Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0993/11.2BELRS
Data do Acordão:01/22/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25435
Nº do Documento:SA2202001220993/11
Data de Entrada:11/27/2018
Recorrente:DIRECTOR-GERAL DOS IMPOSTOS
Recorrido 1:TRANSPORTES AÉREOS PORTUGUESES, SGPS, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa (TTL) datada de 5 de Junho de 2018, que julgou procedente a acção administrativa especial deduzida por TRANSPORTES AÉREOS PORTUGUESES, SGPS, SA (TAP SGPS), contra o despacho de indeferimento que recaiu sobre o requerimento de reconhecimento de benefício fiscal relativo aos juros de capitais provenientes de empréstimo contraído junto do A………...

Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
A) A sentença recorrida ao decidir anular o acto impugnado e ao condenar a ora recorrente à emissão de despacho que reconheça a isenção, se nada mais obstar a tal reconhecimento, salvo o devido respeito, fez uma incorrecta interpretação e aplicação do art. 28.º do EBF, aos factos, interpretação esta que não só vai para além da letra e do espírito da norma, mas que também é violadora dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva.
B) Decorre dos factos dados como provados que a então A. é uma sociedade gestora de participações sociais.
C) Como tal e, nos termos do art. 1.º do DL 495/88 as SGPS, têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas. Acessoriamente é permitida às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações nos termos e condições referidas no art. 4.º do DL 495/88.
D) A actividade da TAP SGPS SA traduzia-se, pois, à data dos factos, na gestão das participações sociais das várias empresas que integram o grupo TAP.
E) As atribuições cometidas à TAP SGPS – como sejam gerir as participações que integram o seu portfólio, prestar serviços de administração e gestão a sociedades participadas, conceder crédito a sociedades e participar em agrupamentos complementares de empresas, agrupamentos europeus de interesse económico, consórcios ou associações em participação – não se enquadram, de forma objectiva e clara, no âmbito da satisfação directa do interesse público através da prestação de um qualquer serviço público, como, aliás, o admite a sentença recorrida quando refere a pág. 14, que a então A. indirectamente actua na satisfação de necessidades colectivas.
F) É que a prestação de serviços públicos à comunidade, como seja o transporte de pessoas e bens, a logística das operações aéreas, a manutenção das aeronaves, a gestão das infraestruturas não estão cometidas à SGPS, mas a cada uma das várias empresas que integram a carteira da TAP SGPS (variando, naturalmente, o concreto serviço prestado com o objecto respectivo).
G) Donde, independentemente de o Estado ser ou não accionista ou existir qualquer participação pública nessas SGPS, o que é certo é que as funções exercidas por estas não são essenciais à vida social, à colectividade, não configurando o exercício de um serviço público.
H) E nem a conclusão retirada pela sentença ora recorrida, cfr. pág. 13 e 14, de que, por ter sido atribuído a requerida isenção à PARPÚBLICA e por serem ambas, recorrida e PARPÚBLICA detidas pelo Estado, os serviços por si prestados seriam considerados serviços públicos, é legítima ou afasta aquela ilação.
I) Efectivamente, na informação da Direcção de Serviços do IRC que sustenta o despacho impugnado, foi dito que o que esteve aí em causa, na atribuição do benefício fiscal à PARPÚBLICA, foi uma situação específica justificada pelas especiais atribuições que foram atribuídas à mesma pelo Despacho Normativo n.º35/2003.
J) Assim, a situação da Parpública é, por esta razão, diversa da ora recorrida, uma vez que resulta provado que o benefício fiscal do art. 28.º lhe foi atribuído em razão de lhe terem sido cometidas funções específicas que não foram cometidas à ora recorrida.
K) Logo, não tem razão a sentença recorrida quando, a pág. 13 e 14, desconsidera estas particulares razões pelas quais foi atribuído o benefício à PARPÚBLICA.
L) Por outro lado, a sentença recorrida ao considerar que a actividade exercida pela ora recorrida como SGPS, era susceptível de se enquadrar no conceito de serviço público constante do art. 28.º do EBF, descurou uma interpretação correcta do mesmo art. 28.º do EBF e veicula uma interpretação do mesmo artigo desconforme à CRP.
Na verdade:
M) O objectivo extrafiscal associado ao benefício do art. 28.º do EBF foi, e é, a captação de capitais provenientes do estrangeiro.
N) Em conformidade, nos termos do artigo 28.º do EBF (e verificando-se os condicionalismos no mesmo estabelecidos) os juros de capitais proveniente do estrangeiro – designadamente capitais “representativos de empréstimos” – podem ser isentos (total ou parcialmente) de IRC (ou de IRS, conforme o caso).
O) Ou seja, o sujeito isento é o não residente que forneceu os capitais, nomeadamente via empréstimos.
P) Com a norma interpretanda, em ordem a incentivar a disponibilização desses capitais estrangeiros, isenta-se os não residentes de tributação dos rendimentos (juros) que obtiverem em Portugal em razão dessa mesma disponibilização.
Q) Contudo, não é quaisquer empréstimos de não residentes que ficam potencialmente abrangidos pela isenção é necessário que o empréstimo seja concedido ao Estado, às Regiões Autónomas, às autarquias locais e as suas federações ou uniões, ou qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os institutos públicos, e às empresas que prestem serviços públicos.
R) Donde, resta saber se a então A. podia ser considerada nesta última categoria, como uma empresa que presta serviços públicos.
S) Ora, pese embora a A. ser então detida pelo Estado, contrariamente ao considerado pela sentença recorrida, isso não significa, automaticamente, que prossiga fins públicos para efeitos da norma de atribuição de um benefício fiscal.
T) Num ponto parece que se pode concordar com a sentença recorrida quando esta, a pág. 14, acaba por admitir que, por a então A. ser uma SGPS não poderia directamente actuar na satisfação de necessidades colectivas.
U) Assim, convindo nesta conclusão de que a então A. por ser uma SGPS não poderia directamente actuar na satisfação de necessidades colectivas, caberia analisar se a eventual possibilidade do exercício indirecto de necessidades colectivas, por via da actividade das participadas, se enquadra na norma que confere o benefício fiscal, algo que a sentença recorrida nem cuidou de analisar.
V) Tendo em conta que as normas que contemplam benefícios fiscais, entre os quais a isenção de tributação são, por natureza, de carácter excepcional, pois encerram uma derrogação aos princípios gerais que presidem à tributação, visto que, de certo modo, derrogam os princípios da capacidade contributiva, da generalidade e da igualdade da tributação e apenas encontram justificação na tutela de interesses públicos constitucionalmente relevantes, superiores aos da própria tributação, sejam de carácter político, económico, social ou cultural (Manual de Direito Fiscal,11ª edição com adenda, 2000, páginas 323/326, Nuno de Sá Gomes) autores há que defendem que tais normas de benefícios fiscais merecem tratamento autónomo porque são normas anti-sistemáticas por definição, estando em tensão permanente com o princípio da capacidade contributiva, que derrogam como padrão na repartição do imposto (Vide Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, pag. 312.). E é essa circunstância que legitima que se sustente quanto a elas um princípio de interpretação estrita ou declarativa (strict interpretation), fundado precisamente na sua natureza excepcional ou anti-sistemática.
W) Estamos, pois, perante uma norma que, por configurar “excepção” face à regra geral da incidência da tributação, deve o intérprete cuidar de a conceber em termos restritos, aplicável, consequentemente, apenas aos casos e situações inequivocamente nela previstos” (Cf. Maria Celeste Cardona, CEF, parecer n.º27/90, de 23/2/90, in CTF 359, pp.385 e seg.).
X) Tenha-se presente que o princípio da tipicidade fiscal se aplica não apenas na vertente tributação, como também na dos benefícios fiscais.
Y) O que significa que a ausência de tributação num determinado caso concreto só poderá ocorrer se existir norma legal que, especificamente, autorize essa excepção à regra geral.
Z) E tal não acontece no caso em apreço.
AA) Por outro lado, também é muito importante na interpretação de uma norma que confira um benefício fiscal o elemento teleológico, a ratio da isenção.
Assim, na interpretação do sentido e alcance do art. 28.º do EBF há que ter em conta a finalidade, o interesse relevante que a mesma tutela.
BB) Ora, sendo certo que as empresas beneficiadas devem assegurar a prestação de serviços públicos, contrariamente ao que foi decidido na sentença recorrida, uma interpretação literal da norma e tendo em conta a ratio da mesma, implica que essas empresas prestem directamente tais serviços públicos.
CC) A sentença recorrida procedeu, pois, a uma interpretação da norma que já não cabe nem na letra e nem no espírito da mesma, não se podendo considerar, senão por analogia, que por actuarem indirectamente por via de uma participada, a SGPS presta serviços públicos.
DD) Atente-se a que estas não exercem directamente qualquer actividade económica destinada a satisfazer necessidades colectivas e nem o Estado tem necessidade de criar uma SGPS para assegurar a satisfação dessas necessidades.
EE) Mais face à ratio da isenção, a conclusão a que chega a sentença recorrida sempre dependeria de que estivesse provado que o empréstimo contraído pela SGPS fosse aplicada na actividade da participada que directamente presta o serviço público, o que não está nem de longe nem de perto provado no presente processo.
Por outro lado:
FF) A interpretação que é feita pela sentença recorrida do art. 28.º do EBF é, antes de mais, violadora do princípio da legalidade, por contemplar a atribuição da isenção a situações que não estão tipificadas na norma.
GG) Na verdade, sendo certo que, como atrás se referiu, as normas que contemplam benefícios fiscais, entre os quais a isenção de tributação são, por natureza, de carácter excepcional, pois encerram uma derrogação aos princípios gerais que presidem à tributação, visto que, de certo modo, derrogam os princípios da capacidade contributiva, da generalidade e da igualdade da tributação e apenas encontram justificação na tutela de interesses públicos constitucionalmente relevantes, superiores aos da própria tributação, sejam de carácter político, económico, social ou cultural (Manual de Direito Fiscal,11ª edição com adenda, 2000, páginas 323/326, Nuno de Sá Gomes), não é legítimo ao intérprete fazer do art. 28.º do EBF uma interpretação que não cabe nem na letra e nem no espírito da norma ou proceder à sua aplicação a outras situações que nela não estão contempladas.
HH) Salvo o devido respeito, foi isso que a sentença recorrida fez. Efectivamente, considerou que a ora recorrida indirectamente actuava na satisfação de necessidades colectivas e que, necessariamente, esse exercício indirecto de actividade económica estaria abrangido pela norma do art. 28.º do EBF.
II) Ora, o princípio da legalidade veda que seja feita uma interpretação como aquela que foi feita pela sentença recorrida. O art. 28.º do EBF numa interpretação literal, que é a que é reclamada face ao facto de estarmos perante uma norma que concede uma isenção fiscal, quando se refere a empresas que prestem serviços públicos, apenas abrange aquelas que prestem directamente e que tenham como objecto social a prestação dos serviços públicos.
JJ) Entender-se que a isenção também se pode aplicar a empresas que não prestam directamente tais serviços e que só indirectamente o podem fazer por via das suas participadas corresponde já a uma interpretação não consentida nem na letra e nem no espírito da norma.
KK) Donde, a sentença recorrida violou o princípio da legalidade, art. 103.º e 165.º n.º 1, al. i) da CRP.
LL) Em segundo lugar, violou também o princípio da igualdade.
MM) Na verdade, a interpretação que é feita pela sentença recorrida do art. 28.º do EBF, trata de forma semelhante situações diferentes e que, sob pena de arbítrio, devem ser tratadas de forma diferente.
NN) Na verdade, sendo certo que uma isenção fiscal é já uma excepção à regra geral da incidência do correspondente imposto o que a vincula a “uma especial legitimação”: “a obtenção de um certo objetivo económico de especial importância”, não estão em situação igual as empresas que prestam directamente serviços públicos, cujo objecto social corresponde ao exercício de actividades económicas de prestação desses serviços considerados como de interesse público, e que são as destinatárias da isenção fiscal, ao daquelas que têm por objecto social a mera gestão de participações sociais.
OO) Deste modo, sendo certo que a concessão da isenção fiscal é justificada por interesses públicos constitucionalmente relevantes, uma interpretação como aquela que foi defendida pela sentença recorrida viola o princípio da igualdade ao permitir a concessão de uma isenção fiscal fora dos casos previstos na lei, empresas que prestem serviços públicos, e face à generalidade dos contribuintes/ empresas que pagam imposto e que são, ou não, SGPS.
PP) De facto, está-se a cair no livre arbítrio quando se estende a aplicação de uma isenção fiscal a uma empresa que, ela própria, não exerce uma actividade económica de prestação de serviços públicos, possibilitando-se, desta forma, a subversão dos objectivos para os quais foi concedido o benefício, dado que nada garante que o empréstimo contraído pela SGPS seja destinado ao financiamento apenas da, ou das empresas participadas, que exerçam essa actividade.
QQ) Dito de outro modo, a justificação razoável que legitima o diferente tratamento e a atribuição da isenção fiscal às empresas que prestam directamente serviços públicos, não se verifica relativamente àquelas que só indirectamente, como as SGPS, os podem prestar.
RR) Donde, sendo certo que neste caso não estão presentes as razões de ordem política, económica e social que presidiram à atribuição da isenção fiscal, está-se a cair no livre arbítrio e a violar o princípio da igualdade de que todos os contribuintes são iguais perante as leis que procedem à repartição dos encargos públicos.
SS) Finalmente ocorre, ainda, pelas mesmas razões violação do princípio da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, cfr.art. 103.º n.º 1 e 104.º n.º 2 da CRP.
TT) Efectivamente, uma interpretação como aquela que é veiculada pela sentença recorrida afasta-se do referido princípio de capacidade contributiva. Nas palavras de Saldanha Sanches um benefício fiscal é sempre o benefício fiscal para alguns contribuintes, levando à perda de receitas (redução da base fiscal) que leva à maior oneração de outros contribuintes. A criação de um benefício é sempre uma decisão sobre a distribuição dos encargos de financiamento do Estado” (Manual de Direito Fiscal, Coimbra Ed., 3.ªEd., 2007, pp. 457 e 458).
UU) Assim, ao defender-se uma interpretação que consagra a atribuição de uma isenção fiscal, para além de razões de ordem política e económica fundadamente justificadas, está a descurar-se o princípio da redistribuição dos encargos segundo o princípio da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real.
Quanto ao segmento decisório que atribuiu à acção o valor de € 998.000,00:
VV) A sentença a fls…, fixou como valor da causa o montante de € 998.000,00, por este corresponder ao valor do benefício, cfr. art. 32.º n.º 1 do CPTA.
WW) Pese embora a ora recorrente entenda que não está provado que esse seja o valor correcto da isenção, uma vez que a ora recorrida apenas faz uma simples aplicação da taxa de IRC ao montante dos juros em causa, desde já e à cautela, se requer que a sentença recorrida seja reformada quanto a custas, de modo a que seja contemplada a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, isto atendendo a que não houve realização de audiência para a produção de prova testemunhal e que ao Tribunal se pediu e pede que analise e decida sobre uma questão que não se afigura revestir grande complexidade, face ao bem fundado da posição da AT patente nos autos, cfr. art. 6.º n.º 7 do RCP.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público notificado pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso quanto à questão da interpretação e aplicação do art.º 28.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), pois entende no mesmo sentido da sentença, que a actividade exercida pela ora recorrida pode ser considerada para efeitos da isenção referida na norma acima referida.
Quanto à questão das custas, entendeu o Ministério Público que, é de reduzir parcialmente o remanescente da taxa de justiça. Em consequência o recurso deve ser julgado parcialmente improcedente.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) A Autora é uma sociedade gestora de participações sociais, criada pelo Decreto-Lei n.º 87/2003, de 26 de abril;
B) O capital social da Autora é detido integralmente pela PARPÚBLICA - Participações Públicas, SGPS, SA – artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 87/2003, de 26 de abril;
C) A Autora é uma sociedade que tem por objecto a gestão de participações sociais em outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas, podendo prestar serviços de administração e gestão a sociedades em que detenha participações -cfr. artigo 3., n. 1 do Decreto-Lei n. 87/2003 de 26 de abril;
D) Em 11/03/2010, a Autora celebrou com o A……….., e A…….. AG, Sucursal de Londres, contrato denominado «Contrato de empréstimo transmissível» tendo por objecto o financiamento no valor de € 52.000.000,00;
E) No artigo 5. do contrato referido na anterior alínea do probatório, consta, nomeadamente o seguinte: «(1) Imposto de Retenção na Fonte. Todos os pagamentos devidos ao abrigo do presente contrato devem ser efectuados sem redução ou retenção na fonte para ou por conta de quaisquer impostos atuais ou futuros, taxas ou encargos governamentais, de qualquer natureza, instituídos, incidentes ou cobrados em relação à mutuária, na fonte, ou em nome da República Portuguesa ou por ou em nome de qualquer subdivisão politica ou autoridade com poderes para aplicar impostos (“dedução fiscal”), a não ser que uma Dedução Fiscal seja exigida por lei (…)»;
F) Da ficha técnica do Contrato de empréstimo, referido na alínea D), consta, nomeadamente, o seguinte:
«Principais termos do Contrato de Empréstimo
1. Forma: Schuldschein (“Assignable Loan Agreement”)
2. Mutuante: A……….. (Alemanha);
3. Mutuária: TAP – Transportes Aéreos Portugueses, SGPS, S.A. (TAP, SGPS);
4. Montante do Empréstimo € 52.000.000,00;
5. Encaixe: 15 de março, no montante de Euros 49.981.880,00 em função do diferencial de taxa de juro de acordo com 6. abaixo;
6. Finalidade do empréstimo: Financiamento da atividade e operações associadas;
7. Taxa de juro: Fixa de 5.666%, correspondente à soma da margem com a taxa de swap para o período médio de empréstimo (5 anos)»;
G) Em 11/03/2010, a Autora dirigiu requerimento ao Ministro de Estado e das Finanças, que se dá por integralmente reproduzido, peticionando a concessão de isenção de IRC que incide sobre os rendimentos da operação de mútuo referida na alínea D);
H) Em 19/07/2010, foi proferido despacho de concordância, pela Diretora de Serviços da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, com a proposta de indeferimento do requerimento referido na anterior alínea do probatório;
I) Em 17/09/2010, a Autora exerceu o direito de audição prévia, referindo, a final o seguinte: «Consequentemente, a requerente entende que os juros relativamente aos quais solicitou isenção podem beneficiar do regime previsto no artigo 28..º do EBF, em virtude do caráter clara e inequivocamente público dos serviços que presta, nos termos descritos, devendo, naturalmente, alterar-se o sentido do projeto de decisão e proferir-se despacho que declara o direito a essa isenção, por ser manifesto que estão reunidos os pressupostos legalmente previstos»;
J) Em 05/01/2011, por despacho do Diretor Geral dos Impostos, foi indeferido o requerimento referido na alínea G) e do probatório, pelos fundamentos constantes da informação anexa, onde consta, nomeadamente, o seguinte: «Neste contexto, pese embora as motivações e a forma de argumentação aduzida, o facto é que atendendo ao modo como são estruturadas as SGPS, conclui-se que a vocação destas sociedades, independentemente da sua qualificação jurídica, e relacionação institucional, estão intrinsecamente relacionadas com a gestão das participações sociais e com atividades de ordem financeira, conforme referido no ponto 6, pelo que, não se verificando a existência de pressupostos cumulativos exigidos legalmente, e tendo em consideração, a orientação estabelecida relacionada com a natureza da interpretação restritiva formulada sobre a norma estatutária e fixada em doutrina sancionada superiormente, conforme se refere no ponto 8, julga-se que deve ser convertido em definitivo o projeto de decisão de indeferimento nos termos e com os fundamentos expostos na presente informação, bem como os constantes da Inf. n.º 1313/2010, constitutiva do presente processo»;
L) Em 13/05/2011, a Autora apresentou a presente acção no Tribunal Tributário de Lisboa.
Nada mais se deu como provado.


Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
A questão colocada pelas partes passa por saber se a recorrida poderá beneficiar da isenção de imposto sobre o rendimento (tem-se por adquirido o regime de tributação e o modo pelo qual se processa a entrega e cobrança do imposto quando a entidade devedora é residente no estrangeiro, tal como resulta da sentença recorrida), à data prevista do artigo 28.º do EBF, relativamente aos juros respeitantes a um empréstimo por si contraído, tal como consta da matéria de facto levada ao probatório.
Dispunha à data este preceito legal, artigo 28.º do EBF: O Ministro das Finanças pode, a requerimento e com base em parecer fundamentado da Direcção-Geral dos Impostos, conceder isenção total ou parcial de IRS ou de IRC, relativamente a juros de capitais provenientes do estrangeiro, representativos de empréstimos e rendas de locação de equipamentos importados, de que sejam devedores o Estado, as Regiões Autónomas, as autarquias locais e as suas federações ou uniões, ou qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os institutos públicos, e as empresas que prestem serviços públicos, desde que os credores tenham o domicílio no estrangeiro, e não disponham em território português de estabelecimento estável ao qual o empréstimo seja imputado.

Na sentença recorrida, após se ter definido o objecto da acção, saber se a recorrida teria as características próprias que lhe permitiriam beneficiar da isenção requerida, explicou-se o que se entende na doutrina por serviço público, e terminou-se concluindo que, uma vez que a recorrida é totalmente detida pelo Estado, mais não é de que uma das muitas formas de prossecução do interesse público, assumindo o Estado esta forma empresarial, para a satisfação de necessidades públicas em causa, por razões operativas.
Pelo exposto, concluímos que se encontram preenchidos os requisitos previstos no artigo 28.º do EBF, determinando-se, por esse motivo, a anulação do despacho que indeferiu o benefício fiscal requerido e a emissão de despacho que reconheça o benefício em causa, se mais nada obstar a tal reconhecimento.

Como resulta claramente do disposto no citado artigo 28.º do EBF só podem beneficiar da isenção as empresas que prestem serviços públicos (a recorrida enquanto SGPS não se enquadra em qualquer um dos outros grupos de entidades que podem beneficiar da isenção de imposto sobre o rendimento), não havendo aí qualquer referência à satisfação do interesse público ou à prossecução do interesse público.

A prossecução do interesse público ou do interesse da colectividade organizada sob a forma de Estado é um conceito distinto do de prestação de serviços públicos, mais amplo, que define a finalidade, desde logo, da actividade administrativa em geral, sendo levada a efeito por todas as pessoas colectivas de direito público, (constituindo o seu fim único) e por pessoas jurídicas de direito privado que tenham essa missão ou às quais venham a ser delegadas tarefas com essa finalidade.
A prossecução do interesse público visa, no essencial, o bem comum, a organização da sociedade em respeito pelo individuo, enquanto pessoa e enquanto parte de um colectivo, e pelas regras do Estado de direito; assim, devem os órgãos da administração pública prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, cfr. artigos 266.º, n.º 1, da CRP e 4.º do CPA.
O artigo 28.º do EBF refere-se, expressa e limitadamente, a entidades que “prestem serviços públicos”, ou seja, no caso dos serviços de natureza económica, como é o caso do transporte aéreo aqui em apreço, tal prestação de serviços públicos corresponde actualmente, no contexto da europeização da gestão e organização destas actividades, aos denominados serviços públicos essenciais, definidos entre nós na Lei n.º 23/96, de 26.07, onde, entre outros serviços públicos identificados no artigo 1.º, n. 2, se inscreve a actividade de transporte aéreo:
a) Serviço de fornecimento de água;
b) Serviço de fornecimento de energia eléctrica;
c) Serviço de fornecimento de gás natural e gases de petróleo liquefeitos canalizados;
d) Serviço de comunicações electrónicas;
e) Serviços postais;
f) Serviço de recolha e tratamento de águas residuais;
g) Serviços de gestão de resíduos sólidos urbanos.
h) Serviço de transporte de passageiros.

Porém, como claramente resulta do probatório, a recorrida não presta qualquer um destes serviços públicos, nem qualquer outro serviço que se possa qualificar como um serviço público, desde logo porque as entidades a quem os presta também não podem ser consideradas utentes, na definição do n.º 3 do já referido artigo 1.º da Lei n.º 23/96.
A recorrida limita-se a prestar os seus serviços (para o que aqui importa, financeiros) às sociedades relativamente às quais exerce a gestão de participações sociais, admitindo-se, em tese, que essa possa ainda ser interpretada como forma atípica indirecta (por financiar e potenciar) de exercício de uma ou mais actividades económicas. Porém, quer este exercício indirecto da actividade económica (mesmo que assim pudesse ser qualificado como expressão de serviço público), quer o facto de o seu capital social ser detido directa ou indirectamente pelo Estado, não são requisitos adequados ou suficientes para que se possa considerar preenchido o pressuposto legal do artigo 28.º do EBF, que habilitaria a recorrida a beneficiar da isenção, uma vez que essa isenção está reservada para as empresas que prestem directamente o serviço público ao utente e, portanto, que se relacionam directamente com o mesmo.
Na verdade a interpretação que se deve fazer da norma constante deste artigo 28.º do EBF, segundo as regras estabelecidas nos artigos 9.º do Código Civil, 10.º do EBF e 11.º da LGT, deve antes de mais ter correspondência com o texto editado pelo legislador, não sendo permitido ao julgador fazer uma interpretação de tal modo abrangente e ampla de modo a que o próprio texto da Lei deixe de ter correlação com o sentido que se lhe quer atribuir.
Assim, o legislador ao referir-se a empresas que prestem serviços públicos apenas pretende abranger aquelas empresas que efectivamente os prestam, as que têm uma relação directa e imediata com o utente e beneficiário desse serviço público; não sendo esse o caso, naturalmente, da recorrida, conclui-se que a mesma não se enquadra na previsão da norma e, nessa medida, não lhe pode ser concedida a isenção pretendida.
Procede, assim, o recurso que nos vem dirigido.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem a Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em:
-conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida;
-julgar improcedente a presente acção, assim absolvendo do pedido a entidade demandada.
Custas pela recorrida em ambas as instâncias, levando-se em conta que nesta instância não contra-alegou, com dispensa de 75% do remanescente da t.j. também em ambas as instâncias.
D.n.

Lisboa, 22 de Janeiro de 2020. – Aragão Seia (relator) – Suzana Tavares da Silva – Aníbal Ferraz.