Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0830/15
Data do Acordão:01/27/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:IVA
CRÉDITO INCOBRÁVEL
DEDUÇÃO DE IMPOSTO
Sumário:Para que possa ocorrer a regularização de imposto do IVA a que alude o artigo 78º, n.º 7, al. b) do CIVA, é necessário que se encontre por pagar a totalidade ou parte do preço -crédito incobrável- do negócio havido entre as partes e que o IVA respeitante a esse negócio já anteriormente tenha sido considerado nas respectivas declarações periódicas.
Nº Convencional:JSTA00069533
Nº do Documento:SA2201601270830
Data de Entrada:07/01/2015
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LOULÉ
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IVA.
Legislação Nacional:CIVA ART78 ART8 ART96 ART19 ART37 ART27.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A Fazenda Pública, inconformada, recorreu da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé (TAF de Loulé) datada de 14 de Janeiro de 2014, que julgou procedente a impugnação judicial que havia sido deduzida por A……………., SA, contra a liquidação adicional de IVA do período 09.10, no valor de € 106.391,13 e juros no valor de € 1.457,41.

Alegou, tendo concluído como se segue:
a) A douta sentença recorrida considerou que a questão dos autos é a de saber qual o montante do crédito incobrável;
b) A sentença sob Recurso considerou provado no nº 5 do Probatório que “Entre os activos alienados constavam viaturas, peças e material de escritório e oficina tituladas pelas facturas 37.654, 37.655, 37.663 a 37.668, 37.675 e 40.345 a 40.349 - facto admitido por acordo”;
c) Também no n.º 6 do mesmo Probatório, dá-se como provado que “Estes activos foram facturados pelo preço global de € 613.015,53, ao qual acresceu IVA no montante de € 128.733,27 - facto admitido por acordo;
d) No nº 9 do mencionado Probatório confirma-se que: “A B………. não pagou a A……………, LDA, € 128.733,27 facto admitido por acordo”;
e) Entendeu o Mmº Juiz a quo que “a adquirente, na acção declarativa contra si proposta pela Impugnante defendeu que a operação não estava sujeita a IVA - cfr. fls. 156 dos autos, o Tribunal formou a convicção de que não terá pretendido, seguramente, com a compensação pagar imposto que não considerava elegível, havendo, então, que concluir, que os outorgantes pretenderam pagar através da compensação recíproca de créditos foi apenas o preço (valor contabilístico) dos bens transaccionados”;
f) Seguindo este entendimento, a douta sentença recorrida concluiu que é admissível a dedução integral do IVA no valor de € 128.733,27, decidindo pela procedência da Impugnação;
g) Com o devido respeito e salvo melhor e douta opinião, a Fazenda pública não pode concordar com tal entendimento e decisão;
h) Salvo melhor e douta opinião, consideramos que a intenção de uma ou ambas as partes no tocante ao pagamento parcial de uma factura em que há obrigação de liquidar imposto, conforme disposição legal, não tem relevância em matéria tributária;
i) Com efeito, vigora em matéria tributária, o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários consagrado no art. 30° nº 2 da LGT;
j) E, bem assim, o princípio da legalidade em matéria tributária conforme previsto no artº 103º da CRP e artº 5 nº 2 da LGT;
k) Atento ainda o facto das qualificações jurídicas dadas pelas partes não vincularem o Tribunal;
l) A admitir-se o entendimento do Mim Juiz a quo, bastaria a intenção do devedor em pagar apenas a parte dos bens ou serviços facturados e não pagar apenas o valor do imposto, para que, mediante o crédito incobrável, nenhum imposto fosse pago.
m) Conforme contestado, verificando-se o pagamento parcial do valor facturado não pode o mesmo ser imputado apenas aos bens e serviços pois havendo pagamentos parciais, e a obrigação de liquidar o imposto correspondente e fazê-lo incluir na declaração do período correspondente ao do recebimento;
n) Tal “lógica” encontra-se subjacente à obrigação de repercutir o IVA a terceiros sempre que haja facturação, conforme dispõe o artº 37º do CIVA;
o) Pelo que incorreu a douta sentença recorrida em erro de julgamento ao considerar que a AT violou o artº 78° nº 7 do CIVA;
Pelo exposto e pelo muito que V. Ex. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a douta sentença recorrida, que deverá ser substituída por acórdão que mantenha na ordem jurídica a liquidação ora impugnada, assim se fazendo JUSTIÇA.
Contra-alegou a recorrida tendo concluído:
(a) Entendeu, e bem, o douto Tribunal a quo em dar razão à ora Recorrida quando decidiu pela procedência da presente impugnação judicial e anulou o acto de liquidação adicional de IVA do período de 09.10 e respectivos juros.
(b) Em 3 de Novembro de 2005 foi celebrado um contrato de transmissão de acções da Recorrida entre a sociedade C…………, SGPS, S.A., na qualidade de alienante, e D………….., na qualidade de adquirente.
(c) Posteriormente, a Recorrida cedeu à C…………. as duas quotas, correspondentes a 100% do capital social da B………… que se constituiu credora do montante acordado para a alienação das acções.
(d) Assim, as duas sociedades, Recorrida e B…………, compensaram o crédito da B……….., pela venda das acções, com os débitos referentes à transmissão, por parte da Recorrida, sendo a única quantia a pagar em dinheiro a relativa ao IVA que a B………. nunca entregou à Recorrida, apesar de tal montante ter sido por si entregue nos cofres do Estado.
(e) Consequentemente, a Recorrida recorreu à via judicial, e tal como consta da sentença proferida nesse processo e transitada em julgado, resultou provado que “(...) o pagamento do preço referente aos veículos, bens e equipamentos discriminados nas facturas foi efectuado nos termos do contrato (...), não tendo a sociedade Ré liquidado o imposto de IVA em tais facturas titulado; e) face ao não pagamento do imposto, a sociedade Ré foi interpelada pela Autora para proceder ao pagamento do IVA titulado nas facturas, no montante de €128.733,27, mediante carta datada de 27 de Março de 2007; f) a Autora não obteve resposta à carta e a Ré não liquidou até ao presente o montante global de 128.733.27 € a título de IVA” (sublinhado nosso).
(f) Assim, claro resulta que o crédito reclamado na identificada acção correspondeu única e exclusivamente ao IVA liquidado e titulado nas facturas validamente emitidas pela ora Recorrida, e não pago pela adquirente dos bens, B……………………!
(g) Em estrito cumprimento das suas obrigações fiscais, a ora Recorrida procedeu à devida emissão das facturas referentes à transmissão dos bens, procedeu à liquidação do IVA às taxas legais aplicáveis e entregou o IVA devido nos cofres do Estado!
(h) Pelo que, não se verifica, assim, a produção de qualquer prejuízo ao credor tributário, o Estado.
(i) Sucede que, tendo sido declarada a insolvência da B………….. e não tendo esta procedido ao pagamento do IVA devido à ora Recorrida, tal como havia sido condenada, procedeu a Recorrida à competente reclamação do seu crédito no âmbito do processo de insolvência.
(j) Tratando-se de um crédito comprovadamente incobrável, foi o IVA correctamente deduzido pela Recorrida nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 7 do art. 78° do CIVA.
(k) Ora, a Administração Fiscal aventou uma tese inovatória diga-se, de que a devedora terá pago à Recorrida parte do IVA liquidado, ficando por pagar uma pequena parte das facturas, aplicando assim um raciocínio pro-rata!?!
(l) Pretende, assim, a Administração Fiscal locupletar-se à custa da Recorrida do montante de IVA que esta liquidou e entregou nos cofres do Estado em 2005 e 2006!
(m) Deste modo, e sem prejuízo do supra alegado, refira-se que os actos tributários de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios são patentemente ilegais por violação expressa do disposto nos artigos 99°, al. a) e c) do CPPT e 87° do CIVA, bem como do princípio da justiça material, inscrito no artigo 5° da Lei Geral Tributária.
(n) Acresce ainda que a Administração Fiscal abalançou-se na liquidação adicional do tributo, sem que tivesse sido entregue à Recorrida qualquer montante pedido a título de reembolso.
(o) Tal actuação preenche in totum o conceito de duplicação de colecta, dado que, estando pago por inteiro o tributo, vem a Administração Fiscal exigir da mesma entidade um novo pagamento de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo.
(p) Verifica-se ainda, que “saltou” a Administração Fiscal várias fases do procedimento tributário que passariam pela notificação do sujeito passivo da decisão de indeferimento ou deferimento parcial do pedido de reembolso, com a consequente oportunidade do sujeito passivo de poder reclamar de tal acto nos termos do disposto no artigo 22° do CIVA.
(q) E havendo um deferimento ou deferimento parcial, sempre teria que ser entregue ao sujeito passivo o montante devido a título de reembolso e só após tal pagamento, se se entendesse que o reembolso não era devido, proceder-se à liquidação adicional!
(r) Assim, devem as razões aduzidas pela Recorrida ser julgadas procedentes e, em consequência, serem anulados os actos tributários impugnados, considerando que se mostram integralmente preenchidos os termos e as condições previstas no artigo 78° do Código do IVA para que seja autorizada a dedução do IVA e consequente reembolso do imposto, inexistindo fundamento legal para os actos tributários em apreço, sendo os mesmos ilegais por violação dos artigos 99°, al. a) e c) do CPPT e 87° do CIVA, bem como o princípio da justiça material, inscrito no artigo 5° da Lei Geral Tributária e violação dos artigos 96° do CIVA e 35° da Lei Geral Tributária.
Termos em que, e nos demais doutamente supridos por V. Exas., não deverá ser dado provimento ao presente recurso, decidindo-se para manutenção da sentença em apreço, Assim se fazendo a costumada Justiça.

O Ministério Público, notificado pronunciou-se pela procedência do recurso. Em síntese, entendeu que, “tendo havido compensação recíproca de créditos no valor de € 613.015,53, ficou por liquidar o valor de €128.733, 27, a que corresponde IVA de €22.342,14, sendo este, como bem sustenta a Recorrente, o imposto passível de regularização, nos termos do n.° 7 do art. 78.° do CIVA.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. Em 3 de Novembro de 2005, C…………, SGPS, SA, transmitiu a D…………. 46,35% do capital social da A……………, LDA. - cfr. fls. 85 dos autos.
2. A A……………, LDA., detinha 100% do capital social da B……………, Lda. - cfr. fls. 86 do apenso.
3. No contrato referido em 1. ficou acordado que a A…………., LDA., iria ceder a totalidade do capital social da B…………. à C…………..,SGPS, SA, por €104.748,00 - cfr. fls. 86 e 90 dos autos.
4. No mesmo documento ficou ainda estabelecido que a B…………. passaria a actuar por conta da C………….., assumindo esta a dívida resultante do preço de aquisição de alguns activos que seriam alienados pela A………….., LDA., à B…………….. - cfr. fls. 86 dos autos.
5. Entre os activos alienados constavam viaturas, peças e material de escritório e oficina titulados pelas facturas 37.654, 37.655, 37.663 a 37.668, 37.675 e 40.345 a 40.349 - facto admitido por acordo.
6. Estes activos foram facturados pelo preço global de € 613.015,53, ao qual acresceu IVA no montante de €128.733,27 - facto admitido por acordo.
7. Foram pagos por compensação recíproca de créditos € 613.015,53 - fato admitido por acordo.
8. Em 2005 e 2006, A……………., LDA., entregou nos cofres do Estado, a título de IVA, os preditos € 128.733,27 - facto admitido por acordo.
9. A B………….. não pagou a A………………., LDA., € 128.733,27 - facto admitido por acordo.
10. A………………, LDA., requereu o reembolso do IVA após a declaração de insolvência da B……………. - facto admitido por acordo.
11. A………………, LDA., foi sujeita a uma inspecção tributária, de âmbito parcial, no âmbito do procedimento de reembolso de IVA - facto admitido por acordo.
12. Em 14 de Abril de 2010, foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária de fls. 44-51, que aqui se dá por integralmente reproduzido e que, no que ora interessa, tem o seguinte teor:
(...) A regularização do IVA tem subjacente o IVA liquidado nas facturas que lhe deram origem (facturas acima referidas) que descrevem a transferência de propriedade dos bens, decorrente de uma relação comercial entre o contribuinte e o seu cliente.
Independentemente da forma como o valor facturado foi parcialmente pago, a contabilidade deve reflectir o valor em dívida. O crédito incobrável reclamado a que se refere o processo n.° 1952/07.5TBPTM, corresponde ao valor da transacção em dívida como um todo, incluindo a componente dos bens e imposto. Assim, ao liquidar o valor de € 613.015,53, o cliente pagou 82,64% do valor da transacção de €741.748,80, encontrando-se por liquidar os restantes 17,36%, ou seja, € 128.733,27.
Como acima se referiu, o valor em dívida refere-se à base tributável de € 106.391,13 e IVA de € 22.342,14, sendo este último o imposto que nos termos do n.° 7 do artigo 78.º do CIVA é possível regularizar relativamente aos créditos incobráveis resultantes de processos em que seja declarada a insolvência. Conclui-se, assim, que relativamente à regularização efectuada, houve dedução indevida no montante de €106.391,13 (€128.733,27-€22.342,14)”.
13. Consequentemente, foram emitidas as liquidações adicionais - actos impugnados - de IVA n.° 10071799, relativa ao período 09.10, no valor de € 106.391,13, e de juros n.° 10071800, atinente ao mesmo período, no valor de €1.457,41 - cfr. fls. 22-23 dos autos.
Nada mais se deu como provado.

Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
Escreveu-se na sentença recorrida a propósito da questão cuja resolução nos é pedida:
Na redacção em vigor até Março de 2010, dispunha a alínea b) do n.º 7 do artigo 78.º do Código do IVA, epigrafado «Regularizações», que "Os sujeitos passivos podem deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis em processo de insolvência quando a mesma seja decretada".
Pretendeu, assim, o legislador que o sujeito passivo pudesse recuperar o IVA liquidado e entregue ao Estado respeitante a créditos cujo devedor não tenha, à míngua de activo patrimonial, capacidade de solver.
Ao permitir esta dedução ao sujeito passivo de direito - que não recebeu o IVA por se tratar de crédito incobrável-, o legislador manteve a neutralidade do imposto, pois tudo se passa como se o devedor do IVA ao Estado fosse o adquirente que, por regra, seria apenas o sujeito passivo de facto: daí que, nos termos do n.º 11, deva ser comunicado "ao adquirente do bem ou serviço, que seja sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de rectificação da dedução inicialmente efectuada".
Isto é, tal regularização retira do circuito económico, para efeitos de IVA, o sujeito passivo que não recebeu - nem receberá previsivelmente, dada a falta de património do seu cliente - o montante de imposto que entregou nos cofres do Estado.
(…)
Em suma: face ao circunstancialismo fáctico que enformou a celebração do contrato de transmissão de acções, à posição processual assumida pela adquirente na acção declarativa, à inexistência de controvérsia sobre a verificação dos restantes requisitos de que depende a constituição de crédito incobrável para os efeitos do CIVA, bem como à inexistência de actividades isentas (pelo que não é convocável a dedução pro rata nem qualquer outra abordagem proporcional), tendo a Impugnante entregue ao Estado, a título de IVA, o montante de € 128.733,27, é admissível a sua dedução integral. “.

Para melhor se perceber a questão de que aqui se trata iremos de seguida enunciar a matéria de facto essencial e alinhada cronologicamente:
-A impugnante celebrou com a sociedade “B…………” um contrato de compra e venda de diversos bens móveis pelo preço global de 613.015,53€, tendo sido emitidas as respectivas facturas e nas mesmas inscrito o valor respeitante ao IVA que globalmente ascendia a 128.733,27€, perfazendo tudo a quantia de 741.748,80€;
-deste valor global apenas foram pagos pela “B…………..” à impugnante 613.015,53€, tendo ficado por pagar a quantia de 128.733,27€;
-Apesar disso, a impugnante integrou nas declarações periódicas de IVA de 2005 e 2006 as ditas facturas, aí tendo sido considerado aquele valor de 128.733,27€, respeitante ao IVA;
-A Impugnante intentou contra a “B…………” uma acção judicial para obter a condenação desta ao pagamento da quantia em falta, o que veio a acontecer;
-Entretanto a devedora “B…………” foi declarada insolvente e aquele crédito considerado incobrável;
-No período 09.10 a impugnante, na respectiva declaração periódica de IVA, deduziu aquele montante em dívida a título de “regularizações a favor do SP”.

Como bem se percebe dos autos, a regularização pretendida pela impugnante encontra apoio legal no disposto no artigo 78º, n.º 7, al. b) do CIVA, tal como identificado na sentença recorrida.
Dispunha, à data, esse preceito legal que, os sujeitos passivos podem deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis em processo de insolvência quando a mesma seja decretada.
Como claramente resulta da leitura atenta deste preceito legal, o legislador fez uma distinção entre imposto e crédito, ou seja, permite a dedução do imposto que diga respeito aos créditos considerados incobráveis, não permite a dedução do imposto respeitante a quaisquer créditos não pagos ou apenas parcialmente pagos.
Também da leitura dos artigos 8º, 16º, 19º e 37º deste mesmo Código, pode-se surpreender que existiu claramente por parte do legislador a intenção e necessidade de fazer uma clara distinção entre o valor da transacção efectuada pelos sujeitos económicos, o crédito, e o valor do imposto do IVA, devendo ambos ser inscritos na respectiva factura que titula o negócio havido entre as partes.

A ter-se como boa a posição defendida pela recorrida e na sentença impugnada, isto é, que o valor que se encontra em dívida é apenas o valor respeitante ao imposto do IVA, que se encontrava inscrito nas facturas que titularam o negócio entre ambas as sociedades, então, nos termos daquele artigo 78º, n.º 7, al. b) do CIVA a impugnante não tem direito à dedução de qualquer quantia uma vez que nenhum valor respeitante a qualquer negócio celebrado entre ambas foi considerado incobrável.
O que foi considerado incobrável foi o valor respeitante ao imposto, não ao negócio em si mesmo, pelo que, não tem enquadramento naquele preceito legal.
Na verdade, a partir do momento em que o IVA foi inscrito nas facturas que titularam o negócio, a impugnante estava obrigada a entrega-lo à AT nos termos do disposto nos artigos 19º e 27º do CIVA, ou seja, poderia não ter que o entregar em numerário, mas estava obrigada a considerar tal quantia nas declarações periódicas a que estava obrigada a apresentar à AT para efeitos da dedução a que se refere o CIVA.
Ou seja, tal como se encontra desenhada a questão na sentença recorrida, nenhum valor ficou por pagar respeitante ao negócio celebrado pelas partes, o único valor que ficou em dívida, no dizer da recorrida, foi somente o valor respeitante ao imposto do IVA mas, ainda assim, tal valor foi considerado para efeitos de dedução, uma vez que foi declarado pela impugnante/recorrida.
Admitir-se agora a regularização de tal valor ao abrigo do disposto no artigo 78º, n.º 7, al. b) do CIVA, levaria a que a AT ficasse prejudicada na cobrança do imposto, uma vez que isso levaria a que nenhum imposto fosse pago correspondente à parte do preço efectivamente entregue, respeitante aos bens adquiridos pela “B…………”.
Explicando melhor, se a “B…………” entregou à impugnante o valor total que ambas acordaram pelos bens transaccionados, então é devida a totalidade do valor do imposto respeitante a essa transacção, que aliás já foi considerado nas declarações periódicas de 2005 e 2006 da impugnante, independentemente de não ter sido efectivamente recebido pela mesma impugnante, nada havendo, assim, para ser regularizado ao abrigo do disposto no artigo 78º, n.º 7, al. b) do CIVA.
Na verdade, a taxa do imposto incide sobre o valor da contraprestação obtida, cfr. artigo 16º, n.º 1 do CIVA, e se esse valor é aquele que ascende a 613.015,53€, então nada há a regularizar a favor da impugnante, porque, como já vimos, nenhuma parte do crédito foi declarada incobrável; por outro lado, tal como defende a Fazenda Pública, se se deve considerar que ocorreu um pagamento parcial dos bens transaccionados, então estará correctamente efectuado o raciocínio da AT ao apenas considerar para efeitos de regularização nos termos do referido artigo 78º, n.º 7, al. b) do CIVA a quantia de 22.342,14€ uma vez que é o valor do imposto correspondente à parte do preço em falta, já que o restante corresponde ao imposto devido pela parte do preço pago pelos bens em devido tempo.
Teremos, assim, que concluir pela procedência do presente recurso, uma vez que a liquidação não padece do concreto erro de direito que lhe era imputado pela sentença recorrida, antes tendo que se concluir pelo erro de julgamento da mesma sentença, o que, no entanto, não determinará a improcedência desta impugnação judicial uma vez que ainda cumpre conhecer de outras ilegalidades atempadamente invocadas na petição inicial.

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em:
-conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida;
-ordenar a baixa dos autos ao Tribunal a quo para que se pronuncie sobre as restantes ilegalidades assacadas à liquidação impugnada.
Custas pela recorrida.
D.n.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2016. – Aragão Seia (relator) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.