Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0276/14
Data do Acordão:03/11/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:ANULAÇÃO
DELIBERAÇÃO
REPOSIÇÃO DE QUANTIAS
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
Sumário:Com a anulação da deliberação que ordenou a reposição de quantias respeitantes a ajudas comunitárias e que serve de fundamento ao título executivo, a execução deixa de ter título, título que possa ser dado à execução, o que determina, de forma automática, a extinção da execução, cfr. artigo 270º do CPPT.
Nº Convencional:JSTA000P18689
Nº do Documento:SA2201503110276
Data de Entrada:03/03/2014
Recorrente:A............ S.A.
Recorrido 1:IFAP - INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

A…………., SA., melhor identificada nos autos, recorre da sentença proferida pelo TAF de Viseu que julgou improcedente a oposição à execução fiscal nº 2704200801014471, contra si instaurada por dívida ao Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IFAP, IP, no montante de € 20.917,79, referente a reposição de quantia recebida a título de subsídio atribuído no âmbito de restituições à exportação de vinho realizada na campanha de 1999.

Terminou as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
A. O presente recurso vem interposto da sentença preferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a oposição à execução fiscal n.º 2704200801014471, em particular, porque aplicou o prazo geral ordinário de prescrição de vinte anos ao procedimento para reposição de quantias relativas a restituições às exportações de vinho realizadas na campanha de 1999, recebidas alegadamente de forma indevida.
B. A aplicação do prazo ordinário de prescrição de vinte anos ao domínio da reposição de restituições à exportação de vinho da campanha de 1999 é contrária à legislação comunitária com aplicação directa no ordenamento português e, bem assim, aos princípios da segurança jurídica, da não discriminação dos litígios comunitários relativamente aos litígios nacionais e da proporcionalidade, subjacentes tanto ao ordenamento jurídico interno, como ao ordenamento jurídico comunitário.
C. Ao adoptar o Regulamento n.º 2988/95 e, em particular, o seu artigo 3.º, n.º 1, o legislador comunitário pretendeu instituir uma regra geral de prescrição aplicável nessa matéria mediante a qual renunciou, voluntariamente, à possibilidade de recuperar somas indevidamente recebidas do orçamento comunitário após o decurso do período de quatro anos, período durante o qual as autoridades dos Estados-Membros, actuando em nome e por causa do orçamento comunitário, deveriam recuperar (ou deveriam ter recuperado) essas vantagens indevidamente obtidas.
D) No caso dos presentes autos, estamos perante uma alegada irregularidade cometida pela A………… aquando das exportações no ano de 1999 (decorrente da não apresentação dos «registos das operações de loteamento e de aumento do título alcoométrico do vinho exportado, cf. procedimento administrativo) que, lesando o orçamento do FEOGA-Garantia, determinou a reposição da quantia recebida a título de restituições à exportação de vinho nessa campanha, ou seja, estamos perante uma situação subsumível ao campo de aplicação do mencionado Regulamento nº 2988/95 e respectivo prazo de prescrição do procedimento de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade.
E) O Tribunal de Justiça da União Europeia, chamado a pronunciar-se pelas instâncias jurisprudenciais dos diferentes Estados-Membros, tem plasmado o entendimento de que tal prazo de prescrição de quatro anos para o procedimento decorrente da prática de qualquer irregularidade que ponha em causa os interesses financeiros das Comunidades Europeias se aplica às medidas administrativas de recuperação de uma restituição à exportação, como a dos presentes autos - cf. Ac. da 2ª Secção do TJUE, de 29.01.2009 Josef Vosding Schlacht.
F) Considerando que: (i) os Regulamentos comunitários têm aplicação directa no ordenamento jurídico interno - cf. artigo 8º, nº 4, da CRP e artigo 189º do Tratado CE; (ii) que o TJUE aplica, sem margem para dúvidas, o prazo prescricional previsto no artigo 3º, nº 1, do Regulamento 2988/95, às medidas administrativas que visam a recuperação de uma restituição à exportação; (iii) e que inexiste, no ordenamento jurídico interno, qualquer disposição especial que, ao abrigo da possibilidade estabelecida no nº 3 do artigo 3º do mesmo Regulamento, preveja um prazo específico para a prescrição aplicável a um domínio como o do reembolso das restituições à exportação indevidamente recebidas em prejuízo de fundos comunitários, não pode senão concluir-se que o prazo de prescrição previsto no mencionado Regulamento deverá ter aplicação ao caso dos autos.
G) Depois da entrada em vigor no ordenamento jurídico português da regra de prescrição geral e de efeito directo prevista no artigo 3º, nº 1, do Regulamento nº 2988/95 - que supriu a falta de uma regra específica nessa matéria no ordenamento português -, não poderia continuar a ser aplicada na actuação contra qualquer irregularidade na acepção do referido Regulamento e na falta de uma disposição legislativa nacional que obrigasse a proceder internamente assim, uma regra de prescrição geral do Código Civil.
H) Considerando que o Regulamento nº 2988/95 entrou em vigor em 26.12.1995 (cf. artigo 11º do mencionado Regulamento), e que as irregularidades que determinam a reposição ocorreram nas exportações realizadas no ulterior ano de 1999 - em concreto em 23/11/1999 - (cf. procedimento administrativo junto aos autos e ponto 1 dos factos considerados provados pelo Tribunal a quo) o prazo prescricional de quatro anos terminou em 23/11/2003, enquanto que a decisão administrativa de reposição da quantia em questão nos autos foi proferida somente a 20/11/2006 (cf. ponto 2 dos factos provados e data da decisão constante do procedimento administrativo junto aos autos), razão pela qual se encontrava já transcorrido - há muito - o respectivo prazo prescricional, o que não podia senão ser declarado nos presentes autos, e ora se requer a este Venerando Tribunal.
I) Ainda que se admitisse que esse prazo ordinário de prescrição de vinte anos correspondia ao prazo de prescrição estabelecido pelo legislador português ao abrigo da possibilidade prevista no nº 3 do artigo 3º do Regulamento nº 2988/95 - no que não se concede e apenas se admite como mera hipótese de raciocínio - sempre este prazo seria atentatório do princípio da segurança jurídica, da proporcionalidade e da não discriminação dos litígios comunitários relativamente aos litígios nacionais, que vigoram e subjazem tanto ao ordenamento jurídico interno, como ao ordenamento comunitário.
J) O princípio da segurança jurídica exige, no contexto de uma actuação contra uma irregularidade lesiva dos interesses financeiros da União Europeia e que dê origem a uma medida administrativa de determinar o reembolso, pelo operador, das restituições à exportação indevidamente recebidas, que a situação desse operador não seja indefinidamente susceptível de ser posta em causa e que, consequentemente, seja aplicado um prazo de prescrição à possibilidade de actuação contra essa irregularidade.
K) Para cumprir a sua função de garantir a segurança jurídica, esse prazo aplicado deve ser conhecido antecipadamente ou, pelo menos, deve ser suficientemente previsível para o destinatário - cf. Ac. da 4ª Secção do TJUE, de 5.05.2011, junto como doc. 1.
L) A prática jurisprudencial em Portugal - que tem vindo a aplicar à reposição de restituições à exportação similares às dos presentes autos o prazo geral de prescrição de vinte anos (e não o prazo de prescrição de cinco anos previsto internamente para a reposição de dinheiros públicos, constante do DL nº 155/92) - não é anterior ao ano da prática da irregularidade aqui em causa, desconhecendo-se, com efeito, qualquer Acórdão deste Venerando Tribunal nesse sentido proferido na década de 90.
M) A prática de aplicar à reposição de restituições à exportação não o prazo específico de reposição de dinheiros públicos previsto no artigo 40º do DL nº 155/92 - como era em larga medida expectável e como era prática relativamente à atribuição de outros subsídios públicos não exclusivamente comunitários -, mas o prazo geral de prescrição previsto no CC, viola o princípio da segurança jurídica, pelo menos em relação às condutas que, como a dos presentes autos, são anteriores ao primeiro dos Acórdãos internos que plasmou tal entendimento (cf., por exemplo, Acórdãos citados na sentença de que se recorre), razão pela qual tal prática e aplicação não poderiam vigorar no ordenamento interno nos moldes explicados.
De todo o modo,
N) Ainda que não se entenda que a prática de aplicar o prazo geral de prescrição previsto no direito civil comum é atentatória da segurança jurídica, nos moldes que se deixou dito, sempre a aplicação de tal prazo de vinte anos ofende o princípio da proporcionalidade, subjacente aos ordenamentos jurídicos português e comunitário e discrimina flagrantemente os litígios comunitários dos litígios nacionais nesta matéria.
O) Mediante a adopção do artigo 3º, nº 1, do Regulamento 2988/95 (e sem prejuízo do nº 3 desse artigo), o legislador comunitário entendeu reduzir voluntariamente para quatro anos o período durante o qual as autoridades dos Estados-Membros, actuando em nome e por conta do orçamento comunitário, deveriam recuperar ou deveriam ter recuperado as vantagens indevidamente obtidas pelos operadores nacionais de cada Estado, consagrando, inclusivamente, que esse prazo poderá igualmente ser reduzido pelas legislações internas dos Estados-Membros para três anos - cf. artigo 3º, nº 1, in fine, do mencionado Regulamento.
P) Relativamente aos dinheiros que são seus e por si geridos, a União Europeia entendeu consolidar na ordem jurídica as irregularidades cometidas pelos operadores económicos por força da consagração de um prazo de prescrição de quatro anos, com possibilidade, inclusivamente, de ser reduzidos para três anos.
Q) A percepção nos diferentes Estados-Membros do período de tempo necessário e suficiente para uma administração diligente actuar contra irregularidades cometidas pelos seus agentes económicos em prejuízo dos orçamentos comunitários ou mesmo nacionais é diferente.
R) O legislador português, sopesando as características da nossa administração pública e a tradição jurídica interna, considerou precisamente que o prazo que era razoável para que a sua administração actuasse contra irregularidades cometidas pelos seus nacionais em prejuízo do orçamento nacional era o prazo de cinco anos - cf. artigo 40º, nº 1, do Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Julho.
S) Para restituição dos dinheiros públicos que saíram dos cofres do Estado Português, o legislador nacional tem por necessário apenas um prazo de cinco anos para a administração actuar, e vem admitir-se que, para a restituição de dinheiros públicos comunitários em questão, se aplique internamente um prazo geral de prescrição de vinte anos, sem consagração legislativa expressa nesse sentido, quando a própria União Europeia, “titular” desse alegado crédito a repor, considera que quatro (ou mesmo três anos) se mostram adequados para a prescrição de tais dívidas.
T) As regras previstas pelo direito nacional relativamente à recuperação de auxílios comunitários indevidos não podem consagrar um regime que venha a ser discriminatório relativamente aos processos destinados a solucionar litígios nacionais do mesmo tipo (v., neste sentido, acórdãos de 21 de Setembro de 1983, Deutsche Milchkontor e nº 205/82 a 215/82, Recueil, p. 2633, nº 19, de 12 de Maio de 1998, Steff-Houlberg Export e nº C-366/95, Colect., p. I-2661, nº 15, de 16 de Julho de 1998, Oelmühle e Schmidt Söhne, C-298/96, Colect., p. I-4767, nº 24, ou de 19 de Setembro de 2002, Huber, C-336/00, Colect., p. I-7699, nº 55).
U) Ao consagrar-se um prazo de cinco anos para a administração nacional actuar e recuperar dinheiros públicos nacionais indevidamente recebidos e, simultaneamente, ao determinar-se (ainda que por via de prática jurisprudencial), um prazo de vinte anos para essa mesma administração actuar e recuperar dinheiros públicos comunitários indevidamente recebidos consagra-se um regime discriminatório relativamente aos processos destinados a solucionar litígios nacionais e comunitários do mesmo tipo.
V) A prática de aplicar o prazo geral de prescrição de vinte anos à reposição de restituições à exportação - consagrada pela sentença ora posta em crise - viola o mencionado princípio da não discriminação dos processos internos destinados a solucionar litígios nacionais e comunitários do mesmo tipo, não podendo, em consequência ser mantida.
Por outro lado,
W) «Um prazo nacional de prescrição “mais longo”, na acepção do artigo 3º, nº 3, do Regulamento 2988/95, não deve, nomeadamente, ir manifestamente além do necessário para atingir o objectivo de protecção dos interesses financeiros da União» - cf. parágrafo 38 do doc. 1.
X) À luz do objectivo de protecção dos interesses financeiros da União, para o qual o legislador da União entendeu que um prazo de prescrição de quatro anos (ou mesmo de três) era suficiente para permitir às autoridades nacionais a actuação contra uma irregularidade lesiva desses interesses financeiros e que pode levar à adopção de uma medida como a recuperação de um benefício indevidamente recebido, afigura-se que dar a essas autoridades um prazo de vinte anos vai para além do necessário a uma administração diligente. - cf. parágrafo 43 do doc. 1.
Y) A administração portuguesa tem um dever geral de diligência na verificação da regularidade dos pagamentos que efectua e que pesam no orçamento da União, uma vez que os Estados-Membros devem respeitar o dever de diligência geral do artigo 4º, nº 3, da EU, que implica que devem tomar as medidas destinadas a remediar as irregularidades com prontidão.
Z) Admitir a possibilidade de os Estados-Membros concederem à sua administração um período para agir tão longo como o que é proporcionado por uma regra de prescrição de vinte anos poderia, de certa forma, encorajar a inércia das autoridades nacionais no combate às irregularidades na acepção do artigo 1.º do Regulamento nº 2988/95, expondo os operadores, por um lado, a um longo período de incerteza jurídica e, por outro, ao risco de já não terem a possibilidade de fazer a prova da regularidade das operações em causa após esse período. - cf. parágrafos 44 e 45 do doc.1; E, pior, colocando o Estado Português a admitir a nível comunitário que a sua administração é pouco diligente, necessitando de vinte anos para verificar da regularidade dos pagamentos efectuados (e, eventualmente, concluir pela reposição dos subsídios comunitários recebidos pelos operadores nacionais), falta de diligência que nem internamente, perante os cidadãos nacionais e em relação aos dinheiros públicos dos cofres do Estado Português, admite, prevendo que cinco anos serão suficientes para a actuação da sua administração na reposição dos seus dinheiros públicos.
AA) «O princípio da proporcionalidade opõe-se, no âmbito da utilização pelos Estados-Membros da faculdade que lhes é dada pelo artigo 3º, nº 3, do Regulamento nº 2988/95 à aplicação de um prazo de prescrição de trinta [vinte] anos ao contencioso relativo ao reembolso de restituições indevidamente recebidas.» - cf. parágrafo 47 do doc. 1.
BB) No caso da aplicação de um prazo de prescrição de direito comum ao contencioso relativo ao reembolso de restituições indevidamente recebidas antes da entrada em vigor do Regulamento nº 2988/95 se revelar desproporcionada em face do objectivo de protecção dos interesses financeiros da União, essa regra deve ser afastada e o prazo geral de prescrição previsto no art. 3º, nº 1, do Regulamento nº 2988/95, tem vocação para ser aplicado na medida em que também se dirige às irregularidades cometidas antes da entrada em vigor desse regulamento e começa a correr na data da prática da irregularidade em causa - cf. parágrafo 51 do doc. 1.
CC) Ao julgar que, in casu, se tinha por não verificada a prescrição do procedimento de reposição de restituições à exportação, por à mesma se aplicar o prazo geral ordinário de vinte anos, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 8.º, n.º 4 da CRP, 3º, n.º 1, do Regulamento nº 2988/95, 297º, nº 1, do CC e, bem assim, os princípios da segurança jurídica, da não discriminação dos processos destinados a solucionar litígios comunitários relativamente aos litígios nacionais e da proporcionalidade, que vigoram e subjazem tanto ao ordenamento jurídico interno, como ao ordenamento comunitário.
Termos em que deverá o presente recurso proceder, revogando-se a sentença recorrida.
Mais se requer, nos termos do art. 267º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, que a instância seja desde já suspensa e o reenvio do processo ao Tribunal de Justiça da União Europeia para que esta instância se pronuncie sobre as seguintes questões prejudiciais:
- A possibilidade de adopção de um “prazo mais longo”, prevista no nº 3 do artigo 3º do Regulamento nº 2988/95, pode ser exercida por um Estado-Membro nos casos em que tal prazo mais longo não está previsto numa disposição expressa e específica relativa ao reembolso de restituições à exportação, resultando, ao invés, da aplicação jurisprudencial a essas situações de um prazo geral de prescrição previsto no direito interno do Estado-Membro, que abrange todos os casos de prescrição não regulados especificamente?
Em caso afirmativo,
- A aplicação nesses termos, por um Estado-membro, de um prazo de prescrição de vinte anos para a reposição de restituições à exportação oriundas de fundos comunitários ofende o princípio da segurança jurídica?
- A aplicação nesses termos, por um Estado-membro, de um prazo de prescrição de vinte anos para a reposição de restituições à exportação oriundas de fundos comunitários é discriminatória relativamente aos processos destinados a solucionar litígios nacionais do mesmo tipo, considerando que a legislação nacional prevê, para a reposição de dinheiros públicos oriundos do Orçamento do Estado nacional um prazo de apenas cinco anos para a administração nacional actuar e recuperar tais dinheiros públicos nacionais indevidamente recebidos?
- A aplicação nesses termos, por um Estado-membro, de um prazo de prescrição de vinte anos para a reposição de restituições à exportação oriundas de fundos comunitários vai para além do necessário a uma administração diligente, violando o princípio da proporcionalidade, atendendo a que internamente é previsto um prazo de prescrição de cinco anos para a reposição de dinheiros públicos nacionais e a nível comunitário é estabelecido, para esse efeito, no art. 3º, nº 1, do Regulamento nº 2988/95 um prazo de prescrição de quatro anos (que pode ser reduzido para três)?

Não foram produzidas contra-alegações.
Na sequência do parecer emitido pelo Ministério Público junto deste Supremo Tribunal, foi a instância suspensa a aguardar a pronúncia do TJUE sobre questão idêntica que havia sido suscitada no recurso n.º 027/13, deste mesmo Tribunal.

Junta aos autos aquela decisão proferida pelo TJUE, veio o recorrido requerer a suspensão desta instância, por existir causa prejudicial, uma vez que a prescrição das quantias em dívida na execução de que estes autos são apenso está a ser discutida no âmbito do processo n.º 0173/13, deste Supremo Tribunal, encontrando-se pendente recurso para Uniformização de Jurisprudência.

Ouvida a recorrente e o Ministério Público, ambos vieram deduzir oposição à requerida suspensão.

Cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto que não vem posta em causa pelas partes:
1. A Oponente recebeu do orçamento da União Europeia a quantia de 14.642,69 €, referente a subsídio atribuído no âmbito das Restituições à Exportação de Vinho (DU n.º 4171, de 29.11.1999), por uma exportação de vinho tinto que efetuou para Angola, em 23.11.1999.
2. Pelo Conselho de Administração do I.N.G.A. I.P. foi proferida decisão nos termos da qual foi determinada a reposição da quantia de 14.642,69 €, acrescida de juros contabilizados à taxa legal desde a data do pagamento da ajuda até ao respetivo reembolso.
3. Correu termos pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Viseu sob o n.º 84/07.0BEVIS a ação administrativa especial de pretensão conexa com atos administrativos, tendo em vista a declaração de nulidade ou anulação da decisão referida no ponto 2.
4. Contra a Oponente foi instaurado e corre termos no Serviço de Finanças de Tondela o processo de execução fiscal n.º 2704200801014471 - cfr. fls. 3 do processo de reclamação de ato do órgão de execução fiscal apenso.
5. Serve de base à execução referida no ponto anterior a certidão de dívida que consta de fls. 5 do processo de reclamação de ato do órgão de execução fiscal apenso e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
6. A Oponente foi citada pessoalmente para o processo de execução fiscal, em 29.07.2008 - cfr. informação de fls. 18 dos autos.
7. A petição inicial da presente oposição deu entrada no Serviço de Finanças de Tondela, em 29.09.2008 - cfr. carimbo aposto na folha de rosto da petição inicial a fls. 4 dos autos.
Nada mais se deu como provado.

Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido e, em primeiro lugar, da requerida suspensão da instância.

Após ter sido notificado do acórdão proferido pelo TJUE, datado de 17 de Setembro de 2014, no âmbito de reenvio prejudicial, processo n.º C-341/13, que oportunamente determinou a suspensão da presente instância, veio o recorrido IFAP-Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP, requerer a suspensão da presente instância ao abrigo do disposto no artigo 272º, n.º 1 do CPC.
Alegou, no essencial, que se encontra pendente neste Supremo Tribunal um recurso, para Uniformização de Jurisprudência, de um acórdão proferido em AAE com data de 09-04-2014, onde se decidiu que o procedimento tendente a detectar irregularidades e a recuperar o financiamento em questão já se encontrava prescrito, pelo que, determinou a anulação da deliberação que deu origem à certidão de divida que fundamenta os autos de execução de que estes são apenso.
Entende, assim, que o local próprio para conhecer da invocada prescrição serão aqueles autos e não estes.
Ouvida a recorrente A…………., SA., a mesma veio-se insurgir contra o ali requerido, alegando, em síntese, que só agora a recorrida vem colocar a questão da existência da referida AAE, sendo que tem dela conhecimento já desde momento anterior à própria instauração da execução.
A instauração da referida AAE não suspendeu a eficácia do acto administrativo em referência, pelo que, nunca a decisão destes autos de oposição à execução poderiam estar dependentes da decisão a proferir naquela AAE, pois, se assim fosse, implicava que a mera instauração da AAE teria efeito suspensivo sobre o acto administrativo em crise e, consequentemente, nunca poderia ter sido instaurada a presente execução.
Assim, não há qualquer razão para suspender a presente instância, sendo que, além do mais, já há mais de seis anos que os presentes autos se encontram pendentes e apenas aguardam a decisão final.
Também o Ministério Público emitiu parecer no sentido do indeferimento da requerida suspensão da instância, por não encontrar apoio legal para tanto, uma vez que não se verifica qualquer nexo de prejudicialidade entre ambas as acções.

Vejamos, então.
Sobre os efeitos que a interposição de uma AAE produz sobre a execução de um acto que ordena a reposição de quantias já se pronunciou este Supremo Tribunal, por diversas vezes, sendo a mais recente no acórdão datado de 18-06-2014, no âmbito do recurso n.º 01859/13.
Escreveu-se, nesse acórdão, com interesse para esta questão:
A questão que a recorrente coloca, passa por saber, no essencial, quais os efeitos imediatos que a instauração de uma acção administrativa especial tem sobre o respectivo acto administrativo impugnado.
Esta matéria vem expressamente tratada pelo legislador no art. 50º, n.º 2 do CPTA.
Dispõe esse preceito legal que, sem prejuízo das demais situações previstas na lei, a impugnação de um acto administrativo suspende a eficácia desse acto quando esteja apenas em causa o pagamento de uma quantia certa, sem natureza sancionatória, e tenha sido prestada garantia por qualquer das formas previstas na lei tributária.
Ou seja, extrai-se deste artigo que, só verificando-se os concretos circunstancialismos ai previstos é que a instauração da acção administrativa especial tem como efeito automático a suspensão da eficácia do acto administrativo impugnado.
Em todos os outros casos [excluindo aqueles previstos no segmento inicial daquele artigo 50º, n,º 2, nos quais não se enquadra a pretensão da recorrente], para que seja possível impedir que o acto administrativo produza os seus efeitos na ordem jurídica, é essencial que o interessado lance mão de uma providência cautelar destinada à suspensão de eficácia do acto impugnado, cfr. art. 112º, n.º 2, al. a) do CPTA.
“Com efeito, a suspensão de eficácia de um acto administrativo, ao paralisar os efeitos do acto, impede a inovação que ele visava introduzir na ordem jurídica, fazendo com que, durante a pendência do processo principal, tudo se passe como se o acto não tivesse sido praticado e, portanto, com que tudo se mantenha como estava antes de o acto ter sido praticado e, portanto, no momento imediatamente anterior àquele em que se constituiu o litígio. Trata-se, assim, de uma providência cuja adopção está ao serviço de pretensões dirigidas à obtenção, no processo principal, de uma sentença que, anulando o acto impugnado, assegure a manutenção do statu quo ante.”, cfr. Comentário ao CPTA, 2ª edição, M. Aroso de Almeida e C.A. Fernandes Cadilha, pág. 650.
Ou seja, para que no caso concreto, devolução de quantias atribuídas pelo IFADAP, a recorrente obtivesse a suspensão da eficácia do acto que lhe ordenou a reposição, isto é, para que conseguisse paralisar os efeitos que esse acto viesse a produzir na sua esfera jurídica, era fundamental que, simultaneamente com a acção administrativa especial que intentou tivesse prestado garantia, nos termos do disposto no art. 50º, n.º 2 do CPTA ou, então, tivesse deduzido uma providência cautelar destinada à suspensão de eficácia desse mesmo acto nos termos do disposto no art. 112º, n.º 2, al. a) do mesmo Código.
Nestes autos, não há notícia de que a recorrente tenha lançado mão de qualquer um desses meios que o legislador colocou ao seu dispor e, portanto, estava a Administração autorizada a proceder à cobrança coerciva das quantias em questão, nos termos do disposto nos arts. 149º, 150º e 155º do Código de Procedimento Administrativo, uma vez que o acto em crise era imediatamente executório.”.

Ou seja, como bem referem a recorrente e o Ministério Público, a instauração da AAE não impede a execução do acto, produzindo o mesmo todos os seus efeitos, cfr. artigo 127º do CPA, como no presente caso aconteceu e, por isso, também a decisão daquela mesma acção não se pode configurar como impeditiva da instauração da execução a que o acto administrativo, que ordenava a reposição de quantias, veio a dar lugar.
Acontece, porém, que configurando-se a oposição como uma contestação à própria execução fiscal, cfr. acórdãos deste STA, datados de 26-06-2013 e de 27-11-2013, recursos n.ºs. 0358/13 e 0361/13, consubstanciando-se, assim, na fase declarativa do processo de execução, permite que o executado aqui discuta todos os fundamentos de facto e de direito que possam obstar à prossecução da execução, entre os quais, nos termos do disposto no artigo 204º, n.º 1º, al. d) do CPPT, a prescrição da dívida exequenda, ou seja, permite que o executado aqui discuta se a dívida exequenda já se extinguiu, ou não, por prescrição, quer num momento anterior ao da instauração dessa mesma execução, quer na sua pendência.
A questão colocada naquela AAE passa também por saber se quando a recorrida emitiu o acto administrativo impugnado, em que exigia a devolução de diversas quantias, já não o poderia fazer, precisamente, por entretanto se ter completado o prazo de prescrição legalmente estabelecido para tanto, ou seja, passa por saber se quando o acto foi praticado já se encontrava extinto o direito à devolução das quantias.
Como bem se percebe, trata-se, assim, da mesma questão, ainda que com enfoque diferente em ambos os processos, mediante os quais se visa obter exactamente o mesmo efeito jurídico imediato, ainda que com diferentes consequências jurídicas mediatas.
E nesta medida, é evidente que uma decisão de procedência na AAE tem reflexos negativos imediatos no processo de execução, extinguindo-o, porque elimina da ordem jurídica o acto administrativo que serve de fundamento ao título executivo, bem como a procedência da oposição, com o mesmo fundamento, formará caso julgado relativamente àquela acção, no que toca às questões que podem ser conhecidas no âmbito da oposição e que sejam coincidentes com as que foram suscitadas na AAE.
Ora, assim sendo, é evidente que a decisão a proferir na AAE pode, e deve, ser considerada prejudicial da decisão a proferir na oposição à execução fiscal, cfr. artigo 272º, n.º 1 do CPC, quando esteja em causa uma situação como a dos autos.

No entanto, e como resulta do disposto no artigo 152º, n.º 1 do CPTA, o recurso para Uniformização de Jurisprudência deduzido naquela AAE é interposto de acórdão já transitado em julgado e, naturalmente, sem efeito suspensivo, cfr. despacho proferido nessa AAE que fixou ao recurso efeito meramente devolutivo e que se encontra aqui junto aos autos a fls. 384. E não tendo efeito suspensivo, é evidente que o acórdão proferido já produziu os seus efeitos anulatórios e, por consequência, já eliminou da ordem jurídica o acto administrativo que aí era impugnado e que serviu de base ao título executivo aqui dado à execução, o que, só por si, já determinaria a extinção da instância executiva.

Acontece, porém, que neste momento esta questão perde actualidade uma vez que já foi decidido aquele recurso de uniformização de jurisprudência no sentido de manter a decisão do anterior acórdão proferido por este Supremo Tribunal, tendo-se, aí, fixado a seguinte jurisprudência: “Na ausência de legislação nacional consagrando prazo de prescrição mais longo do que o previsto no art. 3º, n.º 1 do Reg. (CE Euratom) n.º 2988/95, do Conselho, de 18 de Dezembro, é este o aplicável”.
Assim, temos necessariamente que concluir pela não suspensão da presente instância com o fundamento invocado pelo recorrido, uma vez que a causa considerada prejudicial já se encontra decidida.

Quanto à questão da verificação, ou não, da prescrição da dívida exequenda.
Na referida AAE (que neste Supremo Tribunal assumiu o n.º 0173/13) em que se discutia a legalidade do acto administrativo que ordenou a reposição das verbas aqui em execução, foi proferido acórdão com data de 09/04/2014, em que após se ter ponderado diversa jurisprudência nacional e comunitária, se acolheu o entendimento de que nos termos do art. 1º, n.º 1 do Regulamento (CEE) 2988/95, o prazo de prescrição do procedimento visando a aplicação de sanções e a restituição de ajudas comunitárias irregulares, no âmbito da política agrícola comum, é de quatro anos, sendo que, não existindo, no direito interno um prazo especialmente previsto para tal finalidade, deve ser aplicado o referido prazo, em detrimento do prazo geral da prescrição ou do prazo de dez anos previsto para o comerciante conservar a sua escrituração mercantil.
E, face a este prazo prescricional de quatro anos, ponderou-se, quanto à concreta situação dos autos:
2.2.3. Apreciação do mérito do recurso.
No caso em apreço as irregularidades detectadas ocorreram na data da exportação do vinho para Angola, em 23 de Novembro de 1999 e a ordem de devolução das quantias ocorreu em 13 de Outubro de 2006 – cfr. factos n.º 1 e facto n.º 6.
O art. 1º, n.º 1, primeiro parágrafo do Regulamento 2988/95, diz-nos que “o prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no n.º 1.”
Deste modo, quando foi ordenada a restituição das quantias recebidas pela ora recorrente, em 13 de Outubro de 2006, já tinha decorrido um prazo muito superior a quatro anos, pelo que se mostrava prescrito o respectivo procedimento tendente a detectar qualquer irregularidade, não podendo assim, determinar-se a obrigação de reembolsar os montantes indevidamente recebidos (art. 4º, 1, a) do Regulamento 2988/95).
É certo que o prazo de prescrição se interrompe com a qualquer acto, que dê conhecimento à pessoa em causa, tendo em vista a instruir ou instaurar procedimento por irregularidade.
Contudo, da matéria de facto dada como provada apenas consta que a recorrente foi notificada - para efeitos de direito de audiência - em 7 de Julho de 2005.
Ora, entre 23 de Novembro de 1999 e 7 de Outubro de 2005, decorreram mais de quatro anos, mostrando-se assim já prescrito o procedimento na data em que, conforme os factos constantes do processo, a ora recorrente foi notificada da intenção de pedir a restituição das quantias indevidamente pagas.
3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo acordam conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e a sentença do TAF de Viseu e, consequentemente, por violação do art. 3º, 1, primeiro parágrafo do Regulamento 2988/95, anular a deliberação recorrida.”.

Portanto, com a anulação da deliberação que ordenou a reposição das quantias em apreço, a execução de que estes autos são apenso deixou de ter título, título que pudesse ser dado à execução, o que determina, de forma automática, a extinção da execução, cfr. artigo 270º do CPPT.
E, tendo tal decisão sido confirmada pelo acórdão datado de 26 de Fevereiro de 2015, proferido no âmbito de recurso para Uniformização de Jurisprudência, mantém-se aquela anulação da deliberação que havia dado origem ao título executivo que serve de causa de pedir à execução e de que estes autos são apenso.
Nestes termos, terá que ser concedido provimento ao recurso, bem como ao pedido de extinção da execução fiscal formulado nesta oposição.

Face ao exposto, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em:
-conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença do TAF de Viseu;
-julgar a oposição procedente e, em consequência, julgar extinta a execução de que estes autos são apenso.
Custas em ambas as instâncias pela entidade recorrida.
D.n.
Lisboa, 11 de Março de 2015. - Aragão Seia (relator) - Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.