Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:025/21.2BEPRT
Data do Acordão:06/23/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:CONTRATAÇÃO PÚBLICA
RECURSO
EXECUÇÃO DE CONTRATO
DECLARAÇÃO DE COMPROMISSO
Sumário:Tendo em conta a redacção do artigo 63.º da Directiva 2014/24/UE e o teor do acórdão RAD do TJUE, de 3.6.2021, exarado no processo C-210/20, impõe-se perguntar ao TJUE se “é conforme com o direito da União a solução do direito nacional segundo a qual, nos procedimentos de concurso público em que haja recurso às capacidades de outras entidades para executar a prestação, quer os documentos de habilitação do subcontratado, quer a apresentação de uma declaração de compromisso deste, apenas têm de ser exigidas após a adjudicação?”
Nº Convencional:JSTA00071497
Nº do Documento:SA120220623025/21
Data de Entrada:05/10/2022
Recorrente:A...., S.A.
Recorrido 1:B....., LDA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:CCP ART77º, Nº2, AL.A) E C), ART81º, ART92º, ART93º, ART168º, N4
Legislação Comunitária:DIRETIVA 2014/24/UE ART63º
Aditamento:REENVIO PREJUDICIAL
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1 – B……, LDA., com os sinais dos autos, propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF do Porto), em 4 de Janeiro de 2021, acção de contencioso pré-contratual, contra a Fundação do Desporto, igualmente com os sinais dos autos, na qual formulou o seguinte pedido: “[…] Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com Douto suprimento de V. Exa, se requer o seguinte,
1) Deve a presente acção ser julgada totalmente procedente por provada e deve a adjudicação à C….., SA, pessoa colectiva n.º ….. e respectivo acto que suporta a mesma serem revogados por nulidade dos mesmos, sendo a proposta excluída.
2) Deve a proposta do concorrente aqui Autora B….., LDA., pessoa colectiva ….., ser classificada e ordenada em 1.º lugar, já que a mesma é válida e tem pontuação superior, de acordo com o critério de adjudicação definido nas peças do procedimento, sendo-lhe atribuída pontuação máxima no subfactor de avaliação “IC – Adequação da Equipa Proposta”, sem prejuízo de sendo a classificada em 2.º lugar, sempre dever ser a adjudicada.
3) Pois a não ser assim, haverá claro vício de violação de lei e nulidade da adjudicação, bem como violação dos princípios da livre concorrência, da legalidade e da igualdade de tratamento;
4) Mais devem a proposta da B….. ser a adjudicada e adjudicados os serviços no âmbito do procedimento em análise, sob pena de nulidade do procedimento por vício de violação de lei;
5) Deve concluir-se conforme a pronúncia da autora B….. supra melhor descritas.
6) Deve ser considerado nulo o contrato eventualmente outorgado ao abrigo da adjudicação nula, caso entretanto tenha sido outorgado, por se constatar estarem a ser violadas normas legais e princípios gerais de direito, não só aplicáveis à contratação pública, como ao demais direito vigente, nomeadamente os referidos nos pontos anteriores, o que gera a invalidade dos actos praticados e por inerência a nulidade da adjudicação e do contrato, caso a legalidade não seja reposta.
7) Por último, requer-se a V. Exa. que, nos termos legais confirme junto da ré Fundação do Desporto, pessoa colectiva n.º 503596744, alertando a mesma para a legal suspensão automática da eficácia do acto de adjudicação impugnado e a suspensão da execução do contrato eventualmente outorgado, tudo nos termos do art.º 103.º- A do CPTA, devendo a ré informar se o contrato já foi outorgado e ou, está em execução, pois caso assim ocorra terá que de imediato parar a execução do mesmo, até porque a continuidade poderá gerar graves prejuízos à autora B…., fruto do acto de adjudicação ilegal. […]».

2 - Por decisão proferida no dia 08 de Março de 2021, aquele TAF do Porto considerou-se territorialmente incompetente para conhecer da demanda e o processo foi remetido ao TAF de Leiria.

3 – A A……, S.A., com os sinais dos autos, propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (TAF de Leiria), acção de contencioso pré-contratual, contra a Fundação do Desporto, igualmente com os sinais dos autos, na qual formulou o seguinte pedido: “[…] Termos em que deverá a presente ação ser julgada totalmente procedente, por provada, e, em consequência:
a) Ser anulado o ato administrativo que aprovou o relatório final do júri e determinou a exclusão da proposta da Autora e a adjudicação da proposta da Contrainteressada (Doc. 1);
b) Ser a Entidade Demandada condenada a aprovar novo programa de procedimento, sem reincidir nas ilegalidades detetadas e a praticar todos os atos e diligências subsequentes previstos na tramitação legal do procedimento de concurso público;
c) Ser fixado o prazo de 20 dias para o cumprimento das determinações contidas na sentença.
Para tanto, requer-se a V. Exa. se digne ordenar a citação da Entidade Demandada e da Contrainteressada para contestarem, querendo, no prazo e sob a cominação legais, seguindo-se os demais termos até final.
Mais se requer sejam aquelas entidades advertidas no ofício de citação para a necessidade de cumprimento dos deveres que dimanam do efeito suspensivo automático da presente ação […]”


4 – Por despacho do TAF de Leiria de 25.05.2021, foi deferida a apensação do processo n.º 6/21.6BELRA aos autos do processo n.º 25/21.2BEPRT.

5 - Por sentença de 28 de Setembro de 2021 foram julgadas improcedentes as duas acções e a Entidade Demandada absolvida do pedido.

6 – Inconformadas com a decisão proferida, a A……, S.A., e a B….., LDA., interpuseram ambas recurso da sentença para o TCA Sul, que, por acórdão de 3 de Fevereiro de 2022, negou provimento aos recursos

7 – Inconformada com o acórdão, a A….., S.A. interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo, que, por acórdão de 21 de Abril de 2022, admitiu a revista.

8 - A A….., S.A., rematou as suas alegações com as seguintes conclusões:
«[…]

59. Na presente ação de contencioso pré-contratual (Proc. n.º 6/21.6BELRA, apenso), a Autora, ora recorrente, impugnou o ato que aprovou o relatório final do júri e determinou a exclusão da sua proposta e a adjudicação do procedimento à Contrainteressada C…., proferido no procedimento de concurso público para “Prestação de serviços de desenvolvimento do projeto n.º …..”, pedindo a anulação desse ato e a condenação da Entidade Demandada a aprovar um Programa do Procedimento, sem reincidir nas ilegalidades detetadas, e a praticar todos os atos e diligências subsequentes previstos na tramitação legal do procedimento de contratação.

60. Como fundamento essencial da sua pretensão, a Autora alegou que o ato impugnado é inválido, porquanto o júri do procedimento entendeu que a sua proposta tinha sido apresentada na modalidade de agrupamento de concorrentes, quando não existe nem nunca existiu um agrupamento, reputando igualmente de ilegal a aplicação analógica do disposto no artigo 168.º, n.º 4, do CCP ao procedimento em apreço, incorrendo em erro de Direito ao excluir a proposta nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CCP.

61. Por outro lado, a Autora alegou ainda que as normas relativas ao critério de adjudicação e ao modelo de avaliação fixadas no programa do procedimento que foram objeto de aplicação e das quais resultou a avaliação e ordenação das propostas contidas no relatório final do júri e a adjudicação da proposta da Contrainteressada, também padecem de ilegalidade, uma vez que os subfactores “IA- Adequação aos Requisitos Funcionais”, “IB – Adequação aos Requisitos Técnicos e Arquitetura da Solução”, “IC- Adequação da Equipa Proposta” e “ID – Adequação das Metodologias e do Plano do Projeto” mostram- se manifestamente ilegais.

62. A sentença recorrida não concedeu provimento a nenhum dos pedidos, decidindo que, nos termos do artigo 168.º, n.º 4, do CCP, a recorrente estava obrigada a apresentar com a sua proposta uma declaração de compromisso da subcontratada e que o modelo de avaliação não viola o disposto no artigo 139.º do CCP, nem tão pouco os princípios da transparência e da concorrência, por se mostrar um critério legítimo no âmbito da margem de apreciação técnica atribuída pelo programa ao júri do procedimento.

63. No entanto, como aqui se demonstratou, o Tribunal a quo cometeu um grave erro de julgamento.

64. Em primeiro lugar, o Tribunal a quo faz uma aplicação direta do artigo 63.º da Diretiva ao caso sub judice, o que afronta o decidido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) nos Acórdãos Van Duyn, de 4 de dezembro de 1974, e Ratti, e 5 de abril de 1979. Como é do conhecimento geral, a Diretiva foi integralmente transposta para a ordem jurídica nacional através do CCP e, na sentença recorrida, o Tribunal invoca a sua aplicação contra a aqui recorrida. Deste modo, é insofismável que a sentença recorrida contraria a jurisprudência do TJUE, não podendo o artigo 63.º da Diretiva ser aplicado ao presente procedimento (ou a qualquer outro), por via do efeito direto.

65. O Tribunal a quo decidiu ainda aplicar analogicamente ao presente caso o artigo 168.º, n.º 4, do CCP, que é uma norma perfeitamente clara, que o legislador transpôs para o ordenamento jurídico português nos exatos termos do disposto na Diretiva (i.e., prevendo a sua aplicação apenas e só aos procedimentos de concurso limitado por prévia qualificação). Com efeito, o entendimento do Tribunal a quo de que o artigo 63.º da Diretiva e, por conseguinte, o artigo 168.º, n.º 4 do CCP, se aplicam a todo o tipo de procedimentos previstos, configura uma violação dos princípios da separação de poderes e da segurança jurídica, previstos, designadamente, no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa e no Tratado da União Europeia. Para além do mais, impede a aplicação do Princípio da interpretação conforme, segundo o qual os tribunais nacionais devem interpretar a lei nacional de transposição de uma diretiva à luz do seu texto e finalidade, estando sujeito aos limites dos princípios gerais de direito.

66. Assim, os artigos 63.º e 58.º, da Diretiva, e o artigo 168.º, n.º 4 do CCP, só são aplicáveis ao procedimento de concurso limitado por prévia qualificação, no qual a entidade adjudicante fixa uma série de requisitos de capacidade técnica dos quais depende o acesso dos operadores económicos à fase de apresentação de propostas. Ou seja, por força das características do contrato a celebrar, a entidade adjudicante entende que o interesse público subjacente à necessidade aquisitiva só pode ser adequadamente satisfeito pelos operadores económicos que demonstrem ter determinados requisitos, que podem ser de experiência, organização, recursos técnicos ou humanos, etc. (cfr. artigo 165.º do CCP).

67. E uma vez que a lei abre a possibilidade de o operador económico recorrer a entidades terceiras para demonstrar o cumprimento de tais requisitos é natural que o acesso à fase de apresentação de propostas dependa da apresentação de um documento em que tais entidades terceiras assumam o compromisso de execução de determinadas prestações contratuais. Nada disso se passa no procedimento de concurso público, em que o acesso à possibilidade de apresentar propostas é livre, não estando dependente do preenchimento de quaisquer requisitos de capacidade técnica (ou financeira) que a entidade adjudicante repute essenciais para a adequada prossecução do interesse público subjacente ao contrato a celebrar.

68. Mostra-se, portanto, absolutamente carecida de sentido a invocação e aplicação analógica do artigo 168.º, n.º 4 do CCP ao caso dos autos. No procedimento de concurso público, como demonstrámos, inexiste qualquer obrigação de instruir a proposta com documentos subscritos pelas entidades terceiras a quem o concorrente pretenda recorrer através subcontratação.

69. Por fim, mas também erradamente, o Tribunal a quo vem afirmar que “É entendimento corrente que a disposição do n.º 4 do artigo 168.º do CCP deve ser aplicada analogicamente em qualquer procedimento concursal”. Com o devido respeito que este Tribunal nos merece, que é muito, mas esta afirmação não corresponde à verdade. Nem os tribunais têm decidido neste sentido, nem este entendimento é sequer mencionado na doutrina. O trecho da obra do Prof. PEDRO COSTA GONÇALVES transcrito na sentença, não faz tem qualquer referência à aplicação analógica do n.º 4 do artigo 168.º a outro tipo de procedimento concursal. Ademais, é um trecho que está inserido na parte da obra relativa aos requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira exigidos aos candidatos nos procedimentos de concurso limitado por prévia qualificação, por força da sua aplicação exclusiva a este tipo de procedimento.

70. Deste modo, e ao contrário do que resulta do relatório final do júri, que constitui a fundamentação per relationem do ato impugnado, não se verificam os fundamentos previstos no artigo 70.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CCP para a exclusão da proposta da recorrente, por violação do artigo 168.º, n.º 4, do CCP. Preceitos que o ato impugnado, a sentença e o Acórdão recorrido aplicaram erradamente, incorrendo, assim, aquele ato em vício de violação de lei, que o invalida e acarreta a respetiva anulabilidade, nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do CPA.

71. A sentença recorrida mostra-se também errada, na parte em que decidiu que o modelo de avaliação não viola o disposto no artigo 139.º do CCP, nem tão pouco os princípios da transparência e da concorrência, por se mostrar um critério legítimo no âmbito da margem de apreciação técnica atribuída pelo programa ao júri do procedimento,

72. Nesta, o Tribunal a quo demitiu-se por completo de analisar e apreciar os descritivos do modelo de avaliação e o critério de adjudicação, optando por se refugiar na fundamentação utilizada pelo júri do procedimento no relatório preliminar, para concluir que, “pese embora os termos previstos nos subfactores possam intuir uma avaliação meramente formalista da proposta enquanto documento em si mesmo”, o que se avaliou foram verdadeiros atributos da proposta e não os aspetos formais das mesmas.

73. Tanto na sua Petição Inicial, como nas suas Alegações de recurso, a aqui recorrente demonstrou cabalmente que a recorrida desrespeitou gritantemente os artigos 74.º, n.º 1, 75.º, n.º 1 e 139.º, n.º 3, todos do CCP, na construção do critério de adjudicação e do modelo de avaliação, confessando o seu pecado quando enuncia logo à partida que “Pretende-se avaliar a qualidade da proposta do concorrente, de acordo com o nível de detalhe e de informação contemplado […]”.

74. Porquanto, o subfator IA – Adequação aos Requisitos Funcionais mostra-se inválido. Como se refere na disposição do programa do procedimento acima citada, neste subfator é (supostamente) avaliado o cumprimento dos requisitos ou sub requisitos funcionais, sendo atribuído um valor por cada um. No entanto, de acordo com o modelo fixado, a atribuição de um valor está dependente não do cumprimento de cada requisito, mas do detalhe da descrição contida na proposta de cada concorrente relativamente à forma como se propõe cumpri-lo. É o que resulta inequivocamente dos descritores nos quais se faz referência à forma clara ou pouco clara como a proposta demonstra o cumprimento dos requisitos e sobretudo das “Notas” onde se refere que se o requisito se encontra descrito de forma detalhada se atribui um ponto e ao invés “Se o requisito ou sub- requisito não é apresentado de forma detalhada e/ou o concorrente se limita a dizer que cumpre […] será atribuído o valor 0”.

75. Neste subfator a entidade adjudicante estabelece uma relação direta entre o detalhe e a clareza da descrição contida na proposta e a sua qualidade e potencialidade e suscetibilidade para cumprir ou superar os requisitos funcionais solicitados no caderno de encargos, mas verdadeiramente avaliado é o detalhe e a clareza da descrição e não o efetivo cumprimento dos requisitos.

76. Também o subfator IB – Adequação aos Requisitos Técnicos contém vários aspetos ilegais, sendo que o primeiro dos problemas que se coloca é que se mostra impossível identificar qual é verdadeiramente o atributo submetido a avaliação neste subfator. Não é possível compreender se a pontuação correspondente, 0, 30, 70 ou 100 pontos se obtém através do cumprimento dos requisitos obrigatórios e não obrigatórios, da clareza da apresentação da arquitetura, ou das ferramentas utilizadas, se standard, se não standard, se proprietárias ou não, ou se estas estão ou não descontinuadas.

77. Por outro lado, e no que se refere à arquitetura da solução, uma vez mais, neste subfator se avalia e valoriza o nível de detalhe da apresentação. Também aqui se faz uma associação entre o nível de clareza e detalhe da apresentação e a “adequação aos requisitos técnicos”. Mas o que é verdadeiramente avaliado, nesse aspeto, é apenas o nível de clareza e detalhe da apresentação da arquitetura e não a sua qualidade ou adequação.

78. No subfator IC – Adequação da Equipa Proposta é avaliado o nível de detalhe da apresentação da Equipa, ou, mais precisamente, de cada um dos membros correspondentes às diversas tipologias de funções, a saber, Gestor de Projeto, Analista Sénior, Arquiteto Sénior, e Consultores de Gestão de Documental. Com efeito, nos descritores contidos na tabela de avaliação verificamos que a atribuição da pontuação está dependente da demonstração de forma detalhada e completa das exigências do subfator, exigências essas que não são claras, mas que parecem corresponder a formação adequada (que também não se indica qual seja) e a experiência em projetos similares.

79. Por fim, o subfator ID – Adequação das Metodologias e do Plano de Projeto proposto mostra-se igualmente ilegal. Uma primeira dimensão da ilegalidade deste subfator prende-se com a referência ao cumprimento das “exigências do subfator de avaliação”, se no subfator anterior elas não eram claras, neste não é sequer possível saber quais são, tornando-se, portanto, impossível identificar verdadeiramente o que se pretendia avaliar. Por outro lado, neste subfator a entidade adjudicante insiste na ponderação do detalhe e completude da demonstração contida na proposta, estabelecendo uma relação entre estes aspetos de natureza puramente formal e a adequação do plano de projeto, das metodologias, do plano de formação e dos documentos e entregáveis ao projeto a executar.

80. Da fundamentação do júri constante dos relatórios preliminar e final, resulta que, objetivamente, o que foi valorizado foi o detalhe, a clareza e a completude da apresentação das propostas apresentadas.

81. Portanto, além da extrema vacuidade, é evidente a ponderação de aspetos de natureza formal, relativos ao conteúdo meramente documental da proposta, em detrimento de verdadeiros atributos, ou seja, de aspetos da execução do contrato propriamente dito. Em face do que referimos, é evidente que os subfatores IA, IB, IC, e ID do fator “Qualidade técnica e funcional da solução proposta” do critério de adjudicação não avaliam verdadeiros atributos das propostas, ou seja, aspetos da execução do contrato submetidos à concorrência.

82. Ainda que fosse sua intenção avaliar tais componentes, a verdade é que não foi isso que recorrida fez constar do modelo de avaliação, estabelecendo descritores quanto aos subfactores acima referidos que fazem depender a pontuação, não das características e valias técnicas dos produtos e soluções propostos, mas sim do nível de clareza, detalhe e qualidade com que os requisitos funcionais e técnicos, a experiência e formação dos elementos da equipa técnica, e a metodologia e o Plano de projeto são descritos.

83. Tendo tais dados em consideração, impõe-se concluir que, efetivamente, o modelo de avaliação definido para os subfactores em análise viola o disposto nos artigos 74.º, n.º 1, 75.º, n.º 1 e 139.º, n.º 3, todos do CCP.

84. Face ao exposto, este venerando Supremo Tribunal Administrativo deverá corrigir a sentença recorrida e condenar a recorrida a aprovar um novo Programa de Procedimento, sem reincidir nas ilegalidades detetadas, e a praticar todos os atos e diligências subsequentes previstos na tramitação legal do procedimento de contratação.

Termos em que deverá este Tribunal admitir o presente Recurso de Revista, conceder-lhe provimento, revogando o Acórdão recorrido e conheça do mérito do recurso interposto pela Recorrente.

Como é de Direito e de Justiça.

[…]».


9 – A Recorrida Fundação do Desporto e a C…., S.A. [contra-interessada nos processos e “adjudicatária” no âmbito do concurso público em causa] contra-alegaram, pugnando pela inadmissibilidade da revista e, caso assim não se entendesse, pela improcedência do recurso.

10 – O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer em que concluiu pela parcial procedência do recurso.

11 – Foi assegurado o contraditório face ao teor do parecer do MP.

Cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. De facto
Remete-se para a matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida, nos termos do artigo 663.º, n.º 6, do CPC.

2. De Direito

2.1. As questões que vêm suscitadas no presente recurso como erros de julgamento das instâncias são, essencialmente, duas: i) saber se é juridicamente acertada a exclusão da Recorrente com fundamento na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP por aplicação “analógica” do disposto no n.º 4 do artigo 168.º do CCP; e ii) saber se é igualmente acertada a decisão recorrida na parte em que reitera o decidido em primeira instância quanto a considerar que os factores e subfactores relativos ao critério de avaliação técnica não violavam o disposto no artigo 139.º do CCP.

2.2. Da conformidade jurídica da decisão de exclusão da Recorrente

A Recorrente foi excluída do concurso porque o júri considerou que, apesar de a mesma ter declarado que “não participava no procedimento de contratação conjuntamente com outros operadores”, indicou no documento respeitante aos “termos e condições da proposta” que “a proposta era elaborada por si, A…., mas em parceria com a empresa D…… em regime de subcontratação para o desenvolvimento da totalidade dos serviços relacionados com o “Levantamento, Reengenharia e Desmaterialização de Processos”, e, como tal, a proposta teria de qualificar-se como “apresentação de propostas em agrupamento”. Ora, uma proposta apresentada em agrupamento tem, de acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 75.º do CCP, de ser assinada pelo representante comum dos membros que integram o agrupamento ou por todos os membros ou representantes do agrupamento, o que não verificou neste caso e motivou a exclusão.

O júri considerou ainda que valia aqui também, por analogia, o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 168.º do CCP, de onde resultava igualmente a obrigação de assinatura de todos os membros do agrupamento ou, em caso de mero recurso a terceiros para prestação de parte do objecto do contrato, independentemente do vínculo estabelecido entre o concorrente e aqueles, sempre seria necessário apresentar uma declaração pela qual esses terceiros se comprometiam, incondicionalmente, a realizar as ditas prestações contratuais.

Na sentença do TAF de Leiria argumentou-se que a exigência de compromissos de terceiros, ao não estar expressamente prevista no Programa do Procedimento, e tratando-se de um elemento relativo à execução do contrato na fase pós-adjudicatária, não constituía fundamento de exclusão da A. e aqui Recorrente do concurso. Porém, essa referência feita pela Recorrente à subcontratação de parte dos serviços recaia no âmbito do disposto na cláusula 12.ª do caderno de encargos, de acordo com a qual aquele tipo de subcontratação carecia de autorização da entidade adjudicante, retirando-se desta cláusula que a não apresentação da autorização prévia da entidade adjudicante era fundamento de exclusão. Uma solução – a da exclusão do concurso – que era igualmente resultante da aplicação analógica do n.º 4 do artigo 168.º do CCP.

O TCA, no acórdão recorrido, reafirma a tese da exclusão nos termos do artigo 70.º, n.º 2, al. a) do CCP, com base no argumento da violação do n.º 4 do artigo 168.º do CCP. E acrescenta que a mesma solução é ditada pelo artigo 318.º, n.º 3, al. a) do CCP, uma vez se exigia a prévia autorização da subcontratação (cláusula 12.ª do caderno de encargos); e para a validade dessa autorização impunha-se a prévia apresentação dos documentos de habilitação exigidos ao contratante, também em relação ao potencial subcontratado.

2.2.1. A Recorrente alega que a decisão recorrida consubstancia um erro de julgamento, essencialmente por: i) exigir a apresentação de documentação de habilitação do terceiro quando essa exigência não consta do programa do concurso e não se retira do CCP, uma vez que o artigo 168.º, n.º 4 daquele Código não é aplicável neste procedimento, como se concluiu no acórdão deste STA de 18.11.2021 (proc. 0452/20.2BEALM); ii) a cláusula 12.ª do caderno de encargos não ser aplicável na fase pré-contratual; e iii) o artigo 63.º da Directiva 2014/24/CE não impor que no momento da apresentação da proposta o concorrente tenha que juntar uma declaração de compromisso dos subcontratados.

2.2.1.1. A Recorrente tem razão em relação aos dois primeiros argumentos, pois, efectivamente, como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 18.11.2021, dos artigos 77.º n.º 2, als. a) e c), 81.º, 92.º e 93.º do CCP, bem como o artigo 2.º, n.º 2 da Portaria n.º 372/2017 parece extrair-se que “salvo em caso de diferente exigência constante das peças do procedimento ou de solicitação da Entidade Adjudicante, [o documento de habilitação do terceiro] só têm de ser apresentados em momento seguinte à adjudicação, e não no momento da apresentação da proposta”.

E, no caso, também é verdade que do artigo 12.º do caderno de encargos não se retira uma solução diferente, face ao seguinte teor da norma:

Disposições Finais
Cláusula 12.ª
Subcontratação
1. A subcontratação no decurso da execução do contrato carece de autorização da Entidade Adjudicante.
2. Nos casos de subcontratação, o fornecedor permanece integralmente responsável perante a Entidade Adjudicante pelo exato e pontual cumprimento de todas as obrigações contratuais, não implicando a transferência de responsabilidade para qualquer dos subcontratados

Resulta do enunciado da cláusula que não se pode retirar a obrigação de apresentação daqueles documentos em momento anterior.

2.2.1.2. No essencial, a questão há-de resolver-se a partir da resposta antes formulada em último lugar, a qual se prende com o problema de saber se quando um concorrente, no âmbito de um concurso público (e não de um concurso limitado por prévia qualificação) apresenta um terceiro (empresa auxiliar) a cujas capacidades técnicas pretende recorrer para fornecer parte do serviço, está ou não obrigado a apresentar, juntamente com a proposta, os documentos de habilitação desse (futuro) subcontratado e a declaração do respectivo subcontratado de que se vincula à execução daquela parte do serviço.

A questão é relevante e duvidosa à luz do direito nacional. É que, é verdade, por um lado, como se destaca no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 18.11.2021 (proc. 0452/20.2BEALM), que a entidade adjudicante não deve poder exigir requisitos que não constam da lei – leia-se do CCP – nem do programa do concurso.

Isto significa, segundo aquele aresto, que, se nada resultar em contrário do programa de concurso, quer a habilitação do subcontratado, quer a sua declaração de compromisso face à execução da parte da prestação, apenas podem ser exigidos após a adjudicação, como resulta do artigo 2.º, n.º 2 da Portaria n.º 372/2017 e dos artigos 77.º, n.º 2, als. a) e c), 81.º, 92.º e 93.º do CCP. A exigência no momento da apresentação da candidatura parece estar assim reservada, à luz do direito nacional – das regras do CCP – para os casos de concurso limitado por prévia qualificação, conforme o disposto no n.º 4 do artigo 168.º do CCP.

Porém, o artigo 63.º da Directiva 2014/24/UE aparenta impor uma regra diferente, na medida em que considera que o recurso por parte do operador económico às capacidades de outras entidades, independentemente do tipo de procedimento em causa, impõe àquele que faça prova junto da autoridade adjudicante de que irá dispor dos recursos necessários para o efeito, por exemplo, através da apresentação de uma declaração de compromisso dessas entidades auxiliares ou subcontratadas (artigo 63.º, n.º 1, §1.º in fine).

E no mesmo sentido parece apontar também o acórdão RAD do TJUE, de 3.6.2021, exarado no processo C-210/20, que, convocando o princípio da proporcionalidade, destaca que a apresentação dos elementos respeitantes aos subcontratados conjuntamente com a proposta inicial consubstancia um afloramento dos princípios da igualdade de tratamento e da transparência, essenciais à correcta operacionalidade da concorrência na avaliação das propostas, para depois concluir que, se o subcontratado não preencher os requisitos legalmente exigidos para poder ser parte num contrato público, o mesmo deve ser excluído. O aresto do TJUE acrescenta ainda que o proponente há-de poder fazer substituir o dito terceiro auxiliar na execução do contrato, a convite da entidade adjudicante, desde que essa substituição não altere o teor da proposta apresentada, o que pode vir a ser prejudicado pela “subcontratação” em momento posterior.

No diapasão daquela jurisprudência, afigura-se-nos que uma interpretação das regras do direito nacional – das regras do CCP – segundo a qual, nos procedimentos de concurso público, quer os documento de habilitação do subcontratado, quer a sua vinculação à execução da parte do serviço que consta da proposta, apenas são exigidos após a adjudicação, pode bulir, quer com a regra do artigo 63.º da Directiva 2014/24/UE, quer com os princípios da igualdade de tratamento e da transparência, enquanto dimensões de efectivação do princípio da concorrência na avaliação das propostas em concurso, tal como os mesmos foram configurados pelo legislador europeu da contratação publica.

Por esta razão, antes de prosseguir, havendo dúvidas sobre a correcta interpretação do disposto nos artigos 77.º, n.º 2, als. a) e c), 81.º, 92.º, 93.º e 168.º, n.º 4 do CCP, impõe-se suspender a instância e formular a seguinte questão ao TJUE:

É conforme com o direito da União, em especial com o disposto no artigo 63.º da Directiva 2014/24/UE, a solução do direito nacional segundo a qual, nos procedimentos de concurso público em que haja recurso às capacidades de outras entidades para executar a prestação, quer os documentos de habilitação do subcontratado, quer a apresentação de uma declaração de compromisso deste, apenas têm de ser exigidas após a adjudicação?

III – DECISÃO

Em face do exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, reunidos em conferência, em:
a) Submeter à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia a questão prejudicial supra referida e, em consequência,
b) Suspender a presente instância, nos termos dos artigos 267.º do TFUE e 269.º e 272.º do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPTA.
c) Atenta a natureza urgente do processo – artigos 36.º, n.º 1, alínea c) do CPTA e 2.º da DIRECTIVA 2007/66/C E do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2007, que altera as Directivas 89/665/C EE e 92/13/C EE do Conselho no que diz respeito à melhoria da eficácia do recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos – mais se requer que o mesmo siga a tramitação acelerada prevista no n.º 1 do artigo 105.º do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

A Secretaria deste Supremo Tribunal Administrativo procederá às diligências necessárias ao presente reenvio prejudicial, instruindo-o com observância das recomendações do TJUE [2019/C 380/01], relativas à sua apresentação/envio, publicadas no JOUE de 08.11.2019.

Sem custas.

Lisboa, 23 de Junho de 2022. – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – Ana Paula Soares Leite Martins Portela.