejam penhorados bens imóveis ou móveis sujeitos a registo. Ou seja, não obstante em determinadas circunstâncias o cônjuge poder assumir a posição de terceiro (art. 352º, bem como o entretanto revogado art. 1037º, nº 2, ambos do CPC/1961), no âmbito específico do processo tributário há que atentar em determinadas particularidades, desde logo no disposto nos arts. 220º e 239º, ambos do CPPT.
— O art. 220º do CPPT refere-se à citação do cônjuge, em casos de exclusiva responsabilidade do cônjuge executado, para efeitos de requerer a separação de meações; já o art. 239º do mesmo Código, respeita ao chamamento o cônjuge não só nas situações previstas no art. 220º, mas também quando sejam penhorados bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, independentemente da titularidade dos mesmos: portanto, mesmo em casos em que responsabilidade seja exclusiva do executado, havendo penhora de bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, o seu cônjuge é sempre chamado à execução, nos termos do art. 239º do CPPT, assumindo a posição de co-executado, pois que “[h]ouve no processo de execução fiscal, uma manifesta intenção de alargamento dos casos de obrigatoriedade de citação do cônjuge, (...) sendo obrigatória a citação do cônjuge qualquer que seja o regime de bens do casamento e sempre que sejam penhorados bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, independentemente de, à face da lei civil, o cônjuge contra quem é dirigida a execução ter ou não o poder de os alienar livremente”, assumindo-se, portanto, uma maior salvaguarda dos interesses envolvidos, designadamente dos do cônjuge não executado, desde logo em virtude de a posição de co-executado lhe permitir usar dos meios de defesa que estão ao alcance o executado (cfr. art. 864º-A do CPC/1961), designadamente a oposição à execução e a reclamação prevista no art. 276º, do CPPT.
— No caso, constata-se que a embargante e o executado, não obstante a separação de pessoas e bens, estão casados e que, por outro lado, foi objeto de penhora um imóvel, penhora essa que fundou a reação por parte da embargante através dos presentes embargos, sendo que a embargante nunca foi citada no âmbito da execução fiscal.
— Ora, havendo penhora de bem imóvel ou móvel sujeito a registo, a posição do cônjuge do executado é sempre de co-executado, devendo ser citado enquanto tal (é esta a disciplina que se encontra vertida no art. 239º, do CPPT), independentemente de o bem ser próprio ou comum, de ter ou não havido separação de pessoas e bens ou de a dívida ser ou não comunicável. E o facto de a embargante não ter sido citada nessa qualidade não lhe confere a qualidade de terceiro, para efeitos de embargos, redundando aquela circunstância em situação de falta de citação, arguível nos termos do art. 165º do CPPT.
— Visto o disposto nos arts. 97º, nº 2, da LGT e 98º, nº 4 do CPPT, ocorrendo erro na forma de processo, este será convolado na forma do processo adequada, sendo que tal erro importa a anulação dos actos que não possam ser aproveitados (art. 199º do CPC/1961) e sendo que esta nulidade é de conhecimento oficioso.
No articulado inicial a recorrente não deixou de esgrimir a falta da sua citação para a execução fiscal, pelo que esse articulado não pode deixar de ser entendido como requerimento visando a declaração daquele tipo de nulidade, ou, na pior das hipóteses, como sugerindo-o.
E, assim, estando afirmada a falta de citação, deverão ser os presentes embargos convolados em requerimento de arguição de nulidade, por falta de citação.

3.3. Do assim decidido discorda a recorrente, reiterando a alegação de que, na interpretação do disposto no art. 239º do CPPT, a sentença recorrida confunde duas dimensões distintas da separação de pessoas e bens, ignorando que após tal separação, apesar de se manter o vínculo conjugal (dimensão pessoal), já no que concerne aos bens (dimensão patrimonial) a separação produziu os efeitos que produziria a dissolução do casamento, cessando por completo as relações patrimoniais entre os cônjuges, sendo certo que em termos de aplicação do disposto naquele art. 239º do CPPT estamos apenas e só perante a dimensão patrimonial, pelo que, o conceito de “cônjuge” aí presente não abrange aqueles que se encontram separados de pessoas e bens, relativamente aos quais se produziram os efeitos patrimoniais da dissolução do casamento, sendo precisamente esse o caso dos autos, porquanto, à data da penhora sobre o imóvel a embargante já era separada de pessoas e bens do executado, e era já a única e legitima proprietária de tal bem face à aquisição por partilha resultante da separação.
Pelo que, contrariamente ao decidido, não havia que aplicar este art. 239º do CPPT, sendo manifestamente errada a interpretação constante da sentença recorrida quando refere que “Independentemente de o bem ser próprio ou comum, de ter ou não havido separação de pessoas e bens ou de a dívida ser ou não comunicável, havendo penhora de bem imóvel ou móvel sujeito a registo, o cônjuge do executado é considerado co-executado, devendo ser citado enquanto tal.”
Vejamos.

3.4. Não contendo o CPPT qualquer definição privativa ou própria do processo de execução fiscal para o conceito de “terceiro”, há que recorrer às normas (subsidiárias) do CPC relativas aos embargos de terceiro, nomeadamente ao disposto nos actuais arts. 342º e 343º do novo CPC (correspondentes ao anteriores arts. 351º e 352º) onde se definem os terceiros, para efeitos de embargos, como aqueles que não são partes na causa e onde também se referencia o cônjuge que tenha a posição de terceiro.
No caso, a execução fiscal foi instaurada contra a sociedade C………….., Lda., nela tendo sido posteriormente (em 27/01/2011) determinada a reversão contra B…………., na qualidade de responsável subsidiário e com o qual a embargante é casada, mas estando separados de pessoas e bens.
Foi registada a Favor da Fazenda Nacional (através da inscrição correspondente à Ap. 5242, de 16.11.2011) a penhora realizada a 30/09/2011 do prédio em causa nos autos, cuja aquisição (por partilha subsequente a separação de pessoas e bens) fora registada a favor da recorrente, através da inscrição correspondente à Ap. 2454, de 18.10.2011.
Ora, dado que a responsabilidade subsidiária dos gerentes tem natureza extra-contratual, as respectivas dívidas são da exclusiva responsabilidade do gerente, (Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. III, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 16 ao art. 204º, p. 456, bem como o ac. da 2ª Secção do STA, de 31/1/2001, rec. nº 023428, entre outros.) sendo que, por estar em causa a responsabilidade subsidiária do revertido [e, portanto, dívidas que são unicamente da sua responsabilidade, que não do seu cônjuge, ou seja, dívidas próprias daquele, que não dívidas comuns (Ac. do Pleno do STA, de 5/12/2001, rec. nº 021438, in Ap. DR, de 14/3/2003, pp. 212 a 217.)] só contra ele pode ser instaurada a execução (art. 1692º, al. b) do CCivil).
E apesar de por tais dívidas – da responsabilidade de um dos cônjuges – responderem os bens próprios do cônjuge devedor (ou seja, do executado revertido) e, subsidiariamente, sendo caso disso, a sua meação nos bens comuns (art. 1696º do CCivil), embora com a moratória ali também prevista, em sede de execução fiscal o cônjuge do executado é obrigatoriamente citado para intervir no processo sempre que a penhora recaia sobre bens imóveis ou móveis sujeitos a registo (art. 239º do CPPT).
Sobre esta matéria, pondera Jorge Lopes de Sousa o seguinte: «Esta qualidade de “cônjuge do executado”, para estes efeitos, só existirá quando os cônjuges não sejam e não devam ser ambos executados, desde o início, por a execução ser ou dever ser dirigida contra ambos os cônjuges. Nestes casos, naturalmente, ambos os cônjuges terão todos os direitos de executado, independentemente de serem ou não penhorados bens imóveis ou móveis sujeitos a registo. ((1) Sobre este ponto, pode ver-se o acórdão do STA de 3-6-2009, processo nº 82/09.)
Para além destas situações de citação do cônjuge do executado, também quando a penhora recai sobre bens móveis não sujeitos a registo, o cônjuge do executado é sempre citado desde que a dívida exequenda respeite a coima fiscal ou tenha por base responsabilidade tributária exclusiva do outro cônjuge (art. 220º do CPPT).
Trata-se de um regime diferente do previsto no processo civil, em que o cônjuge do executado apenas é citado quando a penhora recaia sobre bens imóveis ou estabelecimento comercial que o executado não possa alienar livremente e quando for necessário penhorar bens comuns, por dívidas da exclusiva responsabilidade do cônjuge executado [arts. 825º e 864º, nº 3, alínea a), do CPC].
Houve no processo de execução fiscal, uma manifesta intenção de alargamento dos casos de obrigatoriedade de citação do cônjuge, em relação aos previstos no processo civil, sendo obrigatória a citação do cônjuge qualquer que seja o regime de bens do casamento e sempre que sejam penhorados bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, independentemente de, à face da lei civil, o cônjuge contra quem é dirigida a execução ter ou não o poder de os alienar livremente.
Na verdade, é esta a conclusão a tirar da não inclusão no CPPT da restrição à obrigatoriedade de citação que se faz na alínea a) do nº 3 do art. 864º do CPC, relativamente aos imóveis que o cônjuge executado possa alienar livremente.
Este alargamento parece conduzir à conclusão de que a razão de ser da obrigatoriedade de citação do cônjuge, no processo de execução fiscal, não é, primacialmente, a defesa dos interesses patrimoniais deste, pois, se o fosse, bastaria impô-la apenas nos casos em que estejam em causa bens de que o cônjuge executado não pudesse dispor livremente, como sucede no processo civil.
Por isso, parece que será de concluir que a razão de ser desta obrigatoriedade, conexionada com a obrigação de registo, está na protecção do interesse da segurança e estabilidade das vendas no processo de execução fiscal, que sai reforçada com a convocação para o processo do cônjuge, titular de múltiplos direitos patrimoniais conexionados com os do executado, que podem ser lesados no processo.
A restrição desta obrigatoriedade a bens registáveis e ao processo de execução fiscal justificar-se-á por serem bens relativamente aos quais há maior interesse público na segurança das transmissões, interesse esse que, precisamente, está subjacente à obrigatoriedade do registo, e por ser em relação às receitas públicas, em face da sua finalidade, que a estabilidade das vendas é mais importante (Ob. cit., Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 3 ao art. 239º, pp. 28/29.
Cfr. também no mesmo sentido, o ac. do STA, de 19/02/2014, proc. nº 0478/13.)
Todavia, relativamente à separação de pessoas e bens, importa atentar, igualmente, no disposto no art. 1795º-A do CCivil: «A separação judicial de pessoas e bens não dissolve o vínculo conjugal, mas extingue os deveres de coabitação e assistência, sem prejuízo do direito a alimentos; relativamente aos bens, a separação produz os efeitos que produziria a dissolução do casamento.» Ou seja, no tocante aos bens, a lei equipara esta separação à dissolução do casamento, havendo, «consequentemente, que proceder à partilha do património do casal, como se o casamento se tivesse dissolvido (art. 1689°), a não ser que os cônjuges sejam casados em regime de separação (caso em que haverá apenas que recorrer à acção de divisão de coisa comum, se houver bens em compropriedade». (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. IV, 2ª ed. revista e actualizada, 1992, anotação 9 ao art. 1795º-A, p. 580.
Cfr., igualmente, Antunes Varela, Direito da Família, 1982, p. 431-432.)
E é, precisamente, por força deste regime especial que, no caso, ficará afastada a obrigatoriedade legal de citação do cônjuge do executado à luz do disposto no art. 239º do CPPT e que o mesmo há-de ser admitido a deduzir embargos de terceiro, por ter incidido penhora sobre bem imóvel do qual é proprietário: face ao disposto naquele art. 1795º-A do CCivil, a separação de pessoas e bens produziu, relativamente aos bens, os efeitos da dissolução do casamento, inexistindo, portanto, desde então, qualquer regime de bens decorrente do casamento, não tendo o executado qualquer direito de propriedade ou meação sobre tal bem (o qual já não é sequer um bem próprio ou comum, pois a separação extinguiu o regime de bens existente, produzindo os efeitos do divórcio) e não se vendo, por isso, que o chamamento à execução lhe confira maiores garantias processuais por ter interesse em deduzir oposição à execução, requerer pagamento em prestações ou extinção total ou parcial da obrigação exequenda mediante dação em pagamento.
A decisão recorrida, julgando verificada a excepção de impropriedade do meio processual e convolando, consequentemente, os embargos de terceiro em requerimento de arguição de nulidade por falta de citação nos termos e para efeito do disposto no art. 239º do CPPT, enferma, assim, do erro de julgamento que a recorrente lhe imputa, impondo-se a sua revogação.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, dando provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal «a quo», para prosseguimento do processo, nos preditos termos e forma processual, se a tanto nada mais obstar.

Sem custas, pois que a recorrida não contra-alegou no recurso.
Lisboa, 9 de Novembro de 2016. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.