Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01462/16 |
Data do Acordão: | 01/11/2017 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA |
Descritores: | EFEITO SUSPENSIVO CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL CPTA |
Sumário: | Não é de admitir recurso de decisão que levantou o efeito suspensivo automático da impugnação, no quadro do artigo 103.º-A do CPTA com fundamentação consistente e plausível. |
Nº Convencional: | JSTA000P21307 |
Nº do Documento: | SA12017011101462 |
Data de Entrada: | 12/21/2016 |
Recorrente: | A......, S.A. |
Recorrido 1: | MUNICÍPIO DE MATOSINHOS E OUTRO |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1. 1.1. A……….., S.A., intentou acção administrativa de contencioso pré-contratual contra o Município de Matosinhos, o qual, na contestação, requereu o levantamento do efeito suspensivo do acto impugnado (acto de adjudicação), nos termos do artigo 103.º-A, nº 2, do CPTA, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10, suportando a sua pretensão no «risco iminente do município ficar sem serviço de recolha de resíduos durante o período de tempo que mediar entre o fim dos contratos atualmente em vigor e o inicio da execução do contrato celebrado na sequência da decisão de adjudicação à contra-interessada, o que constitui um incontornável prejuízo para o interesse público». 1.2. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, por despacho de 11/07/2016 (fls. 103/104), julgou «o Incidente improcedente, mantendo-se o efeito suspensivo automático». 1.3. O Município de Matosinhos apelou para o Tribunal Central Administrativo Norte que, por acórdão de 21/10/2016 (fls. 118/125), decidiu «conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, e determinar o levantamento do efeito suspensivo automático da impugnação do acto em causa». 1.4. É desse acórdão que a autora vem, com invocação do artigo 150.º do CPTA, requerer admissão de revista 1.5. O Município demandado defende a não admissão da revista. Cumpre apreciar e decidir. 2. 2.1. Tem-se em atenção a matéria considerada no acórdão recorrido. 2.2. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». A jurisprudência deste STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado, como as partes reconhecem, a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos. 2.3. A problemática suscitada nos autos respeita ao levantamento do efeito suspensivo automático a que reporta o artigo 103.º-A do CPTA. Deve recordar-se que o TAF do Porto, ao indeferir o pedido de levantamento da suspensão automática considerou que era previsível que a acção fosse decidida antes que se pudesse verificar o alegado risco de o Município ficar sem recolha de lixo, risco que só ocorreria a partir de Novembro de 2016. Mas logo apontou: «Caso tal não suceda em qualquer momento pode o interessado deduzir o incidente de levantamento do efeito suspensivo». Ora, quando o TCA Norte apreciou o caso já tinha sido ultrapassado tal prazo. Por isso, ponderou, entre o mais: «Assim há que encarar o problema no contexto actualizado, diverso do pressuposto na decisão recorrida. E neste contexto dizer que o problema da recolha e transporte do lixo, ou “resíduos sólidos urbanos e de limpeza urbana”, para tratamento adequado, se insere no domínio essencial e indispensável da salubridade pública. A ideia é clássica mas sobrevive à “morte” da língua em que foi escrita, salus populi suprema lex. Inquestionavelmente a continuidade do funcionamento eficaz do serviço de recolha do lixo é uma necessidade geral imperiosa, por irreparáveis os efeitos nocivos para a saúde pública previsivelmente advenientes da perturbação e descontinuidade dessa tarefa, em contraponto e sem qualquer dúvida em sobreposição ao interesse privado, de índole económica, ressarcível, focalizado na esfera jurídica da Recorrida. Interesse privado que, de resto, a Recorrida também não caracteriza nem quantifica de modo convincente. Ciente da relevância do serviço em causa, a Recorrida argumenta que o Recorrente nem sequer invoca a impossibilidade absoluta de ele continuar a ser prestado após o termo dos contratos em execução. Trata-se, todavia, de um argumento meramente formalista, pouco valioso, pois o que releva não é a demonstração da “impossibilidade absoluta”, ideia sempre temerária quando se projecta o futuro, mas sim da grande probabilidade de ocorrerem perturbações graves desse serviço, situação que o Recorrente alega satisfatoriamente, inclusive através da adesão às judiciosas palavras escritas noutra decisão do TAF em processo diferente, mas essencialmente idêntico (Proc. 123716.6BEPRT) em que foi decretado o levantamento do efeito suspensivo com os seguintes fundamentos, a propósito do dever do Município em zelar pela regular e contínua prestação do serviço de recolha de lixo, varredura e limpeza de espaços públicos, numa área considerável da zona nascente do Município de Matosinhos: ‘É um interesse notoriamente público, que não pode estar sujeito às vicissitudes de quebras contratuais ou a incertezas de continuidade ou às delongas de um procedimento concursal, mesmo que motivos legais o possam eventualmente inquinar. E é de um interesse público de extrema relevância, porquanto, não se admite sequer a hipótese de vir a ser perturbado ou interrompido sob pena de, como assevera o R., vier a estar em crise a própria higiene dos espaços públicos e, pior, a saúde pública.’ Ainda a Recorrida invoca mecanismos jurídicos que supostamente poderiam servir à Recorrente para garantir a ininterruptividade da prestação de serviços públicos essenciais, como o que está em causa, por exemplo o lançamento de um Concurso Público Urgente ou a celebração de um Ajuste Directo nos termos do art.° 24.º, n.º 1, alínea c), do CCP. No entanto, essas seriam soluções muito condicionadas, com uma álea de risco muito elevada, quer pela restrição legal dos pressupostos jurídicos necessários à adopção dessas medidas quer pela limitação dos valores máximos desse tipo de contratos. Seja como for a Recorrida alega em abstracto, mas não demonstra em concreto, que contratos desse tipo tivessem aptidão para satisfazer adequadamente o essencial do interesse público em causa, nas circunstâncias concretas do caso. Em suma, encontram-se preenchidos os requisitos previstos no artigo 103°-A n°2 do CPTA e que, consequentemente, o recurso merece provimento e a decisão recorrida não pode manter-se». Observa-se, portanto, que não pode falar-se em divergência real de decisões das instâncias. Tratou-se, antes, de decisões em momentos diversos, com pressupostos diferentes. A recorrente pretende que se está perante problemática de importância fundamental. Há que notar, porém, que a apreciação realizada pelo acórdão recorrido teve em atenção a específica realidade em discussão, tendo como razão de fundo a garantia da ininterruptibilidade da prestação de serviços de recolha e transporte de resíduos sólidos urbanos e limpeza urbana no município demandado. É verdade que a recorrente considera que o município demandado não cumprira o ónus de alegação e prova do risco de interrupção da prestação do serviço e também considera que havia alternativas. Porém, observando-se todo o teor do acórdão decorre que ele apreciou essas objecções ao levantamento da suspensão e fê-lo de forma que se considera consistente e plausível. Depois, se bem que a recorrente aponte para a natureza inovadora do regime do artigo 103-A, para realçar a necessidade de pronúncia deste Supremo Tribunal, a verdade é não se detecta no juízo do acórdão qualquer doutrina que fuja de um quadro comum de apreciação, agora feito no âmbito desse preceito, mas correspondendo a tipo de juízo feito no quadro do regime do CPTA na versão original; e que, afinal, continua a ser exigência, face à remessa que é feita para o n.º 2 do artigo 120.º. 3. Pelo exposto, não se admite a revista. Custas pela recorrente. Lisboa, 11 de Janeiro de 2017. – Alberto Augusto Oliveira (relator) – Costa Reis – São Pedro. |