Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02708/16.0BEPRT
Data do Acordão:12/17/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:BANCO
CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA
INCONSTITUCIONALIDADE
ILEGALIDADE DE NORMAS
Sumário:I - A Contribuição sobre o Setor Bancário tem natureza jurídica de contribuição financeira.
II - As normas que aprovam o regime jurídico da Contribuição sobre o Sector Bancário não enfermam de inconstitucionalidade por violação dos princípios da legalidade, da não retroatividade e da igualdade.
III - As normas da Portaria n.º 121/2011, de 30/3, também não padecem de ilegalidade.
Nº Convencional:JSTA000P25367
Nº do Documento:SA22019121702708/16
Data de Entrada:11/08/2019
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1.Relatório.

A………….., S.A., inconformado com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a qual julgou improcedente a impugnação que aquele apresentou na sequência da decisão de indeferimento proferida em reclamação graciosa relativa às autoliquidações das contribuições sobre o setor bancário (CSB) referentes ao exercício de 2014, interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), no qual apresentou as seguintes conclusões:

A. Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou improcedente a presente impugnação deduzida contra o ato de indeferimento da reclamação graciosa interposta contra a auto-liquidação da contribuição sobre o setor bancário relativa ao ano de 2014, no valor de € 14.444.540,99.

B. O Tribunal a quo, identificando as questões a decidir como a i) violação do princípio da legalidade na criação e regulamentação da CSB; ii) violação do princípio da igualdade; iii) violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal; e iv) ilegalidade da Portaria n.º 121/2011, de 30/3, ao alterar a natureza da taxa prevista na norma habilitante e ao incrementar a base de incidência da CSB;

C. Decidiu pela improcedência da impugnação, mantendo a liquidação impugnada, justificando a sua motivação com a posição firmada no Acórdão de 19/06/2019 proferido no processo n.º 0683/17, ao qual manifesta a sua adesão.

D. Contudo, a decisão proferida padece, desde logo, do vício de omissão de pronúncia porquanto não se debruça sobre o vício de ilegalidade da Portaria n.º 141/2011, de 30/03 - vício alegado nos artigos 43.º e seguintes da Petição Inicial, e bem assim, artigos 23.º a 31.º das Alegações - o que a fere de nulidade, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 125 do Código do Procedimento e Processo Tributário, dado que é manifesto tratar-se de questão que o Tribunal a quo deveria apreciar. Não o tendo feito, deverá a sentença ser declarada nula, com as consequências legais.

E. Acresce que a fundamentação da sentença é feita na sua quase totalidade por remissão e transcrição do Acórdão de 19/06/2019 proferido no processo n.º 0683/17, sendo em alguns pontos obscuro de que forma a transcrição justifica a não verificação do vício concretamente alegado, o que é patente, especialmente, no caso do vício de violação do princípio de Legalidade.

F. Ora, mesmo quanto aos demais vícios concretamente apreciados, não se conforma o Recorrente com o doutamente decidido.

G. No que tange o vício de violação do princípio da legalidade na criação e regulamentação da CSSB, o Tribunal a quo justifica a sua não verificação pelo facto de a CSSB apresentar na natureza de contribuição financeira.

H. Admitindo que o pensamento subjacente foi que as contribuições financeiras não estão sujeitas ao princípio da legalidade estrita nos mesmos termos em que o estão os impostos, e dai que elementos como a taxa pudessem ser concretizados num diploma de força menor, incorreu o douto tribunal a quo em erro de julgamento.

I. Conforme tem sido reconhecido pelo Tribunal Constitucional e pela Doutrina mais avalizada, não existe, neste âmbito diferenças que justifiquem um tratamento diferente quanto às contribuições financeiras, estando as mesmas sujeitas às mesmas regras e princípios dos impostos.

J. Desde logo, porque prevendo a Lei fundamental a competência exclusiva da Assembleia da República, salvo autorização do Governo, quanto à "criação dos impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas",

K. Enquanto não for criado o referido regime geral, matéria das contribuições financeiras mantém-se sob competência reservada da Assembleia da República, competindo-lhe definir a respetiva incidência e taxa, ou autorizar o Governo a fazê-lo.

L. Por outro lado, a própria Lei Geral Tributária equipara as contribuições especiais aos impostos, como resulta patente do n.º 4 do artigo 4.º da Lei Geral Tributária, "As contribuições especiais, que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade são consideradas impostos.”

M. Acresce que no caso estamos perante um verdadeiro imposto, porquanto não lhe corresponde nenhuma específica contraprestação em favor do contribuinte, e porque a sua cobrança teve como fim a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, e que, por isso, tem apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais.

N. Neste contexto, é incontroverso que foi este o destino dado à CSSB liquidada no ano em apreço (na verdade, desde a sua criação), pois que apenas com a Lei n.º 75-A/2014, de 30 de setembro, passou a existir afetação da receita obtida com a cobrança da CSSB ao fundo de resolução:

O. Atente-se que o próprio Tribunal de Contas sublinha que estamos perante um imposto.- 16 Cf. o Parecer n.º 3-A/2015 do Tribunal de Contas sobre a Conta Geral do Estado.

P. Ora, o artigo 141.º da Lei do OE para 2011, tendo definido as linhas gerais do regime deste imposto, remeteu para regulamentação através de portaria a definição dos seus elementos essenciais, nomeadamente a taxa e respetiva base de incidência (cf. artigo 8.º do regime jurídico da CSSB).
Q. No que tange em específico a taxa de imposto a aplicar, o artigo 4.º do regime jurídico da CSSB estatui que a mesma poderá variar "entre 0,01% e 0,05% em função do valor apurado" no que concerne à contribuição relativa aos passivos, e "entre 0,00010% e 0,00020% em função do valor apurado" no que concerne à contribuição relativa a instrumentos financeiros derivados.

R. Sucede que, à face da redação atual da Lei constitucional, o princípio da legalidade exige que a lei determine a taxa dos impostos e não apenas os seus limites, como se previa anteriormente no artigo 70.º da Constituição de 1933, na redação conferida pela revisão de 1971.

S. No entanto, na decisão ora recorrida, defende-se que a Portaria se limita a densificar as características gerais do regime jurídico aprovado.

T. Ainda que tal fosse admissível, no que não se concede, a habilitação legal de fixação de taxas de imposto através de portaria apenas se deve considerar conforme à constituição desde que estabelecida de acordo com um critério de "razoabilidade quanto ao intervalo dentro do qual o legislador regulamentar podia fixar a taxa efectiva cuja razão de ser só poderia corresponder à sua preocupação de que esse intervalo não fosse de tal modo amplo que criasse uma incerteza intolerável quanto ao grau de amputação de riqueza admissível e esvaziasse de real conteúdo o juízo de opção política expresso num tal modo de tributação exigido ao legislador parlamentar."- 17 Cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 70/2004.

U. No caso em apreço, a lei habilitante admite uma variação de 500% (atualmente 1100%) entre os montantes mínimo e máximo previstos.

V. Ora, é evidente que margens tão amplas não podem ser tidas como razoáveis ou adequadas o que é sintomático se tomarmos como exemplo o caso do ora Recorrente: os limites definidos pela norma habilitante implicam que a contribuição devida possa variar entre € 2.064.696,57 e € 14.444.540,99.

W. Acresce que, ao contrário do que se afirma na douta sentença recorrida, a Portaria em apreço não se limita a densificar as características da CSSB. De facto, a Portaria desrespeita os ditames impostos pelo regime jurídico da CSSB!

X. Determinando o artigo 4.º do regime da CSSB que as taxas do imposto variam "em função do valor apurado", é evidente que o legislador pretendia que a referida taxa fosse uma taxa progressiva, i.e., aplicando-se aos escalões mais baixos determinada taxa, e uma taxa superior aos escalões superiores.

Y. Tendo a Portaria fixado taxas únicas, logicamente o seu valor não varia "em função do valor apurado" (conforme exigido pela norma habilitante), transfigurando, por conseguinte, a natureza da taxa aplicável, transformando-a numa taxa proporcional.

Z. Pelo que o legislador ordinário arrogou-se o direito de impor sobre os contribuintes a cobrança de um montante de imposto sempre mais elevado do que aquele que lhe era permitido pelo legislador parlamentar, pelo que a Portaria não pode deixar de ser considerada ilegal à luz da norma habilitante.

AA. No entanto, a ilegalidade da Portaria n.º 121/2011 não se basta pela alteração da natureza da taxa aplicável: também na definição da base de incidência veio este instrumento normativo ultrapassar aquilo que se encontrava previsto na norma habilitante: de facto, pese embora a alínea a) do artigo 3.º do regime jurídico da CSSB previsse a dedução, à base de incidência, dos depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos, veio a Portaria n.º 121/2011 determinar, na alínea c) do número 2 do artigo 4.º que estes depósitos "relevam apenas na medida do montante efectivamente coberto por esse Fundo.".

BB. Ora, admitindo que a lei habilitante permitia alterações tão profundas aos elementos essenciais do imposto, a lei habilitante revela-se manifestamente inconstitucional, por desrespeito do princípio da legalidade, em virtude da definição, através de portaria, dos seus elementos essenciais.

CC. Por sua vez, no que se recorta ao vício de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, é para o ora Recorrente evidente que a teologia e pensamento legislativo subjacentes a este imposto se encontram feridos do mesmo vício de inconstitucionalidade, em virtude de inadmissível atropelo do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP.

DD. Não obstante, entendeu a douta sentença recorrida não ocorrer violação dos princípios da igualdade e da equivalência, aderindo, mais uma vez, ao decidido no Acórdão do STA de 19/06/2019, proferido no processo n.º 0683/17.

EE. Não se conforma o Recorrente com o doutamente decidido, porquanto, sendo a teleologia conducente à criação da CSSB o intencional acréscimo de oneração fiscal do sector financeiro, bem como a dissuasão da adoção de posições de risco, não se compreende qual o motivo para que tal oneração e presunção de criação de risco seja imputada exclusivamente ao sector bancário.

FF. Com efeito, ao incidir apenas, em termos subjetivos, sobre as instituições de crédito, excluindo, assim, outros agentes económicos com forte intervenção no mercado financeiro, tais como as sociedades financeiras (conforme definidas, quanto à sua espécie e atividade, nos artigos 4.º,5.º e 6.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras - de ora em diante RGICSF), fica gorado o objetivo de oneração de todo o setor financeiro,

GG. Além do mais, o risco sistémico inerente ao mercado financeiro não é matéria de exclusiva responsabilidade das instituições de crédito: além das instituições de crédito e das sociedades financeiras, são também intervenientes no mercado financeiro, em maior ou menor medida, todos os agentes económicos que pratiquem ou participem em operações de financiamento, bem como de investimento e negociação em valores mobiliários, entre outras.

HH. Por seu turno, tendo presente que a atividade bancária consiste na receção de depósitos e outros fundos reembolsáveis e na concessão de crédito, e que a CSSB incide sobe todo o passivo, é notório que a mesma é indiferente à real situação económica dos sujeitos passivos e ao concreto perfil de risco.

II. Aliás, o facto de a mesma ser cobrada após aprovação das contas no ano seguinte àquele a que respeitam os factos, denota que a mesma não assume uma verdadeira finalidade dissuasora.

JJ. É, pois, inquestionável, que não obstante os propósitos invocados para a sua criação, a mesma tem uma natureza exclusivamente financeira, pendendo, pois, para o lado da "satisfação das necessidades financeiras do estado" (cf. número 1 do artigo 103.º da CRP).

KK. E a ser assi, a sua criação deveria se norteada por critérios de justiça material, o que no presente caso se traduziria na proibição da sua aplicação a um sector específico, dado que deverão ser todos os contribuintes a contribuir para a satisfação das necessidades financeiras do Estado.

LL. Com efeito, conforme supra referido, a satisfação das necessidades financeiras do Estado, enquanto propósito orientador da criação do sistema fiscal, deve assentar numa justa distribuição dos encargos tributários não devendo, portanto, onerar de forma mais gravosa, um grupo específico e pré-determinado de contribuintes, apenas e tão só em função das atividades por eles desempenhadas.

MM. E ainda que se classificasse a CSSB como uma contribuição financeira, o princípio da equivalência sempre exigiria a existência de uma relação provável entre a contribuição e a intervenção estadual que a mesma visa financiar, o que apenas se alcançaria se existisse uma análise efetiva quanto ao perfil de risco das instituições de crédito concretamente abrangidas.

NN. É, por conseguinte, frontal e evidente quer a violação do princípio da igualdade tributária, quer a violação do princípio da equivalência, pela CSSB não restando dúvidas quanto à sua inconstitucionalidade.

OO. Do mesmo modo, entende o ora Recorrente ser evidente a violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, consagrado no número 3 do artigo 103.º da CRP, bem como no número 1 do artigo 12.º da LGT.

PP. Inversamente, entende a douta sentença recorrida que o mesmo não se verifica, colocando a tónica no facto de a aprovação das contas ocorrer no mesmo ano em que se realiza o seu apuramento.

QQ. Desde logo, não concorda o Recorrente com a conclusão de que o facto tributário é constituído pelos passivos apurados e aprovados pelo sujeito passivo no próprio ano em que é devida a contribuição.

RR. O facto de o artigo 6.º da Portaria n.º 121/2011, de 30 de Março estabelecer que a base de incidência "é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas aprovadas no próprio ano em que é devida a contribuição", não significa, no entender do Recorrente, que deva remeter-se para o momento de aprovação de contas a verificação do facto tributário.

SS. Desde logo, a referência a "média anual dos saldos finais de cada mês" não deixa dúvidas quanto ao momento em que essa média anual se cristaliza na esfera do sujeito passivo: o dia 31 de Dezembro (ou o último dia do exercício relevante, no caso de sujeitos passivos que adotem um período de tributação diferente do ano civil), uma vez que é nesse momento que é finalmente fechado o período de tributação e, por conseguinte, será possível aferir a média anual dos saldos dos passivos relevantes para efeitos de cálculo da base de incidência da CSSB nos termos dos artigos 3.º e 4.º da Portaria n.º 121/2011, de 30 de Março.

TT. Por outro lado, sempre deve recordar-se que a prestação de contas por parte de sociedades comerciais não tem senão um efeito de relato, um efeito meramente confirmativo mas não constitutivo ou modificativo - da situação da sociedade.

UU. Por outras palavras, a CSSB liquidada em cada exercício, incide necessariamente, sobre factos tributários ocorridos e consolidados na esfera dos sujeitos passivos durante o exercício anterior.

VV. Ora, de acordo com o número 2 do artigo 6.º da Portaria n.º 121/2011, de 30/03, a base de incidência da eSSB "é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês".

WW. Em concreto, relativamente à eSSB liquidada no exercício de 2014 e ora impugnada, a base de incidência é constituída pelos saldos finais de cada mês do ano de 2013.

XX. A imposição da eSSB no caso concreto é, por conseguinte, incompatível com o princípio da não retroatividade da lei fiscal, uma vez que onera factos tributários já ocorridos, em claro desrespeito pela segurança jurídica e confiança dos sujeitos passivos devendo, por isso, ser considerada inconstitucional.

YY. Por fim, sobre a ilegalidade concreta da Portaria n.º 121/2011, de 30/03, conforme referido anteriormente, a mesma não se limita a "densificar" os elementos relativos à taxa e à base de incidência, indo muito para além da "autorização" legislativa constante no regime jurídico da CSSB.

ZZ. De facto, por um lado procede à alteração da natureza da taxa prevista na norma habilitante, e por outro, incrementa a respetiva base de incidência.

AAA. Pois que, determinando o artigo 4.º do regime da CSSB que as taxas do imposto deveriam variar "em função do valor apurado", é evidente que o legislador parlamentar pretendia que a referida taxa fosse uma taxa progressiva, aplicando-se aos escalões mais baixos determinada taxa, e uma taxa superior aos escalões superiores.

BBB. Contrariamente à norma habilitante, o artigo S." da Portaria n.º 121/2011 vem determinar duas taxas únicas, de 0,05% e 0,00015% (para as os passivos e para os instrumentos financeiros derivados, respetivamente), que se aplicam sobre a base de incidência apurada nos termos dessa mesma Portaria.

CCC. Sendo taxas únicas, logicamente o seu valor não varia em "função do valor apurado" (conforme exigido pela norma habilitante) transfigurando, por conseguinte, a natureza da taxa aplicável.

DDD. Tal implica que legislador ordinário arrogou-se o direito de impor sobre os contribuintes a cobrança de um montante de imposto sempre mais elevado do que aquele que lhe era permitido pelo legislador parlamentar, pelo que a Portaria não pode deixar de ser considerada ilegal à luz da norma habilitante.

EEE. Também na definição da base de incidência veio este instrumento normativo ultrapassar aquilo que se encontrava previsto na norma habilitante. De facto, pese embora a alínea a) do artigo 3.º do regime jurídico da CSSB previsse a dedução, à base de incidência, dos depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos, veio a Portaria n.º 121/2011 determinar, na alínea c) do número 2 do artigo 4.º que estes depósitos "relevam apenas na medida do montante efectivamente coberto por esse Fundo.".

FFF. De facto, a redação da norma constante do regime jurídico da CSSB era clara, ao excluir da base de incidência do imposto os depósitos garantidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos, sem estabelecer qualquer limite ou relevância quantitativa de tal dedução.

GGG. A imposição de tal limite através da Portaria n.º 121/2011 implica o incremento da respetiva base de incidência da CSSB, e por conseguinte, um inadmissível vício de ilegalidade.

HHH. Pois bem, a Portaria n.º 121/2011, ao arrogar-se o direito de alterar a natureza das taxas, bem como a base de incidência legalmente definidas, claramente está a atribuir-se um valor normativo superior ao seu, o que claramente consubstancia um vício de ilegalidade da Portaria em apreço.

III. Pelo exposto se demonstra que o douto Tribunal a quo, esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de direito, em clara e manifesta violação e interpretação do normativo legal e constitucional vindos a referir.

Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por decisão que julgue procedente a presente impugnação judicial, condenando a Recorrida no reembolso do montante de € 14.444.405,99, acrescido dos respetivos juros

O recurso foi admitido, tendo o Mm.º juiz se pronunciado sobre a nulidade da sentença.

E, não tendo o recurso merecido resposta por parte da Fazenda Pública, o magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer em que, após delimitar o objeto do recurso, se pronunciou quanto à alegada nulidade da sentença, bem como ao mérito do recurso, acabando a defender dever ser negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida, de acordo com vários acórdãos do S.T.A. que cita.
2. Objeto do recurso.
Sendo objeto do recurso a sentença recorrida, aquele objeto concretiza-se na apreciação das seguintes questões:
- Nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia quanto à ilegalidade da Portaria n.º 121/2011, de 30/3;
- Qualificação da C.E.S. como contribuição financeira ou imposto;
- Violação do princípio da legalidade pelo regime jurídico da C.E.S., nomeadamente, dos normativos constantes dos seus artigos 4.º e 8.º, e do art. 5.º da Portaria n.º 121/2011;
- Violação, pelo mesmo regime, do princípio da igualdade;
- Violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, nomeadamente, pelos artigos 3.º e 4.º do dito regime, e pelo art. 6.º n.º 2 da Portaria 121/2011.
- Ilegalidade da referida Portaria n.º 121/2011, nomeadamente, do seu art. 4.º n.º2, c).
3. Fundamentação:
3.1. Na sentença recorrida, posta em causa pelo recorrente quanto a matéria de direito, foram dados os seguintes factos como provados, os quais não resultam, assim, controvertidos:
A) A Impugnante é uma instituição de crédito – facto admitido por acordo.
B) Em 30/06/2014, a Impugnante apresentou a declaração Modelo 26 referente ao ano de 2014, autoliquidado CSB no valor de € 14 444 405,99 – cfr. fls. 24 do processo físico, cujo teor se dá por reproduzido.
C) A CSB mencionada na alínea anterior foi paga em 30/06/2014 – cfr. fls. 25 e 27 do processo físico, cujo teor se dá por reproduzido;
D) Em 01/07/2016, a ora Impugnante apresentou reclamação graciosa da autoliquidação da CSB mencionada na alínea B) supra, nos termos e com os fundamentos vertidos a fls. 2 a 17 do procedimento de reclamação graciosa (PRG) apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
E) A reclamação graciosa mencionada na alínea anterior foi indeferida por despacho do Diretor Adjunto da Unidade dos Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária, datado de 19/08/2016 – cfr. fls. 25 a 31 e 36 a 38 do PGR apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
F) presente impugnação judicial foi deduzida em 08/11/2016 – cfr. fls. 2 a 19 do processo físico.
3.2. Nulidade por omissão de pronúncia:
Conforme fundamentação da sentença recorrida, resulta apreciada a ilegalidade da Portaria n.º 121/2011, por referência ao acórdão do S.T.A. proferido a 19-6-2019 no processo 02340/13.0BEPRT,em julgamento ampliado de recurso, de acordo com o referido artigo 148.º do C.P.T.A..
A dita ilegalidade foi tratada a propósito da violação do princípio da igualdade, no qual se considerou que a referida Portaria se limitou a densificar as caraterísticas essenciais do regime jurídico da CSB, salientando-se ainda que em referido acórdão do Tribunal Constitucional se pronunciou já no sentido da conformidade constitucional de uma norma que fixava o intervalo dentro do qual diploma complementar podia proceder à fixação de uma taxa.
Consideramos, pois, que não ocorre a invocada omissão de pronúncia.
3.3. Mérito do recurso.
A fundamentação adotada no dito acórdão do Pleno, ainda que referente à CSB de 2011, foi não só mantida como alargada relativa à CSB dos anos posteriores até 2015, por posteriores acórdãos do S.T.A. – assim, nos processos 02135/15.6BEPRT e 02132/14.9BELRS, ambos com data de 3-7-2019 – referentes à CSB dos anos de 2012, 2013 e 2015-, 0251/14.0BEFUN, 0837/15.6BELRS, 02133/14.7BELRS e 03125/16.7BELRS, os 4 com data de 11-7-2019, 0498/12.4BELRS, de 25-9-2019 e 02359/14.3BEPRT de 9-10-2019, entre outros, publicados em www.dgsi.pt.
Pode ler-se na fundamentação do dito acórdão do Pleno, nomeadamente, o seguinte:
“Trata-se, pois, de um tributo que, interessando um grupo homogéneo de destinatários e visando prevenir riscos a este grupo associados, se efectiva na compensação de eventual intervenção pública na resolução de dificuldades financeiras das entidades desse sector, por forma a eliminar os riscos sistémicos dali advenientes. Surgindo assim claramente afirmada a natureza jurídica de contribuição financeira da CSB e não de imposto com finalidade correctiva ou pigouviana.”
E quanto aos princípios constitucionais da legalidade e da igualdade ora postos também em causa, que “pela natureza de contribuição financeira da CSB, resulta que a criação da mesma não está sujeita a reserva de lei formal, expressa na imperatividade de lei da AR ou de decreto-lei do Governo, com credencial parlamentar (arts. 165º, nº1, al. i) e 198º, nº1, al. b), ambos da CRP) e “no caso da CSB, o respectivo regime jurídico foi, como se viu, criado pelo art. 141º da Lei nº 55-A/2010, de 31/12 (OE 2011), aí constando a incidência subjectiva e objectiva e as margens de variação das taxas aplicáveis a cada uma das componentes da base de incidência objectiva, sendo que a Portaria nº 121/2011, de 30/03, para a qual também se remete, se limitou à densificação das características essenciais do regime jurídico (base de incidência, taxas, regras de liquidação, de cobrança e de pagamento), cumprindo o escopo regulamentar prescrito no próprio regime jurídico da CSB inserido no art. 141º daquela Lei da AR (maxime no art. 8º desse Regime Jurídico).
Daí que não ocorra, portanto, inconstitucionalidade material, por violação do princípio da legalidade fiscal das normas de tal Regime Jurídico (art. 103º, nº 2 da CRP), nem inconstitucionalidade orgânica, por violação do princípio da reserva de lei formal (art. 165º nº 1, al. i) da CRP), das normas da Portaria n° 121/2011, de 30/03.
Aliás, no âmbito de uma questão semelhante e relativamente às margens de variação das taxas aplicáveis, o Tribunal Constitucional também se pronunciou (deliberação por maioria) pela não inconstitucionalidade (No ac. nº 70/2004, de 28/01/2004 (votado por maioria), no qual estava em apreciação o regime de fixação das taxas do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), constantes dos nºs. 1, 2, 3 e 4 do art. 32º da Lei nº 32-B/2002, de 30/12 (OE para 2003).), afirmando o seguinte: «Ao definir o factor de quantificação do imposto traduzido na taxa apenas através da indicação das suas respectivas balizas, mínima e máxima, não deixa o legislador parlamentar de actuar, no exercício desse poder tributário, em representação política dos cidadãos contribuintes, expressando-o num consentimento de tributação que se traduz na possibilidade da taxa desde um mínimo até uma taxa máxima.
Assim quem entenda o princípio da legalidade fiscal numa tal acepção não pode deixar de concluir, imediatamente, pela conformidade com a Lei Fundamental das normas ora sindicadas. Na verdade, ao fixar o intervalo dentro do qual o diploma regulamentar pode proceder à fixação do valor da taxa, e, maxime, ao determinar o seu montante máximo, o legislador parlamentar está a manifestar a sua clara opção política por uma tributação efectiva futura até ao limite expresso pela taxa máxima.»
Mas também não ocorre violação dos questionados princípios da igualdade e da equivalência (art. 13º da CRP).
Sendo certo que o princípio da igualdade aplicado ao domínio tributário se reflecte numa dupla vertente — (i) igualdade perante a lei fiscal, no sentido da inexistência de qualquer discriminação dos cidadãos face às leis fiscais; (ii) igualdade tributária ou igualdade de sacrifícios, expressa quer em igualdade horizontal (significando que os titulares das mesmas formas de riqueza devem ser tributados em termos iguais), quer em igualdade vertical (significando que o sacrifício dos encargos fiscais deve ser repartido em função dos rendimentos de cada um) — a sua observância traduz-se num resultado positivo do teste de adequação das normas tributárias aos critérios da capacidade contributiva e da equivalência.
Daí que, esse princípio da igualdade, se objective, no caso dos impostos, no princípio da capacidade contributiva, e no princípio da equivalência, no caso das taxas e das contribuições financeiras, pressupondo uma relação de equivalência entre a prestação da entidade pública e o valor do benefício obtido ou do custo provocado pelos sujeitos passivos destas figuras tributárias. Não se exige, porém, uma total equivalência sinalagmática, na medida em que as contribuições financeiras respeitam a feixes de prestações que apenas podemos presumir provocadas ou aproveitadas por certos grupos de contribuintes (cfr. o citado acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n° 539/2015).
Acresce que nos acórdãos posteriores ao proferido em julgamento ampliado foi já considerado que o regime da C.S.B. que vigorou desde 2011, “a partir de 2013 passa também a vigorar o regime de contribuições para o Fundo de Resolução (iniciais, periódicas e especiais) àquele efectiva e directamente destinadas, não é impeditivo da C.S.B..
Também, não ocorre violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, pois, conforme consta do dito acórdão do Pleno, “o momento relevante a considerar é o da aprovação das contas e não o do encerramento do exercício, sendo que nas instruções constantes da declaração modelo 26 (cfr. o anexo à Portaria) constava igualmente a indicação de que «[a] base de incidência apurada é sempre calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas aprovadas no próprio ano em que é devida a contribuição.»
Não há, portanto, aplicação da lei nova a factos tributários integralmente verificados ou cujos efeitos estivessem integralmente produzidos e verificados no domínio da lei antiga, ou seja, antes da entrada em vigor da lei nova, nem ocorrendo, assim, destruição de efeitos produzidos por actos pretéritos.
E considerando, como se disse, que o Tribunal Constitucional tem entendido que apenas a retroactividade de 1º grau está contemplada no nº 3 do 103º da CRP (a retroactividade imprópria ou inautêntica será tutelável apenas à luz do princípio da confiança), concluímos que, também relativamente a esta matéria, a decisão recorrida não enferma do erro de julgamento que lhe é imputado pela recorrente.”
Assim, e de acordo com a dita jurisprudência, a C.S.B. enquadra-se em tributo do tipo contribuição financeira e não ocorrem as inconstitucionalidades por violação de todos os princípios constitucionais invocados pela ora recorrente, nem a ilegalidade da Portaria n.º 121/2011.
3.4. Dispensa do remanescente do pagamento da taxa de justiça.
Sendo o valor em causa de € 14 444 405,99, é de dispensar o pagamento do remanescente do pagamento da taxa de justiça, dada a menor complexidade, considerando os referidos anteriores acórdãos do S.T.A. – artigo 6.º n.º 7 do Regulamento de Custas Processuais (R.C.P.).


4. Decisão:
Nos termos expostos, os Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.
Custas do recurso pelo recorrente, o qual fica dispensado do pagamento do remanescente do pagamento da taxa de justiça dada a menor complexidade ora resultante – artigo 6.º n.º 7 do R.C.P..

Lisboa, 17 de Dezembro de 2019. – Paulo Antunes (relator) – Aragão Seia - Suzana Tavares da Silva.