Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:059/22.0BALSB
Data do Acordão:05/24/2023
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:REQUISITOS
RECORRIBILIDADE DO ACTO RECORRIDO
IDENTIDADE DE MATÉRIA DE FACTO
INADMISSIBILIDADE DO RECURSO
Sumário:Existindo uma divergência acentuada ao nível do quadro factual das decisões em confronto, sobre aspectos essenciais das mesmas, fica inviabilizada a uniformização de jurisprudência.
Nº Convencional:JSTA000P31013
Nº do Documento:SAP20230524059/22
Data de Entrada:04/07/2022
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
I. A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a decisão arbitral proferida no processo nº 158/2021-T no dia 28 de Fevereiro de 2022 que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), julgou procedente o pedido arbitral formulado pela requerente, ora recorrida A..., S.A., a qual anulou as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) relativas aos anos de 2017, 2018 e 2020, no valor global de € 1.127.520,21, vem dela interpôs recurso para uniformização de jurisprudência, dirigido ao Supremo Administrativo, nos termos do disposto no artigo 152º, nº 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do nº 2, do artigo 25º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária) por considerar que o referida decisão arbitral colide como acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul lavrado no processo nº 744/11.1BELRA, proferido no dia 27/05/2021 e já transitado em julgado.

II. A Recorrente veio apresentar alegações de recurso a fls. 3 a 79 do SITAF, no sentido de demonstrar alegada oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões:
A. O Recurso para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litigio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.
B. Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas, ii) haja identidade na questão fundamental de direito iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas.
C. No que concerne ao requisito das situações de facto substancialmente idênticas, temos, subjacente ao acórdão recorrido, a factualidade melhor descrita nas alegações, cuja leitura se remete.
D. Subjacente ao Acórdão Fundamento, encontrava-se factualidade também descrita nas alegações, e para cuja leitura igualmente se remete.
E. Tanto no acórdão recorrido como no acórdão fundamento, o ponto, em ambos os acórdãos, é idêntico: a discussão, assente na factualidade, sobre a necessidade emissão de facturas sob a forma legalmente exigida e o cumprimento e preenchimento dos elementos patentes no artigo 36º do CIVA, a fim de que possam servir de base à dedução de IVA suportado pelos sujeitos passivos, nos termos e para os efeitos do artigo 19º do CIVA.
F. Entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.
G. Para que haja oposição de acórdãos é ainda necessário que as decisões em confronto se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito, ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito.
H. Ora, e ao contrário do evocado pelo Tribunal arbitral, o que estava em causa em ambos os processos aferir não era o facto de as operações materiais tributadas em sede de IVA serem ou fraudulentas ou se subsumirem a uma conduta de má-fé do sujeito passivo, mas antes o de aferir se é legitima a exigibilidade do cumprimento dos elementos mínimos referentes as obrigações relativas ao processamento de facturas para efeitos de direito à dedução de IVA, nos termos do artigo 19º e 36º do CIVA, quando o respectivo descritivo não permite, tal como o Tribunal deu como provado no ponto G, da matéria assente, quantificar nem estimar ao certo as operações relativas ao serviço de abate de animais e a aquisição dos respectivos couros, sob pena de esse vicio formal se transformar em substantivo e impedir o exercício à dedução do imposto.
I. O Tribunal arbitral de cuja decisão se recorre entendeu que a questão decidendas se fixava :« A questão controvertida nos presentes autos é de direito e respeita à possibilidade de dedução de IVA por parte da Requerente relativamente às aquisições de couros realizadas às mesmas entidades que lhe solicitaram serviços de abate de animais (cujos couros foram adquiridos), operações recíprocas e inequivocamente onerosas e, portanto, não segmentáveis apenas para determinados efeitos e não para outros. Tal deve-se ao facto de que, em cada transação, existiu um único documento emitido pela Requerente para titular e identificar o valor de ambas as operações (a prestação de serviços de abate e a venda dos couros) e, sendo estas de montante equivalente, essa compensação resultou em faturas de “valor zero” A divergência assenta na admissibilidade de um único documento poder titular ambas as operações e, nessa sequência, poder servir de base à dedução de imposto pela Requerente, pois, segundo a Requerida na sua Resposta, os requisitos formais estabelecidos no Código do IVA para sustentar essa recuperação de imposto, em particular nos artigos 19.º e 36.º, não admitem tal possibilidade. Ao contrário, a Requerente entende que, não obstante a incorreção formal ocorrida ao nível da emissão dos documentos que titulavam as operações, a mesma não pode ser suficiente para comprometer o exercício do direito à dedução de IVA, preconizando que os preceitos relevantes para este efeito devem ser interpretados de acordo com a jurisprudência emanada do TJUE e de outras instâncias judiciais nacionais e em observância dos respetivos princípios aí consagrados.»
J. Julgou aquele Tribunal arbitral de cuja decisão se recorre que:
«O facto de ter a Requerente concentrado em si a emissão dos documentos representativos das transações, substituindo-se ao alienante dos couros nessa tarefa, seguindo as práticas e costumes do setor, e resultando desses documentos “faturas de valor zero” (pois compensaram-se os valores identificados para ambas as operações), constituiu uma simplificação não expressamente prevista nas disposições estabelecidas no Código do IVA relativas à emissão de documentos, particularmente nos artigos 19.º e 36.º deste diploma.
Contudo, tais normas não são alheias a algum nível de simplificação, ou até mesmo a concentração no adquirente das responsabilidades formais atinentes à emissão de documentos representativos de transações, em particular quando o número 11 do artigo 36.º estabelece a possibilidade de as partes numa determinada transação recorrerem ao instituto da autofaturação (em que é o adquirente a emitir os documentos representativos das operações mediante o cumprimento de certas formalidades específicas), quando os pressupostos e circunstâncias do negócio a isso recomendarem.
Por outro lado, importa referir que, na maior parte das situações em causa no presente processo, foi alegado pela Requerente - e não contestado - que estiveram envolvidos sujeitos passivos de imposto, ainda que ao Tribunal não tenham sido fornecidos elementos por qualquer das Partes que permitissem alguma quantificação exata dessa proporção. Assim, o imposto envolvido nessas operações de valor simétrico, associado aos serviços de abate e à aquisição dos couros, calculado tal como previsto nos citados preceitos do artigo 16.º do Código do IVA, acabaria por não resultar em entrega líquida de IVA ao Estado mesmo que emitidos por cada entidade em documentos autónomos, pois aquilo que uma das partes liquidaria a outra deduziria. Ao contrário, nas situações de contrapartes não sujeitos passivos, simples particulares, já teria ocorrido uma entrega líquida de imposto ao Estado, visto que a Requerente liquidaria o IVA relativo ao serviço de abate prestado, mas este nunca poderia ser compensado com um putativo IVA liquidado pelo particular, o qual, por não ser entidade que desenvolvesse operações económicas com caráter de habitualidade, não teria obrigação nem forma de liquidar imposto. Assim, mesmo admitindo ter ocorrido uma incorreção de natureza formal por parte das entidades envolvidas nas transações em causa, ao concentrar-se de comum acordo na esfera da Requerente o cumprimento da obrigação de emissão da documentação relevante e fazendo esta refletir num único documento ambas as transações (quer o serviço por si prestado, quer a aquisição dos couros), a verdade é que não foi invocada pela Requerida a ocorrência de fraude ou má-fé das Partes na adoção, concretização ou repetição habitual deste procedimento.
Aliás, o procedimento, apesar da sua imperfeição formal, não constituía propriamente um caso isolado ou de aplicação exclusiva pela Requerente e suas contrapartes, sendo antes - incorretamente - aplicado pela generalidade dos intervenientes neste setor de atividade económica, seguindo uma praxe comercial cujo início no tempo não é possível concretizar, concentrando-se nos matadouros essa obrigação de emissão e simplificação documental, facto não desconhecido pela Requerida.»
(…)
Não seria assim se existisse fraude ou má-fé das Partes, as quais comprometeriam os alicerces em que se pode fundar um correto e legítimo exercício do direito à dedução.
De facto, numa situação de fraude, má-fé ou simulação ou adulteração de operações, a proteção que é concedida ao agente económico no sentido da sua desoneração do IVA incorrido cairia pela base, visto que esse putativo agente económico se converteria afinal numa entidade diversa. Já não lhe interessaria a venda de bens ou serviços com caráter de habitualidade, no exercício de uma legítima atividade económica, mas sim defraudar o sistema tributário, equivocar as autoridades tributárias ou mesmo iludir a sua contraparte numa dada operação, não sendo meras coimas suscetíveis de serem suficientes perante uma conduta com essa gravidade.
Compreende-se bem a opção do TJUE ao excecionar esse caso de fraude, em que lança mão de um recurso extraordinário – a rejeição do direito à dedução – para uma situação extraordinária, em que verdadeiramente não se registam regulares operações económicas entre normais agentes económicos sujeitos passivos do imposto. De facto, a tutela garantida ao direito à dedução e aos sujeitos passivos que legitimamente o exercem não pode ser estendida a quem visa aproveitar-se deste sistema de tributação indireta e atuar apenas numa aparência de agente económico para realizar fins ilegítimos. Mas, em circunstâncias normais, o direito à dedução não pode ser comprometido.»
K. Conforme se pode observar pela fundamentação usada pelo Tribunal arbitral, existe uma relativização quanto as questões formais/emissão de factura que devem subjazer à relação comercial da ora recorrida com os seus clientes, uma vez que, conforme ali se alude, corresponde a um procedimento de «simplificação não expressamente prevista nas disposições estabelecidas co Código do IVA relativas à emissão de documentos, particularmente nos artigos 19º e 36º deste diploma.»
L. Do que se percepciona da leitura do referido acórdão arbitral, já assim não seria no caso de uma «numa situação de fraude, má-fé ou simulação ou adulteração de operações» em que «a proteção que é concedida ao agente económico no sentido da sua desoneração do IVA incorrido cairia pela base, visto que esse putativo agente económico se converteria afinal numa entidade diversa. Já não lhe interessaria a venda de bens ou serviços com caráter de habitualidade, no exercício de uma legítima atividade económica, mas sim defraudar o sistema tributário, equivocar as autoridades tributárias ou mesmo iludir a sua contraparte numa dada operação, não sendo meras coimas suscetíveis de serem suficientes perante uma conduta com essa gravidade.»
M. Isto é, uma vez que a ora Recorrente não demonstrou – nem sequer alegou «a verdade é que não foi invocada pela Recorrida a ocorrência de fraude ou má-fé das Partes na adoção, concretização ou repetição habitual deste procedimento» - que as ditas operações materiais afinal constituíram produto de actividade fraudulenta, não subsumíveis à realidade, considera o tribunal ser legitima a dispensa dos formalismos patentes nos artigos 19º a e 36º do CIVA, dado que « o imposto envolvido nessas operações de valor simétrico , associado aos serviços de abate e à aquisição dos couros, calculado tal como previsto nos citados preceitos do artigo 16º do Código do CIVA, acabaria por não resultar em entrega liquida de IVA ao Estado mesmo emitidos por cada entidade em documentos autónomos, pois aquilo que uma das partes liquidaria a outra deduziria.»
N. O tribunal arbitral admitiu não estar munido de provas suficientes e de elementos documentais que permitissem afastar as exigências formais patentes no artigo 19º e 36º, nº 5 do CIVA, nomeadamente b) a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável, as embalagens não efectivamente transaccionadas devem ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução , c) o preço liquido de imposto e os outros elementos incluídos no valor tributável;
O. Por contraponto, foi decidido no acórdão fundamento que:
(…)
Como referimos, estão em causa 4 faturas, com, designadamente, as seguintes caraterísticas [cfr. factos 6) a 9)]:
a) Fatura n.º 358, emitida a 30.06.2006, com base tributável 24.998,90 Eur., com descrição “Assentamento de alvenaria na v/ obra Lumiar”;
b) Fatura n.º 392, emitida a 28.07.2006, com base tributável de 24.980,50 Eur., com descrição “Assentamento de alvenaria nas caves Lote 34, 35 e 36 na v/ obra Ameixoeira - Lumiar”;
c) Fatura n.º 396, emitida a 30.08.2006, com base tributável de 21.575,60 Eur., com descrição “Execução de trabalhos de telhado na v/ obra Amoreira – Cascais”; e
d) Fatura n.º 401, emitida a 29.09.2006, com base tributável de 19.895,35 Eur., com descrição “execução de trabalhos de pedreiro e servente na v/ obra em Lisboa”.
A AT, em sede de RIT, considerou que não estavam preenchidos os requisitos exigidos pelo n.º 5 do art.º 35.º do CIVA, uma vez que os documentos apenas referem expressões vagas, não contendo a quantidade e a denominação usual dos serviços prestados e respetiva unidade de transação.
Concorda-se com este entendimento da AT e do Tribunal a quo, que o secundou, porquanto os descritivos das faturas em causa são muito vagos e genéricos, não permitindo aferir que concretos serviços foram prestados – aliás, basta que a Recorrente refere tratar-se de faturas relativas a fornecimento de mão-de-obra (cfr. conclusão 14) e tal não decorrer minimamente do referido descritivo.
O mencionado descritivo não permite aferir a tipologia de serviço prestado, por ser demasiado vago; a própria menção às obras é uma menção demasiado genérica, que não permite identificar a concreta obra em causa.
Recordemos ainda que as mencionadas alíneas do n.º 5 do art.º 35.º do CIVA respeitam à quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável, o que não se compadece com descrições genéricas.
Por outro lado, não se alcança o alegado em termos de não ser possível quantificar os serviços, quando, desde logo, são perfeitamente quantificáveis, pela indicação do número de dias ou horas de trabalho ou pela extensão do trabalho, dependendo da concreta especificidade da prestação de serviço – que, in casu, como não se consegue identificar, não é possível explanar se não de forma abstrata.
Ademais, o alegado no sentido de que a data da realização dos serviços decorre da data da emissão da fatura carece de sustentação, porquanto nada resulta dos documentos em causa que permita concluir que ambas as datas coincidem, sendo que, como resulta das regras da experiência, os trabalhos de construção civil costumam estender-se por mais do que 1 dia.
Portanto, ao contrário do defendido pela Recorrente, as faturas contêm deficiências em termos de preenchimento, que se revelam atentatórias das exigências legalmente prescritas e que impedem, por consequência, a função de controlo a que já nos referimos.
(…)
Atendendo a este entendimento do TJUE, de facto, o não cumprimento escrupuloso das formalidades exigidas em termos de emissão de faturas pode não comprometer o exercício do direito à dedução. No entanto, tal só ocorre desde que as exigências de fundo tenham sido cumpridas e que a AT disponha de todos os elementos para substantivamente caraterizar a operação, sendo certo que o ónus da prova caberá ao sujeito passivo. Nesta parte, cumpre sublinhar que essa prova tem de ser feita perante a AT, como resulta da jurisprudência a que fizemos referência, e é a análise dessa prova feita perante a AT que permite concluir pela (não) suficiência dos elementos facultados.
Ora, in casu, a Recorrente limitou-se a considerar que as faturas estavam preenchidas de forma suficiente, entendimento que não subscrevemos, nos termos já referidos supra, não tendo tratado de, de alguma forma, suprir essas insuficiências.
Como tal, não se trata de prevalência da verdade formal sobre a verdade material, pois a Recorrente não complementou a informação constante das faturas por forma a conseguir alcançar-se a verdade material, quando o ónus era seu. Assim sendo, não se verifica qualquer violação do princípio da neutralidade, porquanto a Recorrente limitou-se a apresentar faturas cujos elementos, sobretudo ao nível da descrição dos serviços, são insuficientes e não supriu tais insuficiências, nos termos admitidos pelo TJUE.
Face a este contexto e tendo em consideração a relevância de tais elementos para efeitos de controlo do direito à dedução e sublinhando que a análise de uma fatura tem de ser sempre feita atendendo à globalidade do seu papel, é de importância exponencial a adequada descrição dos bens vendidos ou prestações de serviços efetuadas, porquanto só esta permite, desde logo, o controlo dos requisitos objetivo e finalístico inerentes ao direito à dedução.
Nessa sequência, considera-se que é aplicável o n.º 2 do art.º 19.º do CIVA, na medida em que, como já referimos, as faturas em causa não respeitaram as exigências impostas pelo art.º 35.º do CIVA.
Não se trata aqui, ademais, de qualquer violação do art.º 75.º da LGT, cuja aplicação pressupõe a adequada emissão das faturas que sustentam determinados custos, o que não ocorreu, tendo a AT cabalmente evidenciado tais irregularidades nos termos exigíveis.
Acrescente-se que carece de relevância o alegado na conclusão 22., porquanto os factos 4. e 5. respeitam a faturas em relação às quais a AT não fez qualquer apreciação, em termos de reunião ou não reunião dos requisitos exigidos pelo art.º 35.º do CIVA. A questão que se colocou nestes casos teve a ver com uma eventual existência de emissão de faturas falsas, na qual a Recorrente obteve vencimento em 1.ª instância, e que nada tem a ver com a situação ora controvertida.
Como tal, não assiste razão à Recorrente.»
P. Tanto no acórdão recorrido, como no Acórdão Fundamento, a questão relevante de direito para a prolação das respectivas decisões situa-se em igual plano, a da discussão acerca da exigibilidade do cumprimento referente às obrigações relativas ao processamento de facturas para efeitos de direito à dedução de IVA, nos termos do artigo 19º e 36º do CIVA, a fim de permitirem a quantificação das operações materiais em causa, nomeadamente o serviço de abate de animais e de venda de couros.
Q. Atenta a clarividência do voto vencido do árbitro Dr. António Barros Lima Guerreiro remete-se para o ponto 23) das alegações, cujo respectivo teor se dá por reproduzido.
R. Mais se requer a dispensa do pagamento do remanescente, no que respeita a custas judiciais.
S. Entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequentemente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida acolhendo o decidido no acórdão Fundamento.
T. Termos em que é de concluir dever esse Tribunal Superior acolher entendimento perfilhado no Acórdão Fundamento.

II. Por despacho a fls. 81 do SITAF, o Ex.º Relator junto deste Supremo Tribunal veio admitir o recurso e ordenou notificação da recorrida para contra alegar e do Ministério Público para emissão de Parecer.

I.2 – Contra-alegações
Foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância pela sociedade recorrida, com o seguinte quadro conclusivo:
A. O presente recurso para uniformização de jurisprudência foi interposto pela AT contra o acórdão arbitral proferido no processo n.º 158/2021-T – o Acórdão Recorrido –, ao abrigo do disposto no artigo 25.º, n.º 2, do RJAMT e no artigo 152.º do CPTA, por entender que o mesmo se encontra em contradição com a decisão proferida pelo TCA Sul em 27 de maio de 2021, no âmbito do processo n.º 744/11.1BELRA – o Acórdão Fundamento –;
B. Contrariamente ao aventado pelo IRFP nas suas Doutas Alegações de Recurso, não só não se verifica, no caso concreto, a “identidade substancial das questões fácticas” que constitui pressuposto de admissibilidade de um recurso desta natureza, como também não existe verdadeira oposição entre os julgados;
C. Não existe identidade das situações fácticas subjacentes uma vez que no Acórdão Fundamento está em causa uma situação em que a AT colocou em causa a materialidade das operações tituladas pelas faturas, ao passo que o Acórdão Recorrido versa sobre uma situação em que a AT aceitou que as faturas titulavam operações reais e valorou a boa-fé das partes envolvidas nas operações;
D. A falta de identidade das situações de facto é igualmente evidenciada pela circunstância de no caso do Acórdão Fundamento o sujeito passivo não ter suprido os vícios formais das faturas, enquanto no caso do Acórdão Recorrido a Recorrida apresentou todos os elementos necessários à eficaz cobrança e fiscalização da aplicação das normas de liquidação do imposto;
E. Apesar de, em termos puramente dogmáticos, existir alguma semelhança quanto à questão de Direito abordada no Acórdão Recorrido e no Acórdão Fundamento, tal não se verifica quanto à essência do problema jurídico em causa, nem quanto à questão de facto subjacente;
F. Neste contexto, o Acórdão Fundamento considerou que, “a Recorrente não complementou a informação constante das faturas por forma a conseguir alcançarse a verdade material, quando o ónus era seu” e, como tal, “não tendo sido apresentados elementos documentais que contenham um conteúdo que permita suprir as lacunas das faturas, não é admissível o direito à dedução”;
G. Ao passo que o Acórdão Recorrido, com base na prova documental e testemunhal produzida pela ora Recorrida no âmbito do processo n.º 158/2021-T, concluiu que que estão verificados todos os pressupostos materiais para a aceitação do seu direito à dedução do IVA, uma vez que “atentas as circunstâncias do caso, a inexistência de invocação de fraude ou má-fé no âmbito das operações em causa no presente processo, que se dão como fidedignas tal como a conduta dos agentes envolvidos, deve prevalecer a Jurisprudência do TJUE no sentido da prevalência da materialidade das operações (que a AT não põe em causa) em relação à omissão das formalidades em causa.”;
H. E é com base nestas não despiciendas diferenças factuais que as decisões em confronto contêm juízos aparentemente distintos, não só porque a exata questão de Direito é circunscrita de forma distinta, mas também porque a diferente solução jurídica decorre da diversidade dos factos apurados;
I. O que significa que a fundamentação do Acórdão Recorrido e do Acórdão Fundamento é, na verdade, compatível e complementar;
J. Com efeito, em ambos os casos é citada jurisprudência do TJUE e dos tribunais nacionais, sendo afirmado no Acórdão Fundamento, em linha com o sustentado no Acórdão Recorrido, que “A leitura da jurisprudência actual do Tribunal de Justiça da União Europeia permite concluir que «Se uma determinada factura embora contendo vícios formais, permite assegurar a exacta cobrança e respectiva fiscalização do imposto, deverá ser aceite para efeitos de exercício do direito à dedução»”;
K. Se alguma divergência existir entre os identificados julgados, ela será circunscrita aos respetivos efeitos, pois o Acórdão Fundamento foi favorável à AT, negando o direito à dedução, ao passo que o Acórdão Recorrido foi favorável ao sujeito passivo, a aqui Recorrida, reconhecendo o direito à dedução e determinando a anulação dos atos tributários contestados;
L. Mas tal não basta para concluir que os identificados julgados se encontram em oposição, pelo que, também com este fundamento deve ser recusado o recurso interposto pela AT, por falta de verificação dos respetivos pressupostos legais, previstos nos artigos 25.º, n.ºs 2 e 3 do RJAMT, e 152.º do CPTA;
M. Subsidiariamente e por mera cautela haverá que notar que, caso se encontrassem verificados os pressupostos processuais para o efeito, se imporia ainda assim a improcedência do recurso porque, no caso concreto, a emissão das Liquidações Adicionais se traduz numa limitação excessiva e inadmissível do direito à dedução do IVA incorrido pela Recorrida e na consequente violação dos comandos do Direito da União Europeia e dos artigos 19.º, 20.º e 35.º do Código do IVA;
N. A prova produzida pela ora Recorrida permite concluir que (i) estão verificados todos os pressupostos materiais para a aceitação do seu direito à dedução do IVA, (ii) os vícios apontados pela AT são meramente formais, em nada obstando à comprovação de que os serviços e os bens que os documentos titulam foram efetivamente prestados/adquiridos, (iii) os serviços prestados e bens adquiridos estão relacionados com a sua atividade comercial, (iv) os elementos em falta são alcançáveis pela AT através dos documentos contabilísticos providenciados durante o procedimento inspetivo, e (v) a AT nunca colocou em causa a cobrança efetiva de imposto por parte da AT;
O. Neste contexto, face à jurisprudência do TJUE e dos tribunais nacionais, dever-se-á concluir no âmbito do presente recurso pela prevalência da materialidade das operações e, consequentemente, deverá ser reconhecido o direito à dedução do IVA incorrido pela Recorrida, tal como se decidiu no Acórdão Recorrido;
P. A ora Recorrida demonstrou no processo arbitral que antecedeu os presentes autos e, bem assim, nas presentes contra-alegações de recurso que o entendimento expresso no Acórdão Recorrido é o único que se mostra conforme com a linha jurisprudencial que vem sendo seguida pelo TJUE e acolhida pelos tribunais nacionais;
Q. E, perante todo o exposto, ainda que seja admitido o recurso, sempre haverá de concluir pela improcedência do mesmo, mantendo-se na ordem jurídica o julgado arbitral expresso no Acórdão Recorrido, nos seus exatos termos, por ser essa a única solução admissível à luz do direito constituído.

I.3 – Parecer do Ministério Público,
Foi junto Parecer do Ministério Público, a fls. 1986 a 1991 do SITAF:
“OBJETO
Vem a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA interpor recurso da Decisão Arbitral, datada de 28.02.2022, proferida no processo do CAAD nº 158/2021-T, alegando que tal Decisão está em oposição com o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 27.05.2021, proferido no Proc. nº 744/11.1BELRA (Acórdão Fundamento), quanto à mesma questão fundamental de direito.
Em crise nos autos estão as liquidações adicionais de IVA emitidas em relação aos períodos de imposto dos anos de 2017, 2018 e 2020, na importância global de € 1.127.520,21.
A ora Recorrida é uma sociedade que se dedica, entre outras atividades, à prestação de serviços de abate de gado a terceiros (i.e., os apresentantes/detentores dos animais), em contrapartida dos quais recebe os respetivos couros, que são posteriormente, por si, comercializados.
Neste contexto, seguindo a prática usual nesta área de negócio, a ora Recorrida emitiu, nos anos de 2017 e 2018, faturas com valor nulo, uma vez que o montante atribuído às prestações de serviços de abate era, na prática, anulado pelo valor atribuído aos couros que a Recorrida recebia em contrapartida. (cfr. contra-alegações).
A factualidade subjacente consistiu, assim, na prática seguida pela aqui Recorrida ao efetuar uma compensação de valores entre a prestação de serviço de abate e a aquisição do couro aos detentores dos animais, conduzindo à emissão “de faturas de valor zero”, não ocorrendo portanto fluxos financeiros entre as partes. (cfr. decisão recorrida).
Destarte, em cada transação existiam duas operações, de “sentidos opostos”, relevantes para efeitos de IVA: O serviço de abate de animais e a aquisição dos respetivos couros.
Por entender que estão em causa duas operações distintas que deveriam ser tratadas separadamente para efeitos de IVA e, bem assim, que não foram cumpridos os requisitos formais na emissão das faturas, a AT emitiu as Liquidações Adicionais, nas quais relevou apenas o imposto a liquidar pela prestação dos serviços de abate, negando a dedução do imposto relativo à aquisição dos couros. (cfr. contra-alegações).
MOTIVAÇÃO
Em sede de motivação, a aqui Recorrente vem alegar que, tanto na Decisão recorrida como no Acórdão fundamento, a discussão, assente na factualidade, é sobre a necessidade de emissão de faturas sob a forma legalmente exigida e o cumprimento e preenchimento dos elementos patentes no art. 36º do CIVA, a fim de que possam servir de base à dedução de IVA suportado pelos sujeitos passivos, nos termos e para os efeitos do art. 19º do mesmo diploma.
Para a Recorrente entre a Decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.
Conclui alegando que entre a Decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma notória contradição sobre as mesmas questões fundamentais de Direito que, segundo a Recorrente, importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da Decisão recorrida, com substituição da mesma por novo Acórdão que decida definitivamente a questão controvertida acolhendo o decidido no Acórdão fundamento.
AS POSIÇÕES EM CAUSA
Constatamos que para o Tribunal Arbitral, o procedimento, apesar da sua imperfeição formal, não consistia propriamente um caso isolado ou de aplicação exclusiva pela aqui Recorrida e suas contrapartes, sendo antes aplicado pela generalidade dos intervenientes neste sector de atividade económica, seguindo uma “praxe” comercial que não era desconhecida da agora Recorrente.
Segundo o Tribunal Arbitral é legítima a dispensa dos formalismos patentes nos arts. 19º e 36º do CIVA, dado que o imposto envolvido nessas operações de valor simétrico, associado aos serviços de abate e à aquisição dos couros, calculado tal como previsto nos citados preceitos do art. 16º do CIVA, acabaria por não resultar em entrega líquida de IVA ao Estado mesmo que emitidos por cada entidade em documentos autónomos, pois aquilo que uma das partes liquidaria a outra deduziria.
Assim, no Acórdão Recorrido, o Tribunal decidiu “julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação das liquidações adicionais supra identificadas com as legais consequências”, por entender que, não obstante as incorreções formais ocorridas ao nível da emissão das faturas, deve ser dada prevalência à materialidade das operações e, como tal, deve ser reconhecido o direito à dedução do IVA relativo à aquisição dos couros.
Quanto ao Acórdão fundamento, foi considerada a posição da AT que se pronunciara no sentido de não estarem, in casu, preenchidos os requisitos exigidos pelo nº 5 do citado art. 36º do CIVA, uma vez que os documentos apenas referem expressões vagas, não contendo a quantidade e a denominação usual dos serviços prestados e respetiva unidade de transação. Para o Acórdão fundamento, o descritivo existente não permite aferir a tipologia do serviço prestado, sendo que a própria menção às obras é uma menção demasiado genérica, que não permite identificar a concreta obra em causa.
Mais se diz que a análise de uma factura tem de ser sempre feita atendendo à globalidade do seu papel, sendo de importância exponencial a adequação da descrição dos bens vendidos ou prestações de serviço efetuadas, porquanto só esta permite, desde logo, o controlo dos requisitos objetivo e finalístico inerentes ao direito à dedução.
DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
Como é entendimento pacífico na jurisprudência do STA, a admissibilidade dos recursos por oposição de Acórdãos (in casu Decisões arbitrais), tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do CPTA, depende de existir contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e desde que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
Assim, são requisitos do prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência:
-Contradição entre um acórdão do TCA ou do STA e a Decisão Arbitral (ou entre Decisões arbitrais);
-Trânsito em julgado do Acórdão fundamento;
-Existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito;
-Ser a orientação perfilhada no Acórdão impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
(A este propósito pode ver-se o Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição revista, 2007, página 883, de Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha e, bem assim, o Acórdão do STA-SCA, de 2012.07.05-P. 01168/11, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt) Relativamente ao 1º pressuposto importa atentar no nº 2 do art. 25º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.
“2 - A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.”
Por sua vez, quanto à caracterização da questão fundamental de Direito haverá de considerar-se:
-Haver identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão em oposição, o que tem como condição a identidade dos respetivos pressupostos de facto;
-A oposição deverá emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas;
-Não obsta ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica;
-As normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais; Salvo o devido respeito por diversa posição, afigura-se-nos não verificados, nos presentes autos, os pertinentes pressupostos, concretamente no que concerne às situações factuais.
A nosso ver, e salvo melhor entendimento, nas Decisões em causa não existe equivalência quanto à respetiva factualidade.
Foi afirmado pelo Tribunal Arbitral na Decisão recorrida que, “Não se tratou, portanto, de faturas de valor zero sem qualquer discriminação, sem qualquer capacidade de controlo do que se passou facticamente entre as Partes, mas sim de faturas que, apesar de evidenciarem um propósito simplificador eventualmente exagerado de acordo com o citado costume ou praxe do setor, não deixaram de apresentar elementos e dados disponíveis para validação, os quais, insista-se, foram aproveitados pela AT para elaborar as suas correções no âmbito do procedimento inspetivo.”
Já no Acórdão fundamento, se concluiu pela negação do direito à dedução, porque se entendeu que, “não se trata de prevalência da verdade formal sobre a verdade material, pois a Recorrente não complementou a informação constante das faturas por forma a conseguir alcançar-se a verdade material, quando o ónus era seu”.
Ou seja, o TCA Sul concluiu ser de negar provimento ao recurso porque entendeu que, “Não tendo sido apresentados elementos documentais que contenham um conteúdo que permita suprir as lacunas das faturas, não é admissível o direito à dedução”,
Com efeito, tal como consta do ponto M. da matéria de facto provada no Acórdão recorrido, no caso concreto “A Requerida [ora Recorrente] aceitou a realidade das operações ocorridas e utilizou a informação contida nos documentos emitidos pela Requerente [ora Recorrida] (para titular ambas as operações, os serviços de abate prestados e os couros adquiridos) para quantificar o imposto que entendeu adicionalmente devido.” (cf. p. 7 do Acórdão recorrido, sublinhado da Recorrida).
Ou seja, apesar de, em ambos os casos, as correções impostas pelos serviços de inspeção tributária convocarem a aplicação do disposto no artigo 36.º do Código do IVA, com as consequências daí advenientes para efeitos de exercício do direito à dedução previsto no artigo 19.º do Código do IVA, não se verificou a necessária similitude das situações factuais.
Assim, a nosso ver terá sido pelo facto de, no caso do Acórdão fundamento, não ter sido demonstrada a materialidade das operações e não terem sido facultados à AT meios de prova que permitissem alcançar os elementos em falta nas faturas que o Tribunal decidiu nos termos aí expressos.
CONCLUSÃO
Pelo exposto, e ressalvando sempre melhor entendimento, pronunciamo-nos no sentido de que o presente recurso não pode prosseguir com fundamento em oposição de julgados dado que as Decisões em causa (recorrida e fundamento) não contêm Decisões opostas uma vez que é distinta a factualidade subjacente a cada uma das referidas Decisões.”

I.4 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO

II. 1 – De facto
A decisão arbitral sob recurso exarada a fls. 1618 a 1842 do SITAF, considerou como provados os seguintes factos:
A. A Requerente, à data dos factos, estava enquadrada para o exercício da atividade de abate de gado, nomeadamente de bovinos, suínos e pequenos ruminantes.
B. Igualmente à data dos factos, a Requerente desenvolvia, entre outras atividades, a prestação de serviços de abate de gado aos apresentadores ou detentores de animais e, em contrapartida deste serviço, recebia o couro e outros subprodutos, por si posteriormente comercializados.
C. De acordo com a prática do setor à data dos factos, a qual era seguida pela Requerente e pelas suas contrapartes, era efetuada uma compensação de valores entre a prestação de serviços de abate e a aquisição do couro dos mesmos animais, ainda que os montantes fossem identificados em linhas autonomizadas das faturas, conduzindo à emissão de faturas “de valor zero”, não ocorrendo portanto fluxos financeiros entre as partes.
D. As partes atuavam de boa-fé na execução do procedimento descrito, em conformidade com o setor em que operavam, que reservava aos matadouros a responsabilidade pela emissão dos documentos representativos das operações, dispensando os detentores dos animais de responsabilidades neste âmbito, mesmo que se tratasse de agentes económicos e, portanto, sujeitos passivos de imposto.
E. Em cada transação existiram, portanto, duas operações relevantes para efeitos de IVA, sendo evidente a onerosidade e o caráter sinalagmático das mesmas inerente a essa reciprocidade: o serviço de abate de animais e a aquisição dos respetivos couros.
F. As contrapartes da Requerente eram maioritariamente sujeitos passivos de imposto e residualmente alguns particulares que esporadicamente apresentavam animais a abate
G. Não foram apuradas em concreto nos autos nem sequer de alguma forma quantificadas ou estimadas estas situações.
H. A Requerente foi objeto de ação inspetiva com origem num pedido de reembolso a um crédito de IVA solicitado na declaração periódica de março de 2018.
I. A Requerente foi notificada do projeto de Relatório dessa inspeção tributária em 9 de novembro de 2020.
J. A Requerente exerceu direito de audição prévia em 4 de dezembro de 2020, tendo sido mantidas pela AT as correções, pelo que, em 16 de dezembro de 2020, foi notificada do Relatório de Inspeção.
K. Após a inspeção realizada pela AT, foi modificado o procedimento adotado pela Requerente e suas contrapartes, passando a primeira a emitir uma fatura pela prestação de serviços de abate e emitindo as contrapartes uma fatura pelos couros transmitidos, ambas com liquidação de IVA.
L. As correções de IVA derivadas do procedimento inspetivo materializaram-se em liquidações adicionais de imposto.
M. A Requerida aceitou a realidade das operações ocorridas e utilizou a informação contida nos documentos emitidos pela Requerente (para titular ambas as operações, os serviços de abate prestados e os couros adquiridos) para quantificar o imposto que entendeu adicionalmente devido.
N. Não foi, até pelo descrito no ponto anterior, invocada a existência de fraude, má-fé, simulação ou adulteração de operações por parte da Requerente ou das entidades com quem se relacionou e que deram origem à emissão pela Requerente dos documentos representativos das operações.
O. Os fundamentos das correções efetuadas constam do Relatório de Inspeção Tributária emitido na conclusão do procedimento acima referido, de que se transcrevem infra determinados excertos relevantes:
(...) o sujeito passivo encontra-se registado para o exercício da atividade de abate de gado, nomeadamente de bovinos, suínos e pequenos ruminantes.
(...)
Consultada a base de dados da AT, nomeadamente os elementos das faturas comunicadas em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 3.º do DL n.º 198/2012, verificou-se que parte significativa das faturas emitidas pelo sujeito passivo aos seus clientes têm valor nulo, ou seja, estão a “zeros”.
A fim de apurar a origem destas situações, foram analisados os elementos contabilísticos, tendo-se verificado que a maioria das faturas emitidas e contabilizadas na conta 721011 – serviços de abate, apresentam um valor a crédito que é anulado por um movimento a débito de igual montante, fazendo com que o valor da operação na prática fique nulo. Ou seja, o valor da prestação de serviços de abate é na “prática” anulado por um movimento a negativo de montante equivalente relativo a “Serv. Abate p/Couros”, originando que a fatura fique a zeros com a consequente não liquidação de qualquer imposto.
Questionado o sujeito passivo na pessoa da contabilista certificada, a mesma informou que por regra nesta área de negócio é usual os matadouros receberem, por contrapartida dos serviços prestados, a entrega dos couros dos animais pelos seus apresentantes/detentores, para posterior venda por parte da A... no mercado nacional ou comunitário. Ou seja, as faturas ficam com valor nulo, uma vez que o montante atribuído à prestação dos serviços de abate (com inclusão da taxa SIRCA) é anulado pelo valor atribuído aos couros que a A... recebe em contrapartida.
Dispõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do CIVA que:
“1 – Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado:
a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal;(...)”
Já o n.º 1 do artigo 4.º do CIVA refere que:
“São consideradas como prestações de serviços as operações efetuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.”
As prestações de serviços em causa são tributáveis no território nacional, de acordo com a alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º do Código do IVA que dispõe:
“6 – São tributáveis as prestações de serviços efetuadas a:
a) Um sujeito passivo dos referidos no n.º 5 do artigo 2.º, cuja sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio, para o qual os serviços são prestados, se situe no território nacional, onde quer que se situe a sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio do prestador; (...)”
Portanto, quando a sociedade A... procede à prestação de serviços de abate dos animais e posteriormente entrega o animal já devidamente abatido ao apresentante/detentor desses animais, esta operação está enquadrada como uma prestação de serviços para efeitos de liquidação de IVA, à taxa normal de 23% prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA.
Quanto ao valor tributável refere o n.º 1 do artigo 16.º do CIVA que: “1 – Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 10, o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.”
Conforme mencionado no n.º 1 do artigo 37.º do CIVA:
“1 – A importância do imposto liquidado deve ser adicionada ao valor da fatura, para efeitos da sua exigência aos adquirentes dos bens ou destinatários dos serviços.”
Verifica-se assim que a situação acima descrita traduz-se na prática em duas operações distintas para efeitos de IVA, uma referente à prestação dos serviços de abate (operação ativa) e outra relativa à aquisição de couros (operação passiva), que posteriormente são vendidos pelo sujeito passivo.
De referir que o conceito “a título oneroso” referido no n.º 1 do artigo 1.º do CIVA, torna-se bastante abrangente, na medida em que existem determinadas operações económicas cujo valor da contraprestação não é dinheiro. Assim consideram-se operações efetuadas a título oneroso todas aquelas operações que tenham subjacente uma contrapartida, seja ela em dinheiro, entrega de um bem ou a prestação de um serviço. Ou seja, uma prestação de serviços é considerada efetuada a título oneroso e assim tributável, sempre que exista uma relação jurídica entre o prestador e o beneficiário, durante a qual são transacionadas prestações recíprocas, constituindo a contraprestação recebida pelo prestador o contravalor efetivo do serviço fornecido ao beneficiário, existindo, para tal, um nexo direto entre o serviço prestado e o contravalor recebido.
Este tipo de operações, em que existem prestações recíprocas entre sujeitos passivos, devem ser tratadas como duas operações em separado, ou seja, cada um dos intervenientes deve atribuir um valor à prestação recebida em troca, o que se traduz para cada um dos sujeitos passivos numa operação sujeita a IVA. Ou seja, ambos os intervenientes ficam adstritos ao cumprimento de obrigações de faturação e declarativas pelas operações ativas realizadas (venda de bens e prestações de serviços).
Conclui-se assim que apesar da obtenção de couros não estar refletida/valorizada contabilisticamente, a operação em causa não deixa de ser qualificada como efetuada a título oneroso dado que existe ligação direta entre a prestação de serviços de abate, devidamente discriminada e quantificada na fatura emitida e a contrapartida em espécie (couros dos animais) recebida pelo matadouro.
Segundo o n.º 3 do artigo 16.º do CIVA:
“Nos casos em que a contraprestação não seja definida, no todo ou em parte, em dinheiro, o valor tributável é o montante recebido ou a receber, acrescido do valor normal dos bens ou serviços dados em troca.” Neste sentido, quando o matadouro efetua o abate dos animais e procede à entrega dos mesmos ao apresentante/detentor (produto final), essa operação será enquadrada como uma prestação de serviços para efeitos de liquidação de IVA, à taxa normal de 23%. O enquadramento descrito não se altera, ainda que o pagamento do referido serviço de abate, seja efetuado em espécie (ou “maquia”), ou seja, os couros dos bovinos que recebe em troca pela prestação dos seus serviços.
A entrega da “maquia” por parte do apresentante/detentor dos animais será a segunda operação que neste caso é efetuada em conjunto com a prestação dos serviços de abate.
Conclui-se assim que o sujeito passivo não liquidou e consequentemente não entregou nos cofres do Estado o IVA devido pelas prestações de serviços de abate de animais, a que estava obrigado face ao disposto nos artigos 1.º, 4.º e 6.º do CIVA, pelo que vai proceder-se à sua correção, conforme descrito no ponto III deste relatório.
P. O valor total de IVA e juros compensatórios devido no âmbito das liquidações adicionais é de € 1.127.520,21, relativo aos anos 2017, 2018 e 2020 (neste último caso devido à correção da conta-corrente), conforme tabela-resumo das liquidações constante do ponto 8.º do pedido de pronúncia arbitral cujo teor se dá como reproduzido:


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O acórdão fundamento, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul no âmbito do processo nº 744/11.1BELRA, datado de 27 de maio de 2021, deu como provado a seguinte factualidade:
1. A Impugnante “E….., LDA.” é uma sociedade que se dedica à construção de edifícios, inscrita com o CAE 041200, tendo iniciado a sua atividade em 01 de janeiro de 1992 e estando enquadrada em sede de IRC no regime geral de tributação e em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral – cfr. fls. 22 a 43 do Processo de Reclamação Graciosa apenso (relatório inspetivo).
2. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º ….., os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Santarém, realizaram à Impugnante, entre 21 de junho de 2010 e 15 de outubro de 2010, ação de inspeção externa relativamente ao exercício de 2006, em sede de IVA, no âmbito da qual procederam a correções à matéria tributável no montante de € 34.954,57 com recurso a correções meramente aritméticas – cfr. fls. 19, 20, 22, e respetivos versos do Processo de Reclamação Graciosa apenso.
3. No dia 23 de novembro de 2010 proferido pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Santarém relatório de inspeção tributária relativo ao procedimento inspetivo referido no ponto anterior, onde ficou consignado, na parte que ora importa, o seguinte:
“II – 3.3 – Resumo dos Procedimentos de Inspecção
[...]
II – 3.3.2. Trabalho de Campo
Procedemos à verificação da contabilidade seguindo o Programa de Trabalho Padrão, constante no Manual de Metodologias de Inspecção Tributária, fazendo incidir a nossa análise, de uma forma mais acentuada, nas áreas que considerámos de maior risco ou de maior relevância fiscal, nomeadamente as seguintes: Prestações de Serviços, Compras, Custo das Existências Vendidas e Matérias Consumidas, Fornecimentos e Serviços Externos.
Pela análise dos documentos contabilísticos do sujeito passivo verificou-se que o contribuinte apresentou no exercício de 2006 um lucro tributável de 3.709,76 €.
Efectuada a análise documental, nomeadamente à rúbrica de Fornecimentos Serviços Externos identificámos os subempreiteiros seguintes:
·
F….., Lda, com o NIPC: …..;
· A….., Lda, com o NIPC: …..;
M….., Lda, com o NIPC: …..;
Relativamente aos quais se apuraram indícios de existência de anomalias graves, conforme passaremos a descrever, no capítulo III do presente Relatório.
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
1 - Fornecedores com indícios de emissão de facturas fictícias
Relativamente aos serviços prestados por terceiros declaradas pela "E…..", detectaram-se as situações anómalas que constam na sua contabilidade com os seguintes fornecedores:
1.1. - F….., Lda. – NIPC ….. (….., ...)
F….., Lda., está colectado pela actividade de "Construção de Edifícios", com o CAE 41200, tendo-se verificado que:
• Iniciou a sua actividade em 15 de Março de 2001;
• Cessou-a em 17 de Julho de 2003;
• Reiniciou-a em 4 de Março de 2004
Encontra-se enquadrado, em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral, em sede IRC no Regime Geral de Tributação.
Da consulta base de dados, que consta ao sistema informático da DGCI, verifica-se que em sede de IVA, o sujeito passivo, nos termos do disposto nos artigos 26.°, 28.° e 40.° (actuais 27.°, 29.° e 41.°) todos do CIVA, entregou, ainda que sem movimentos, as declarações periódicas de IVA do exercício de 2006.
Relativamente ao cumprimento das obrigações fiscais em sede de IRC, em cumprimento do disposto nos artigos 109.°, n.º 1 al. b) e 112.°, ambos do CIRC, procedeu à entrega da declaração Modelo 22, ainda que sem qualquer movimento. Porém, encontra -se em falta, a Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal, a que se referem os artigos 109.° n.º 1 al. c) e 113.°, ambos do CIRC.
De referir ainda, que da consulta ao sistema de base de dados da DGCI se constata que no exercício de 2006 o número fiscal do sujeito passivo F….., Lda., não consta em qualquer declaração como entidade pagadora, ou seja, não se verifica a existência de qualquer sujeito passivo a declarar ter auferido rendimentos daquela entidade.
Saliente-se também o facto, de que no sistema de base de dados da DGCI não constavam em nome de F….., Lda., quaisquer bens materiais inerentes ao exercício da actividade (viaturas ou imóveis).
Esta entidade consta na contabilidade da "E…..", conta corrente ... F….., como fornecedor de prestações de Serviços, designadamente "Assentamento de Tijolo" e “Execução de Rebocos” tendo-lhe emitido no exercício de 2006 as facturas, cujas cópias se encontram discriminadas no Anexo II, identificadas no quadro seguinte:

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As facturas supra mencionadas foram contabilizadas nos meses de Fevereiro (facturas n. º ...15 e ...16) e Março (factura n.º ...17), na conta corrente do cliente em contrapartida da conta 622362 - Iva dedutível (Base Tributável) e 2434351 - Mercado Nacional 21 % (IVA).
1.1.1- Diligências Efectuadas pela Direcção de Finanças de Lisboa
A Direcção de Finanças de Lisboa efectuou as diligências que a seguir se transcrevem:
5 - Diligências Efectuadas
Perante as situações atrás descritas, nomeadamente, pelo facto de o sujeito passivo, não ter assumido como proveitos, os valores declarados como custos, pelos utilizadores das facturas, por ele, e/ou por terceiros, emitidas, no montante global de €2.207.140,00 (Iva incluído), que constam do Anexo" --- '' relativamente ao exercício de 2006, procedeu-se:
•Ao inicio do procedimento inspectivo, em 2009-06-02, mediante marcação de hora certa, cuja notificação foi efectuada, por afixação, nos termos do nº 4 do artº 2400 do Código do Processo Civil por não ter encontrado no local da sede o representante da entidade em análise.
• À notificação do sujeito passivo, através do ofício com o nº ...08, datado de 16-06-2009, para até ao dia 30-06-2009, apresentar a contabilidade e documentos suporte, bem como os livros de registo obrigatórios e ainda livros de facturas emitidas, tendo a carta sido devolvida em 26-06-2009, com a indicação de objecto reclamado, pelo que:
Não tendo sido disponibilizados os elementos contabilísticos, nem no prazo estipulado nem quando da comparência nestes Serviços a 03 de Setembro de 2009, do Sr F….., com o NIF ….., na qualidade de sócio gerente da referida sociedade, que, mediante Termo de Declarações, cuja cópia se junta à presente informação como -------- , afirmou, que não tinha em seu poder quaisquer elementos contabilísticos, porque os havia entregue à D. --------, em ------- (TM ----------), que, por falta de pagamento, não lhos entregou até à data. Contactada para o efeito, a Sra. Dra. ------- , informou que do seu ex–cliente "F….. Lda." apenas tem comprovativos das declarações de IVA entregues a zeros referentes ao ano de 2006 e 10 semestre de 2007- Vide ---- fls -----
Quanto aos livros de facturas emitidas, o Sr. F….., afirmou que não tinha em seu poder quaisquer livros de facturas e não se lembra quantos mandou fazer.
Quando confrontado, com a lista de clientes que constam do "Anexo ----" da Declaração Anual de 2006, este declarou que não pode afirmar com exactidão se trabalhou para essas empresas, porque conhecia as pessoas, mas não se lembra do nome das empresas.
Quanto às Tipografias onde mandou fazer os livros, não se lembra do nome, recorda apenas as localidades, uma, na ... - ... e outra em ....
Apesar das diligências efectuadas, como atrás ficou exposto, não foram obtidos, quaisquer elementos contabilísticos, relativamente a 2006, quer através do sujeito passivo, quer através quer da sua contabilista, Dra. ----- ou até da Dra. a quem, sujeito passivo afirmou ter entregue toda a documentação dos anos compreendidos entre 2005 e 2007.
Assim sendo, e face à escassez de elementos, procederam os Serviços à notificação dos clientes que, segundo o Anexo ----- declararam ter o sujeito passivo F….. Lda., prestado Serviços.
Mediante as referidas notificações, solicitou-se a esses clientes, a apresentação dos extractos de conta corrente com a referida empresa, relativamente a todas as transacções com ela efectuadas, cópias das facturas por ela emitidas e meios de pagamento utilizados.
Da análise às respostas obtidas, designadamente, cópias das facturas emitidas por, ou em nome de F….. LDA N. I. P. C. …..", com sede na ….., - ..., a que tivemos acesso, relacionámos as facturas que se juntam e que irão constar do ------- a este relatório, as quais irão ser objecto correcção, com base nos fundamentos invocados no capítulo seguinte.
Capitulo III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas.
3.1 – Em sede de IVA
3.1.1 – Iva Liquidado e não entregue nos cofres do Estado
À imagem do constatado em exercícios anteriores, conclui-se, da análise aos elementos facultados pelos clientes, designadamente, cópia das facturas relacionadas por períodos de imposto no mapa que se junta como ------- a este relatório, e ainda, informações complementares prestadas pelos mesmos, que constam do processo, como "papéis de trabalho", conclui-se que existem fortes indícios que as facturas em causa, não correspondam a serviços efectivamente prestados pelo sujeito passivo em análise, pelas mais variadas razões a seguir discriminadas:
-Informação prestada pelo sujeito passivo à responsável pela contabilidade do exercício em análise, TOC "----------" que consta do relatório, como ------ de que a sociedade não tinha qualquer movimento e que, para não ter coimas, deveriam ser enviadas as declarações fiscais, pelo que, foram entregues sem quaisquer movimentos, a DR Mod 22 de IRC de 2006 e as declarações do IVA, referentes aos quatro trimestres de 2006 e aos primeiros dois trimestres de 2007.
-A assinatura que consta nas facturas, com excepção das emitidas à -------- Lda e ------ A. ------- Unipessoal Lda, não corresponde à do responsável da sociedade, o que se pode comprovar, através de uma de duas assinaturas que o mesmo sempre utiliza, tal como afirmou em Termo de Declarações que para o efeito se junta, como ------.
De referir, que nas facturas emitidas aos dois clientes supra referidos, não foi possível confirmar com exactidão, da veracidade dos serviços prestados, porquanto não foram exibidas provas fidedignas para o efeito, como sejam: Contratos, Autos de medição, Meios de pagamento – Vide informação prestada por aqueles utilizadores de facturas, que se juntam às cópias das facturas, que constam das folhas ---- e ---- do ---- a este Relatório.
- Da consulta às declarações existentes na base de dados do sistema informático da DGCI, que integra o presente relatório como -----, verifica-se, que no exercício de 2006, a entidade F….. Lda NIPC ….., não consta em qualquer declaração como entidade pagadora, não obstante o facto de na folha de descontos para a Segurança Social figurarem diversos trabalhadores, mas todos eles, com a indicação "inexistência de remunerações"
- Não exibir, apesar de notificado para o efeito, contabilidade regularmente organizada, conforme legalmente exigido;
- As facturas obtidas por circularização, abarcam uma diversidade de operações, que estão para além da sua capacidade, face à estrutura empresarial do mesmo;
- A manifesta falta de meios financeiros e patrimoniais em nome, que justifique os montantes das transacções em causa;
Relativamente às provas de pagamento dos supostos "clientes" referem-se, em parte a pagamentos em dinheiro que, pela sua natureza, são difíceis de comprovar. Aliás, os recebimentos/pagamentos, de serviços, na ordem de dezenas de milhar de Euros, com exclusivo recurso a dinheiro, consubstanciam uma situação, "totalmente contrária a uma boa, recomendável, segura e habitual prática comercial;
[...]
-
A cópia dos cheques, (frentes) enviados por alguns clientes, sendo eles nominativos ou ao portador, não identificam quem é o verdadeiro benificiário dos mesmos, já que, a assinatura que consta nas facturas, que estão subjacentes a estes pagamentos, não confere com a do responsável pela sociedade – Vide ---- ao relatório, a fs. ---- a ----; ---- a ---- e ---- a ----.
Os factos expostos, circunscrevem, não só, situações de ilegalidade fiscal, como constituem fortes indícios de prática de emissão (por parte do sujeito passivo em análise) e utilização (por parte dos supostos "clientes") de facturas falsas e/ou de favor, quer no que respeita às operações que titulam, quer ao seu valor.
Face ao descrito, conclui-se, pela existência de fortes indícios de que as facturas relacionadas no quadro que se junta como -----, não correspondem a verdadeiras operações económicas.
Assim sendo,
De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, o sujeito passivo ao mencionar Iva, ainda que indevidamente, nas facturas emitidas, torna-se responsável pela entrega do mesmo nos cofres do Estado, nos termos do n.º2 do art.º 26.º do CIVA, (actual art.º 27.º, após renumeração do CIVA pelo DL 102/2008 de 20/06), procedeu-se à quantificação do mesmo, com base nas facturas que nos foi possível obter, por circularização, relacionadas no mapa que constitui o ----- apurando-se Iva liquidado e não entregue nos cofres do Estado, no montante de € 356 086,24, cuja distribuição por períodos de imposto se resume no quadro seguinte:
1.2 – M….., Lda. – NIPC ….. (…..– ...)
M….., Lda. está colectado pela actividade de “Comércio de Veículos Automóveis”, com o CAE 45110, tendo iniciado a sua actividade em 22 de Setembro de 2003.
Encontra-se enquadrado, em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral, em sede IRC no Regime Geral de Tributação.
Da consulta à base de dados, que consta do sistema informático da DGCI, verifica -se que em sede de IVA, o sujeito passivo, nos termos do disposto nos artigos 26.°, 28.° e 40.º (actuais 27.°, 29.° e 41.°) todos do CIVA, apenas entregou as declarações periódicas do 1° e 2 trimestre do exercício de 2006, ainda que esta última tenha sido enviada sem qualquer movimento.
Relativamente ao cumprimento das obrigações fiscais em sede de IRC, em cumprimento do disposto nos artigos 100.°, n.º 1 al. b) e 112.°, ambos do CIRC, não procedeu à entrega da declaração Modelo 22, nem da Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal, a que se referem os artigos 109.° n.º 1 aI. c) e 113.°, ambos do CIRC.
Esta entidade consta na contabilidade da "E…..", conta corrente …. M….., Lda., como fornecedor de prestações de Serviços, designadamente "Assentamento de alvenaria", tendo-lhe emitido no exercício de 2006 a factura, cuja cópia se encontra discriminada no Anexo III, identificada no quadro seguinte:

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A factura supra mencionada foi contabilizada no mês de Junho na conta corrente do cliente em contrapartida da conta ... - Iva dedutível (Base Tributável) e 2434351 - Mercado Nacional 21 % (IVA).
1.2.1- Diligências Efectuadas pela Direcção de Finanças de Lisboa
A Direcção de Finanças de Lisboa efectuou as diligências que a seguir se transcrevem:
INFORMAÇÃO
No âmbito do cumprimento do procedimento de inspecção externo, ....., para a firma M….. LDA (doravante designada M….., Lda), com o NIF ….. e com domicílio fiscal em ….. ..., verificou-se que esta empresa não podia ter prestado todos os serviços que os seus alegados clientes declararam ter-lhe adquirido, nos anos de 2005 a 2007, dado que:
a) Não foi possível identificar à firma M….., Lda. nenhuma estrutura produtiva, além da mão-de-obra do pessoal, que terá eventualmente tido ao seu serviço, nos anos em análise.
b) O próprio sócio gerente confirmou que a firma nunca possuiu qualquer alvará ou licença de construção e que apenas podia prestar serviços de mão-de-obra, pois não dispunha de qualquer máquina ou equipamento para prestar outro tipo de serviços. Apenas reconheceu ter prestado serviços a duas empresas, no ano de 2006, no montante de cerca de dezassete mil euros, e relativamente aos quais se desconhecem as facturas.
c) Relativamente às facturas conhecidas, emitidas pela firma M….., Lda., verificou-se a utilização em simultâneo de várias séries de facturas e as facturas, salvo raras excepções, não discriminam nem quantificam os serviços prestados e não respeitam a cronologia das datas.
d) Apenas foi possível obter informação acerca de parte da facturação, emitida pela firma M….., Lda., e o valor da facturação conhecida, não tem paralelo com a estrutura produtiva evidenciada pela referida firma.
e) O sócio gerente, relativamente às firmas (clientes) com sede noutros distritos que se discriminam no quadro que se segue, confirmou que a firma M….. Lda. não lhes prestou serviços e que nem sequer as conhecia.

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f) Dado que existiam dúvidas sobre a realidade dos serviços que lhes foram facturados as referidas firmas foram notificadas para prestarem esclarecimentos acerca das operações realizadas com a firma M….., Lda., tendo sido obtidas as respostas/informações de que se junta cópia.
[...]
1.3- Diligências Efectuadas pela Direcção de Finanças de Santarém Notificação Efectuada ao Sujeito Passivo
Estes Serviços de Inspecção procederam, em 21 de Junho de 2010, à notificação da sociedade, na pessoa do seu TOC, uma vez que o seu gerente, se encontrava nesta data impossibilitado de comparecer, por motivos de saúde atendíveis, para que nos apresentasse:
1- Provas documentais, nomeadamente, contratos de empreitada, autos de medição, seguros do pessoal em obra, bem como quaisquer outros elementos que provem inequivocamente a realização dos trabalhos por parte dos fornecedores supra identificados;
2- Cópia dos documentos de pagamento (caso de cheques solicita-se fotocópia de frente e do verso) e, sendo caso disso, identificação da conta bancária onde os mesmos foram depositados;
3- Identificação dos trabalhadores dos fornecedores supra mencionados, que prestaram serviço nas vossas obras, discriminando o n. o de dias de trabalho, exercício e obra;
4- No caso dos trabalhadores não pertencerem ao quadro de pessoal d aqueles fornecedores, identificação do subempreiteiro a quem os fornecedores supra mencionados recorreram para prestar os serviços mencionados nas facturas por vós contabilizadas;
5- Identificação e contacto das pessoas, com quem foram estabelecidos contactos comerciais, designadamente as pessoas que lhe entregavam a facturação em causa.
Em resposta à notificação a sociedade vem informar o seguinte:
"(...) 1- Em relação ao fornecedor M….., Lda., com o NIPC ….., nada mais temos a acrescentar para além da informação que já prestámos oportunamente, em 23/04/2009.
2 - Em relação ao fornecedor F….., Lda., com o NIPC ….., temos ainda o telemóvel do gerente, Sr. M….., com o nº ….., lembrando-nos ainda do nome de dois dos seus empregados, que eram o J….. e o M…... Apenas trabalharam na obra de ..., no lote nº...3.
Não houve a celebração de nenhum contrato escrito, mas apenas verbal, dado que a obra era acompanhada no dia a dia por nós.
O pagamento foi faseado, conforme a obra ia avançando, e sempre em numerário.
3 - Com o fornecedor A….., Lda., com o NIPC ….., conhecíamos na altura o nº do telemóvel do sócio-gerente Sr. J….., que era o …...
Sabíamos que trazia quatro pessoas com ele, que ainda hoje nos lembramos dos nomes: C….., J….., M….., M….. e B…...
Trabalharam nas três obras que tínhamos, ou seja, ..., ... e ....
Não foram assinados contratos escritos e os pagamentos foram faseados ao longo das obras e sempre em numerário. (.. )"
Foram ainda apresentados pelo gerente cópia de alguns contratos de empreitada e subempreitada, contudo, estes contratos eram referentes a trabalhos prestados nos exercícios de 2005 e 2007.
Análise dos movimentos financeiros relativos ao pagamento das facturas em causa
No que se refere aos pagamentos dos montantes constantes das facturas emitidas pelos fornecedores F….., Lda. e M….., Lda., não foram apresentadas provas dos mesmos, tendo sido alegado pela "E….." que foram efectuados em numerário, situação típica e recorrente em casos em que se conclui pela existência de fortes indícios de utilização/emissão de "facturação fictícia"
1.4 – CONCLUSÃO
Em face do exposto, nomeadamente as conclusões do Relatório de Inspecção efectuada e da Informação dos alegados fornecedores, pela Direcção de Finanças de Lisboa, bem como as diligências efectuadas pela Direcção Finanças de Santarém, conclui-se pela existência de fortes indícios, objectivos e credíveis, de que as facturas emitidas pelos fornecedores F….., Lda. e M….., Lda. para a "E…..", no exercício de 2006, não titulam operações reais, o que indicia que se está na presença da designada prática de emissão/utilização de facturas "falsas".
2 – Dedução de IVA em documentos sem forma legal
Da análise à contabilidade detectou-se a contabilização das facturas, na conta corrente "... - A…..", emitidas pelo fornecedor A….., Lda, com o NIPC: ….., as quais passamos a descrever no quadro seguinte e cujas cópias constam do Anexo IV a este Projecto de Relatório:

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As facturas supra mencionadas foram contabilizadas na conta corrente do cliente em contrapartida da conta 622362 – Iva dedutível (Base Tributável) e 2434351 – Mercado nacional 21 % (IVA).
Da análise às facturas supra mencionadas, verificamos que as mesmas não preenchem os requisitos enunciados no artigo 35.º do CIVA, nomeadamente os elementos constantes nas alíneas b) e c) do n.º 5 do mencionado artigo, uma vez que os documentos apenas referem expressões vagas de que são exemplo as seguintes: "Assentamento de alvenaria na v/obra ...", "Execução de trabalhos de pedreiro e servente na v/obra ...", "Assentamento de alvenaria nas caves lote ...4, ...5 e ...6 na v/obra ... - ...", "Execução de trabalhos de telhado na v/obra ... - ...".
Isto é, os referidos documentos não contém a quantidade e a denominação usual dos serviços prestados e respectiva unidade de transacção, pelo que não podem considerar-se passado "em forma legal".
3 – Enquadramento fiscal das correcções propostas
3.1. – Em sede de IVA
3.1.1 – Fornecedores com indícios de operações simuladas
Como já anteriormente se expôs, existem indícios fundados de que as facturas emitidas pelos "fornecedores" supra identificados não titulam operações reais, e por conseguinte o IVA deduzido pela "E…..", relativamente às mesmas facturas, não é dedutível, uma vez que o Código do IVA, explicita no n.º 3 do seu artigo 19.º, que "não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente". Este entendimento tem sido expresso na abundante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, quando afirma que "o direito à dedução do IVA pago a montante apenas poderá existir, segundo a própria natureza das coisas, relativamente a imposto efectivamente suportado em operações efectivamente acontecidas..."
Em face do exposto verificamos que o sujeito passivo deduziu indevidamente o imposto resumido no quadro infra por período de imposto:

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3.1.2- Fornecedor emitente de factura sem forma legal
De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 19.º do CIVA refere que "Só confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal".
Atendendo a que, não se encontram verificadas toas as condições, para que as facturas emitidas pela A….., Lda, se considerem passadas "em forma legal", não poderá a "E….." deduzir IVA nelas mencionado, no montante total de € 19.204,57 €.
Em face do exposto nos pontos 3.1.1 e 3.1.2 verificamos que o sujeito passivo deduziu indevidamente o imposto total resumido no quadro infra por período de imposto:

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[...]” – cfr. fls. 22 a 43 do Processo de Reclamação Graciosa apenso que se dão por integralmente reproduzidas.
4. Dá-se aqui por reproduzido o teor das três faturas emitidas pela sociedade “F….., LDA” com os n.ºs ...15, ...16 e ...17 à Impugnante, especificando a primeira e a última “assentamento de tijolo no v/prédio sito em ..., ... “execução dos rebocos e salpicos nas fachadas exteriores no prédio sito em ..., ...”, nos valores de € 22.500,00 mais IVA à taxa de 21 % (total de € 27.225,00), € 16.200,00 mais IVA à taxa de 21 % (no total € 19.602,00) e € 11.300,00 mais IVA à taxa de 21 % (num total € 13.673,00), respetivamente – cfr. fls. 47, 47/verso e 48 do Processo de Reclamação Graciosa apenso.
5. Dá-se aqui por reproduzido o teor da fatura emitida pela sociedade “MM….., LDA.” com o n.º ...90 à Impugnante, especificando que se reporta a “assentamento de alvenaria na v/obra ...”, no valor de € 25.000,00 mais IVA à taxa de 21 % (num total de € 30.250,00) – cfr. fls. 49 do Processo de Reclamação Graciosa apenso.
6. Dá-se aqui por reproduzido o teor da fatura emitida pela sociedade “A….., LDA.” com o n.º ...58, datada de 30 de junho de 2006, à Impugnante, na qual se reporta o seguinte:

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– cfr. fls. 50 do Processo de Reclamação Graciosa apenso.
7. Dá-se aqui por reproduzido o teor da fatura emitida pela sociedade “A….., LDA.” com o n.º ...92, datada de 28 de julho de 2006, à Impugnante, na qual se reporta o seguinte

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– cfr. fls. 50/verso do Processo de Reclamação Graciosa apenso.
8. Dá-se aqui por reproduzido o teor da fatura emitida pela sociedade “A….., LDA.” com o n.º ...96, datada de 30 de agosto de 2006, à Impugnante, na qual se reporta o seguinte:

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– cfr. fls. 51 do Processo de Reclamação Graciosa apenso.
9. Dá-se aqui por reproduzido o teor da fatura emitida pela sociedade “A….., LDA.” com o n.º ...01, datada de 29 de setembro de 2006, à Impugnante, na qual se reporta o seguinte:

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– cfr. fls. 51/verso do Processo de Reclamação Graciosa apenso.
10. Em 03 de setembro de 2009, foi subscrito por F….. “TERMO DE DECLARAÇÕES”, constante de fls. 30 e 31 dos autos em suporte físico que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.
11. No dia 18 de fevereiro de 2010, foi subscrito por M….. “TERMO DE DECLARAÇÕES”, constante de fls. 32 a 34 dos autos em suporte físico que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.
12. Em 14 de dezembro de 2010, foi emitida em nome da Impugnante liquidação adicional de IVA n.º ….., referente ao período 03 de 2006, na qual se apurou imposto a pagar no montante de € 10.500,00 – cfr. fls. 06 do Processo de Reclamação Graciosa apenso.
13. No dia 14 de dezembro de 2010, foi emitida em nome da Impugnante liquidação de juros compensatórios n.º ….., incidentes sobre o IVA em falta no período 03 de 2006 referido no ponto antecedente, no montante de € 1.900,93 – cfr. fls. 07 do Processo de Reclamação Graciosa apenso.
14. Em 14 de dezembro de 2010, foi emitida em nome da Impugnante liquidação adicional de IVA n.º ….., referente ao período 06 de 2006, na qual se apurou imposto a pagar no montante de € 10.499,77 – cfr. fls. 08 do Processo de Reclamação Graciosa apenso.
15. No dia 14 de dezembro de 2010, foi emitida em nome da Impugnante liquidação de juros compensatórios n.º ….., incidentes sobre o IVA em falta no período 06 de 2006 referido no ponto antecedente, no montante de € 1.793,88 – cfr. fls. 09 do Processo de Reclamação Graciosa apenso.
16. Em 14 de dezembro de 2010, foi emitida em nome da Impugnante liquidação adicional de IVA n.º ….., referente ao período 09 de 2006, na qual se apurou imposto a pagar no montante de € 13.954,80 – cfr. fls. 10 do Processo de Reclamação Graciosa apenso.
17. No dia 14 de dezembro de 2010, foi emitida em nome da Impugnante liquidação de juros compensatórios n.º ….., incidentes sobre o IVA em falta no período 09 de 2006 referido no ponto antecedente, no montante de € 2.245,00 – cfr. fls. 11 do Processo de Reclamação Graciosa apenso.
18. A Impugnante apresentou no dia 30 de março de 2011 junto do Serviço de Finanças de Benavente reclamação graciosa das liquidações de IVA e respetivos juros compensatórios referentes ao exercício de 2006, a qual foi autuada sob o n.º …...4 – cfr. fls. 01 a 05 do Processo de Reclamação Graciosa apenso.
19. Por despacho datado de 19 de maio de 2011, proferido pelo Diretor de Finanças de Santarém (por delegação de competências), foi indeferida a reclamação graciosa referida no ponto 18. que antecede, por remissão para anteriores informações – cfr. fls. 52 a 67 do Processo de Reclamação Graciosa apenso, que se dão por integralmente reproduzidas.
20. Nas obras onde a Impugnante prestou serviços era habitual haver pagamentos em numerário aos trabalhadores e a subempreiteiros – cfr. depoimentos das testemunhas arroladas pela Impugnante.
21. A presente impugnação judicial deu entrada no dia 06 de junho de 2011, no Serviço de Finanças de Benavente – cfr. 02 e ss. dos autos em suporte físico”.
Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:
22. A ora Recorrente apresentou, junto do TAF de Leiria, impugnação, tendo por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas relativa ao exercício de 2006, que deu origem ao processo 745/11.0BELRA (cfr. documento com o n.º de registo ...20, no SITAF do TAF de Leiria, do conhecimento de ambas as partes).
23. No âmbito dos autos referidos em 22., foi proferida sentença, a 25.11.2015, da qual consta designadamente o seguinte:
“3.2 Do Direito:
Na sequência da inspecção realizada à Impugnante relativa ao ano de 2006, a Administração Fiscal procedeu a correcções aritméticas em sede de IRC no valor de 75.000,00€, uma vez que considerou que as facturas emitidas pela F….., Lda. (de ora em diante apenas F….., Lda.) e M….., Lda. não correspondem a serviços realmente prestados.
A Impugnante, por seu turno, contesta a liquidação adicional relativa ao mesmo período, sustentando que as facturas em causa, contrariamente ao que entendeu a AF, correspondem a serviços realmente prestados.
Refira-se que apesar de ter sido alegado na p.i., a questão das facturas da A….., por apenas terem reflexo em sede de IVA, não serão analisadas na presente acção.
Apreciemos.
(…)
Isto dito, indaguemos se a AF fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que às facturas contabilizadas pela Impugnante e emitidas pela F….., Lda. e pela M….., Lda. não subjazem a prestações de serviços que, alegadamente, teriam implicado a respectiva emissão.
(…) Todavia, resulta do probatório que os indícios recolhidos pela AF não permitem suportar, objectivamente, a conclusão a que chegou e na qual fez repousar a decisão de corrigir a matéria tributável da Impugnante e proceder à liquidação em causa nos presentes Autos.
As considerações vagas que faz da F….., Lda. e de M….., Lda. no Relatório não são suficientes para concluir que às facturas contabilizadas pela Impugnante não subjazem a prestações de serviços, sendo até contraditórias.
Por conseguinte, ao ter corrigido ilegalmente a matéria tributável e, com base nessa correcção, ter procedido à liquidação de imposto, a AF incorreu em ilegalidade implicante da invalidade de tal liquidação, razão pela qual a Impugnação tem que proceder com base neste fundamento…” (cfr. documento com o n.º de registo ...30, no SITAF do TAF de Leiria, do conhecimento de ambas as partes, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
24. A sentença mencionada em 23. não foi objeto de recurso ou de reclamação (facto que se extrai da plataforma SITAF, do conhecimento de ambas as partes).

II.2 – De Direito
I. São três as questões que importa dirimir:

a) Ocorre efetiva oposição entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento quanto à mesma questão fundamental de Direito?

b) Sendo afirmativa a resposta à questão anterior, pode considerar-se, ainda assim, que o presente recurso não deve ser admitido pelo facto de a orientação perfilhada na decisão recorrida corresponder à jurisprudência mais recentemente consolidada deste Supremo Tribunal?

c) Sendo afirmativa a resposta às duas questões anteriores, deve ser provido o recurso?

II. Importa recordar os requisitos de admissibilidade previstos para o presente recurso:

- que a decisão arbitral recorrida se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral, nos termos do artigo 25.º, n.º 2 do RJAT;

- que a mesma esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de Direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo ou com outra decisão arbitral, nos termos do mesmo artigo;

- que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, para o qual o n.º 3 do artigo 25.º remete;

- que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado, nos termos do artigo 688.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º, n.º 3 do CPPT.

III. Entende-se que é idêntica a questão fundamental de Direito quando:

- as situações fácticas em ambos os arestos sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais;

- o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida;

- quando a divergência entre as decisões (recorrida e fundamento) se verifica ao nível das próprias decisões e não exclusivamente quanto aos respectivos fundamentos.

IV. Vertendo ao caso concreto presente nas decisões em confronto, comecemos por verificar da identidade do circunstancialismo fáctico-jurídico que é pressuposto do presente meio recursivo.
Pois bem, é incontroversa a existência de uma importante proximidade entre os casos vertidos nas decisões em confronto. Assim, constata-se que:
- ambos respeitam a IVA, embora estejam em causa liquidações relativas a anos distintos – ano de 2006, no Acórdão Fundamento e anos de 2017, 2018 e 2019, na decisão arbitral recorrida;
- em ambos os casos se discutem os termos do exercício do direito à dedução em IVA;
- em ambos os casos se debate a problemática das exigências formais ao nível da emissão de faturas, com vista ao exercício daquele direito à dedução;
- ambos procedem a um equivalente enquadramento abstracto das questões sob discussão – incluindo, com recurso a idêntica jurisprudência europeia acerca da temática em debate.

V. Sucede, porém, que a identidade entre a decisão arbitral recorrida e o douto Acórdão Fundamento se fica por aqui, evidenciando-se uma divergência entre as mesmas ao nível dos elementos dados por provados num e noutro caso, com reflexo no sentido das decisões lavradas.
Assim, e na linha do sublinhado pelo Parecer do Ministério Público supra, evidenciam-se fortes divergências ao nível da factualidade dada por provada e por não provada, num e noutro caso.
Com efeito, na decisão arbitral recorrida, pode ler-se que: “A Requerida aceitou a realidade das operações ocorridas e utilizou a informação contida nos documentos emitidos pela Requerente (para titular ambas as operações, os serviços de abate prestados e os couros adquiridos) para quantificar o imposto que entendeu adicionalmente devido.” E, numa outra passagem, conclui-se que: “Não se tratou, portanto, de faturas de valor zero sem qualquer discriminação, sem qualquer capacidade de controlo do que se passou facticamente entre as Partes, mas sim de faturas que, apesar de evidenciarem um propósito simplificador eventualmente exagerado de acordo com o citado costume ou praxe do setor, não deixaram de apresentar elementos e dados disponíveis para validação, os quais, insista-se, foram aproveitados pela AT para elaborar as suas correções no âmbito do procedimento inspetivo.” Estamos, aqui, diante uma constatação de facto – o colectivo arbitral dá, por maioria, por provada a “realidade das operações ocorridas”, valendo-se dos “elementos e dados disponíveis para validação” apresentados na instância arbitral para ultrapassar as deficiências ao nível da emissão das faturas.
Por seu turno, no Acórdão Fundamento – que não concedeu provimento ao recurso interposto – esclareceu-se que: “Ora, in casu, a Recorrente limitou-se a considerar que as faturas estavam preenchidas de forma suficiente, entendimento que não subscrevemos, nos termos já referidos supra, não tendo tratado de, de alguma forma, suprir essas insuficiências.
Como tal, não se trata de prevalência da verdade formal sobre a verdade material, pois a Recorrente não complementou a informação constante das faturas por forma a conseguir alcançar-se a verdade material, quando o ónus era seu.” E, noutra passagem, pode ler-se: “Não tendo sido apresentados elementos documentais que contenham um conteúdo que permita suprir as lacunas das faturas, não é admissível o direito à dedução”.
São, portanto, de natureza amplamente probatória os alicerces fundamentadores deste último aresto, encontrando-se em forte divergência, a este respeito, com a decisão arbitral à qual ora se opõe.
Dito de outra forma, ao passo que na decisão arbitral recorrida se entendeu que, apesar das insuficiências formais de natureza probatória, ficou demonstrada em termos bastantes, ainda assim, a materialidade das operações incorridas – assim, permitindo viabilizar o exercício do direito à dedução, já no douto Acórdão Fundamento tal não sucedeu, entendendo o Tribunal Central Administrativo Sul que não foi feita prova bastante que permitisse ultrapassar as graves deficiências registadas ao nível da devida emissão de faturas.

VI. Em rigor, tudo se resume à questão de saber se foi feita prova suficiente da materialidade das operações relativamente às quais se pretende fazer valer o direito à dedução de IVA; por outras palavras, e como consta do teor do douto voto de vencido lavrado na decisão recorrida (Cfr. o muito extenso e fundamentado voto de vencido da responsabilidade do árbitro António Lima Guerreiro.) e que tomamos a liberdade de aqui replicar: “A minha concordância com a presente Decisão Arbitral limita-se ao enquadramento abstrato das operações efetuadas entre Requerente e os seus clientes. As minhas divergências com tal Decisão Arbitral consistem em ter fixado como provados factos que não o foram e que, ainda que ficassem provados tais factos, não confeririam em caso algum à Requerente o direito à dedução. O reconhecimento desse direito sem que o contribuinte tivesse cumprido os requisitos formais mínimos de que dependeria o seu adequado controlo pela administração fiscal, não garante, por outro lado, a legalidade do reembolso consequente da presente Decisão Arbitral, nem previne o risco de enriquecimento sem causa.
Em suma, foi em razão de divergências decisivas ao nível da factualidade constante dos respetivos Probatórios que as decisões em confronto acabariam, também quanto ao segmento decisório, por necessariamente se apartar (o mesmo se dizendo, aliás, da posição dos árbitros entre si, no que toca à decisão arbitral recorrida).
Ora, sendo distintos os quadros factuais em que tais decisões se movimentaram, não fica demonstrado – como se exige – que a alegada divergência interpretativa acerca da mesma questão de Direito se deva ter por verificada.

VII. Existindo uma tão pronunciada divergência factual entre as decisões em confronto, forçoso é concluir que a pretensa divergência interpretativa quanto à mesma questão de Direito – “discussão acerca da exigibilidade do cumprimento referente às obrigações relativas ao processamento de facturas para efeitos de direito à dedução de IVA, nos termos do artigo 19º e 36º do CIVA” – não se pode ter por verificada, precisamente por se dever admitir que foram aquelas divergências factuais (que não as linhas interpretativas das normas referidas) que causaram a divergência decisória.
Cabe, portanto, responder negativamente à primeira questão inicialmente colocada, ficando prejudicado o conhecimento das duas subsequentes questões.


III. CONCLUSÃO
Existindo uma divergência acentuada ao nível do quadro factual das decisões em confronto, sobre aspectos essenciais das mesmas, fica inviabilizada a uniformização de jurisprudência.


IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em não tomar conhecimento do mérito do presente Recurso.

Custas pela Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de Justiça.

Comunique-se ao CAAD.


Lisboa, 24 de Maio de 2023. - Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro.