Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:046/10
Data do Acordão:06/16/2010
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:BRANDÃO DE PINHO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
FALTA DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS
DISPENSA DE AUDIÇÃO
Sumário:I - Em vista da concretização do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material – art. 13, n.º 1 e 113 do CPPT –, incumbe ao juiz a direcção do processo e a realização de todas as diligências que, num critério objectivo, considere úteis ao apuramento da verdade.
II - Controvertida, na lide impugnatória, a indispensabilidade dos custos, nos termos do art. 23 do CIRC, não se pode considerar dispensável a inquirição das testemunhas arroladas em vista da demonstração do aludido requisito.
Nº Convencional:JSTA00066487
Nº do Documento:SAP20100616046
Data de Entrada:01/27/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS.
Objecto:AC TCA SUL PROC2999/09 DE 2009/05/26 - AC STA PROC435/08 DE 2008/10/09.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CIRC88 ART23.
CPPTRIB99 ART113 ART114 ART115 N1 ART119.
CPC96 ART511 N1.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DO PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 5ED ANOTAÇÃO 4 AO ART14.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
A..., SA vem recorrer, por oposição de acórdãos, do aresto do TCAS, de 26-05-2009, que negou provimento aos que aquela interpusera, tanto da sentença como do despacho de fls. 219, a qual, por sua vez, julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IRC e juros compensatórios dos anos de 1997 a 1999.
A recorrente formulou as seguintes conclusões:

1. Para a relevância fiscal de um custo, porque indispensável, basta a verificação da afectação empresarial da operação (venda do activo), ainda que a mesma seja qualificada como insólita, anormal, arriscada ou ruinosa. O custo só não será indispensável caso se trate, afinal, de gasto não empresarial (embora inscrito nas contas da empresa), porque apenas beneficia um terceiro (por regra, um sócio ou gerente).
2. O art. 23.° do CIRC (interpretação do termos "indispensabilidade") não faz depender a aceitação fiscal do custo de acrescidas exigências, requisitos ou condicionalismos, como a análise das circunstâncias do negócio e do mercado - e recusando a dedução fiscal do custo real e efectivo, na alegada ausência de racionalidade económica, ou por se tratar de uma operação arriscada, incongruente ou anormal.
3. A menos valia com a venda das acções B... assumem-se como um custo fiscal indispensável: trata-se de uma operação empresarial real e efectiva (não se arguiu simulação [absoluta ou relativa]), em valores indisputáveis (não se aplicam métodos indirectos) e sem benefícios de terceiros (não se invoca um preço de transferência). Ocorreu um gasto empresarial, inserido numa operação económica não sucedida, com contornos económicos arriscados e inusuais (enorme menos valias, na suposição de valorização de terreno contíguo aos da recorrente, na posse da B...).
4. O Acórdão recorrido advoga uma errónea e inválida interpretação do art. 23.°, do CIRC e do requisito de "indispensabilidade" nele ínsito. As invalidades sistematizam-se em três tópicos: de cariz negativo; de pendor positivo; e de natureza dedutiva.
5. Cariz negativo: a Administração fiscal, na interpretação do conceito de indispensabilidade, não possui qualquer margem de discricionariedade para recusar a aceitação fiscal de um custo empresarial real e efectivo, com base num alegado critério de oportunidade ou sindicância da decisão concreta do empresário (ainda que se trate de um negócio ruinoso, arriscado ou inusual).
6. A interpretação válida do art. 23.° do CIRC tem de preservar a liberdade do empresário e proibir a sindicância de custos à luz de critérios administrativos de oportunidade e mérito. Isso só é conseguido, com a aceitação fiscal dos gastos empresariais reais e efectivos (verdadeiros custos económicos da empresa), embora inseridos em operações inusuais, ruinosas ou insólitas (o caso dos autos), sob pena de ilegítima interferência na liberdade de gestão do empresário e ilegal ingerência nas opções económicas do sujeito.
7. Pendor positivo: A menos valia dos autos é indispensável: i) constitui um custo real económico - contrapartida de um factor de produção da empresa (capital); ii) encontra-se expressamente inscrita no elenco exemplificativo do art. 23.° do CIRC (al. i)); iii) e a dedução fiscal não estava (à época) expressamente excluída ou limitada pela lei tributária (cfr. actualmente, o art. 42.°, n.º 3, do CIRC). O carácter insólito, arriscado ou ruinoso da operação é um dado totalmente irrelevante para a desconsideração fiscal da menos valia, porque se trata de um efectivo e incontestável gasto empresarial, em termos económicos e fiscais.
8. Aliás, só esta interpretação do art. 23.° do CIRC - e do conceito de indispensabilidade nele ínsito - se coaduna com os princípios gerais, com assento constitucional, que regem esta matéria (ínsitos no Estado de Direito Democrático inscrito no art. 2.° da CRP): a legalidade e a capacidade contributiva (e rendimento real) - art. 103.°, n.º 2 e 104.°, n.º 2, da CRP; a igualdade e proporcionalidade (e reciprocidade) - art. 13.° e 18.°, da CRP; e a liberdade de gestão, propriedade e iniciativa privada (art. 61.°, 62.° e 86.°, da CRP).
9. A norma constante do art. 23.° do CIRC, interpretada no sentido de que o custo é indispensável se além de inserido na actividade da empresa (afectação empresarial), tiver ainda em conta “as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da actividade económica”: é nessa interpretação, materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 2.°, 18.°, 61.°, 62.°, 86.°, 103.° e 104.°, n.º 2, da CRP.
10. Argumento dedutivo: se o custo é real e efectivo - como sucede no caso dos autos (ninguém invoca a existência de simulação absoluta ou relativa, ou a existência de um preço de transferência) - o contribuinte nada mais tem que provar acerca da alegada oportunidade ou razoabilidade da operação donde brotou a menos valia em causa.
11. O ónus da prova da indispensabilidade do custo do art. 23.° do CIRC não compete ao contribuinte, por 4 razões essenciais:
12. A exegese da lei: pela regra geral, o ónus da prova compete à Administração fiscal; e a lei fiscal não inverte (nem reparte) o ónus da prova nos casos de indispensabilidade dos custos, situação que nada tem que ver com a simulação ou com os métodos indirectos (situações em que a lei inverte o ónus da prova - cfr. art. 100.°, n.º 2 do CPPT, e art. 39.°, n.º 2 e 74.°, n.º 3, da LGT). ln casu, a menos valia é real e efectiva (sem simulação) e foi apurada por métodos directos. Donde, o ónus da prova da não indispensabilidade do custo compete em exclusivo à Administração fiscal (cfr. art. 100.°, n.º 1, do CPPT).
13. Na falta de lei habilitante, o poder judicial (e administrativo) não pode criar regras ad hoc sobre a repartição ou inversão do ónus da prova. A interferência judicial nos princípios que regem a prova viola a lei expressa, os princípios gerais do direito probatório e as garantias do contribuinte.
14. Argumento teleológico: a inversão (diversa repartição) do ónus da prova na simulação e tributação indirecta tem uma concludente motivação intrínseca (que justifica a expressa previsão legal) - não se pode premiar a conduta maliciosa do agente (duplica contabilidade, esconde elementos documentais).
15. Nada disto sucede, todavia, no caso sub judice (e nas situações de indispensabilidade dos custos). O contribuinte não simulou nem viciou a contabilidade. Nada escondeu. Não dificultou a inspecção. Informou abertamente a verdade factual. Indicou a venda, tal como aconteceu, com os respectivos elementos de suporte. Cumpriu os seus deveres de cooperação e informação, numa operação efectiva e quantitativamente incontestável. E, por conseguinte, no caso dos autos não se verificam os motivos teleológicos que justificariam a inversão ou diversa repartição do ónus da prova.
16. Quarto argumento: o contribuinte, no cumprimento de um dever de colaboração, tem apenas de indicar os motivos factuais da operação - o que foi por ele feito com toda a lisura, profundidade e prontidão.
17. Se acaso o ónus da prova impendesse sobre o contribuinte (o que se assume apenas em benefício da argumentação), o juiz não pode dispensar a inquirição de testemunhas arroladas pelo autor (quando a PI contém factos, apenas sujeitos a prova testemunhal, e com ligação directa com a prova e inversão do ónus) e, em consequência, decidir contra a sua pretensão, por entender que o processo já conteria toda a factualidade (provada e não provada) necessária à decisão do mérito da causa, sob pena de violação dos arts. 13.°, 114.°, 115.°, 118.°, 119.°, do CPPT e 74.°, da LGT).
18. Em abono desta posição - o juiz não pode dispensar a produção de prova testemunhal arrolada pelo contribuinte, nos casos em que sobre ele impender o ónus da prova - militam três argumentos: um literal, outro lógico e um último teleológico.
19. Argumento literal: de acordo com o art. 342.°, n.º 1, do Código Civil (e o art. 74,°, n.º 2, da LGT), quem invoca um direito tem de fazer a prova dos correspondentes factos subjacentes, por todas as formas ao seu alcance, inclusive a prova testemunhal. A recorrente, na mira da comprovação da indispensabilidade do custo invocou factos vários, a provar por depoimentos testemunhais, para elidir esse ónus da prova (e provar a razoabilidade e congruência da menos valia em causa). A inquirição das testemunhas (e imperatividade da sua audição) encontra-se, por isso, numa ligação directa - e necessária - com a matéria do ónus da prova.
20. Argumento lógico: O juiz não pode aquilatar da irrelevância dos depoimentos para a produção da prova (em concreto, quanto à racionalidade económica da operação), antes de ouvir as próprias testemunhas - em especial quando essa não audição desfavorece o próprio contribuinte (que requereu a prova), por não conseguir assim elidir o ónus da prova da indispensabilidade do custo.
21. Argumento teleológico: impõe-se a realização de todas as diligências de prova solicitadas pelo contribuinte (com a inquirição de testemunhas), em especial quando sobre ele recair o ónus da prova dos factos que invoca (art. 74.°, n.º 1, da LGT), sob pena de revestir uma dimensão violentadora do princípio do contraditório e das garantias do direito a uma tutela jurisdicional efectiva.
22. Existe uma aparente colisão de direitos entre, por um lado, a celeridade e economia processual (que legitimariam a dispensa da prova testemunhal) e, por outro lado, o contraditório e a tutela jurisdicional efectiva (que impeliriam à necessidade da inquirição de testemunhas). No caso dos autos, este último vector prevalece sobre o primeiro, por dois motivos:
23. A colisão de direitos é aparente, já que o valor da celeridade e da economia processual não é afectado com a realização da inquirição de testemunhas - diligência que demora um dia (umas poucas horas), e que não contribuiu minimamente para o atraso significativo da decisão.
24. Ainda que houvesse colisão de direitos, a verdade é que a justiça efectiva sempre prevaleceria, porquanto: Um princípio material (contraditório e acesso à justiça efectiva) supera uma regra formal (economia e celeridade processual), como emanação da prevalência da substância sobre a forma. Uma justiça célere mas não efectiva não é justiça, mas tirania; A ofensa no acesso à justiça (com a preterição do julgamento) é muito mais intensa do que a eventual ofensa à economia processual (com a realização do julgamento). Ali toca-se no núcleo essencial daquele direito, ao passo que aqui se interfere com uma dimensão acessória da celeridade processual (o julgamento atrasa o processo por um período não superior a 30 dias).
25. As normas constantes dos art. 74.°, da LGT e dos arts. ° 13.°, 114.°, 115.°, 118.°, 119.°, do CPPT, interpretadas no sentido da possibilidade na dispensa da inquirição de testemunhas arroladas pelo impugnante (quando a PI contém matéria de facto, a provar por testemunhas) nos casos em que o ónus da prova compete ao contribuinte, é nessa interpretação, materialmente inconstitucional, por violação dos princípios do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, previstos nos artigos 20.° (em especial n.º 5), 2.° e 268.° (em especial o n.º 4), todos da CRP.
Termos em que se requer o provimento do presente recurso, com a anulação do Acórdão recorrido, com todas as consequências legais

Não houve contra-alegações.
O Exmo. Magistrado do M.P. emitiu parecer no sentido de se considerar findo o recurso interposto da sentença, à míngua da referida oposição; e do provimento do recurso do referido despacho interlocutório, propugnando pelo asserto, no ponto, da tese do acórdão fundamento.
E, corridos os vistos legais, nada obsta à decisão.
Assim, quanto ao recurso do despacho de fls. 219:
O presente processo de impugnação foi instaurado antes de 2004 pelo que lhe é aplicável o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais de 1984. Nos termos das disposições combinadas das alíneas b) e b') do artigo 30 do ETAF, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 229/96, de 29 de Novembro, são pressupostos expressos do recurso para este Pleno – por oposição de julgados da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo e da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo – que se trate “do mesmo fundamento de direito”, que não tenha havido “alteração substancial na regulamentação jurídica” e se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos. O que naturalmente supõe a identidade de situações de facto já que, sem ela, não tem sentido a discussão dos referidos requisitos; por isso, ela não foi ali referida de modo expresso.
Para que exista oposição é, pois, necessária tanto uma identidade jurídica como factual.
Que, por natureza, se aferem pela análise do objecto das decisões em confronto: o citado acórdão recorrido, do TCAS, de 26 de Maio de 2009, rec. 02999/09 e o aresto fundamento, do STA, de 09 de Outubro de 2008, rec. 0435/08.
Ora, o acórdão recorrido considerou dispensável a inquirição das testemunhas arroladas, não obstante caber ao contribuinte o ónus da prova da indispensabilidade dos custos em causa, para a obtenção dos proveitos ou manutenção da força produtora.
Por sua vez, o aresto fundamento entendeu, no ponto, que, existente aquele ónus de prova, não se pode considerar dispensável a inquirição das testemunhas.
É, pois, manifesta a oposição, como, aliás o próprio tribunal a quo prestes reconheceu - fls. 467.
Pelo que há que conhecer de meritis:
Em sede factual, vem apurado que:

1. A impugnante foi sujeita a uma acção de inspecção, na sequência da Ordem de Serviço nº 46887 de 01.02.2000, relativa ao exercício de 1997, tendo sido efectuada uma correcção técnica ao lucro tributável declarado daquele exercício no valor de 229.816.000$00 (€1.146.317,38), conforme identificada no ponto III do relatório de inspecção, junto a fls. 52 a 61 dos presente autos, o que se dá por integralmente reproduzido.
2. Conforme resulta do relatório de inspecção, a referida correcção técnica deriva da não aceitação como custo fiscal de menos-valias, no valor referenciado no ponto antecedente, por se entender, invocando o artigo 23° do CIRC, não ser o mesmo indispensável para a realização dos ganhos e proveitos do exercício, invocando o seguinte:
"Em 1990, com escritura de venda efectuada em 1992, a empresa A´..., LDA adquire, por 270 000 contos, todo o capital soda/ da firma B..., LDA, que era de 1.740 contos, tendo sido entretanto a empresa transformada em sociedade anónima e o capital social aumentado para 5 000 contos correspondentes a 5 000 acções de valor nominal de 1000$00.
Em 1997/ decidiram alienar este activo financeiro por 39 968 contos (constando somente no Mapa 31 alienação de 4 996 acções) a uma empresa imobiliária denominada C..., SA/ não existindo relações directas entre ambas, mas indirectas por via de participações cruzadas, gerando, assim, uma menos-valia fiscal no montante de 229 816 contos, deduzida ao resultado tributável (positivo) apurado neste exercido.
(...)
Desta análise observou-se que do valor de aquisição inicial no montante de 270 000 contos, 200 000 contos estão registados na contabilidade no Diário de Caixa como pagamentos efectuados em numerário.
A actividade exercida pela firma A´..., Lda, está relacionada exclusivamente com a transformação / venda de ferro, pelo que suporta custos e obtém proveitos correlacionados com esta actividade.
A análise desta transacção, tal interesse não se vislumbra, dado que foram adquiridas por 54 000$00, valor exageradamente elevado, acções que estavam valorizadas a 1 000$00, de uma empresa tecnicamente falida, uma vez que o seu património à data da aquisição era praticamente nulo, com a justificação de que " ... era de extrema importância económica concentrar propriedade com dimensão para propor um projecto de urbanização às entidades competentes", o que não se compreende uma vez que os terrenos onde a firma B..., Lda, exerce a sua actividade são arrendados e nunca houve a intenção segundo a proprietária dos mesmos, de proceder à sua venda e a possibilidade de as entidades competentes autorizarem a implementação de qualquer urbanização,
(...)
Como conclusão de tudo o que antes se explanou é nossa convicção de que estas menos-valia obtida na transmissão onerosa das acções da firma B´..., SA, (adquiridas por um valor de 54 000$00, quando o seu valor nominal era de 1 000$00) não pode ser considerada como uma perda tida como indispensável para a manutenção da fonte produtora e ser, assim, aceite como dedutível para efeitos fiscais, à luz do disposto no art. 23° do C/RC, devido à evidente ausência de racionalidade económica desta operação."
3. Posteriormente, a impugnante foi sujeita a uma outra acção de inspecção, relativa aos exercícios de 1998 e 1999, na qual, se considerou que, derivado da correcção efectuada ao exercício de 1997, foi alterado o resultado fiscal declarado, pelo que os prejuízos existentes até este ano foram absorvidos por esta correcção, pelo que os reportes efectuados para os exercícios de 1998 e 1999 deixaram de ter razão de existir, remetendo para a demonstração do quadro de fls. 48 dos autos - cfr. no ponto III do relatório de inspecção, junto a fls. 44 a 49 dos presente autos, o que se dá por integralmente reproduzido.
4. Conclui, então, a Administração Fiscal, que a dedução dos prejuízos, por parte do contribuinte, nos exercícios de 1998 e 1999 foi indevida, por inexistente, pelo que a matéria colectável declarada será corrigida, passando, relativamente ao exercício de 1998, de uma matéria colectável declarada nula para uma matéria colectável corrigida de 120.345.301$00 (€ 600.279,83) e, relativamente ao exercício de 1999, de uma matéria colectável declarada de 50.578.836$00 (€ 252.286,17) para uma matéria colectável corrigida de 108.403.908$00 (€ 540.716,41).
5. Em consequência da correcção supra identificada, foram emitidas as liquidações de IRC, com os n.ºs 8310005961, 8310006943 e 8310006830, relativas aos exercícios de 1997, 1998 e 1999, no valor, respectivamente, de € 123.057,81 (24.670.875100), € 254.083,91 (50.539.251$00) e € 114.513,75 (22.957.946$00), cuja data limite de pagamento foi fixada em 06.08.2001, relativamente à primeira daquelas liquidações e em 13.08.2001, relativamente às duas restantes (cfr. cópia das referidas liquidações, junta a fls. 28 a 30 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
6. Conforme certidão da ora impugnante, junta a fls. 83 a 89 dos autos, esta tem por objecto social a “Venda de ferro em barra e à exploração de todos os ramos da indústria metalúrgica".
7. Conforme certidão da firma B´..., S.A., junta a fls. 198 a 205 dos autos, esta tem por objecto social o "Comércio e Indústria de Madeiras e de Materiais de Construção".
8. Pelo contrato de compra e venda de acções, cuja cópia consta a fls. 215 e 216 dos autos, os representantes da sociedade B´..., S.A declararam vender à ora impugnante e esta declarou comprar, por 270.000.000$00, todo o capital social da primeira outorgante.
9. Pelo contrato de compra e venda de acções, cuja cópia consta a fls. 174 dos autos, a ora impugnante declarou vender à sociedade C..., SA, por 39.968.000$00, 4996 acções, representativas do capital social da sociedade B´..., S.A.
10. Em 05.11.2001, conforme carimbo aposto a fls. 1, a impugnante deduziu a presente impugnação.
*
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.
*
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos.

Vejamos, pois:
Nos termos do art. 113, 2ª parte, do CPPT, o juiz pode conhecer “logo o pedido, se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários”, devendo, caso contrário, ordenar as diligências de prova necessárias – art. 114 -, nomeadamente a testemunhal – art. 115, n.º 1 e 119, todos do CPPT.
E, como resulta do probatório, a AF, em acção de inspecção efectuada à impugnante, não aceitou como custo relevante as ditas menos-valias, dado que, relacionando-se a actividade daquela exclusivamente com a transformação / venda de ferro e consequentemente suportando custos e obtendo proveitos relacionados com tal actividade, não se vislumbra tal interesse na transacção em causa, e vista a evidente ausência de racionalidade económica da operação, “dado que foram adquiridas por 54 000$00, valor exageradamente elevado, acções que estavam valorizadas a 1 000$00, de uma empresa tecnicamente falida, uma vez que o seu património à data da aquisição era praticamente nulo, com a justificação de que "... era de extrema importância económica concentrar propriedade com dimensão para propor um projecto de urbanização às entidades competentes", o que não se compreende uma vez que os terrenos onde a firma B..., Lda, exerce a sua actividade são arrendados e nunca houve a intenção segundo a proprietária dos mesmos, de proceder à sua venda e a possibilidade de as entidades competentes autorizarem a implementação de qualquer urbanização”.
A A.F. colocou, assim, em causa a indispensabilidade dos custos, preconizada no art. 23 do CIRC: “Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora….”.
Por seu lado, a impugnante arrolou testemunhas pretendendo fazer a prova de factos – alegados na petição – e referentes à racionalidade económica da operação.
Ora, parece patente a necessidade de inquirição das testemunhas, em vista da afirmação (ou não) daquela indispensabilidade e, em suma, da descoberta da verdade, para o que a lei concede ao juiz poderes de direcção do processo e de investigação – princípio do inquisitório – art. 13, n.º 1 do CPPT.
Cfr. Jorge de Sousa, Anotado e Comentado, 5ª Edição, anotação 4ª ao art. 114.
E note-se que tal necessidade não depende sequer da questão de saber a quem cumpre o ónus de prova de tal indispensabilidade (sendo que, todavia, como se disse, o aresto recorrido o imputou à contribuinte).
Na verdade, se esta tese é correcta, parece óbvio que não pode deixar de admitir-se-lhe a prova dos factos constitutivos do seu direito, como se afirma no acórdão fundamento, “sob pena de revestir uma dimensão violentadora dos princípios do contraditório e das garantias do direito a uma tutela jurisdicional efectiva”.
Mas, também e igualmente, se se entender que o ónus de prova incumbe à Fazenda, como pretende a recorrente.
Pois então, é ainda, sem dúvida incontroverso, o seu interesse em contradizer – mostrando a indispensabilidade do custo –, através de contraprova ou, até, da prova do contrário, com relação aos factos alegados pelo Fisco.
E sempre sem esquecer as ilações – de facto – que deles o tribunal pode tirar em termos de livre apreciação da prova produzida.
Por outro lado, a selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa terá de ser efectuada, “segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida” – art. 511, n.º 1 do CPC – e sobre aquela consequentemente há-de recair a prova testemunhal arrolada.
Ora, entendendo o acórdão recorrido que, para afirmação do requisito da indispensabilidade, não basta a afectação empresarial do custo – pois que há ainda que ter em conta “as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da actividade económica – e que o abuso de dedutibilidade se estende também aos custos empresariais efectivos mas arriscados, anormais, imprudentes ou ruinosos – perspectiva em que entendeu dispensável a inquirição das testemunhas –, a verdade é que é igualmente plausível – logo porque assente no acórdão fundamento -, a solução contrária no sentido de que o custo é fiscalmente aceite se tiver uma afectação empresarial e que o abuso de dedutibilidade se cinge aos custos não empresariais.
Ora, tanto uma como outra das soluções, porque ambas plausíveis demandam a produção da prova testemunhal e até mais a primeira.
Não pode pois pretender-se que a inquirição em causa não constitua contributo relevante para a descoberta da verdade.
Em suma: o despacho em causa não pode manter-se.
Ficando assim prejudicada a análise do recurso interposto da sentença.
Termos em que se acorda:
1) Conceder provimento ao recurso no que tange ao despacho interlocutório de fls. 219, que se revoga para inquirição das testemunhas arroladas e posterior tramitação legal dos autos.
2) Anular, em consequência, todo o processado posterior ao mesmo despacho.
3) Considerar assim prejudicado o conhecimento do recurso interposto do acórdão do TCAS.
Sem custas.
Lisboa, 16 de Junho de 2010. – Domingos Brandão de Pinho (relator) – Alfredo Aníbal Bravo Coelho Madureira – Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa – José António Valente Torrão – António José Martins Miranda de Pacheco – Dulce Manuel da Conceição Neto – Joaquim Casimiro Gonçalves – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Vasconcelos Pimenta do Vale.