Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01295/12
Data do Acordão:03/06/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:ATESTADO MÉDICO
BENEFÍCIOS FISCAIS
INVALIDEZ
INCAPACIDADE FÍSICA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário:I – Aceitando a administração Fiscal que um conjunto de contribuintes comprovem a incapacidade declarada para efeitos do art. 16º do EBF, através de um atestado emitido ao abrigo de legislação entretanto revogada, não pode exigir aos demais contribuintes a apresentação de atestados ao abrigo de nova legislação, sem apresentar razões objectivas e materiais fundadas, sob pena de violação dos princípios de igualdade e de justiça material.
II – Se a recorrida apresentou em 2007 um atestado que certifica uma incapacidade que evoluiu negativamente (em 1996 era de 71,75%), na medida em que comprova uma incapacidade permanente de (70%), tal documento não pode deixar de relevar e ser tido em conta, para efeitos do benefício fiscal relativo aos anos de 2002, 2003 e 2004, sob pena de violação dos princípios da igualdade e da justiça material, consagrados no art. 5º, nº 2, da LGT.
Nº Convencional:JSTA00068162
Nº do Documento:SA22013030601295
Data de Entrada:11/23/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:DL 202/96 DE 1996/10/23
DL 352/2007 DE 2007/10/23
DL 341/93 DE 1993/09/30
CIRS88 ART119 ART24 N7 ART14
CIRS01 ART128 ART13
L 2127 DE 1965/08/03 BASEXXII N1
L 100/97 DE 1997/09/13 ART25 N1
DL 248/99 DE 1999/07/02 ART63
CONST76 ART13 N1
LGT98 ART5 N2
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0474/08 DE 2008/09/10; AC STA PROC031/12 DE 2012/06/06
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I - RELATÓRIO

1. A Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional no TCA Norte, da sentença proferida pelo TAF de Braga, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A……………….., identificada nos autos, versando sobre o indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação oficiosa de IRS, relativa aos anos de 2002, 2003 e 2004.

2. A recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
“1. A factualidade e as respectivas circunstâncias que estão na génese da emissão das conclusões da “informação vinculativa” nº 1717/08, da D.S.I.R.S não são idênticas às que foram alegadas pelos impugnantes, justificando e motivando aqueloutros o procedimento administrativo excepcional (não discricionário) previsto no nº 3 daquela informação, verificados que sejam pela administração tributária, os condicionalismos e os limites aí consignados, em contraponto ao procedimento - regra, seguido pela administração fiscal, em conformidade com os nºs. 1 e 2 da cit. Informação.
2. A impugnante, apresentou as declarações de IRS dos anos de 2003, 2004 e 2005, com a indicação de ser sujeito passivo deficiente, para efeitos dos correspondentes benefícios fiscais, sem que dispusesse de documento comprovativo válido, nos termos do quadro legal em vigor, estabelecido pelo Decreto - Lei nº 202/96, de 23 de Outubro, sendo portadora de um atestado médico de incapacidade, emitido em 1996-10-31.
3. No ano a que respeitam as liquidações de IRS impugnadas, já se encontrava em vigor, desde 1996-11-30, o Decreto-Lei nº 202/96, de 23 de Outubro, que remetia, ex vi do seu artigo 4º para a TNI aprovada pelo Decreto-Lei nº 341/93, de 30 de Setembro.
4. Decorre da factualidade constante dos autos, que a impugnante obteve em 2007-10-29, um atestado médico de incapacidade - multiuso, emitido pelo Presidente da Junta Médica da Subregião de Saúde de Viana do Castelo, que lhe confere um grau de incapacidade de 70%.
5. Este atestado foi emitido ao abrigo da TNI, aprovada pelo Decreto-Lei nº 341/93, de 30 de Setembro, para a qual remetia o DL nº 202/96, ou seja, ainda antes da aplicação da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de Outubro, que entrou em vigor em 21 de Janeiro de 2008.
6. De modo que, não se coloca aqui, a questão da alegada impossibilidade de obtenção do atestado de incapacidade pelo facto de em Janeiro de 2008 ter entrado em vigor uma nova TNI, pressuposto do regime excepcional previsto no nº 3 da informação vinculativa.
7. Com efeito, a referida informação prestada no processo nº 1365/2008, tem em vista as situações em que, tendo os contribuintes sido notificados pela primeira vez em 2008, para fazerem prova fiscalmente válida, nos termos do Decreto-Lei nº 202/96, de 23 de Outubro, da incapacidade permanente para efeitos de benefícios fiscais, já não foi possível obter esse meio de prova (atestado médico de incapacidade) emitido ao abrigo da Tabela Nacional de Incapacidades (TNI) aprovada pelo Decreto-Lei nº 341/93, de 30 de Setembro, para a qual remetia o DL nº 202/96, por entretanto, a referida TNI ter sido revogada pela Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei nº 35/2007, de 23 de Outubro, que entrou em vigor em 21 de Janeiro de 2008.
8. Daí, o procedimento - excepcional - sancionado por despacho de 2008-11-04 do Senhor Director Geral dos Impostos, no processo 1365/2008, no sentido de que “deverá a Administração Tributária, a título excepcional, aceitar os atestados de incapacidade emitidos ao abrigo da legislação vigente à data da verificação da deficiência, para comprovação das situações relativas aos anos de 2004 a 2007, no âmbito das notificações efectuadas aos sujeitos passivos no decurso de 2008” (cfr. ponto 3 da referida informação vinculativa).
9. Acresce que este atestado de incapacidade, embora tenha sido emitido ao abrigo do Decreto-Lei nº 202/96, não reporta a incapacidade ao ano a que respeita o imposto.
10. Ora, em face do disposto no artigo 16º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), com a redacção vigente após a revisão efectuada pelo Decreto-Lei nº 198/2001, de 3 de Julho (que prevê a isenção de tributação em IRS de determinados rendimentos auferidos por titulares deficientes) e, para o efeito, no seu nº 4, é considerado deficiente aquele que apresente um grau de invalidez permanente, devidamente comprovado por entidade competente, igual ou superior a 60%.
11. Conjugada esta norma com a do nº 7 do artigo 13º do Código do IRS, segundo a qual “A situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos relevantes para efeitos de tributação é aquela que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeite.”
12. Concluímos que não se encontram reunidos os pressupostos dos benefícios fiscais em causa.
13. Por outra via, o atestado médico de incapacidade emitido em 1996-10-31, pela Autoridade de Saúde de Viana do Castelo, de que a impugnante é titular, não respeita os critérios técnico-legais definidos no Decreto-Lei nº 202/96, de 23 de Outubro, que vigoravam no último dia dos períodos de tributação em causa -31 de Dezembro de 2003, de 2004 e de 2005 - motivo pelo qual não é válido para comprovar a deficiência fiscalmente relevante, nesses anos (cfr. ponto 1 da informação vinculativa).
14. Não restam dúvidas, de que a situação em apreço, não se enquadra no âmbito material da excepção consignada no ponto 3 da dita informação vinculativa, pelo que deve ser tratada, como foi (antes mesmo da existência dessa informação, que surge em momento posterior, justificada pelas razões já apontadas), no âmbito do procedimento - regra, seguido pela Administração Tributária, nos termos das normas legais então em vigor, a que aludem os pontos 1 e 2. da informação vinculativa prestada no processo nº 1365/2008, com despacho concordante do Senhor Director-Geral dos Impostos, de 2008-11-04.
15. O âmbito da excepção, balizado temporalmente e em pressupostos concretos, constitui em si mesmo um limite ao arbítrio da administração tributária no que concerne à aceitação (ou não) de uma prova (ou meio de prova) de uma deficiência fiscalmente relevante.
16. A alteração dos rendimentos declarados em 2003, 2004 e 2005, nos termos do art. 66º do CIRS, como acto prévio e pressuposto das respectivas liquidações impugnadas, foi motivada e justificada na lei e jurisprudência consolidada nos tribunais superiores (STA e T.C.A.), em consonância, aliás, também com os princípios consignados em 1. a 2. da dita informação vinculativa.
17. A excepção, consignada no ponto 3. da dita informação, não constitui um poder discricionário da Administração, mas vinculado e legal, pelo que não faz sentido falar em violação do princípio da igualdade, quando se tratou, in casu, uma situação igual à de tantos outros contribuintes.
18. Também não foi, in casu, afrontado o princípio da justiça material, na medida em que o alegado direito a benefícios fiscais sempre dependeria da comprovação, de uma forma legalmente válida, dos pressupostos do direito a esses benefícios, ónus do contribuinte e que, não se mostra satisfeito.
19. Assim, por inadequada valoração da factualidade relevante, dada como assente, e na indevida subsunção, aos princípios da igualdade e da justiça, terá sido feito errado julgamento”.

3. Não foram apresentadas contra-alegações.

4. Por Acórdão do TCA Norte de fls. 123 e segs. decidiu-se julgar aquele tribunal incompetente em razão da hierarquia, por ser competente para conhecer do presente recurso, o Supremo Tribunal Administrativo.

5. Remetidos os autos a este STA, o Exmo. Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de o recurso não merecer provimento.

6. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTOS

1- DE FACTO
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga deu como provada a seguinte matéria de facto:
“1 - Oportunamente, a impugnante apresentou a declaração de rendimentos Mod. 3 de IRS, para os anos de 2003, 2004 e 2005, da qual fez constar a existência de doença fiscalmente relevante relativa ao impugnante, geradora de uma incapacidade superior a 60%, daí retirando o correspondente benefício fiscal.
2 - A referida doença encontrava-se documentada por atestado resultante de uma junta médica realizada em 31-10-1996.
3 - Após o devido procedimento, que incluiu a prévia audiência do impugnante, a Administração Tributária concluiu que o referido atestado não constituía prova documental bastante da doença em causa, susceptível de justificar o beneficio fiscal correspondente, pelo que emitiu as liquidações oficiosas relativas aos anos fiscais de 2003, 2004 e 2005.
4 - A impugnante reclamou graciosamente das referidas liquidações, que foi indeferida e de cuja decisão interpôs recurso hierárquico, que foi julgado improcedente.
5 - Em 29-10-2007, pelos Serviços de Saúde Pública do Alto Minho, da Administração de Saúde do Norte, na sequência da competente junta médica, foi metido atestado que fixou a incapacidade permanente da impugnante em 70%.
6 - Em 12-12-2008 foi estatuída nos termos legais pela Administração Tributária, uma informação vinculativa sobre o assunto “Comprovação da deficiência fiscalmente relevante. Validade dos atestados de incapacidade emitidos em data anterior à da entrada em vigor do Decreto-Lei n.°202/96, de 23 de Outubro”, com o seguinte teor:
“1. A prova da deficiência para fins fiscais tem de ser efectuada de acordo com os critérios técnico-legais que vigoram no último dia do período de tributação, pelo que os atestados de incapacidade emitidos anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro, não são válidos para comprovar a deficiência fiscalmente relevante, relativamente ao ano fiscal de 1996 e posteriores.
2. Não se pode aceitar como princípio a validade automática dos documentos que certificam deficiências quando as regras ao abrigo das quais foram emitidos foram substituídas por outras que são susceptíveis de interferir com a medida da invalidez permanente, afixar através do acto de avaliação.
3. Porém, face à alegada impossibilidade de os sujeitos passivos obterem em 2008 uma declaração de incapacidade ao abrigo do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro, uma vez que em Janeiro entrou em vigor uma nova Tabela de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, deverá a Administração Tributária, a título excepcional, aceitar os atestados de incapacidade emitidos ao abrigo da legislação vigente à data da verificação da deficiência, para comprovação das situações relativas aos anos de 2004 a 2007, no âmbito das notificações efectuadas aos sujeitos passivos no decurso de 2008.”

2- DE DIREITO


2.1. Das questões a apreciar e decidir

A impugnante, ora recorrida, portadora de deficiência física susceptível de lhe conferir benefício fiscal, documentada e comprovada por atestado de incapacidade resultante de junta médica realizada em 31/10/1996, não diligenciou pela obtenção de novo atestado com base no regime consagrado no Decreto-Lei nº 202/96, de 23 de Outubro, continuando todavia a fazer constar da sua declaração de rendimentos a deficiência em causa, deduzindo o respectivo benefício fiscal.
Nesta sequência, a ora recorrida apresentou declaração de rendimentos Mod. 3 de IRS, para os anos de 2003, 2004 e 2005, da qual fez constar a existência de doença fiscalmente relevante geradora de uma incapacidade superior a 60%, daí retirando o correspondente benefício fiscal.
Resulta do probatório que em 29/10/2007, pelos Serviços de Saúde Pública do Alto Minho, da Administração de Saúde do Norte, na sequência da competente junta médica, foi emitido atestado que fixou a incapacidade permanente da impugnante em 70%.
No âmbito de adequado procedimento, a Administração Tributária concluiu que o referido atestado não constituía prova documental bastante da doença em causa, susceptível de justificar o benefício fiscal correspondente, pelo que emitiu as liquidações oficiosas relativas aos anos fiscais de 2003, 2004 e 2005.
A ora recorrida reclamou graciosamente das referidas liquidações, que foi indeferida e de cuja decisão interpôs recurso hierárquico, que foi julgado improcedente.
Inconformada, a recorrente deduziu impugnação judicial no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que foi julgada procedente.
Para tanto, ponderou o Mmº Juiz “a quo”, entre o mais, que:
· “(…) sobre a “Validade dos atestados de incapacidade emitidos em data anterior à da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro”, conforme resulta do probatório, a Administração Tributária emitiu informação vinculativa a determinar que “deverá a Administração Tributária, a titulo excepcional, aceitar atestados de incapacidade emitidos ao abrigo da legislação vigente à data da verificação da deficiência, para comprovação das situações relativas aos anos de 2004 a 2007, no âmbito das notificações efectuadas aos sujeitos passivos no decurso de 2008”.
· Esta informação vincula a própria Administração Tributária perante todos os contribuintes, nos termos dos artigos 55º e 57º do CPPT e 68º da LGT, e aplica-se directamente às liquidações de IRS dos anos de 2004 e 2005, abrangida no âmbito temporal da mesma, aplicando-se igualmente por identidade, senão maioria, de razão, ao ano de 2003, já que não se entenderia que um atestado de 1996 servisse para os anos de 2004 e 2005, e já não para o ano de 2003.
· Entende a Fazenda Pública, que a referida informação versa sobre situações excepcionais, que tenham sido alvo de notificação em procedimento inspectivo ocorrido no ano de 2008, e em que haja sido alegado pelo contribuinte a impossibilidade de obter atempadamente um atestado válido, emitido ao abrigo do DL 202/96 de 23-10.
· Todavia, a diferenciação de tratamento para as restantes situações, seria, sempre, injustificadamente discriminatória, e, por isso, contrária aos princípios da igualdade e da justiça material, consagrados no art.º 5º/2 da LGT.
Contra esta argumentação vem o presente recurso sustentando a Fazenda Pública, em síntese, que não se encontram reunidos os pressupostos dos benefícios fiscais em causa, por força do disposto nos arts. 16º, nº 4, do Estatuto dos Benefícios Fiscais e 13º, nº 7, do Código do IRS.
Por outro lado, alega, ainda, a Fazenda Pública que “A excepção, consignada no ponto 3. da dita informação, não constitui um poder discricionário da Administração, mas vinculado e legal, pelo que não faz sentido falar em violação do princípio da igualdade, quando se tratou, in casu, uma situação igual à de tantos outros contribuintes, não se encontrado igualmente “afrontado o princípio da justiça material, na medida em que o alegado direito a benefícios fiscais sempre dependeria da comprovação, de uma forma legalmente válida, dos pressupostos do direito a esses benefícios, ónus do contribuinte e que, não se mostra satisfeito”.
Em face das conclusões, que são as relevantes para aferir do objecto do objecto e âmbito do recurso [cfr. os arts. 684º, nº 3, e 685º-A/1, do CPC, e o art. 2º, alínea e), do CPPT], o objecto do presente recurso consiste em saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando decidiu procedente a impugnação e anulou as liquidações oficiosas de IRS relativas aos anos de 2002, 2003 e 2004.


2.2. Da análise do alegado erro de julgamento

A questão central que se discute no caso em apreço traduz-se em saber em que medida estados médicos de incapacidade emitidos em 31/10/96 e 29/1/2007 são adequados a comprovar incapacidade fiscalmente relevante, relativamente a rendimentos dos anos de 2002, 2003 e 2004.
Esta situação tem sido objecto de jurisprudência anterior, sendo de destacar o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 10 de Setembro de 2008, proc. nº 0474/08, e, mais recentemente, o Acórdão de 6/6/2012, proc nº 31/12, que se pronunciou sobre situação similar à que estamos a analisar. Por não haver razões para nos afastarmos da jurisprudência vazada sobretudo no último Acórdão no qual interviemos como relatora, limitar-nos-emos a segui-lo, com as adaptações que o caso reclame.
No primeiro Acórdão mencionado estava em causa uma incapacidade permanente de 64% reconhecida por atestado emitido em 26/9/95 e os impugnantes nas declarações de IRS relativas aos anos de 1999 e 2000 não apresentaram qualquer declaração comprovativa de incapacidade emitida a partir de 15/12/1995, mas apenas o referido atestado.
No referido Acórdão pode ler-se que “A primeira questão que os Recorrentes colocam é a de a Administração Tributária estar impedida de deixar de considerar essa incapacidade para efeitos de liquidação de IRS dos anos de 1999 e 2000.
O art. 119.º do CIRS, na redacção vigente tanto em 1999 e 2000 (anos a que se referem as liquidações impugnadas) (() Depois da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, as normas deste art. 119.º passaram para o art. 128.º, mantendo-se a mesma redacção, com excepção do prazo referido no n.º 2 que, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 160/2003, de 19 de Julho, passou a ser de 4 anos.) estabelece o seguinte:
Artigo 119.º
Obrigação de comprovar os elementos das declarações
1 - As pessoas sujeitas a IRS deverão apresentar, no prazo que lhes for fixado, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e abatimentos e de outros factos ou situações mencionadas na respectiva declaração, quando a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos os exija.
2 - A obrigação estabelecida no número anterior mantém-se durante os cinco anos seguintes àquele a que respeitem os documentos.
3 - O extravio dos documentos referidos no n.º 1 por motivo não imputável ao sujeito passivo não o impede de utilizar outros elementos de prova daqueles factos.
Do n.º 1 deste artigo resulta inequivocamente que a Administração Fiscal pode exigir aos sujeitos passivos do IRS a apresentação de documentos comprovativos de factos ou situações mencionados nas declarações.

Não estabelecia a legislação vigente entre desde 1999 até ao presente qualquer limitação específica deste poder da Administração Fiscal de exigir tais documentos comprovativos, pelo que tal poder apenas poderia ser limitado pelos princípios constitucionais que devem reger a actividade a generalidade da actividade administrativa, indicados no art. 266.º da C.R.P., cuja violação não foi invocada pelos Impugnantes.
Por outro lado, a situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos relevante para efeitos de tributação é a que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeita (art. 14.º, n.º 7, do CIRS, na redacção introduzida pelo art. 24.º, n.º 2, da Lei n.º 65/90, de 28 de Dezembro), só se excepcionando, até à redacção dada àquele n.º 7 pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, os casos de falecimento de um dos cônjuges. (() Ao art. 14.º do CIRS, na redacção inicial, corresponde, após a renumeração efectuada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, o art. 13.º).
O atestado médico apresentado pelos Impugnantes, emitido em Setembro de 1995, não podia comprovar a existência de uma situação de invalidez no último dia de 1999 e no último dia de 2000.
Na verdade, por um lado, as situações de deficiência qualificadas como invalidez permanente são susceptíveis de evolução, quer no sentido de agravamento quer no de melhoria. Essa possibilidade de melhoria, está mesmo reconhecida legislativamente, por forma genérica, na Base XXII, n.º 1, da Lei n.º 2127, de 3-8-1965, no art. 25.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e no art. 63.º do Decreto-Lei n.º 248/99, de 2 de Julho. Por isso, havendo esta possibilidade de melhoria, é manifesto que um atestado emitido em Setembro de 1995 não fornecia qualquer garantia de que em 31-12-1999 e em 31-12-2000 o grau de invalidez referido no atestado se mantivesse.
Consequentemente, não se pode considerar injustificado que a Administração Tributária exigisse a comprovação da manutenção nestas datas do grau de invalidez declarado”.

“(…) Para além disso, após a data da emissão do atestado referido, o Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro (…), introduziu alterações à forma de cálculo das deficiências, relativamente à que resultava do Decreto-Lei n.º 341/93, de 30 de Setembro, que era aplicado ao tempo em que foi emitido o atestado apresentado pelo impugnante”.
“(…) No final de 1999 e no final de 2000, estando-se no âmbito da vigência deste Decreto-Lei n.º 202/96, era segundo as suas regras que tinha de ser avaliado o grau de invalidez invocado pelos Impugnantes e, por isso, não podia bastar para o considerar demonstrado um atestado emitido num tempo em que eram aplicadas regras diferentes para cálculo das incapacidades, tornando-se indispensável uma demonstração de que a fixação da incapacidade se mantinha também à face destas novas regras, que eram as que vigoravam em 31-12-1999 e 31-12-2000, momentos decisivos para determinação da situação do sujeito passivo relevante para efeitos de IRS.
Assim, não tendo os Impugnantes efectuado tal demonstração de que a incapacidade se mantinha à face das novas regras, a Administração Tributária tinha suporte legal nas normas razão, para não a considerar para cálculo do IRS daqueles anos de 1999 e 2000.”
Em face do exposto, se no caso sub judice a recorrida se tivesse limitado a apresentar o atestado de 31/10/1996, a aplicação da jurisprudência acabada de expor implicaria concluir em sentido contrário ao seguido pela sentença recorrida acolhendo-se o invocado erro de direito.
Realce-se, porém, que, a situação em apreço assenta em pressupostos algo diferentes e similares ao apreciado no Acórdão deste Supremo Tribunal de 6/6/2012.
Por um lado, para além do atestado de 1996, a recorrida, tal como aconteceu no caso relatado no Acórdão atrás referido, apresentou novo atestado médico de incapacidade, emitido em 29/1/2007.
Por outro lado, no caso dos autos, tal como aconteceu no Acórdão de 6/6/2012, sobre a “Validade dos atestados de incapacidade emitidos em data anterior à da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 202/96, de 23 de Outubro”, conforme resulta do probatório, a Administração Tributária emitiu informação vinculativa a determinar que “deverá a Administração Tributário, a título excepcional, aceitar os atestados de incapacidade emitidos ao abrigo da legislação vigente à data da verificação da deficiência, para comprovação das situações relativas aos anos de 2004 a 2007, no âmbito das notificações efectuadas aos sujeitos passivos no decurso de 2008.”
Alega a Fazenda Pública que a situação da recorrente não se enquadra no âmbito material da excepção consignada em 3. da dita informação vinculativa (ponto 14 das Conclusões). E, acrescenta, como ficou dito, que a mesma não viola nem o princípio da igualdade nem da justiça material.
Contra este entendimento se insurge a sentença recorrida, podendo ler-se a este propósito que “Entende a Fazenda Pública, que a referida informação versa sobre situações excepcionais, que tenham sido alvo de notificação em procedimento inspectivo ocorrido no ano de 2008, e em que haja sido alegado pelo contribuinte a impossibilidade de obter atempadamente um atestado válido, emitido ao abrigo do DL 202/96 de 23-10.
Todavia, a diferenciação de tratamento para as restantes situações, seria, sempre, injustificadamente discriminatória, e, por isso, contrária aos princípios da igualdade e da justiça material, consagrados no art.º 5º/2 da LGT.
Ou seja, nem uma nem outra das circunstâncias referidas poderá justificar a diferença de tratamento entre os contribuintes.
Isto é, nem a diferente data da notificação levada a cabo pela Administração Tributária, nem o eventual silêncio do contribuinte em sede procedimental poderão justificar um tratamento diferente face aos restantes directamente abrangidos pela informação em causa”.
Daí que, considerando a Administração Tributária que os atestados de incapacidade emitidos em data anterior à da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro, são idóneos para documentar deficiência fiscalmente relevante para efeitos de atribuição de benefícios fiscais, para os anos de 2004 a 2007, quando as notificações para a sua apresentação se tenham dado em 2008, necessariamente (por identidade de razão) que há-de considerar os mesmos idóneos para prova de deficiência fiscalmente relevante para efeitos de atribuição de benefícios fiscais para os mesmos anos, ou anteriores, quando a notificação se haja dado noutra altura, sob pena de cair no arbítrio e violação dos supra-referidos princípios.
Por conseguinte, o que a sentença recorrida questiona é “a diferenciação de tratamento para situações anteriores à abrangida pela informação vinculativa”, considerando-a “injustificadamente discriminatória, e, por isso, contrária aos princípios da igualdade e da justiça material, consagrados no art.° 5°/2 da LGT”.
E, na verdade, afigura-se que assiste razão ao Mmº Juiz “a quo”.
Como ficou consignado no Acórdão de 6/6/2012, “(…) a Fazenda Pública não invoca razões substantivas e objectivas bastantes para justificar a excepção, consignada no ponto 3 da dita informação, limitando-se a invocar que a mesma assenta numa “alegada impossibilidade de o sujeito passivo obter a partir de 21-01-2008 um atestado de incapacidade fiscalmente válido para o ano de 2002, emitido em conformidade com regras e critérios, decorrentes do Dec-Lei n° 202/96, de 23.10, na medida em que a nova Tabela de Incapacidades, aprovada pelo Dec-Lei n°352/2007, de 23.10 (entrada em vigor naquela data de 21-01-2008), permitindo, assim, à Administração Fiscal aceitar (sempre a título excepcional) os atestados emitidos em conformidade com o cit. D.L. n°352/2007 (e não da legislação vigente até 30-11-1996, como foi o caso do impugnante) e que certifiquem relativamente aos anos de 2004 a 2007 incapacidade fiscalmente relevante.
“Assim sendo, como bem se concluiu na sentença recorrida, que se a Administração Tributária entende “(…) que os atestados de incapacidade emitidos em data anterior à da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro, são idóneos para documentar deficiência fiscalmente relevante para efeitos de atribuição de benefícios fiscais, para os anos de 2004 a 2007, quando as notificações para a sua apresentação se tenham dado em 2008, necessariamente (por identidade de razão) que há-de considerar os mesmos idóneos para prova de deficiência fiscalmente relevante para efeitos de atribuição de benefícios fiscais para os mesmos anos, ou anteriores, quando a notificação se haja dado noutra altura, sob pena de cair no arbítrio e violação dos supra-referidos princípios””.
No mesmo sentido vai, no caso em apreço, o douto Parecer do Ministério Público.
Com efeito, embora reconhecendo que “o atestado emitido em 29.10.2007 não tem eficácia retroactiva produzindo efeitos apenas para o futuro”(…).”Não obstante, da aplicação do princípio constitucional da igualdade resulta a recusa tratamento diferenciado, apenas determinado pelo ano em que os documentos são apresentados pelos sujeitos passivos por inexistência de fundamento substantivo bastante, para atestados de incapacidade de natureza idêntica, emitidos antes do início da vigência do DL n° 202/96, 23 outubro, (art.13° nº 1 CRP; art.5° n°2 LGT; probatório n°6 informação vinculativa n°3)
No caso concreto a observância do princípio da justiça material (expressão no domínio da tributação do valor ético justiça) não permite recusar a eficácia probatória dos atestados de incapacidade apresentados pelo sujeitos passivo, se considerarmos que:
a) em 31.10.1996 apresentava um grau de incapacidade de 71.75%, segundo os critérios técnicos legais aplicáveis na data, com efeitos retroactivos anteriores ao ano 1995 (PA apenso, doc. fls. 24);
b) em 29.10.2007 apresentava um grau de incapacidade de 70% segundo os critérios técnico-legais resultantes da aplicação do DL n° 202/96, 23 outubro, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo DL n° 341/93, 30 setembro (PA apenso, doc.fls. 11);
c) nenhuma prova ou indício existe de que no período intermédio o grau de incapacidade do sujeito passivo tenha reduzido ou cessado”.
Em face do exposto, considera-se que é de confirmar a sentença recorrida, julgando improcedente o recurso, e, nessa sequência, mantendo a anulação da liquidação oficiosa de IRS impugnada, relativa aos anos de 2002, 2003 e 2004.


III - DECISÃO

Termos em que os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal acordam, em conferência, negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa, 6 de Março de 2013. – Fernanda Maçãs (relatora) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.