Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0668/12
Data do Acordão:07/11/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
AVALIAÇÃO INDIRECTA
Sumário:I - Apesar de o contribuinte só poder arredar a determinação indirecta de rendimentos levada a cabo pela Administração Tributária ao abrigo do artigo 89.º-A da LGT através da justificação total do montante que permitiu a evidenciada manifestação de fortuna, já assim não é no que toca à fixação do rendimento sujeito a tributação, onde a justificação parcial há-de relevar para a fixação presuntiva do montante do acréscimo patrimonial não justificado sujeito a imposto.

II - Tendo o contribuinte demonstrado que recorreu a empréstimos bancários para adquirir os imóveis cujo valor determinou a avaliação indirecta dos seus rendimentos à luz daquele artigo 89.º-A da LGT, a quantificação do rendimento tributável deve ser igual a 20% do valor de aquisição dos imóveis mas deduzido do montante desses empréstimos, já que o montante emprestado não está nem pode ficar sujeito a IRS.

Nº Convencional:JSTA00067741
Nº do Documento:SA2201207110668
Data de Entrada:06/15/2012
Recorrente:DIRECTOR DE FINANÇAS DE LISBOA
Recorrido 1:A......
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF FUNCHAL
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRS
Legislação Nacional:LGT98 ART89-A N4 ART73 ART90
CPPTRIB99 ART64
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC0761/08 DE 2009/01/28; AC STAPLENO PROC0734/09 DE 2010/05/19; AC STAPLENO PROC0358/12 DE 2012/07/05; AC STA PROC0486/06 DE 2006/06/28
Referência a Doutrina:XAVIER DE BASTO IRS INCIDÊNCIA REAL E DETERMINAÇÃO DOS RENDIMENTOS LIQUIDOS 2007 PAG368-369.
CASALTA NABAIS O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR IMPOSTOS 1998 PAG497-498.
PEDRO MACHETE ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO E ADMINISTRAÇÃO PARITÁRIA 2007.
SÉRGIO RIBEIRO A TRIBUTAÇÃO PRESUNTIVA DO RENDIMENTO UM CONTRIBUTO PARA REEQUACIONAR OS MÉTODOS INDIRECTOS DE DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL 2010 PAG301-305.
SÉRGIO RIBEIRO MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA E AFASTAMENTO PARCIAL DA PRESUNÇÃO DE RENDIMENTO REVISTA DE FINANÇAS PÚBLICAS E DIREITO FISCAL ANO3 NUMERO3 2010 PAG367-374.
JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED 2011 PAG585-591.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. O DIRECTOR DE FINANÇAS DE LISBOA, recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que julgou parcialmente procedente o recurso que A………, com os demais sinais dos autos, interpôs contra a decisão, proferida em 5/3/2012, pelo Director de Finanças de Lisboa, que lhe fixou, nos termos do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, por métodos indirectos, o rendimento líquido a tributar sede de IRS do ano de 2008, no montante de € 247.529,12.
1.1. Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:
A. O presente recurso é deduzido contra a douta sentença proferida em 1ª instância pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que julgou parcialmente procedente o recurso interposto contra a decisão do Director de Finanças de Lisboa de avaliação indirecta da matéria colectável, efectuada ao abrigo do art. 89°-A da LGT, fixando rendimento líquido a tributar no montante de € 247.529,12, com referência a IRS de 2008.
B. O Recorrente aceita o julgamento da sentença sob recurso quanto à matéria de facto.
C. Considerando que a mesma incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de direito, mais concretamente quanto à interpretação e aplicação do art. 89°-A da LGT, na parte em que o Tribunal a quo conclui que a decisão da Administração Tributária enferma de excesso de quantificação da matéria colectável ao não considerar a justificação parcial das manifestações de fortuna evidenciadas com a aquisição de dois imóveis pelo preço de € 195.000,00 e de € 700.000,00, para os quais foi obtido crédito bancário nos montantes, respectivamente, de € 193.000,00 e de € 100.000,00.
D. A interpretação contida na sentença sob recurso, que ora se impugna, consubstancia, necessariamente, uma interpretação correctiva da norma de incidência tributária, contrária ao princípio constitucional da legalidade.
E. Assim, não se vislumbra que a letra da lei, especificamente o previsto no art. 4° do art. 89°-A da LGT, contemple a faculdade de a Administração Tributária, para efeitos de quantificação da matéria tributável sujeita a IRS, aplicar a taxa de 20% a outro valor que não seja o valor da aquisição do imóvel, estando vedada a possibilidade de fixar um rendimento inferior, mediante a aplicação daquela taxa de 20% ao valor de aquisição do imóvel deduzido da importância justificada parcialmente.
F. O método de tributação indirecta, previsto no art. 89°-A da LGT, pressupõe, por definição, a tributação de um rendimento cuja existência é fortemente indiciada, a partir de factos típicos como as manifestações de fortuna, mas cuja fonte ou natureza, assim como a sua quantidade são desconhecidos.
G. Justamente, importa salientar que as manifestações de fortuna não são factos tributários, ou estaríamos perante uma tributação directa da despesa, o que não é o caso da norma em apreço.
H. As manifestações de fortuna são, isso sim, factos indiciadores de fraude ou evasão fiscais quando se verifica a desproporção com o rendimento declarado nos termos expressamente previstos na lei.
I. Ao justificar parte das manifestações de fortuna, o contribuinte não está a justificar parte do rendimento que se presume a partir da referida tabela, pois muito embora o cálculo do rendimento padrão seja proporcional ao valor de aquisição daquelas, o objectivo daquele método indirecto de tributação é o de tributar ingressos de rendimento que tenham escapado à devida tributação, com vista a uma aproximação da realidade contributiva.
J. Na falta de outros indícios que, nos termos do art. 90º da LGT, permitam à Administração Tributária apurar matéria colectável em montante superior, a situação tributária do contribuinte, no ano em que ocorre a manifestação de fortuna, é apurada exclusivamente com base no rendimento padrão resultante da referida tabela e nunca em montante inferior, ainda que o contribuinte justifique parte do valor de aquisição.
K. É que subjacente ao método de tributação previsto no art. 89°-A da LGT está o desconhecimento da real capacidade contributiva do contribuinte,
L. E uma justificação parcial da manifestação de fortuna implica o desconhecimento da realidade tributária global do contribuinte, para efeitos de IRS, não afastando, por isso, a presunção de fraude e evasão fiscal e a consequente aplicação do padrão de rendimento apurado a partir da tabela do n°4 do art. 89°-A da LGT, para a qual a lei não prevê qualquer redução.
M. A presunção de um rendimento padrão, contida no art. 89°-A da LGT, é claramente uma presunção ilidível, através da prova da origem da totalidade dos fluxos financeiros que suportaram a totalidade do valor de aquisição da manifestação de fortuna evidenciada, nos termos consignados no n° 3 daquele normativo legal.
N. A tributação com recurso ao método indirecto do art. 89°-A da LGT é um regime de carácter excepcional, estando a Administração Tributária estritamente vinculada aos critérios tipificados pelo legislador, não sendo admissível que considere um rendimento inferior ao que resulta da aplicação da tabela quando a lei apenas prevê a hipótese da aplicação de um rendimento superior.
O. O entendimento que se defende com o presente recurso quanto à interpretação do art. 89°-A da LGT, mais concretamente sobre a quantificação da matéria colectável em face de uma justificação parcial da manifestação de fortuna, tem um relevante apoio quer na doutrina, quer na jurisprudência, conforme supra se transcreveu.
P. Por sua vez, a interpretação acolhida na sentença sob recurso afigura-se sem assento na letra ou no espírito da lei, incorrendo numa interpretação correctiva do disposto no art. 89°-A da LGT, atentatória do princípio da legalidade tributária.
Q. Termos em que se conclui que a decisão da Administração Tributária em crise não incorreu em excesso de quantificação da matéria colectável a tributar a título de acréscimos patrimoniais não justificados, devendo, como tal, manter-se na íntegra na ordem jurídica.

1.2. O Recorrido apresentou contra-alegações para sustentar a correcção do julgado.

1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto do Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que devia ser negado provimento ao recurso, por entender, em suma, que, «De facto, a sentença recorrida segue a mais recente, uniforme e reiterada jurisprudência deste STA, plasmada no acórdão do PLENO da SCT, de 19 de Maio de 2010 ( Proferido no recurso n.º 0734/09. No mesmo sentido, acórdãos do STA de 15/02/2012-P. 050/12; de 07/03/2012-P. 0188/12; de 07/03/2012-P. 0179/12; de 12/04/2012-P. 0298/12 e de 12/05/2012-P.0381/12. Todos os citados acórdãos estão disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt.), cuja fundamentação se subscreve, ressalvado o devido respeito pelos votos de vencido ali exarados.
Nos termos do estatuído no artigo 89.°-A/1 da LGT haverá lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando o rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior a 50% para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da tabela referida no n. 4 do mesmo artigo.
No caso em análise verifica-se esse condicionalismo.
Efectivamente, em 2007 o recorrido adquiriu um imóvel pelo valor de € 195.000,00, a que corresponde o rendimento padrão de € 39.500,00 e em 2008 outro imóvel, pelo valor de € 700.000,00, a que corresponde o rendimento padrão de € 140.000,00 e um automóvel BMW, pelo valor de € 137.058,25, a que corresponde o rendimento padrão de € 68.529,125, quando é certo que não declarou qualquer rendimento.
Como resulta do probatório o recorrido justificou parcialmente a manifestação de fortuna, no valor de € 793.000,00, resultante de mútuo, sendo certo que o despacho sindicado do DDFL não relevou tal facto, tendo considerado como rendimento colectável o rendimento padrão de € 247.529,12.
Ora, como muito bem sustenta a sentença recorrida, ancorando-se no já referido acórdão do PLENO deste STA, esta justificação parcial não pode deixar de ser considerada na quantificação do rendimento tributável.
De facto, a essa solução não pode deixar de levar a natureza das normas em causa, relativas à incidência objectiva do imposto, a proibição constitucional de presunções legais absolutas de rendimentos derivada do princípio da capacidade contributiva, o disposto no artigo 73.º da LGT e, bem assim, a busca de uma interpretação conforme os princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da tributação dos rendimentos reais e do Estado de Direito Democrático».

1.4.Com dispensa dos vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, cumpre decidir em conferência.

2. A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
A) Em 17-08-2007, A………, celebrou no Cartório Notarial da Amadora, escritura de aquisição do prédio urbano, designado pela letra J, sito na Rua ………, nºs. ………, ………, ……… e ……… e Rua ………, nºs. …….. e ………, em ………, Queijas, descrita na Segunda Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º 155, da freguesia de Queijas, inscrito na respectiva matriz sob o n.º P 2405 pelo preço de € 195.000,00 e contraído mútuo no valor de € 193.000,00 - (cfr. doc. de fls. 63 a 77 destes autos e fls. 68 a 74 do processo administrativo junto).
B) Em 02-10-2007, A………, declarou junto do Serviço de Finanças de Oeiras 1, o domicílio fiscal sito na Rua ………, n.º …..…., ………, em Queijas - (cfr. doc de fls. 55 e 57 do processo administrativo junto).
C) Em 17-07-2008, o recorrente, com indicação de residente em Rua ………, n.º ………., 2790-……… Queijas, entregou junto da Alfândega de Setúbal, declaração aduaneira de introdução no consumo n.º 2008/0145450, do veículo Marca BMW, Modelo M560, onde consta, além do mais, o valor tributável de € 137.058,25 - (cfr doc de fls. 77 a 81 do processo administrativo junto).
D) Em 29-10-2008 foi emitida declaração pela empresa B……… de que A……… é seu funcionário com a função de Administrador e que aufere por mês a quantia de cinco mil dólares em salários (cfr. doc., de fls. 43 destes autos e fls. 226 do processo administrativo junto).
E) Em 29-10-2008 foi emitida declaração pela empresa C………, Lda. de que A……… é seu sócio-gerente e que aufere por mês a quantia de quinze mil dólares de salário base mensal. - (cfr. doc. de fls. 44 destes autos e fls. 227 do processo administrativo junto).
F) Em 29-10-2008 foi emitida declaração pela empresa D………, Lda. de que A……… é seu funcionário com a função de Director-Geral e que aufere a importância de doze mil dólares de salário base mensal (cfr doc. de fls. 42 destes autos e fls. 228 do processo administrativo junto).
G) Em 16-12-2008, A………, celebrou no Cartório Notarial de ………, escritura de aquisição do prédio urbano sito em Queijas, descrita na Segunda Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º 227, inscrito na respectiva matriz sob o n.º P 2485 da freguesia de Queijas, pelo preço de € 700.000,00 e contraído mútuo no valor de € 600.000,00 - (cfr. doc. de fls. 46 a 59 destes autos e fls. 49 a 53 do processo administrativo junto).
H) Em 18-06-2009, o recorrente, com indicação de residente em Rua ………, n.º ………., 2790-……… Queijas, entregou junto da Alfândega de Setúbal, declaração aduaneira de introdução no consumo n.º 2009/006736, do veiculo Marca Mercedes-Benz, Modelo 230 AMG, onde consta, além do mais, o valor tributável de € 173.504,70 (cfr. doc. de fls. 94 do processo administrativo junto).
I) Em 15-04-2010, A………, declarou junto da Loja do Cidadão Lisboa 1, o domicílio fiscal sito na Rua ………, n.º ………, em Queijas. - (cfr. doc. de fls. 55 e 58 do processo administrativo junto).
J) O recorrente é portador do bilhete de identidade n.º ………, emitido em 04-05-2005 pelos Serviços de Identificação Civil de Lisboa - (cfr. doc. de fls. 91 do processo administrativo junto).
K) O recorrente possui o número de identificação fiscal ………do Serviço de Finanças de Sintra 3 - Cacém, emitido em 06-05-2004 (cfr. doc. de fls. 92 do proc. administrativo junto).
L) O recorrente encontra-se recenseado em Portugal como eleitor n.º ………da freguesia de Queijas (cfr doc. de fls. 108 do processo administrativo junto).
M) O recorrente é, também, portador do bilhete de identidade n.º ………, emitido pela República de Angola - (doc. de fls. 220 do proc. administrativo junto).
N) O recorrente possui Carta de Condução número ……… de Angola - (cfr. doc. de fls. 222 do processo administrativo junto).
O) O recorrente encontra-se recenseado em Angola como eleitor n.º ………- (cfr doc. de fls. 224 do processo administrativo junto).
P) Em 09-12-2011, a Repartição Fiscal do Segundo Bairro de Luanda da Direcção Nacional de Impostos emitiu certidão atestando que A……… é residente fiscal desde 06-04-2008 e possui o número de identificação fiscal ……… tendo a situação fiscal regularizada. - (cfr. doc. de fls. 40 destes autos e fls. 230 do processo administrativo junto).
Q) Em 4-11-2011, a Direcção de Finanças de Lisboa endereçou ao recorrente o oficio n.º 096251 para prestar esclarecimentos e apresentar elementos relativos à sua situação tributária relativa à aquisição de um imóvel em 16/12/2008, correspondente ao artigo matricial urbano n.º 2485 da freguesia de Queijas, pelo valor de € 700.000,00, considerado como uma manifestação de fortuna - (cfr. doc. de fls. 81 destes autos e fls. 234 do processo administrativo junto).
R) Em 24/01/2012, a Direcção de Finanças de Lisboa, endereçou ao requerente o oficio n.º 007226, através de carta registada, de notificação do requerente para exercer o direito de participação na decisão, na modalidade de audição prévia, sobre o projecto de decisão de aplicação de métodos indirectos para a determinação do rendimento sujeito a IRS - (cfr. doc. de fls. 29 e 30 do processo administrativo apenso).
S) Em 05/03/2012, a Direcção de Finanças de Lisboa, remeteu ao requerente o ofício n.º 019394, através de carta registada com aviso de recepção, com o seguinte teor:
“Fica V. Exa. por este meio notificada, de harmonia com o disposto no art.° 77.º da Lei Geral Tributária (LGT) e no art° 62.° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), das correcções resultantes da acção de inspecção interna, cujo Relatório/Conclusões, se anexa como parte integrante da presente notificação, da decisão de aplicação de métodos indirectos para a determinação do rendimento sujeito a IRS respeitante ao ano de 2008, nos termos a seguir descritos:
a) De acordo com o disposto na alínea d) do n.º 1 do artº 87° da LGT, há lugar à avaliação indirecta no caso de os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo.
b) Detectou-se que este sujeito passivo, no exercício de 2008, declarou um valor nulo de rendimento líquido e adquiriu um imóvel pelo montante de € 700000,00.
c) Tendo o sujeito passivo sido notificado para comprovar que correspondiam à realidade os rendimentos declarados e de que era outra a fonte dos meios financeiros aplicados naquela aquisição, este confirmou o valor do rendimento declarado mas não confirmou na totalidade a fonte das manifestações de fortuna.
d) Pelo que se encontram reunidas as condições legais para, de acordo e nos termos previstos no n.º 4 do art.° 89°-A da LGT, se procederá fixação de rendimento tributável no montante de € 247.529,12 a enquadrar como rendimento da categoria G.
2. De harmonia com o estabelecido nos n.º 1, 5 e 6 da Lei Geral Tributária (LGT) e no art.° 45.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e art.° 60.° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) foi V. Exa. notificada através do oficio n.º 7226 e 7227 de 24/01/2012 desta Direcção de Finanças, para nos termos do n.º 3 do art.° 89°-A da LGT, obstar ao procedimento de fixação desse rendimento tributável fazendo prova de que corresponde à realidade o sua situação tributária e fazendo prova de que é outra a fonte das manifestações de fortuna.
3. Assim, porque no decurso do procedimento inspectivo, não fez a prova exigida no ponto anterior, procedeu-se á fixação do rendimento colectável de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) no ano de 2008 no montante de € 247.529,12.
4. A decisão de avaliação indirecta tem por base os factos, motivos e fundamentos constantes no Relatório/Conclusões, tendo os valores sido fixados de acordo com os critérios e cálculos mencionados no referido Relatório. (...).”. - (cfr. doc. de fls. 23 e 24 do processo administrativo apenso).

T) No relatório de inspecção mencionado na alínea anterior, consta, além do mais, o seguinte:
“1. - CONCLUSÕES DA ACÇÃO INSPECTIVA – RESUMO
Como resultado da acção inspectiva efectuada ao ano de 2008, foi fixado o rendimento colectável em € 247.529,12.
II. - OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA
II.1 - Credencial e período em que decorreu a acção.
Em cumprimento do determinado na Ordem de Serviço 01201106136 com despacho de 2011/11/02, procedeu-se em 201 1/11/04 ao inicio da acção de inspecção interna ao exercício de 2008, ao sujeito passivo A……… NIF ………, com domicilio fiscal na Rua ……… n.º ………, 2790-……… Queijas.
II.2 - Motivo, âmbito e incidência temporal.
A presente Ordem de Serviço teve por base uma acção dirigida aos sujeitos passivos que efectuaram aquisições de imóveis de valor igual ou superior a € 250.000,00, e que evidenciaram uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão a que se refere a tabela prevista no n.º 4 do artigo 89°-A da Lei Geral Tributária (Manifestações de Fortuna).
II.3 - Caracterização dos Sujeitos Passivos.
Trata-se de um agregado familiar, que no ano em análise, não apresentou declaração de IRS e que a ultima declaração apresentada foi referente ao ano de 2004.
IV. - MOTIVOS E EXPOSIÇÂO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
1. De acordo com informação disponível, verifica-se que adquiriu, em 16 de Dezembro de 2008, pelo valor de € 700.000,00, um imóvel, designado por lote 6 inscrito na Matriz Predial urbana da Freguesia de Queijas, Concelho de Oeiras sob o art.° 2485 - anexo 1,
2. Constatou-se igualmente através da consulta à liquidação da declaração de rendimentos modelo 3 que não apresenta qualquer declaração de IRS desde 2004 - anexo 2.
3. Verificadas as condições previstas no referido artigo 89 A da LGT, cabe ao sujeito passivo a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas (n.º 3 do art. 89°-A da LGT). Assim, foi o sujeito passivo notificado, através do ofício n.º 96251, datado de 11/11/2011, para esclarecer, a proveniência dos valores que possibilitaram a aquisição do referido imóvel.
4. Em 18/11/2011 deu entrada nestes serviços um requerimento em Nome do sujeito passivo feito pela Sociedade de Advogados ……… onde é referido que:
O expoente é efectivamente proprietário do referido imóvel;
O exponente não é residente para efeitos fiscais em Portugal, estatuto fiscal que lhe é aliás expressamente reconhecido e aceite pela administração fiscal Portuguesa, juntando cópia do registo central de contribuinte n.º 2810000196140 apresentado em Maio de 2011 constando como representante fiscal a ……… LDA. ZONA FRANCA DA MADEIRA com o NIF ………;
No ano de aquisição do imóvel, bem como no ano de 2009 o exponente não era residente para efeitos fiscais em Portugal. Alias, nunca o foi;
Nos anos de 2008 e 2009, bem como nos remanescentes anos, foi e continua a ser residente para efeitos fiscais em Angola, de onde é alias nacional, como atestam o seu passaporte, o bilhete de identidade e a sua carta de condução que juntou;
A data de emissão da carta de condução é do ano de 2006 e a data da primeira emissão deste documento é de 1995.
É também em território Angolano que o exponente tem uma habitação à sua disposição a título permanente, onde reside no seu dia-a-dia, bem como é em Angola que se encontra o seu centro de interesses vitais, pessoais e profissionais, e onde exerce os seus direitos cívicos, nomeadamente o seu direito de voto, sendo titular do cartão de eleitor que também juntou;
Acresce também que é em território Angolano que desenvolve a sua actividade profissional, sendo remunerado pela mesma e tributado em conformidade pelas autoridades Fiscais Angolanas, juntando cópia de declarações de trabalho para serem presentes no Banco Millennium BCP passadas pela “B………”, C………” e “D………”;
Assim, e tal como ficou provado, o exponente aufere a maior parte dos seus rendimentos em Angola, rendimentos esses que lhe permitiram adquirir o imóvel, pelo que estando justificada a desproporção entre os rendimentos declarados (neste caso, não declarados) e a dita manifestação de fortuna, materializada na aquisição do imóvel, não poderá nem deverá haver lugar a uma avaliação indirecta da matéria colectável de IRS.
Como tal e atendendo a todos os esclarecimentos e elementos expostos e facultados, a Administração Fiscal não deverá determinar a avaliação indirecta da matéria colectável de IRS dos exercícios em causa.
5. Em 27 de Dezembro de 2011 e em aditamento ao requerimento referido no ponto anterior requereu a junção aos referidos elementos, uma certidão emitida pela Direcção Nacional de Impostos, Repartição Fiscal do 20 bairro de Luanda, Angola, atestando que o requerente é residente fiscal, desde 6 de Abril de 2008 em Luanda, Angola.
6. Atentos os factos e elementos apresentados pelo sujeito passivo, e com o intuito de melhor se aferir da real situação quanto ao domicílio fiscal procedemos a diversas diligências que abaixo se explanam:
a) Consulta do sistema informático (administração tributária e Aduaneira – SIII) para se saber qual a situação em termos de cadastro perante a administração Fiscal Portuguesa;
b) Foi solicitado ao Cartório Notarial de ……… cópia da escritura de aquisição do imóvel;
7. Em resultado das referidas diligências verificamos:
Consulta ao sistema informático:
Consta no cadastro que o sujeito passivo tem domicílio fiscal na Rua ………, n.º ………, em Queijas desde 15 de Abril de 2010” através da declaração de alterações apresentada nessa data. O domicílio fiscal anterior, desde 02 de Outubro de 2007, era na Rua ………, n.º ………. em Queijas. (anexo 3).
Colectou-se em IVA no regime de isenção do art.° 53° desde 31 de Janeiro de 2002, mas foi cessado em 31112104 nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.° 33.° do CIVA. (anexo 4).
Apresentou declaração de IRS de 2002 a 2004 inclusive, contendo rendimentos da categoria B postos à disposição pela MicroCaos em 2002. (anexo 5).
Através de consulta da aplicação (actualização de matriz MOD.11) dos actos notariais celebrados pelo Sujeito passivo no ano de 2008 e 3 anos anteriores, verificamos que adquiriu e vendeu os imóveis abaixo descritos:

Ano
Tipo
Data
Art.°
Fracção
Freguesia
Concelho
Preço
2004
Compra
16/03/2004
2963
F
Agualva
Sintra
80.000,00
2007
Venda
06/03/2007
2963
F
Agualva
Sintra
52.152,12
2007
Compra
17/08/2007
P-2405
J
Queijas
Oeiras
195.000,00

Consta também no sistema informático o pedido de isenção feito pelo Sr. A……… referente ao imóvel adquirido em 6/03/2007 em Queijas (art.° 2405 - Fracção J) no processo 1723311 ao abrigo do art.° 42° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, por se tratar de imóvel adquirido a titulo oneroso destinado à habitação permanente e que foi deferido por um período de 8 anos.
Consultamos também a aplicação “Informação patrimonial” onde se verifica que em nome do sujeito passivo contam as viaturas abaixo descritas:

Ano
Matrícula
Data da Matrícula
Marca
Modelo
Preço
2008
………
22/07/2008
BMW
M-560
137.058,25€
2008
………
18/06/2009
Mercedes-Benz
230 AMG
173.504,70€

8. Atendendo aos elementos obtidos no sistema informático da Administração Tributária e Aduaneira solicitamos junto do notário onde foi celebrada a escritura referente à aquisição do imóvel que ocorreu em 2007, bem como dos processos de legalização das 2 viaturas adquiridas na Alemanha junto da Alfandega de Setúbal.
9. Na posse de todos os elementos após análise dos mesmos verificamos:
Imóvel adquirido em 2007 (anexo 6).
Na escritura de compra e venda que ocorreu em 17 de Agosto de 2007 no Cartório Notarial de ……… lavrada no livro 7 A a fls. 130 é adquirente o Sr. A………, residente à data na Rua ………, n.º ……… em Linda-a-Velha, titular do B.I. n.º ……… emitido em 4 de Maio de 2005 em Lisboa pelos SIC. Foi ainda dito pelo Sr. A……… que a referida aquisição se destina a sua habitação própria e permanente.
Imóvel adquirido em 2008.
Na escritura de compra e venda que ocorreu em 16 de Dezembro de 2008 no Cartório Notarial de ……… lavrada no livro 233-A a fls. 92 é adquirente o Sr. A………, residente à data na Rua ……… n.º ………. em Queijas (imóvel adquirido em 2007), titular do BI. n.º ………emitido em 4 de Maio de 2005 em Lisboa pelos SIC. Foi ainda dito pelo Sr. A……… que a referida aquisição se destina a sua habitação própria e permanente.

Processos de legalização junto da Alfândega de Setúbal (anexo 7)
O processo n.º 1926/08 de legalização da viatura de Marca BMW - M560.
Na declaração aduaneira de veiculo - DAV 2008/0145450 de 2008/07/17 apresentada pelo Sr. A………, consta como morada, a Rua ………, n.º ……… em Linda-a-Velha. A referida morada consta também em todos os documentos suporte apresentados no referido processo (factura da BMW, certificado de matricula, pedido de certificação de matricula junto do IMTT e carta de seguros);
O processo n.º 603/09 de legalização da viatura de Marca Mercedes-Benz 230 AMG.
Na declaração aduaneira de veículo - DAV 2009/0067363 de 2009/06/18 apresentada pelo Sr. A………, consta como morada, a Rua ………, n.º ……… em Linda-a-Velha. A referida morada consta também em todos os documentos suporte apresentados no referido processo (factura da Auto cobra Munich, certificado de matricula, pedido de certificação de matricula junto do IMTT e carta de seguros);
Foi também possível confirmar junto do site da DGAI - Direcção Geral de Administração Interna que o Sr. A……… tem o cartão de eleitor n.º ……… da freguesia de Queijas no concelho de Oeiras. (anexo 8)
10. Assim embora o contribuinte venha agora declarar que não é residente em Portugal e tenha alterado a sua situação fiscal para não residente em Maio de 2011, os factos atrás descritos comprovam que, nos anos de 2008, 2009 e 2010, o contribuinte A………, NIF ………, era fiscalmente residente em Portugal, como de resto ele confirmou, em diversos actos realizados perante a Administração Pública Portuguesa.
11. Os art.° 87°, n.º 1, alínea d) e art.° 89°- A, n.º 1 da Lei Geral Tributária estabelecem o recurso à avaliação indirecta, quando o rendimento líquido declarado pelo contribuinte, é inferior a 50% do rendimento padrão, determinado nos termos da tabela a que se refere o n.º 4 do citado art.° 89°-A da LGT, para as manifestações de fortuna aí mencionadas, facto que se verifica no caso em apreciação
:
Ano de Aquisição
Valor de Aquisição do Imóvel
% Nos termos da Tabela constante do n.º 4 do art.° 89.º-A da LGT
Rendimento Padrão
50% do Rendimento padrão
Rendimento Líquido declarado
2008
700.000,00€
20%
140.000,00€
70.000,00€
0€

Estão pois reunidas as condições para a determinação do rendimento colectável com recurso à avaliação indirecta nos termos do art.° 89°-A da LGT e afastada a presunção de veracidade dos rendimentos declarados para o ano de 2008.
12. De acordo com o n.º 2 alínea a) e Tabela do nº 4 do art.° 89°-A da LGT o rendimento a considerar será:

Imóveis (1)
Ano de Aquisição
Valor de Aquisição do imóvel
% Nos termos da Tabela constante do n.º 4 do art.° 89.º-A da LGT
Rendimento Padrão
2007
195.000,00€
20%
39.000,00€
2008
700.000,00€
20%
140.000,00€
Total
895.000,00€
20%
179.000,00€
Automóveis (2)
Ano de aquisição
Valor de Aquisição do automóvel
% Nos termos da Tabela constante do n.º 4 do art.° 89.º-A da LGT
Rendimento Padrão
2008
137.058,00€
57%
68.529,12€
Total a considerar 1+2 =247.529,12 €

V. CRITÉRIOS E CÁLCULO DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
1. Pelos motivos expostos no capítulo anterior, e de acordo com o n.º 4 do art° 89°-A da LGT, o rendimento colectável a considerar no ano em análise é:

Ano de Realização
Rendimento Padrão
Rendimento liquido Declarado
Incremento patrimonial Categoria G
2008
247.529,12€
0,00€
247.529,12€

2. Assim procede-se à fixação do rendimento tributável, de acordo com o disposto no art.° 89°-A da LGT, para o ano de 2008, no montante de € 247.529,12, o qual de acordo com a alínea d) do n.º 1 do art.° 9.° do CIRS e n.º 4 do art.° 89°-A da LGT, será considerado como rendimento da categoria G.



2008
Rendimento Global Corrigido — Categoria B
247.529,12 €
Rendimento Global Declarado
0,00 €
Correcção
247.529,12 €

(…)

VIII. DIREITO DE AUDIÇÃO
1. O contribuinte foi notificado para o exercício de audição (10 dias), nos termos do art. 60.° da Lei Geral Tributária (LGT) e Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), cfr. N/ ofícios N.° 7226 e 7227 de 24 de Janeiro de 2012 enviados para o sujeito passivo e para a sua procuradora, E………, com os registos RC586889854PT e RC586889868PT.
2. Nos termos do art. 60.° da LGT e art.° 60.° do RCPIT o sujeito passivo através da sua procuradora exerceu o direito de audição, tendo referido em sua defesa o seguinte:
3. É uma pessoa singular, residente para efeitos fiscais em Angola, território no qual se encontra o seu centro de interesses vitais, quer pessoais, quer profissionais, e onde aufere os seus rendimentos, pelos quais é tributado, em conformidade, em território angolano.
4. Confirma ter adquirido efectivamente nos anos de 2007 e 2008 os imóveis (que se destinam a habitação) descritos no projecto de relatório, com recurso a crédito bancário pelo exponente ao Banco Comercial Português nos montantes de 195.000,00 e 700.000,00 respectivamente. Se a aquisição foi efectuada com recurso ao crédito bancário, não se pode concluir senão concluir que não existe aqui qualquer manifestação de fortuna, uma vez que está automaticamente justificada a fonte de rendimento que permitiu a aquisição dos imóveis.
5. Volta a referir que as referidas aquisições se destinaram a ser sua habitação.
6. Refere que o n.º 3 do art.° 89°-A da LGT determina que cabe ao sujeito passivo a comprovação de que é outra a fonte das manifestações de fortuna, não especificando, contudo, como deve ser efectuada tal prova.
7. Considera também que como não residente em território nacional, mas sim em Angola, e atendendo a que o prazo para exercer o seu direito de audição é relativamente reduzido, torna-se difícil, senão mesmo impossível, em tal período de tempo conseguir obter junto da entidade mutuante prova adicional de que houve recurso ao crédito bancário para as referidas aquisições.
8. Por último, considerando-se como não residente em Portugal e tendo agora consciência de que beneficiou de uma isenção de Imposto Municipal de Imóveis que apenas pode ser atribuída a residentes em território nacional, compromete-se, desde já, a reparar tal situação e que está disposto a regularizar a sua situação tributária em conformidade com o seu estatuto de não residente, comprometendo-se a proceder ao pagamento do valor que deveria ter pago de Imposto Municipal sobre imóveis.
9. Como tal, e atendendo a todos os esclarecimentos e elementos supra expostos e facultados, a Administração Fiscal não deverá determinar a avaliação indirecta da matéria colectável de IRS do exercício em causa.
10. Em conclusão, a ora Respondente:
a) Considera-se como não residente no território nacional;
b) Recorreu ao crédito bancário para aquisição dos referidos imóveis;
c) Está disposta a regularizar a situação tributária referente à isenção de IMI que beneficiou;
11. Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deverá o projecto de decisão objecto do presente direito de audição ser revogado, com as respectivas consequências legais, mormente que não determine a avaliação indirecta da matéria colectável de IRS do exercício de 2008.
12. Em resposta ao exercício do direito de audição efectuado pelo sujeito passivo, temos de referir:
Em relação ao Domicilio Fiscal.
Conforme já foi referido no projecto de relatório, apesar do sujeito passivo vir mais uma vez declarar que não é residente em Portugal, os factos antes descritos, comprovam que nos anos de 2008 a 2010 era fiscalmente residente em Portugal como de resto ele confirmou, em diversos actos realizados. Acresce também que a declaração de alteração de morada para o imóvel adquirido em 2008 no valor de 700.000,00 foi efectuado em “15 de Abril de 2010”.
Em relação ao recurso ao crédito bancário.
Consta nas escrituras referentes à aquisição dos imóveis que houve de facto recurso ao crédito bancário, no entanto os montantes referidos não correspondem na totalidade ao valor de aquisição como se refere abaixo:

Ano
Data
Preço
Valor do Crédito
N/justificado
2007
17/08/2007
195.000,00
193.000,00
2.000,00
2008
16/12/2008
700.000,00
600.000,00
100.000,00
Total não justificado
102.000,00

Também não foi efectuada prova em relação à aquisição da viatura de marca BMW modelo M-560 com a matrícula ……… no valor de 137.058,25€.
Em 8 de Fevereiro de 2012 em aditamento ao exercício do direito de audição foi apresentada uma declaração do Banco Comercial Português referente ao empréstimo destinado à habitação no montante de 600.000,00€.
Refere-se ainda adicionalmente que, em 31 de Dezembro de 2008, o contribuinte dispunha de habitação em Portugal (Rua ………, nº ………, Queijas) relativamente à qual manifestou expressa e inequívoca, intenção de ocupar e manter como residência habitual, própria e permanente mediante pedido de isenção do IMI que formalizou junto das autoridades tributárias portuguesas em 3 de Outubro de 2007 e, em 15 de Abril de 2010, veio novamente manifestar junto dos serviços fiscais a alteração da sua morada, ainda em Portugal para, a Rua ………, n.º ……… em Queijas, pelo que estão preenchidos os requisitos exigidos no art.° 16°, n.º 1 alínea b) do CIRS para, ser fiscalmente considerado como residente em Portugal.
Face ao exposto, embora o contribuinte alegue a sua qualidade de não residente não comprovou tal facto. Por outro lado não comprovou a fonte dos meios financeiros que permitiram as manifestações de fortuna pelo que se mantêm válidos os pressupostos determinados pelo n.º 4 do art.° 89°-A da LGT para a fixação do rendimento referente ao ano de 2008 no montante de 247529,12.
U) No dia 1 de Fevereiro de 2012 o sujeito passivo procedeu à alteração do seu domicilio fiscal para a Av. ………, n.º ……… 9000-……… Funchal. (...).”. - (cfr. dos, de fls. 35 a 48 do processo administrativo junto).

Factos não provados:
Inexistem outros factos cuja não prova releve para a decisão da presente causa.
Não se provou, para além dos créditos bancários contraídos pelo recorrente, qualquer outra fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, bem como que no ano de 2008 o recorrente residia em Angola.

3. Vem o presente recurso jurisdicional interposto da sentença que julgou parcialmente procedente o recurso judicial deduzido pelo ora Recorrido contra a decisão do Director de Finanças de Lisboa que lhe fixou, nos termos do artigo 89.º-A da LGT, por métodos indirectos, o rendimento líquido em sede de IRS do ano de 2008 no montante de € 247.529,12.
A sentença recorrida, na linha do entendimento constante do acórdão proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 19 de Maio de 2010, no processo n.º 0734/09, considerou que a justificação parcial, embora não afaste a aplicação do método de avaliação indirecta previsto no artigo 89.º-A da LGT, não pode deixar de ser considerada na quantificação do rendimento tributável que vai ser determinado por esse método. E não tendo a Administração Tributária efectuado a dedução dos elevadíssimos montantes justificados pelo contribuinte, há, nessa medida, excesso de quantificação.
Como se deixou explicado na sentença, «(…) o montante das aquisições efectuadas deve servir para identificar a existência de sinais exteriores de riqueza e, enquanto tal, servir de base ao procedimento de tributação por manifestações de fortuna previsto no art.° 89°-A, o que aliás, não suscita discordância quer doutrinal quer jurisprudencial.
Como refere a AT, uma realidade é o valor de aquisição das manifestações de fortuna evidenciadas, e outra realidade é o rendimento padrão, que a lei presume e fixa em 20% apenas daquele valor de aquisição. Esta presunção legal de rendimento padrão, para efeitos de rendimento tributável, é claramente uma presunção juris tantum, ilidível.
E sendo a avaliação indirecta uma forma de tributação de carácter excepcional, a ela apenas se pode proceder quando não seja viável a determinação da matéria tributável por meio da avaliação directa, seja por falta de elementos para se operar com esta, seja por existirem razões para suspeitar que o valor a que conduz a aplicação dos métodos de avaliação directa não é a matéria tributável real, pretendendo-se, sempre, aproximar esta tributação por presunção da realidade tributária.
No caso em presença, foi considerado o montante de 247.529,12€ valor correspondente ao rendimento padrão calculado nos termos da tabela do n.º 4 do art.º 89.°-A da LGT sem atender à justificação parcial do recorrente quanto á fonte da manifestação de fortuna.
Sendo que, quanto ao imóvel adquirido em 2007 por € 195.000,00 está parcialmente justificado pelo empréstimo no montante de € 193.000,00, subsistindo uma diferença não justificada de € 2.000,00, sendo este o valor a considerar para efeitos de tributação. Quanto ao imóvel adquirido em 2008 por € 700.000,00 estão justificados € 600.000,00 pelo empréstimo contraído, pelo que haverão de ser considerados apenas 20 % de € 100.000, ou seja € 20.0000. Quanto ao veículo automóvel o recorrente não apresentou qualquer justificação pelo que deverá considerar-se correcto o apuramento efectuado pela AT.
Em suma, o que acima se deixou exposto, conduz à conclusão de que, para o caso aqui em apreço, a justificação parcial, embora não afaste a aplicação do método de avaliação indirecta previsto no art.° 89°-A da LGT, não pode deixar de ser considerada na quantificação do rendimento tributável que vai ser determinado por esse método, sob pena duma discriminação qualitativa e quantitativa ofensiva do princípio da capacidade contributiva e contrária aos objectivos consagrados nos artigos 5.° e 7.° da LGT.
Assim, deve entender-se que a quantificação do rendimento tributável do recorrente deve ser igual a 20% do valor de aquisição deduzido do montante do empréstimo bancário que demonstrou ter efectuado para a aquisição do imóvel em questão, já que este montante não está, nem pode estar, sujeito a IRS, não podendo, consequentemente, ser presumido ou considerado como rendimento sujeito a tributação, sob pena de estarmos perante uma tributação em que estaria de todo ausente o critério da capacidade contributiva e, no que à viatura diz respeito, o respectivo rendimento padrão uma vez que, nesta parte, não foi apresentada qualquer justificação pelo recorrente.».

A questão que a Recorrente coloca à apreciação deste Tribunal é a de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento quanto à interpretação e aplicação do artigo 89.°-A da LGT, ao concluir que a decisão da Administração Tributária enferma de excesso de quantificação da matéria colectável por não ter tomado em consideração os montantes obtidos por crédito bancário que justificam parcialmente as manifestações de fortuna evidenciadas com a aquisição dos dois imóveis.
Tal questão foi por diversas vezes analisada e debatida pela jurisprudência, tendo inicialmente obtido respostas divergentes, como se pode ver pela leitura do acórdão proferido em 28/01/2009 pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA no processo n.º 0761/08 (no sentido de que na determinação da matéria colectável ao abrigo do artigo 89º-A da LGT, quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna, deve sempre considerar-se como rendimento tributável o rendimento padrão apurado no termos da tabela do nº 4 do citado artigo, não havendo que subtrair ao valor de aquisição o valor justificado por outras fontes para calcular o rendimento padrão) e do acórdão proferido em 19/05/2010 pelo Pleno da mesma Secção no processo n.º 0734/09 (no sentido de que embora o contribuinte tenha de justificar a totalidade do valor que permitiu a manifestação de fortuna para afastar a aplicação do método de avaliação indirecta previsto no artigo 89.º-A da LGT, a Administração não pode desprezar, a nível da quantificação do rendimento tributável, o montante que o contribuinte logrou justificar, rendimento que deverá, assim, ser calculado apenas sobre o montante não justificado).
Ponderando a fundamentação jurídica que suporta tão distintos entendimentos, aderimos, sem hesitação, à que vem explanada neste segundo aresto, dado que na exegese do sistema e atendendo ao espírito da lei é a que melhor se coaduna com os princípios constitucionais e legais conformadores da norma, e que, não obstante se referir ao artigo 89.º-A na redacção anterior às Leis n.º 53-A/06, de 29/12 e n.º 19/08, de 21/04, se mantém actual na questão controvertida.
Tal posição foi, aliás, reiterada, agora de forma unânime, pelos Juízes Conselheiros da Secção de Contencioso Tributário do STA, no acórdão do Pleno realizado no passado dia 5 de Julho de 2012, no processo n.º 0358/12, onde se decidiu, mais uma vez, que embora só a justificação total do montante que permitiu a verificação da “manifestação de fortuna” tenha a virtualidade de afastar a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos que permitiram a manifestação de fortuna, já assim não é no que respeita à fixação do rendimento sujeito a tributação como “incremento patrimonial” em sede de IRS, onde a justificação parcial há-de relevar para a fixação presuntiva do montante do “acréscimo patrimonial não justificado” sujeito a imposto. E que tendo o contribuinte demonstrado que recorreu a empréstimos bancários para adquirir imóveis cujo valor determinou a avaliação indirecta da matéria colectável, nos termos do artigo 89.º-A da LGT, a quantificação do rendimento tributável assim operado deve ser igual a 20% do valor de aquisição, mas deduzindo-se a este valor de aquisição o montante de tais empréstimos bancários, já que o montante destes não está, nem pode estar, sujeito a IRS, não podendo, consequentemente, ser presumido ou considerado como rendimento sujeito a tributação.
Face à sua proficiente fundamentação, à qual nada se nos oferece acrescentar, limitar-nos-emos a transcrever o que ficou dito neste recente acórdão, ainda não publicado.
«Não se questiona que, impendendo sobre a AT o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação, lhe cabe provar que o rendimento líquido declarado pelo sujeito passivo mostra uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão fixado na referida tabela.
O rendimento padrão serve assim, numa primeira fase, para verificar se ocorrem os pressupostos legais para o recurso a métodos indirectos de determinação do rendimento tributável. E uma vez provados esses pressupostos, passa a competir ao sujeito passivo o ónus de prova da ilegitimidade do acto de avaliação indirecta, por erro nos respectivos pressupostos, pela demonstração de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte da manifestação de fortuna evidenciada, nomeadamente herança ou doação, rendimentos que não esteja obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso ao crédito - nº 3 do art. 89º-A da LGT (ou seja, o valor justificado por outras fontes de rendimento ou património pode relevar para a demonstração de que, apesar da verificação em abstracto dos pressupostos legais da avaliação indirecta, esta não deve ocorrer porque as manifestações de fortuna evidenciadas foram adquiridas com aquele valor justificado).
Daí que, para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta só deva dar-se relevância à justificação total do montante que permitiu a “manifestação de fortuna”, e que a justificação meramente parcial não afaste a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos globais que permitiram tal manifestação de fortuna. (Note-se que, tendo a jurisprudência considerado que o rendimento para efeitos de comparação, a que se refere o nº 1 do art. 89º-A da LGT, era o rendimento bruto (v., por exemplo, o ac. do STA, de 28/6/2006, proc. nº 486/06, onde se considerou que o rendimento para efeitos de tal comparação, era o rendimento bruto e não o rendimento líquido – após as deduções específicas) a Lei nº 53-A/2006, de 29/12 (OE de 2007), veio a clarificar tal conceito, estabelecendo que os rendimentos a comparar com os valores decorrentes da tabela prevista no nº 4 do art. 89º-A, são os rendimentos líquidos (mas porque esta alteração não tem carácter interpretativo, ela só será de aplicar a rendimentos do ano de 2007 e seguintes).)
No caso presente, porém, não se questiona a verificação dos pressupostos legais para essa avaliação indirecta do rendimento tributável dos recorridos. Aliás, evidenciada a aquisição, pelos recorridos, de imóveis com valor de aquisição superior a 249.398,95 €, quando declararam rendimentos líquidos inferiores em 50% relativamente ao rendimento padrão (fixado em 20% do valor da aquisição - cfr. tabela constante do nº 4 do art. 89º-A da LGT), têm de considerar-se verificados os pressupostos legais para a avaliação indirecta do seu rendimento tributável.

4.4. Mas, como de forma clara se exara no citado acórdão do Pleno de 19/5/2010 (proc. nº 0734/09) a que o acórdão recorrido faz apelo «já assim não é no que respeita à fixação do rendimento sujeito a tributação como incremento patrimonial em sede de IRS, onde a justificação parcial há-de relevar para a fixação presuntiva do montante do “acréscimo patrimonial não justificado” sujeito a imposto.
Embora se tenha presente (…) que a solução perfilhada é a que resulta literalmente da letra do nº 4 do artigo 89º-A da LGT, que apenas prevê de forma expressa a possibilidade de afastamento do valor determinado tendo por referência o “rendimento padrão” quando a administração tributária fixar rendimento superior, de acordo com os critérios fixados no artigo 90º, entende-se, contudo, ser outra a solução imposta pelo espírito do sistema, conformado pelos princípios constitucionais e legais pertinentes atendendo à natureza das normas em causa.
Assim, no que à natureza das normas em causa respeita, parece dever entender-se que as normas previstas no nº 4 do artigo 89º-A da Lei Geral Tributária são, nesta segunda fase (em que em causa está a determinação e quantificação do rendimento sujeito a IRS), normas de incidência objectiva de IRS, integrantes da norma contida na alínea d) do nº 1 do artigo 9º do respectivo Código (neste sentido, JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, 2007, pp. 368/369, nota 415), ou, pelo menos, normas que densificam e concretizam aquelas e, como tais, sujeitas a idênticas regras e princípios.
Ora, se assim é, então ter-se-á de considerar ser-lhes aplicável a proibição de presunções legais absolutas de rendimentos derivada do princípio da capacidade contributiva (neste sentido, JOSÉ CASALTA NABAIS, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Coimbra, Almedina, 1998, em especial pp. 497/498), que, no plano da lei ordinária, o artigo 73º da LGT, ao dispor que «as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário», expressamente consagra.
Não pode, pois, deixar de ser reconhecido ao contribuinte o direito de provar o manifesto excesso dessa quantificação, pela demonstração de que o seu rendimento tributável não pode ser igual ao rendimento padrão que a lei fixa ou presume, na medida em que logrou demonstrar a proveniência de parte do montante que permitiu a manifestação de fortuna e esse montante não está sujeito a declaração e tributação como rendimento para efeitos de IRS. Impedir o contribuinte de fazer essa prova ou defender que não se pode dar qualquer relevância à demonstração da proveniência parcial do rendimento utilizado na manifestação da fortuna, argumentando que a quantificação tem, necessariamente, de ser aquela que resulta da aplicação de um critério estritamente legal e que parte de uma ficção ou presunção de um determinado rendimento sujeito a tributação (rendimento padrão), constituiria, desde logo, uma clara e directa violação do artigo 73º da LGT, pois que sendo a situação em apreço uma daquelas que bule com a incidência objectiva de IRS, há que dar à parte desfavorecida com esta presunção a possibilidade de a ilidir, mediante prova em contrário (nº 2 do artigo 350º do Código Civil).
Acresce que a solução a que conduziria o não relevo da justificação parcial da manifestação de fortuna, levaria a tributar de forma igual situações diversas e para as quais a Constituição parece impor tratamento tributário diverso, em conformidade com os princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação dos rendimentos reais.
De facto, mal se compreenderia, à luz dos referidos princípios, que, perante contribuintes relativamente aos quais se verificassem os pressupostos legais do recurso à avaliação indirecta por “sinais exteriores de riqueza” e que tivessem adquirido imóveis de valor idêntico, o contribuinte que nada justificou fosse tributado em sede de categoria G de IRS por montante exactamente igual ao contribuinte que justificou que parte significativa da fonte do acréscimo patrimonial não justificado lhe adveio do recurso a um empréstimo bancário, acrescendo, ainda que o montante obtido por via do empréstimo bancário acabaria também por ser tributado, não obstante tratar-se comprovadamente de montante não sujeito a tributação em sede de IRS.»
Ora, a interpretação sustentada, no caso presente, pela recorrente Fazenda Pública, conduziria, inevitavelmente, a um tratamento grosseiramente igualitário de situações diversas e bem assim autorizaria e validaria «a tributação de rendimentos que, comprovadamente, não estão sujeitos a tributação em sede de IRS, razões pelas quais deve ser rejeitada sob pena de afronta aos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação dos rendimentos reais (Cfr., o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 348/97, de 29 de Abril de 1997, que julgou inconstitucional, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição, a norma do § 2 do artigo 14º do Código do Imposto de Capitais, na parte em que não permite a elisão de onerosidade dos mútuos efectuados pelas sociedades a favor dos respectivos sócios e respectiva anotação de CASALTA NABAIS, que convoca também o princípio da capacidade contributiva para defesa de que a predita norma também é inconstitucional em si mesma, na medida em que permite a tributação de situações sem qualquer suporte na capacidade contributiva - «Presunções Inilidíveis e Princípio da Capacidade Contributiva: Acórdão nº 348/97, processo nº 63/96», Fisco, nº 84/85, Setembro/Outubro 1998, ano IX, pp. 85/95).
Tenha-se finalmente em conta que a natureza subsidiária da avaliação indirecta (artigo 85º, nº 1 da LGT) - de que, ao menos na perspectiva do legislador (cfr. a alínea d) do nº 1 do artigo 87º da LGT), a avaliação por sinais exteriores de riqueza comunga -, e bem assim a regra segundo a qual à avaliação directa se aplicam, sempre que possível e a lei não prescreva em sentido diferente, as regras da avaliação directa (artigo 85º nº 2 da LGT) parecem igualmente militar no sentido de que a justificação parcial feita pelo contribuinte do acréscimo patrimonial há-de reflectir-se na fixação do rendimento a sujeitar a imposto, tanto mais que o nº 4 do artigo 89º-A da LGT expressamente admite o afastamento da tributação do montante determinado pelo “rendimento padrão” quando existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o que permite afirmar o carácter supletivo do recurso ao rendimento padrão, ao menos na perspectiva da Administração tributária.
Ora, se assim é para a Administração tributária, perante meros indícios, embora fundados e consonantes com critérios legalmente definidos, não se vê que deva ser de outro modo quando a situação seja a inversa e o contribuinte disso faça prova.
É que, julgamos que também no plano procedimental tributário, o princípio do Estado de Direito Democrático (artigo 2º da Constituição da República) postula esse justo equilíbrio, essa paridade de posições jurídicas recíprocas, nas situações em que não se vislumbra que um interesse público de especial relevo imponha solução diversa (cfr., sobre o tema em geral, PEDRO MACHETE, Estado de Direito Democrático e Administração Paritária, Coimbra, Almedina, 2007).
Diga-se finalmente que a solução propugnada é a sustentada pela mais recente doutrina que ex professo tratou a questão (cfr. JOÃO SÉRGIO RIBEIRO, A Tributação Presuntiva do Rendimento: Um Contributo para Reequacionar os Métodos Indirectos de Determinação da Matéria Tributável, Coimbra, Almedina, Abril 2010, pp. 301/305), o que não deve deixar de ser salientado.
Os argumentos supra expostos conduzem, assim, a que se entenda que a justificação parcial, embora não afaste a aplicação do método de avaliação indirecta previsto no artigo 89º-A da LGT, não pode deixar de ser considerada na quantificação do rendimento tributável que vai ser determinado por esse método, entendendo-se que a quantificação do rendimento tributável da recorrente deve ser igual a 20% do valor de aquisição deduzido do montante do empréstimo bancário que demonstrou ter efectuado para a aquisição do imóvel em questão, já que este montante não está, nem pode estar, sujeito a IRS, não podendo, consequentemente, ser presumido ou considerado como rendimento sujeito a tributação.».

Acolhemos inteiramente esta fundamentação, que, como dissemos, subscrevemos e não vemos que na alegação da recorrente sejam aduzidas razões legais que infirmem decisivamente tal interpretação.

4.5. Na verdade, alega a recorrente, por um lado, não ser aceitável o argumento que se reporta à proibição de presunções legais absolutas de rendimentos, derivada do princípio da capacidade contributiva (art. 73° da LGT) dado que tal comparação é excessiva porquanto face ao disposto nos nºs. 3 e 4 do art. 89°-A, não se vê como possa ser equiparada a tributação indirecta ali prevista a uma presunção absoluta de capacidade contributiva, sendo que incorporando o procedimento uma etapa dedicada à prova da veracidade dos rendimentos declarados, seja pela sua declaração efectiva ou pela inexistência de obrigação legal de os declarar (por não sujeição a tributação ou pela ausência de obrigação declarativa) e emergindo a tributação indirecta apenas na ausência dessa prova, não é rigorosa a assimilação a uma presunção absoluta de capacidade contributiva.
Mas, com o devido respeito, não se nos afigura que possa proceder esta argumentação.
Desde logo porque, como aponta o citado aresto acima parcialmente transcrito, é de entender que as normas previstas no nº 4 do art. 89º-A da LGT são «nesta segunda fase (em que em causa está a determinação e quantificação do rendimento sujeito a IRS), normas de incidência objectiva de IRS, integrantes da norma contida na alínea d) do nº 1 do artigo 9º do respectivo Código», devendo destacar-se, como aponta João Sérgio Ribeiro, a «necessidade de afastar as «presunções absolutas em matéria de incidência, como é claramente a determinação da matéria tributável. Com efeito, a determinação desta enquanto expressão quantitativa do facto tributário - através da consideração dos preceitos que definem a realidade a medir (rendimento), da unidade de medida (valor monetário), e dos próprios critérios jurídicos a que deva obedecer a medição - concorre indubitavelmente para a delimitação da incidência do imposto.» (MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA E AFASTAMENTO PARCIAL DA PRESUNÇÃO DE RENDIMENTO, Comentário ao acórdão do STA de 19 de Maio – processo nº 0734/09, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 3, Número 3, Setembro de 2010, pp. 367 a 374.)
E, com efeito, apesar da interligação existente entre os mecanismos da a avaliação indirecta e das manifestações de fortuna, trata-se de mecanismos distintos e independentes, tendo estas últimas um carácter residual dado que, como acentua o mesmo autor, «para se qualificar um determinado rendimento como acréscimo patrimonial não justificado, é imperativo desconhecer-se a natureza da fonte desse rendimento. Assim sendo, sempre que a fonte do rendimento é identificada, deixamos de estar no âmbito das manifestações de fortuna. Podemos ainda estar no domínio da avaliação indirecta propriamente dita, se estiver em causa um rendimento de determinada categoria do IRS, cuja declaração tenha sido defraudada, mas não no domínio das manifestações de fortuna, que, repita-se, pressupõem o desconhecimento da fonte do rendimento.».
Ora, esta natureza residual reforça a necessidade de permitir a ilisão, ainda que parcial, da presunção de um determinado rendimento à luz do mecanismo das manifestações de fortuna. Como nos parece claro, se o sujeito passivo demonstra, ainda que parcialmente, a origem do rendimento que lhe é imputado, não mais se pode, face ao recorte residual do mecanismo em causa, sustentar a sua aplicação, pelo menos no que respeita a essa parcela, uma vez que a fonte do rendimento passa a ser conhecida.
Entendemos que essa ilisão da presunção em que assenta o mecanismo das manifestações de fortuna pode decorrer quer da acção do sujeito passivo, demonstrando a origem do rendimento, quer através da acção da própria administração em sede de avaliação indirecta, por ocasião da aplicação dos elementos constantes do art. 90° da LGT. Aliás, é por isso mesmo que à luz do artigo 89° A, nº 4, quando através da avaliação indirecta se determina um rendimento superior ao que decorre da aplicação do mecanismo das manifestações de fortuna, aquele deve prevalecer sobre este. Isso explica-se pelo facto de, por ser possível apli­car a avaliação indirecta e os elementos do artigo 90°, se conhecer a ori­gem do rendimento, caindo, por consequência, os requisitos de aplicação das manifestações de fortuna que implicam necessariamente, como já, com um certa insistência, se salientou, o desconhecimento da fonte do rendimento.»
E no sentido da aplicação, no caso, da proibição da citada presunção legal absoluta de rendimentos também se pronuncia Casalta Nabais, em anotação ao citado acórdão do Pleno do STA, de 19/5/2010, ao afirmar que «A consideração como rendimento dessa parte da manifestação de fortuna significa que a presunção de rendimento em causa não seria susceptível de ser afastada, o que viola o disposto no art. 73º da LGT que impõe o carácter relativo às presunções respeitantes à incidência tributária. Pois, tendo a presunção de rendimento concernente à parte da manifestação de fortuna suportada pela contracção do empréstimo bancário sido efectiva e eficazmente afastada pelo contribuinte, insistir na tributação em IRS desse rendimento presumido briga directamente com aquela norma legal» (Anotação ao acórdão do STA, de 19/5/2010, Processo nº 0734/09, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 139º, Julho-Agosto de 2010, Nº 3963, pp. 357 a 372.)
Acresce que, para os efeitos previstos no mencionado art. 73º e no art. 64º do CPPT, deve entender-se, como também aponta o Cons. Jorge de Sousa (Cfr. CPPT, Anotado e Comentado, I Vol., 6ª ed., 2011, anotações 2 e 3 e 5 ao art. 64º, pp. 585 a 591.
Sobre esta matéria, cfr. também Soares Martinez, Direito Fiscal, 7ª ed., p 126 e Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, volume II, p. 56, citados no local indicado.) que a referência a normas de incidência é utilizada na acepção lata (as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação») e não apenas na acepção mais restrita (normas que indicam o sujeito passivo e a definição da matéria colectável, sem abranger a sua determinação). E porque as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas mas «também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objectiva», quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores, é de entender que «… as normas que ficcionam valores para efeitos de determinar a medida dos rendimentos contêm presunções implícitas, já que não se pode aceitar, à face do princípio constitucional da igualdade, que se queiram tributar rendimentos inexistentes; por isso, as ficções de valores de matéria tributável foram introduzidas na lei no pressuposto de que correspondem à realidade os valores determinados por via de presunção.(…) Pode tributar-se com base em ficções de rendimentos, quando a lei os presume, mas só se pode fazê-lo porque se presume que os valores dos rendimentos ficcionados são os que correspondem à realidade, admitindo-se «sempre» a prova de que há dissonância entre os rendimentos ficcionados e a realidade.»
(...)».

No caso vertente, também o ora Recorrido logrou provar que contraiu dois empréstimos bancários, nos montantes de 193.000 € e de 600.000 €, que destinou à aquisição dos imóveis em causa, pelos preços de 195.000 € e de 700.000 €, respectivamente, como resulta das alíneas A) e G) da matéria de facto provada nos autos.
Nesta circunstância, bem decidiu a sentença recorrida ao concluir que existiu, nesta parte, excesso na quantificação da matéria tributável, determinando a sua redução à medida dos valores indiciadores da manifestação de fortuna que não foram justificados, não merecendo, por isso, qualquer censura.
Improcedem, por conseguinte, todas as conclusões do recurso.

4. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 11 de Julho de 2012. - Dulce Manuel Neto (relatora) - Isabel Marques da Silva - Lino Ribeiro.