Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0959/17
Data do Acordão:09/28/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:REVISTA
ACIDENTE DE TRABALHO
JUNTA MÉDICA
CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
PRAZO
Sumário: Não é de admitir a revista quando o TAF e o TCA demonstraram, em consonância, que a questão do prazo para se requerer junta médica da CGA com vista ao reexame da sua situação clínica está esclarecida e estabilizada na jurisprudência deste Supremo Tribunal, sendo que o Acórdão recorrido seguiu a orientação nela apontada.
Nº Convencional:JSTA000P22306
Nº do Documento:SA1201709280959
Data de Entrada:08/24/2017
Recorrente:A...
Recorrido 1:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A……………… intentou, no TAF de Almada, contra a Caixa Geral de Aposentações, I.P., acção pedindo a anulação do despacho de 24/03/2016, que indeferiu o seu pedido para submissão a junta médica com vista à atribuição de grau de incapacidade decorrente do acidente em serviço ocorrido em 23/01/1998, bem como a condenação da entidade demandada a deferir o referido pedido.
O TAF, por sentença de 17/02/2017, julgou a acção improcedente.
Recorreu para o TCA Sul e este, por Acórdão de 22/06/2017, negou provimento ao recurso.
É desse Acórdão que o Autor vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II.MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III.O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O TAF julgou improcedente o pedido formulado nesta acção com a seguinte fundamentação:
À data em que ocorreu o acidente serviço em causa nos autos, encontrava-se em vigor o Decreto-lei n° 38523, de 23/11/51, cujo artigo 20.° estabelecia o seguinte: ….
O referido diploma legal não estabelecia qualquer prazo para o sinistrado requerer a sua submissão a junta médica da Caixa Geral de Aposentações em caso de agravamento, recidiva ou recaída da lesão sofrida em consequência de acidente em serviço, o que significa que aquele, independentemente de ter sido considerado curado sem desvalorização ou de lhe ter sido fixado um grau de incapacidade, podia, a todo o tempo, solicitar a sua submissão à referida junta para efeitos de atribuição de um grau de incapacidade.
O Decreto-lei n.° 38523, de 23/11/51, foi revogado pelo Decreto-lei n°503/99, de 20/11, que entrou em vigor no dia 01/05/2000 - dia 1 do 6.° mês seguinte à data da sua publicação [58°].

Atento o disposto na norma citada, conclui-se que o regime constante do DL n° 503/99, de 20/11, é aplicável à situação do autor, na medida em que este pretende que lhe seja fixado um grau de incapacidade decorrente de acidente em serviço, ocorrido em 23/01/1998, do qual foi considerado curado sem desvalorização, cabendo, assim, a sua situação na alínea c) do n° 1 daquela norma.
Com efeito, tendo sido considerado que o autor se encontrava curado sem desvalorização do acidente ocorrido em 23/01/1998, as lesões que, segundo alega, agora apresenta podem constituir uma recidiva - lesão ou doença ocorridas após a alta relativa a acidente em serviço em relação às quais seja estabelecido nexo de causalidade com o mesmo - ou uma recaída - lesão ou doença que, estando aparentemente curadas, reaparecem.
Ora, nos termos do artigo 24.° do Decreto-lei n°503199, de 20/11, “1. No caso de o trabalhador se considerar em situação de recidiva, agravamento ou recaída, ocorrida no prazo de 10 anos contado da alta, deve apresentar à entidade empregadora requerimento de submissão à junta médica referida no artigo 21.º, fundamentado em parecer médico. 2. O reconhecimento da recidiva, agravamento ou recaída pela junta médica determina a reabertura do processo, que seguirá, com as necessárias adaptações, os trâmites previstos para o acidente e confere ao trabalhador o direito à reparação prevista no artigo 4.°”.
A norma citada veio estabelecer, pela primeira vez, um prazo para o sinistrado requerer a sua submissão a junta médica em caso de recidiva, agravamento ou recaída, fixando-o em 10 anos contado da data da alta.
A questão que se coloca, relativamente a acidentes ocorridos antes da entrada em vigor do Decreto-lei n°503/99, de 20/11, é a de saber se o referido prazo de 10 anos se conta desde a data da alta ou da fixação da incapacidade ou desde a data da entrada em vigor daquele diploma legal, sendo que o STA tem decidido, de forma uniforme, que tal prazo se conta desde a data da entrada em vigor do já referido Decreto-lei n.°503/99, de 20 de Novembro.
…..
Acompanhando a jurisprudência citada, concluímos que o prazo de 10 anos, consagrado no artigo 24.° do Decreto-lei n°503/99, de 20/11, se conta a partir da data de entrada em vigor deste diploma, o que significa que tal prazo teve início em 01/05/2000 e terminou no dia 01/05/2010.
E considerando que o autor requereu a sua submissão a junta médica da Caixa Geral de Aposentações, relativamente ao acidente ocorrido em 23/01/1998, após 01/05/2010, impõe-se concluir que tal pedido foi apresentado após o termo do prazo legal para o efeito, previsto no artigo 24.° do Decreto-lei n°503/99, de 20 de Novembro.
……
Por outro lado, a circunstância de a junta médica da ADSE ter determinado que o autor fosse submetido a junta médica da Caixa Geral de Aposentações não tem o alcance que aquele lhe confere, desde logo, não permite que tal junta se realize relativamente ao acidente ocorrido em 23/01/1998 quando o prazo de 10 anos previsto no art.º 24.° do DL n°503/99, de 20/11, já terminou.
…..
Pelo exposto, concluímos que não assiste ao autor o direito a ser submetido a junta médica da Caixa Geral de Aposentações para efeito de atribuição de grau de incapacidade decorrente do acidente em serviço ocorrido em 23/01/1998, ….”

O Autor apelou para o TCA Sul e este negou provimento ao recurso.
Desde logo, porque a sentença não estava ferida das invocadas nulidades e isto porque “a factualidade considerada relevante para a decisão foi fixada na sentença a quo, tal como estatui o artigo 94°, n° 2 do CPTA, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n° 214-G/2015, de 2/10, sendo que o despacho saneador proferido a fls. 77, ao contrário do que afirma o Recorrente, não integra aquela, nem fixou a matéria de facto assente.
Na verdade, a referência aos factos provados, no despacho saneador, foi efectuada no âmbito do indeferimento do requerimento de prova apresentado pelo Autor, não constando daquele qualquer selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa.
Nesta medida, não se verifica a contradição invocada pelo Recorrente, nem se esgotou o poder jurisdicional do Tribunal a quo quanto à matéria de facto por força do despacho saneador proferido nos autos, sendo certo que … é na sentença que é fixada a matéria de facto e não no despacho saneador.
Acresce que a contradição que constitui causa de nulidade da sentença é a contradição existente entre os seus fundamentos e a respectiva decisão e não a contradição entre a sentença e o despacho saneador. Neste último caso, estaremos, eventualmente, perante um erro de julgamento mas não seguramente perante um caso de nulidade da sentença.
Por último, importa referir que a circunstância de não terem sido considerados provados todos os factos alegados pelo Autor, nos termos em que foram concretamente alegados na petição inicial, não constitui uma nulidade da sentença por omissão de pronúncia, reconduzindo-se, eventualmente, a erro de julgamento.”
Depois, e no tocante ao mérito do recurso considerou:
“ …Tal diploma legal não estipulava prazo para ser requerida, pelo sinistrado, a Junta Médica, em caso de agravamento, recidiva ou recaída da lesão sofrida em consequência do acidente, podendo fazê-lo a todo o tempo.
Entretanto, o mesmo diploma veio a ser revogado pelo Decreto-Lei n° 503/99, de 20 de Novembro, que entrou em vigor em 1 de Maio de 2000 (cfr. art. 58°).

O regime constante do Decreto-Lei n° 503/99 é aplicável à situação em apreço, pois que o A. pretende que lhe seja fixado um grau de incapacidade decorrente do acidente em serviço ocorrido em 23 de Janeiro de 1998, do qual foi considerado curado sem desvalorização, cabendo, destarte, a sua situação na previsão da al. c) do n° 1 da norma transcrita.
….
O STA em Acórdão proferido em 14 de Abril de 2010, no âmbito do Recurso n° 1232/09, decidiu que tal prazo (do referido artigo 24.°) se conta desde a data da entrada em vigor do referido Decreto-Lei n° 503/99. Em sentido idêntico decidiu o Acórdão do mesmo Tribunal de 19/12/2012, in Proc. n° 0920/12 (a sentença recorrida fez transcrição do texto do primeiro Acórdão citado, pelo que nos abstemos de proceder a nova transcrição).
Fazendo jus à jurisprudência citada, é forçoso reconhecer que tal prazo para o A. requerer a junta médica (do artigo 24°) teve início em 1 de Maio de 2000 e terminou no dia 1 de Maio de 2010.
Acresce dizer que o pedido de Junta Medica por parte da ADSE supra referido não tem o efeito de interromper ou suspender este prazo, pois que se fundamentou na obrigatoriedade contida no artigo 20.°, n° 5 do mesmo Decreto-Lei n° 503/99, não tendo em nenhuma das deliberações em causa sido feita referência ao primeiro acidente, ocorrido em 23 de Janeiro de 1998.
Por último, quanto à invocada inconstitucionalidade do artigo 24.° do Decreto-Lei n° 503/99, de 20 de Novembro, por violação do direito à justa reparação pelo acidente em serviço, consagrado no artigo 59°, n° 1 da CRP, cumpre referir que o Tribunal Constitucional se pronunciou no sentido da constitucionalidade daquela norma em Acórdão proferido em 29 de Junho de 2010, in Proc. n° 271/10, a cuja argumentação aderimos.
….
Acompanhando a jurisprudência citada que apreciou situação em tudo idêntica à dos presentes autos …. concluímos, tal como foi decidido na sentença recorrida, que não assiste ao ora Recorrente o direito a ser submetido a junta médica da CGA para efeito de atribuição de grau de incapacidade decorrente do acidente em serviço ocorrido em 23 de Janeiro de 1998, uma vez que à data em que requereu a realização da junta já havia terminado o prazo de 10 anos previsto no artigo 24.° do Decreto-Lei n°503/99.
Termos em que, improcedendo na íntegra as conclusões da alegação do Recorrente, é de negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar a sentença recorrida, com a consequente improcedência da acção.

3. As questões fundamentais que o Recorrente quer ver reanalisadas são, no que toca à alegada nulidade da sentença do TAF, a de saber se “O artigo 613.º, n.º 1, do CPC … permite que o Tribunal, após prolação do despacho em que considera relevantes e provados determinados factos alegados pelo Autor, profira sentença da qual tal factualidade não conste da matéria dada como provada” e se “no caso em que a sentença omite factos essenciais invocados pelo Autor para a decisão da pretensão por si deduzida, não se encontra o TCA, obrigado a anular oficiosamente a sentença para alteração da matéria de facto.” (vd. conclusões 8 e 9 do recurso) e, por outro lado, a de saber se o Acórdão recorrido fez correcto julgamento no tocante ao mérito.

4.1. O Acórdão sob censura disse o que devia ser dito no que se refere à fixação da matéria de facto afirmando que esse julgamento foi feito, como tinha de ser, na sentença e que as considerações produzidas no despacho saneador acerca da produção de prova - no âmbito do indeferimento do requerimento de prova apresentado pelo Autor, onde não se fez qualquer selecção dos factos relevantes para a decisão da causa - não constituíam qualquer julgamento da matéria de facto.
Deste modo, tudo indicando que o Acórdão decidiu bem a questão relacionada com o julgamento da matéria de facto nada justifica a admissão da revista para que a mesma possa ser reanalisada.

4.2. No tocante ao mérito, o TAF e o TCA demonstraram que a questão do prazo para se requerer junta médica da CGA com vista ao reexame da sua situação clínica está esclarecida e estabilizada na jurisprudência deste Supremo, sendo que o Acórdão recorrido seguiu a orientação nela apontada. Daí que essa problemática tenha perdido relevo não podendo ser já considerada de importância fundamental para o efeito da admissão da revista.
Por outro lado, a problemática relacionada com a inconstitucionalidade das normas legais aqui em causa também não justifica a admissão do recurso na medida em que, como vem sendo dito por esta Formação, a apreciação dessa questão é da competência do Tribunal Constitucional, a quem cabe sempre a última palavra nessa matéria. Nesta conformidade, tendo o Recorrente acesso a esse Tribunal sem necessidade da prévia interposição de recurso de revista a admissão deste é desnecessária para esse efeito.
Não estão, assim, preenchidos os requisitos indispensáveis ao deferimento da pretensão do Recorrente.

DECISÃO.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 28 de Setembro de 2017. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.