Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0273/12.6BEALM 0197/18
Data do Acordão:02/05/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Sumário:I - Nos termos do artigo 33.º n.º 1 do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), o procedimento, por contraordenação (tributária), prescreve no prazo de cinco anos, a contar, regra geral, do momento da prática do facto relevante/da infração.
II - Decorre, do artigo 28.º n.º 3 do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS), na redação que lhe foi conferida pela L. 109/01 de 24.12., que "A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade".
III - A prescrição extingue o procedimento por contraordenação – cf. artigo 61.º alínea b) do RGIT e 27.º (parte inicial) do RGIMOS.
Nº Convencional:JSTA000P25524
Nº do Documento:SA2202002050273/12
Data de Entrada:02/28/2018
Recorrente:A......, LDA
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
***
Acórdão proferido no Supremo Tribunal Administrativo, com sede em Lisboa;

I


A………., Lda., com os demais sinais dos autos, neste processo de recurso (judicial) de decisão de aplicação de coima (contraordenação), recorre da sentença proferida, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, em 20 de setembro de 2017, que julgou improcedente a impugnação judicial dirigida a decisão aplicadora de coima, no valor de € 3.225,00.

A recorrente (Rte) apresentou alegação, finalizada com as seguintes conclusões: «

1) Atendendo à data da infracção, entende a arguida que o procedimento por contra ordenação se encontra extinto por efeitos da prescrição;

2) Como resulta dos termos conjugados do Art.º 33º do RGIT, conjugado com o Art.º 27º - A e n.º 3 do Art.º 28º, ambos do RGC “ex vi” da alínea b) do Art.º 3º do RGIT;

3) A prescrição é do conhecimento oficioso;

4) Sendo o procedimento contraordenacional enquadrável no Art.º 33º do RGIT o prazo de prescrição dos presentes autos é de 5 anos;

5) Nos termos do n.º 3 do Art.º 28º, do DL n.º 433/82, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 109/01, de 24.12, a prescrição do procedimento contra ordenacional tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade;

6) Ora, nos termos do Art.º 27º-A do RGCO, não se verificou nenhuma causa de suspensão do processo;

7) Mas, ainda que assim não se entenda, o prazo da suspensão não pode ultrapassar os 6 meses nos termos do n.º 2 do Art.º 27º - A do RGCO;

8) Datando os factos de 15.11.2006, 15.02.2007 e 20.10.2006, já decorreram todos os prazos que conduzem à extinção do procedimento por efeitos da prescrição;

9) Nos termos em que se deixa alegado o procedimento encontra-se prescrito;

10) Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou improcedente o recurso de impugnação apresentado pela Recorrente;

11) O presente recurso é circunscrito à questão de direito: modo de contagem do prazo para o exercício do direito de defesa a que se refere o n.º 1 do Art.º 70º do RGIT;

12) Resultando do modo de contagem desse prazo, a admissibilidade, ou não, da Defesa Escrita apresentada pela Recorrente nos termos do Art.º 70º n.º 1 do RGIT;

13) Tendo como consequência final, a violação ou não, do direito de defesa da sociedade arguida, ora Recorrente, no processo de contra ordenação tributário, daí se extraindo as necessárias consequências;

14) Trata-se de saber se a contagem do prazo para o exercício de defesa a que se refere o Art.º 70º n.º 1 do RGIT é feita em dias seguidos como entendeu a sentença recorrida, ou se é feita em dias úteis, como sustentou a Recorrente;

15) A Recorrente em sede de recurso de impugnação da decisão que aplicou a coima, sustentou, que estando o processo contra ordenacional na sua fase administrativa, o respectivo prazo era contado com suspensão dos Sábados Domingos e Feriados, nos termos do Art.º 72º do (velho) Código de Procedimento Administrativo (CPA);

16) Por sua vez a douta sentença de que agora se recorre fundamenta a improcedência do recurso, com base no entendimento, que a contagem do referido prazo é feita de modo contínuo;

17) Entende a Recorrente que uma coisa é a responsabilidade tributária, outra coisa é a responsabilidade criminal, ou no caso dos autos a responsabilidade contra ordenacional, resultante de um direito sancionatório “de carácter punitivo” subjacente à prática de actos ilícitos ético-socialmente relevantes;

18) No processo contra ordenacional estamos perante uma “acusação em matéria penal”;

19) É uniforme e consolidada a jurisprudência de todos os Tribunais Superiores, quer judiciais quer administrativos, que o processo contra-ordenacional comporta duas fases, uma administrativa e outra judicial;

20) A primeira integra a elaboração do auto de notícia ou da participação, a resposta do arguido, a instrução, a decisão da autoridade administrativa e a dedução do recurso de impugnação da mesma, a segunda, inicia-se com a remessa dos autos ao Tribunal de 1º instância e a sua apresentação ao Juiz respectivo, equivalendo este acto à acusação em processo penal;

21) Em cada uma das suas fases, o processo contra ordenacional faz prevalecer os seus princípios próprios; na sua fase administrativa os princípios próprios do direito administrativo e na sua fase judicial os princípios próprios do direito penal, respectivamente (cfr. Ac da Relação do Porto de 09.02.2004, disponível no sítio http://www.dgsi.pt.

22) O primeiro argumento com base no qual a Recorrente sustenta que a contagem de prazos para efeitos do n.º 1 do Art.º 70º do RGIT é feita em dias úteis, resulta do facto de estarmos numa fase administrativa do processo, associado à actual redacção conferida ao Art.º 60º do RGCO, ter adoptado este entendimento, tornando praticamente análoga a redacção do preceito, no Art.º 72º do CPA (em vigor à data), conjugado com o Acórdão do STJ n.º 2/94 de 10.03.1994, com força obrigatória geral, pelo qual ficou estabelecida a jurisprudência de que “Não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3 do artigo 59º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 1/de Outubro.”;

23) É também uniforme e consolidada, a jurisprudência do STA quanto à forma de contagem do prazo para a impugnação da decisão de aplicação da coima, a que se reporta o Art.º 80º do RGIT, de que são exemplos os citados acórdãos do STA de 01.06.2011 no proc.º n.º 0312/11; de 29.06.2011 no proc.º n.º 0313/11; de 21.09.2011 no proc.º n.º 0318/11; de 28.05.2014 no proc.º n.º 0311/14, todos disponíveis em www.dgsi.pt;

24) O segundo argumento, consiste no facto do STA considerar de forma uniforme e consolidada, que o regime supletivo aplicável ao Art.º 80º do RGIT é nos termos da alínea b) do seu Art.º 3º o RGCO, tendo dessa forma, que ser o mesmo regime supletivo a aplicar ao Art.º 70º.

25) Sendo o RGGO, o regime supletivo aplicável quanto à contagem dos prazos na fase de impugnação, não se vislumbra qualquer outro regime supletivo aplicável, na mesma fase administrativa do processo, ainda que em momento anterior, ou seja no momento da notificação para o exercício do direito de defesa, a que se refere o Art.º 70º do RGIT.

26) Por fim, o terceiro argumento no qual a Recorrente sustenta que a contagem de prazos para efeitos do n.º 1 do Art.º 70º do RGIT é feita em dias úteis, resulta ainda no facto do STA considerar de forma uniforme e consolidada, que sendo o prazo do Art.º 80º do RGIT contado em dias úteis, terá que ser utilizada a mesma forma de contagem de prazo, para a mesma fase administrativa do processo, observada em momento anterior.

27) Foi esse o entendimento do douto acórdão do TRP proferido em 01.06.2005 no proc.º n.º 0540995 disponível em www.dgsi.pt: “Se para a impugnação judicial da decisão administrativa que aplicou a coima o prazo tem natureza administrativa, é evidente que, para toda a fase anterior, manifestamente administrativa, a contagem dos prazos terá que ser efectuada de acordo com o estipulado no Código de Procedimento Administrativo.”;

28) Foram estes os fundamentos, perfeitamente actuais, com base nos quais sustentou a Recorrente, em sede de impugnação, a natureza do prazo administrativo no processo contra ordenacioanal tributário, verificada em toda a sua fase administrativa e por conseguinte a aplicabilidade do Art.º 72º do CPA (antigo) para efeitos da forma de contagem de prazos nesta fase;

29) Em jeito de conclusão final, com os expendidos fundamentos, entende a Recorrente que, a forma de contagem de prazo para qualquer acto a praticar na fase administrativa do processo de contra ordenação tributário, é feita nos termos do Art.º 60º do RGCO, “ex vi” da alínea b) do Art.º 3º do RGIT e por conseguinte o prazo para exercer o direito de defesa a que se refere o Art.º 70º do RGIT, suspende-se aos sábados, domingos e feriados;

30) Em consequência do que ficou dito, a defesa foi tempestivamente deduzida pela arguida, constituído a sentença que a considerou intempestiva uma nulidade insanável, cuja consequência é a invalidade dos actos praticados a partir defesa apresentada.

31) Qualquer forma de contagem de prazo, para o exercício do direito de defesa, que não a contagem de prazo em dias úteis, resultante da forma de contagem do Art.º 60º do RGCO, “ex vi” da alínea b) do Art.º 3º do RGIT, sempre resultaria numa diminuição do prazo para o exercício desse direito fundamental e como tal violador da nossa lei fundamental;

32) O entendimento da douta sentença sob recurso, quanto à forma de contagem de prazo para o exercício do direito de defesa é pois inconstitucional por violação do n.º 10 do Art.º 32º da CRP;

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve ser declarado extinto o processo de contra ordenação por efeitos da prescrição.

Se assim não se entender deve ser dado provimento ao presente recurso e em consonância revogada a sentença recorrida, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.
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O Ministério Público, na condição de recorrido, formalizou alegação que, aqui, se reproduz:

Por douta sentença, datada de 21/09/2017, decidiu a Mm.ª Juíza manter a condenação da arguida, ora Recorrente, “A……….., Lda.” na coima única de € 3.225,00 pela prática das infracções previstas nos artigos 88º do CIRC e 98º do CIRS, punida nos artigos 114º, nº 2 e 5, al. f) e 26º nº 4 do RGIT (ocorrida no dia 20/10/2006), nos artigos 99º, 100º, 101º e 98º nº3 do CIRS, punida nos artigos 114º, nº2 e 5, al. f) e 26º nº 4 do RGIT (ocorrida no dia 20/10/2006), no artigo 29º nº 1, al. c) do CIVA, punida nos artigos 119º, nº 2 e 5, al. f) e 26º nº 4 do RGIT (ocorrida no dia 15/11/2006) e no artigo 29º nº 1, al. c) do CIVA, punida nos artigos 119º, nº2 e 5, al. f) e 26º nº4 do RGIT (ocorrida no dia 15/02/2007).

Inconformada, a Recorrente veio interpor recurso desta decisão alegando em síntese:

- a prescrição do procedimento contra-ordenacional;

- e a titulo subsidiário, nulidade da decisão de aplicação da coima, por violação do direito de defesa, alicerçada no facto de o Serviço de Finanças ter considerado, erradamente, intempestivo o direito de defesa apresentado.

Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:

- Em 27/01/2011, foi levantado o auto de notícia a “A……….., Lda.” imputando-lhe a prática das infracções previstas nos artigos 88º do CIRC e 98º do CIRS, punida nos artigos 114º, nº 2 e 5, al. f) e 26º nº 4 do RGIT (ocorrida no dia 20/10/2006), nos artigos 99º, 100º, 101º e 98º nº 3 do CIRS, punida nos artigos 114º, nº 2 e 5, al. f) e 26º nº 4 do RGIT (ocorrida no dia 20/10/2006), no artigo 29º nº 1, al. c) do CIVA, punida nos artigos 119º, nº2 e 5, al. f) e 26º nº4 do RGIT (ocorrida no dia 15/11/2006) e no artigo 29º nº 1, al. c) do CIVA, punida nos artigos 119º, nº2 e 5, al. f) e 26º nº 4 do RGIT (ocorrida no dia 15/02/2007)

- por despacho do chefe do serviço de finanças, datado de 27/01/2012, foi proferida a decisão sob recurso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, condenando a recorrente ao pagamento de uma coima única de €3.225,00 por violação dos supra citados preceitos legais;

- em 08/02/2012 foi a ora Recorrente notificada da decisão da fixação da coima;

- em 19/02/2012 foi apresentado recurso da decisão de aplicação da coima.

Vejamos a questão da prescrição do procedimento contra-ordenacional.

Nos termos do regime previsto no RGIT, o prazo prescricional do procedimento de contra-ordenação é de cinco anos, contado desde o momento da prática da infracção - artigo 33.º n.º 1 daquele diploma.

Nos termos do disposto no artigo 33.º do RGIT, o prazo de cinco anos, previsto no n.º 1 daquele preceito, interrompe-se e suspende-se nos termos previstos no nº 3 do mesmo artigo. Estabelece esta norma, no que para o caso dos autos releva, que “O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos na lei geral (…)” são as previstas nos artigos 27.º-A e 28.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Novembro (RGCOC).

Sendo de sublinhar que nos casos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 27-A a suspensão não pode ultrapassar seis meses.

Por sua vez, o artigo 28.º do RGCOC descreve quantos os factos interruptivos da contagem do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, sublinhando-se o nº 3 deste preceito pelo qual a «prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade».

Pelo que se conclui que “(...) Os prazos máximos de prescrição do procedimento contra-ordenacional tributário no caso de ter havido interrupção desse mesmo prazo são de 7 anos e meio.” (in RGIT Anotado, Lopes de Sousa e Simas Santos, 2001, Áreas Editora, pág. 263) - prazo normal de prescrição — cinco anos — acrescido de metade.

No mesmo sentido, a jurisprudência do STA tem decidido no sentido de aplicar subsidiariamente o artigo 121.º, n.º 3 do Código Penal, cfr. do acórdão do STA de 09/07/2003, proferido no recurso n.º 540) e o acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2001, publicado no Diário da República, I Série, de 30/03/2001.

A respeito da aplicação deste prazo máximo de sete anos e meio, importa convocar a posição perfilhada no acórdão do STA de 10/10/2012, processo n.º 0456/12.

Aqui chegados, regressemos, agora, ao caso concreto dos autos.

Adiantamos, desde já, que no caso concreto já se encontram decorridos mais de sete anos e meio sobre a data da prática das infracções a que se reporta o presente processo de contra-ordenação, pelo que o mesmo já se encontra prescrito.

Senão vejamos.

A Recorrente praticou as infracções em 20/10/2006, 15/11/2006 e 15/02/2007.

Assim, tendo a contagem do prazo prescricional tomado o seu termo inicial após a data da prática das infracções e não obstante a interrupção ou suspensão do prazo, concluímos que ocorreu a prescrição, pelo decurso do prazo de sete anos e meio contados da data da prática de cada infracção.

A prescrição do procedimento contra-ordenacional extingue a responsabilidade da Recorrente e prejudica o conhecimento dos restantes vícios invocados.

Concluindo, o procedimento pela contra ordenação em causa mostra-se extinto, por prescrição.

Termos em que deve ser dado provimento ao recurso como única forma de fazer JUSTIÇA.
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O Exmo. Procurador-geral-adjunto emitiu parecer, onde conclui o seguinte:»

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Colhidos os vistos legais, compete conhecer e decidir.

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II


Mostra-se consignado, na sentença: «

A. No dia 27 de janeiro de 2011, foi levantado auto de notícia contra a Arguida, por alegadas infrações aos artigos 88.º do CIRC, 98.º, 100.º e 101.º todos CIRS e 29.º, nº 1 do CIVA, punidas pelos artigos 114.º, n.º 2, 3 e 5 e 119.º, nº 1 e 2 e 26.º, nº 4 do RGIT (cfr. cópia do auto de noticia junto a fls. 2 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);

B. Em resultado do auto de notícia referido em A), o Chefe do Serviço de Finanças de Almada 2 instaurou, em 27 de janeiro de 2011, o processo de contraordenação nº 3212201106002471 contra a Arguida (cfr. documento de fls. 1 dos autos);

C. A 13 de janeiro de 2012, foi expedida notificação por carta registada com indicação alfanumérica RM312931903PT, para a sede da Recorrente sita na Praça ………….., em Almada, tendente ao exercício do direito de defesa no âmbito do processo de contraordenação nº 3212201106002471, melhor identificado na alínea que antecede (cfr. fls. 164 a 166 dos autos; facto expressamente assumido no artigo 7.º da p.i.);

D. Na sequência da notificação referida em C), a Recorrente apresentou, em 30 de janeiro de 2012, via correio eletrónico, defesa junto do Serviço de Finanças de Almada 2 (cfr. fls. 171 a 178 dos autos; facto expressamente assumido no artigo 14.º da p.i.);

E. A 27 de janeiro de 2012, o Chefe do Serviço de Finanças de Almada 2, prolatou decisão administrativa de aplicação de coima com o seguinte teor:


(cfr. fls. 168 a 170 dos autos);

F. A 06 de fevereiro de 2012, foi expedida notificação por carta registada com indicação alfanumérica RC65268685PT, para o domicílio do mandatário da Recorrente, com o seguinte teor:

(cfr. fls. 180 a 182 dos autos);

G. A Recorrente interpôs o presente recurso judicial da decisão de aplicação de coima, em 19 de fevereiro de 2012 (cfr. fls. 183 dos autos);
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Face, em primeira linha, ao conteúdo, das supra elencadas conclusões 1) a 9) (da Rte), secundado pelo Ministério Público (junto do TAF de Almada e deste STA), a questão que se coloca, imediatamente, à nossa consideração (Ademais, o conhecimento (e decisão) de matéria respeitante à extinção de procedimento contraordenacional, por prescrição, reveste foros de oficiosidade. Assim, cf., v.g., Alfredo de Sousa e José da Silva Paixão, in Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado, 3.ª Edição, Almedina, pág. 411 em anotação ao seu artigo 35.º, correspondente ao, atualmente, em vigor artigo 33.º do RGIT.), é a de apurar se, como invocado, ocorreu a extinção, por prescrição, do procedimento por contraordenação, em curso nestes autos, face ao positivado no artigo 28.º n.º 3 do DL. 433/82 de 27.10., na redação da L. 109/2001 de 24.12. (Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social / RGIMOS).
Nos termos do artigo 33.º n.º 1 do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), o procedimento, por contraordenação (tributária), prescreve no prazo de cinco anos, a contar, regra geral, do momento da prática do facto relevante/da infração.
Por seu turno, como decorre do mencionado artigo 28.º n.º 3 do RGIMOS, na redação que lhe foi conferida pela L. 109/01 de 24.12., “A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade” (Anote-se, em sede de aplicação deste regime no tempo, que a relevância do mesmo era anteriormente (ao início da vigência desta lei de alteração) defensável pela aplicação subsidiária, ao direito (sancionatório) e especificamente ao regime prescricional do procedimento contraordenacional, do regime previsto no artigo 121.º n.º 3 do Cód. Penal, que, inovadoramente, a partir de 1.10.1995 (data em que iniciou vigência o DL.48/95 de 15.3., que reviu o Código Penal, aprovado pelo DL. 400/82 de 23.9.), passou a prever a existência de um prazo máximo de prescrição, mesmo havendo actos interruptivos – cfr. Ac. STA de 22.9.2004, rec. 0570/04 e Jurisprudência n.º 6/2001 (do STJ) de 8.3., in DR. I Série - A de 30.3.2001.).
Posto isto, sendo inquestionável a aplicação do coligido regime prescricional na situação julganda (Não se olvide que “Se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada” – cfr. Artigo 3.º n.º 2 do RGIMOS.), na certeza de que as infrações versadas neste processo e imputadas à arguida, foram perpetradas em 20.10.2006 (2), 15.11.2006 e 15.02.2007 (Cf. decisão de aplicação de coima, reproduzida no ponto E. dos factos provados, tratando-se, concretamente, nos dois primeiros casos, da falta de retenção na fonte e entrega de imposto retido, em IRS e IRC, estando em causa nos restantes dois, omissões ou inexactidões praticadas nas declarações periódicas, em cédula de IVA.), concomitantemente, iniciou-se o decurso do prazo de prescrição do correspondente procedimento por contraordenação. Assim, contabilizando sete anos e seis meses (prazo prescricional aplicável de 5 anos, acrescido de metade) sobre essas datas de 20.10.2006, 15.11.2006 e 15.02.2007, conferimos, como datas de, possível, consumação da prescrição do procedimento em apreço, respetivamente, os, já pretéritos, dias 20.04.2014, 15.05.2014 e 15.08.2014.
Para ser incontestável esta conclusão, resta consignar que se, por um lado, como resulta da factualidade julgada provada, em 1.ª instância, podemos descortinar e afirmar a ocorrência e operação de várias causas de interrupção da prescrição do procedimento contraordenacional, positivadas no artigo 28.º n.º 1 do RGIMOS (Que são: 1. a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação; 2. a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa; 3. a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito; 4. a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.) (ex vi do artigo 33.º n.º 3 do RGIT), por outro lado, compulsados os autos, bem como, a documentação nos mesmos disponibilizada, não se encontram causas de suspensão do escalpelizado prazo prescricional, configuradas no artigo 27.º-A n.º 1 alíneas a) a c) do mesmo compêndio legal («…, durante o tempo em que o procedimento:
a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º;
c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.»), bem como, no artigo 33.º n.º 3 (2.ª parte) do RGIT. Implicantemente, nada obstacula/prejudica a contagem que vimos de promover, maxime, a necessidade de considerar qualquer tempo/período de suspensão, o único relevante na dinâmica legal, acima, traçada.
Em todo caso, não podendo as (duas potenciais) suspensões exceder 6 meses/cada, portanto, um máximo de 12 meses – artigo 27.º-A n.º 2 do RGIMOS (Sendo nítido que não ocorre, in casu, a situação de o versado procedimento por contraordenação haver estado algum tempo sem puder legalmente iniciar-se ou prosseguir por falta de autorização legal (o auto de notícia foi levantado em 27 de janeiro de 2011 e o processo contraordenacional instaurado no mesmo dia – pontos A. e B. dos factos provados).), seguramente, na data em que foi proferida a sentença recorrida e, por maioria de razão, este aresto, encontrava-se/ encontra-se prescrito o procedimento contraordenacional em atividade contra a arguida.
A prescrição extingue o procedimento por contraordenação – cf. artigo 61.º alínea b) do RGIT e 27.º (parte inicial) do RGIMOS, pelo que, na hipótese dos autos, se impõe decretar tal efeito e reputar prejudicada a apreciação e decisão de qualquer outra questão, destacadamente, aquela que a Rte identificou na conclusão 11) da sua alegação.
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III


Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acorda-se:

- provendo este recurso jurisdicional, julgar prescrito e extinto o procedimento por contraordenação em curso, no presente processo, contra a arguida A………….., Lda.;

- ordenar o, oportuno, arquivamento dos autos.


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Sem tributação.
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Cumpra-se, além do mais, o disposto no art. 70.º n.º 4 do RGIMOS.

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[ Elaborado em computador e revisto, com versos em branco ]


Lisboa, 5 de fevereiro de 2020. – Aníbal Ferraz (relator) – Francisco Rothes – Suzana Tavares da Silva.