Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0762/10
Data do Acordão:11/25/2010
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:FREITAS CARVALHO
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
ACTO POLÍTICO
ACTO NORMATIVO
ORÇAMENTO GERAL DO ESTADO
TRANSFERÊNCIA
MUNICÍPIO
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
Sumário:A decisão de retenção da transferência para os municípios dos montantes previstos na Lei do Orçamento de Estado para 2010 – Lei n.º 3-B/2010, de
28-04 –, constante do artigo 78, n.º 2, do DL n.º 72-A/2010, de 18-06, é insusceptível de ser objecto da medida cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo, quer porque estamos perante um acto praticado no exercício da função política cuja impugnação está excluída do âmbito da jurisdição administrativa (artigo 4, n.º2, al. a), do ETAF) - o que obsta à instauração de qualquer processo junto dos tribunais administrativos -, quer porque o objecto de tal acção impugnatória, não sendo um acto administrativo, obstaria ao prosseguimento do processo principal (artigos 120, do CPA, 51, n.ºs 1 e 2, e 89, n.º 1, al. c), do CPTA).
Nº Convencional:JSTA00066697
Nº do Documento:SA1201011250762
Data de Entrada:10/06/2010
Recorrente:MUNICÍPIO DE PALMELA
Recorrido 1:CM
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:SUSPEFIC.
Objecto:DL 72-A/2010 DE 2010/06/18 ART78 N1 N2.
Decisão:INDEFERIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - MEIO PROC ACESSÓRIO / SUSPEFIC.
Legislação Nacional:CPTA02 ART89 N1 C ART112 N1 ART113 N1 ART52 N1.
DL 72-A/2010 DE 2010/06/18 ART78.
CPA91 ART120.
L 3-B/2010 DE 2010/04/28 ART154.
CONST76 ART198 N1 A.
ETAF02 ART4 N2 A.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC713/10 DE 2010/10/21.; AC STA PROC678/04 DE 2004/11/03.; AC STAPLENO PROC390/09 DE 2010/05/20.
Referência a Doutrina:REBELO DE SOUSA LIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO 1999 VI PAG10.
FREITAS DO AMARAL E OUTROS CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PAG188.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo
I. O Município de Palmela vem requerer contra o Conselho de Ministros a suspensão da eficácia do acto administrativo contido no artigo 78, n.º1 e 2, do DL n.º 72-A/2010, de 18-06, que determina a retenção do montante de 304.228,00 Euros, a transferir do Orçamento Geral do Estado para o Município de Palmela, no ano de 2010, em cumprimento do artigo 154, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril.
Alega para tal que, pese embora tal estatuição constar de um diploma legislativo, trata-se de um verdadeiro acto administrativo lesivo dos interesses do Município, contenciosamente impugnável nos termos dos artigos 51 e 52, do CPTA, sendo que a sua execução criará uma situação de facto consumado bem como prejuízos irreparáveis, verificando-se, ainda, todos os restantes pressupostos para o deferimento da pretensão.
A entidade requerida deduziu oposição, alegando, em síntese, que o artigo 78º n.º1 e 2 do invocado DL 72-A/2010 é uma norma jurídica de execução orçamental - de execução do disposto no artigo 154.º da Lei 3-B/2010, de 28/04, que aprovou o Orçamento de Estado - referente ao estatuto jurídico de todas as autarquias locais e à sua relação com o regime financeiro do SNS, não consubstanciando, assim, qualquer acto administrativo mas, antes, um acto normativo dotado das características da generalidade e abstracção, produzido no exercício da função política do Governo, razão por que a providência requerida deve, desde logo, ser indeferida.
Subsidiariamente, alega que o pedido deve ser sempre indeferido quer porque tal decisão não padece de qualquer ilegalidade, quer porque o Requerente não concretiza factos susceptíveis de integrar um risco sério de uma situação de facto consumado – não indicando, sequer, os serviços que deixaria de prestar por causa das transferências para o SNS – e, ainda, por serem graves e sérios os prejuízos causados ao interesse público com a suspensão das contestadas transferências.
II. Nos termos do artigo 112 do CPTA “quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adopção da providência ou providências cautelares … que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo” (n.º 1), designadamente a “suspensão da eficácia de um acto administrativo ou de uma norma” (n.º 2, al. a ).
No caso em apreço o requerente, com vista a assegurar os efeitos da sentença a proferir na acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo que se propõe intentar, pretende a “suspensão da eficácia do acto administrativo formalizado por via do Decreto-Lei de Execução Orçamental, que determina a retenção, nas transferências do Orçamento Geral do Estado para o Município, de prestações a favor do Serviço Nacional de Saúde ...”, consubstanciado no n.º 2, do artigo 78, do DL n.º 72-A/2010, de 18 de Junho.
A entidade requerida, opõe-se ao deferimento da requerida providência sustentando, em primeiro lugar, que o invocado artigo 78, do DL n.º 72-A/2010, é uma norma de execução do OE de 2010, emitida pelo Governo no exercício da sua função política, não revestindo, pois, a natureza de acto administrativo.
Importa, pois, antes de mais, enfrentar tal questão já que só é legalmente possível suspender a eficácia de um acto administrativo, independentemente da forma que revista (artigo 52, n.º 1, do CPTA), ou de uma norma - artigo 112, n.º 2 al. a), CPTA).
Não pretendendo o requerente a suspensão de qualquer norma, há que analisar se o conteúdo do invocado artigo 78, do DL n.º 72-A/2010 contém uma decisão da Administração que “ao abrigo de normas de direito público vise produzir efeitos numa situação individual e concreta”, isto é, se configura um acto administrativo tal como é definido no artigo 120, do CPA .
Ora o DL n.º 72-A/2010, de 18-06, nos termos do respectivo preâmbulo, “estabelece as disposições necessárias à execução do Orçamento do Estado para 2010, aprovado pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril ”, contribuindo “ para a plena execução do Programa de Estabilidade e Crescimento 2010-2013, antecipando desde já regras em matéria de redução da despesa pública”, do que decorre que “teve em vista não só providenciar a execução do Orçamento para 2010 como, dentro desta, criar mecanismos que conduzissem à contracção da despesa pública para, dessa forma, se cumprir o objectivo político fixado de redução da despesa e diminuição do défice” – acórdão de 21-10-2010, Proc.º n.º 713/10.
Em conformidade com o propósito anunciado, dispõe no seu
Artigo 78º
Transferências das entidades municipais para o SNS
1 - No cumprimento do previsto no artigo 154.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é publicado no Anexo II ao presente decreto-lei, do qual faz parte integrante, o montante a transferir por cada entidade para o SNS.
2 - O montante referido no número anterior é retido nas transferências do Orçamento do Estado para as entidades previstas na Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril.
3 - Os municípios são a entidade responsável por receber das empresas municipais os montantes que lhes competem e entregá-los ao Serviço Nacional de Saúde.
Constata-se assim, que a publicação do DL 72-A/2010, inserindo-se no conjunto de diplomas legislativos destinados a promover a execução da Lei do Orçamento, teve em vista, no transcrito artigo 78º, dar execução do estatuído no artigo 154 da Lei Orçamento de Estado - Dispõe o artigo 154, da Lei n.º 3-B/2010, de 28-04 : “As autarquias locais transferem directamente para o orçamento do serviço nacional de saúde da Administração Central do Sistema de Saúde, I.P., o valor correspondente aos encargos suportados pelos respectivos orçamentos próprios com despesas pagas à ADSE em 2009 respeitantes a serviços prestados por estabelecimentos do SNS.”, fixando de forma geral e abstracta, dirigindo-se ao universo das autarquias locais, o montante a transferir por cada uma delas para o SNS (n.º 1), bem como de determinar que tais montantes fossem retidos nas transferências do Orçamento de Estado para as autarquias.
Tal decisão, emitida no exercício da competência legislativa do Governo (artigo 198, nº 1, al. a) da CRP) traduz uma opção daquele órgão do Estado sobre a definição e prossecução dos interesses essenciais da colectividade - no caso redução da despesa com o financiamento do SNS - e que respeitam, de modo directo e imediato, às relações dentro do poder político e deste com outros poderes políticos, constituindo assim uma verdadeira decisão política - cfr. Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, Vol. I, 1999, pág. 10).
Tal configuração exclui, desde logo, a sua sindicabilidade pelos tribunais administrativos (artigo 4º, n.º 2, al. a), do ETAF), e consequentemente o deferimento do pedido de suspensão de eficácia – neste sentido cfr. ac. de 12-11-2009, Proc.º n.º 390/09, confirmado pelo Pleno em acórdão de 20-05-2010.
Acresce que, como se decidiu no recente acórdão deste STA de 21-10-2010, Proc.º n.º 713/10, a propósito de situação idêntica, o artigo 78º, do DL 72-A/2010, de 18-06, dadas as características de generalidade e abstracção dos seus destinatários, cuja situação jurídica concreta não define, constitui um acto normativo e não um acto administrativo.
Na verdade, como se escreve no acórdão de 3-11-2004, Proc.º n.º 678/04, “a produção de efeitos, “numa situação individual e concreta” é um dos elementos do conceito legal de acto administrativo consagrado no art.º 120º do CPA. E não há dúvida que a ideia do legislador (vide Freitas do Amaral e outros in “Código do Procedimento Administrativo”, Almedina, 1ª ed., p. 188) foi a de “encontrar um conceito operativo para delimitação do âmbito material de aplicação do CPA”, conceito esse que erigiu a individualidade, isto é, a aplicação a sujeito(s) determinado(s) como o elemento chave da noção e, do mesmo passo, como o critério para distinguir entre acto administrativo e acto normativo, de molde que, sempre que haja generalidade, isto é, aplicação a um grupo indeterminado de cidadãos, ainda que determináveis, mas, portanto, sem definição de situações individuais, o comando deve considerar-se como acto normativo e não como acto administrativo.”
Conclui-se, assim, que quer porque estamos perante um acto praticado no exercício da função política cuja impugnação está excluída do âmbito da jurisdição administrativa (artigo 4, n.º2, al. a), do ETAF) - o que obsta à instauração de qualquer processo junto dos tribunais administrativos -, quer porque o objecto de tal acção impugnatória, não sendo um acto administrativo, obstaria ao prosseguimento do processo (artigos 120, do CPA, 51, n.ºs 1 e 2, e 89, n.º 1, al. c), do CPTA), mostra-se afastada, desde logo, a possibilidade de formulação do pedido de suspensão de eficácia, uma vez que não haverá nunca sentença a proferir por aqueles tribunais e, consequentemente, efeitos que importe cautelarmente assegurar - artigos 112, n.º1, e 113, n.º1, do CPTA,
III. Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em indeferir o pedido de suspensão de eficácia formulado a fls. 2 .
Custas pelo requerente.
Lisboa, 25 de Novembro de 2010. – José António de Freitas Carvalho (relator) – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Jorge Artur Madeira dos Santos.