Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0105/13
Data do Acordão:03/13/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:DERRAMA
TRIBUTAÇÃO
LEI INTERPRETATIVA
GRUPO DE EMPRESAS
Sumário:I - De acordo com o actual regime que resulta da Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei nº 2/2007, de 15/1, a derrama passou a incidir sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC.
II - Sendo aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, face à redacção do art. 14º da referida LFL (na redacção anterior à Lei nº 64-B/2011, de 30/12 – OE para 2012) a derrama devia incidir sobre o lucro tributável do grupo e não sobre o lucro individual de cada uma das sociedades.
III - O artigo 14º, n.º 8, da Lei das Finanças Locais, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 57º da Lei do Orçamento do Estado para 2012 (Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro) é uma norma inovadora e não interpretativa.
Nº Convencional:JSTA00068167
Nº do Documento:SA2201303130105
Data de Entrada:01/24/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL - DERRAMA
Legislação Nacional:L 2/2007 DE 2007/01/18 ART14 N1
L 64-B/2011 DE 2011/12/30 ART57
CIRC01 ART63 ART65 ART69 ART71 ART64 N1
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0909/10 DE 2011/02/02; AC STA PROC0309/11 DE 2011/06/22; AC STA PROC0234/12 DE 2012/05/02; AC STA PROC0265/12 DE 2012/07/05; AC STA PROC0206 DE 2012/07/05; AC STA PROC01302 DE 2012/01/09
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I-RELATÓRIO

1. A………., S.A., identificada nos autos, deduziu impugnação judicial da liquidação de derrama, referente ao exercício de 2007, no valor de € 141.137, 22, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que decidiu julgar a impugnação totalmente procedente.

2. Não se conformando, a representante da Fazenda Pública veio interpor recurso para o STA, apresentando Alegações, das quais se extraem as seguintes Conclusões:
“A - A douta sentença recorrida anulou a derrama autoliquidada na declaração de rendimentos de IRC, respeitante ao exercício de 2007, por considerar que o quid dessa mesma derrama, quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos das sociedades, é constituído pelo lucro tributável do grupo.
B - Nos termos da mesma peça decisória, em sede de aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, quando o n° 1 do art° 14° da Lei n° 2/2007, de 15 de Janeiro, refere que a derrama incide sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, apenas pretende abranger o lucro decorrente da soma de lucros tributáveis e prejuízos fiscais individuais, uma vez que só este se encontra sujeito.
C - Defende o meritíssimo Juiz a quo que “Determinada a forma de apurar o lucro tributável para efeito de Imposto sobre o rendimento considerando ainda que a derrama é um imposto acessório do imposto principal, o IRC estará necessariamente encontrada a forma de apurar a base sobre que há-de incidir.(...) Assumindo a Lei a existência de grupos de sociedade e criando um regime especial de tributação destes tal terá, tal terá necessariamente de vigorar em toda a linha, independentemente de poder vir proporcionar resultados mais favoráveis aos sujeitos passivos assim identificados.”
D - Com a entrada em vigor da Lei n° 2/2007, de 15 de Janeiro, a derrama passou a ser calculada sobre o valor do lucro tributável do IRC, em alternativa à colecta, critério assumido pela Lei n°42/1998 que vigorou até ao exercício de 2006.
E - Enquanto que o n° 1 do art° 18° da Lei n° 42/1998 estabelecia que a derrama incidia sobre a colecta de IRC, o n° 1 do art° 14° da Lei n° 2/2007 passou a determinar que a derrama recai sobre o lucro tributável.
F - A alteração ao método de cálculo da derrama, consagrada no art° 14° da Lei n° 2/2007, criou uma nova regra de incidência que conduz à liquidação da derrama mesmo na ausência de IRC a pagar, consubstanciando uma verdadeira mudança de paradigma no respectivo cálculo que, no limite, até pode desvirtuar a sua acessoriedade face ao IRC.
G - Na análise do conteúdo dos preceitos legais em confronto, forçoso é recorrer à ratio legis, tendo sempre presente que a captação do sentido de uma norma não pode fazer-se de uma forma isolada.
H - Entre os motivos subjacentes à apresentação da Proposta de Lei n° 92/X, elemento propulsionador da actual Lei das Finanças Locais, está o reforço do sistema de financiamento autárquico, assente na diminuição da dependência financeira dos municípios em relação às receitas provenientes do Estado e de algumas entidades privadas, designadamente as oriundas do sector da construção civil. A referida iniciativa legislativa vem, desde logo, ao encontro da garantia institucional da autonomia local, consagrada no n° 1 do art° 238° da CRP, que obriga as autarquias a dispor de meios financeiros suficientes e autónomos, bem como do gozo de autonomia na gestão desses mesmos meios.
I - A raiz da actual Lei das Finanças Locais, em homenagem ao disposto no n° 2 do art° 238° da CRP, também convoca os princípios constitucionais do equilíbrio financeiro e da justa repartição. Este último, em particular, aponta para a concretização de medidas legislativas que promovam a coesão económica e social de todo o território, assegurando o crescimento equilibrado de todas as regiões, imperativo constitucional, atento o disposto na alínea d) do art° 81° da Lei Fundamental.
J - O regime especial dos grupos que se projecta na ordem geral, tendo em consideração que o IRC é um imposto estadual, parece não fazer sentido na ordem local da autarquia a que a derrama respeita.
L - A doutrina vertida na douta peça decisória, que considera que o quid da derrama, quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos das sociedades, é constituído pelo lucro tributável do grupo, representa, em última instância, um rude golpe àqueles princípios estruturantes da nova Lei das Finanças Locais, uma vez que sanciona um incompreensível desvio a um dos mais importantes objectivos que presidiram às alterações nela consignadas: evitar que a derrama deixasse de ser liquidada quando existissem prejuízos fiscais reportáveis de exercícios anteriores.
M - O quid da derrama, quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos das sociedades, não é constituído pelo lucro tributável do grupo, pelo que, no âmbito do referido regime especial de tributação, deverá ser calculada e indicada individualmente por cada uma das sociedades do grupo na sua declaração.
N - Tal entendimento radica no facto de que nas declarações periódicas individuais apresentadas por cada sociedade, apesar de não existir um verdadeiro apuramento de colecta, se verificar o apuramento do lucro tributável, isto é, cada sociedade que compõe o grupo apura um lucro tributável na sua declaração individual.
O - Tendo presente que na interpretação da lei funciona a presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos mais adequados, entendemos, salvo o devido respeito por melhor opinião, que a interpretação sufragada pela Ilustre Julgadora não é aquela que melhor exterioriza o verdadeiro sentido e alcance do n° 1 do art.° 14° da Lei n° 2/2007, quanto ao apuramento da derrama no âmbito dos grupos de sociedades.
P - A douta decisão recorrida violou assim os dispositivos legais contidos no n° 1 do art° 14° da Lei n° 2/2007, e concomitantemente, os art°s e 64°, 112°, n° 6 do CIRC e 11° da LGT.
Nos termos vindos de expor e nos que V°s. Exas., sempre mui doutamente, poderão suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida em preito à justiça.

3. A A………., S. A. veio formular contra-alegações, concluindo nos termos que se seguem:
“01 - Para efeitos de tributação na cédula de imposto sobre o rendimento, a «A……….”, aderiu à tributação conjunta, o que impõe que o grupo de sociedades no seu todo, seja tributado como uma só entidade, manifestando uma capacidade contributiva única.
02 - O RETGS consiste num método de quantificação da matéria colectável das várias sociedades que integram o perímetro do grupo, segundo o qual, partindo do resultado individual de cada uma das sociedades, determinado de acordo com as regras gerais, se procede em seguida à realização de correcções aos resultados de cada uma das sociedades, após o que se efectuará a soma algébrica desses resultados, quantificando a matéria colectável do grupo de sociedades, seguindo-se a liquidação e as deduções à colecta a que houver lugar.
03 - A neutralidade do sistema fiscal só se alcançará se os grupos societários forem tributados em conjunto, quer no que refere ao imposto principal, quer no que refere aos seus adicionais, sob pena da pretensa neutralidade do sistema fiscal, se apresentar como uma imparcialidade falsa, e desvirtuada na sua essência.
04 - Constituindo o grupo dominado pela sociedade impugnante uma unidade fiscal sui generis, em nome da neutralidade do sistema fiscal, deveria a “A……….. ter calculado a derrama com base no lucro tributável consolidado.
05 - O Oficio Circulado n.° 20132, de 14/04/2008, da Direcção de Serviços Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas revelam-se violador de princípios basilares que presidem à tributação do rendimento gerado por entidades colectivas, designadamente, os princípios da neutralidade da tributação, da igualdade e da capacidade contributiva.
06 - Ao regulamentar um dos elementos essenciais da tributação (a incidência, está regular uma matéria que cuja competência reservada pertence à Assembleia da República, ou ao Governo, se para tanto estiver autorizado pela Assembleia da República) o Oficio Circulado está ferido de inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade, previsto nos arts. 165°, n.º 1, al. i), e 103°. n.° 2 da CRP, e no art. 8°, n.° 1 da LGT.
Assim, determinando a anulação do acto tributário de autoliquidação de derrama, e confirmando a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, farão V. Ex.ªs inteira e sã JUSTIÇA!

4. O Ministério Público pronunciou-se no sentido de o recurso não merecer provimento, podendo ler-se no mesmo, entre o mais, que:
“(…) Questão decidenda (enunciação tópica): base de incidência da derrama no caso de tributação segundo o regime especial aplicável aos grupos de sociedades (RETGS)
1.A questão decidenda foi apreciada e resolvida nos acórdãos STA-SCT 2.02.2011 processo n° 909/10 e 22.06.2011 processo n° 309/11 (com idêntico sumário doutrinário, que se transcreve e merece a adesão do Ministério Público), 2.05.2012 processo n° 234/12 e 5.07.2012 processos n° 206/12 e 265/12.
«1. De acordo com o actual regime da derrama que resulta da Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei n° 2/2007, de 15 de Janeiro, a derrama passou a incidir sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC.
2. Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades a derrama deve incidir sobre o lucro tributável do grupo e não sobre o lucro individual de cada uma das sociedades»
A doutrina dos arestos ancorou-se nas seguintes premissas, enunciadas de forma sintética:
- de acordo com o actual regime, plasmado na Lei das Finanças Locais, a derrama é um imposto autónomo em relação ao IRC, embora com uma base de incidência comum (lucro tributável em IRC)
- as lacunas verificadas no regime jurídico da derrama quanto à determinação da matéria colectável, liquidação, pagamento, obrigações acessórias e garantias são integradas por via da aplicação subsidiária do regime do IRC - esta forma de determinação do lucro tributável do grupo, correspondente à base de incidência da derrama, não é incompatível com a relevância dos prejuízos fiscais na formação da matéria colectável da derrama
2. A doutrina consolidada dos acórdãos supra identificados, embora resultante de correcta aplicação dos princípios hermenêuticos, poderia perverter o cumprimento do objectivo legal da derrama, enquanto instrumento financeiro indispensável à realização pelos municípios das suas atribuições constitucionais no âmbito da autonomia local, o que poderia acontecer quando, no âmbito do RETGS, os lucros tributáveis de certas sociedades fossem absorvidos pelos prejuízos de outras, permitindo que os municípios onde se instalassem sociedades com lucro tributável deixassem de auferir as receitas geradas nos seus territórios se o grupo, no seu conjunto, apresentasse prejuízo
3. O legislador procurou a eliminação do efeito colateral perverso com a alteração do regime legal nos termos da qual, no âmbito do RETGS, a derrama passou a incidir sobre o lucro tributável de cada uma das sociedades do grupo (art. 14º n° 8 LFL, redacção conferida pelo art.57° Lei no 64-B/2011, 30 dezembro)
Porém, o carácter inovador e não interpretativo da norma impede a sua aplicação retroactiva (cf. acórdãos STA-SCT 2.05.2012 processo n°234/12 e 5.09.2012 processo n°265/12, com enunciação de argumentário que merece a adesão do Ministério Público)
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.”

5. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II-FUNDAMENTOS

1. DE FACTO
A sentença recorrida deu como fixada a seguinte matéria de facto:
“1. A Impugnante é a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributado pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades para o exercício de 2007 em sede de IRC;
2. A 06 de Junho de 2008, a Impugnante procedeu à entrega da declaração periódica de rendimentos Modelo 22 — Declaração do Grupo, do exercício de 2007;
3. Foi autoliquidada derrama no valor de € 141.137,22 (cento e quarenta e um mil e cento e trinta e sete euros e vinte e dois cêntimos) que corresponde ao somatório das derramas que cada uma das sociedades dominadas apurou nas respectivas declarações de rendimentos entregues;
4. A 25 de Setembro de 2008, a Impugnante apresentou reclamação graciosa, a qual foi indeferida por despacho notificado à impugnante a 02 de Abril de 2009”.

2. DE DIREITO

1.Vem o presente recurso interposto pela Fazenda Pública da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 10 de Outubro de 2012, através da qual foi julgada procedente a impugnação judicial deduzida pela A………., S.A., com a consequente anulação do acto de liquidação de derrama, referente ao exercício de 2007, no valor de €141.137, 22.
Para tanto, ponderou, entre o mais, o Mmº Juiz “a quo”:
“(…) A Direcção de Serviços do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, relativamente aos regimes especiais de tributação do IRC e consequente cálculo de Derrama, emitiu Oficio Circulado 20132 de 14.04.2008, onde informa, relativamente ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades:
“No âmbito do regime especial de tributação de grupos de sociedades, a determinação do lucro tributável do grupo é feita pela forma referida no art. 64° do Código do IRC, correspondendo à soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais.
Se é verdade que nas declarações periódicas individuais não há um verdadeiro apuramento de colecta, o mesmo já não se pode dizer relativamente ao lucro tributável.
Com efeito, cada sociedade apura um lucro tributável na sua declaração individual.
Assim, para as sociedades que integram o perímetro do grupo abrangido pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama deverá ser calculada e indicada individualmente por cada uma das sociedades na sua declaração, sendo preenchido, também individualmente, o anexo A, se for caso disso.
O somatório das derramas assim calculadas será indicado no campo 364 do Quadro 10 da correspondente declaração do grupo, competindo o respectivo pagamento à sociedade dominante, em consonância com o entendimento sancionado por despacho de 2008.03.13, do substituto legal do Director-geral.”
Os artigos 63° a 65° do CIRC estabelecem um regime especial de tributação dos grupos de sociedades, situação em que se encontra a Impugnante — sociedade dominante de um grupo de sociedades — que optou pela aplicação do regime especial de determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo, faculdade que lhe é, legalmente, concedida.
A determinação do lucro tributável do grupo, para efeito de IRC, é apurada, pela sociedade dominante e pelas sociedades dominadas, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações individuais das sociedades que lhe pertencem.
Determinada a forma de apurar o lucro tributável, para efeito de Imposto sobre rendimento, considerando ainda que a derrama é um imposto acessório do imposto principal, o IRC, estará necessariamente encontrada a forma de apurar a base sobre que há-de incidir.
No que respeita ao oficio circulado no qual se estriba a posição assumida pela Administração Tributária no despacho de indeferimento da reclamação graciosa, sempre terá de ser afastado uma vez que em matéria de imposto, vigora o princípio da legalidade, compreendendo-se na área de competência reservada da Assembleia de República.
Dizer-se que assim se dá guarida a soluções que desvirtuam os fins que a Lei das Finanças Locais pretendeu alcançar, não parece ser argumento bastante para permitir uma interpretação que conduziria a um resultado prático completamente distinto daquele que expressamente o legislador consagra quanto ao IRC e relativamente ao qual a Derrama é um imposto acessório.
Assumindo a Lei a existência de grupos de sociedades e criando um regime especial de tributação destes, tal terá necessariamente de vigorar em toda a linha, independentemente de poder vir a proporcionar resultados mais favoráveis aos Sujeitos Passivos assim identificados.
Destarte, considerando a legislação em vigor bem como a questão colocada pela Impugnante, sempre teremos de considerar que a mesma merece provimento, uma vez que a posição por si assumida encontra cabimento na aplicação das normas legais supra transcritas, devendo ser aplicada a taxa da Derrama a pagar, atendendo ao lucro tributável, do grupo de empresas onde a Impugnante assume a posição dominante, sujeito a IRC e não considerando o resultado de cada um das empresas que o integram.
Em consequência, deve o acto impugnado ser anulado, sendo necessariamente substituído por outro onde o imposto seja calculado em obediência à Lei”.
Contra este entendimento se insurge a recorrente, alegando, em síntese:
· “(…) O regime especial dos grupos que se projecta na ordem geral, tendo em consideração que o IRC é um imposto estadual, parece não fazer sentido na ordem local da autarquia a que a derrama respeita.
· “(…) A doutrina vertida na douta peça decisória, que considera que o quid da derrama, quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos das sociedades, é constituído pelo lucro tributável do grupo, representa, em última instância, um rude golpe àqueles princípios estruturantes da nova Lei das Finanças Locais, uma vez que sanciona um incompreensível desvio a um dos mais importantes objectivos que presidiram às alterações nela consignadas: evitar que a derrama deixasse de ser liquidada quando existissem prejuízos fiscais reportáveis de exercícios anteriores.
· “(…) O quid da derrama, quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos das sociedades, não é constituído pelo lucro tributável do grupo, pelo que, no âmbito do referido regime especial de tributação, deverá ser calculada e indicada individualmente por cada uma das sociedades do grupo na sua declaração.
· “(…) Tal entendimento radica no facto de que nas declarações periódicas individuais apresentadas por cada sociedade, apesar de não existir um verdadeiro apuramento de colecta, se verificar o apuramento do lucro tributável, isto é, cada sociedade que compõe o grupo apura um lucro tributável na sua declaração individual.
· “(…) Tendo presente que na interpretação da lei funciona a presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos mais adequados, entendemos, salvo o devido respeito por melhor opinião, que a interpretação sufragada pela Ilustre Julgadora não é aquela que melhor exterioriza o verdadeiro sentido e alcance do n° 1 do art.° 14° da Lei n° 2/2007, quanto ao apuramento da derrama no âmbito dos grupos de sociedades.(…)”.

2. Em face do exposto, a questão a decidir no presente recurso consiste em saber se a derrama municipal relativa ao exercício de 2007, autoliquidada pela ora recorrida, uma sociedade sujeita ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), incide sobre o lucro tributável do grupo ou sobre o lucro tributável de cada uma das sociedades que o integram.
Assim recortada a questão verifica-se, tal como salientado pelo Ministério Público, no seu douto Parecer, que sobre a mesma existe jurisprudência reiterada e firme deste Supremo Tribunal, vazada, entre outros, nos acs. de 2/2/2011, proc. nº 0909/10, de 22/6/2011, proc. nº 0309/11 e de 2/5/2012, proc. nº 0234/12, de 5/7/2012, proc. nº 265, de 577/2012, proc. nº 206, e de 9/1/2012, proc nº 1302.
Em todos eles se concluiu no sentido da autonomia da derrama em relação ao imposto de IRC e no sentido da ilegalidade das auto-liquidações em causa.
No entanto, seguindo em concreto o último Acórdão mencionado, pode aí ler-se:
“«não obstante a autonomização acima assinalada em relação à incidência, à colecta e à taxa do IRC, a derrama continua, todavia, a depender do regime do IRC em todos os outros campos que definem a sua relação jurídica tributária.
Com efeito, além de remeter expressamente para o IRC na definição da sua base de incidência e dos seus sujeitos passivos, o regime da derrama é omisso quanto a regras próprias de determinação da matéria colectável, liquidação, pagamento, obrigações acessórias e garantias, para elencar apenas aquelas em que tradicionalmente se analisa a relação jurídica tributária.
Ora, como sustenta Manuel Anselmo Torres, a propósito da relevância dos prejuízos fiscais na matéria colectável da derrama, in Fiscalidade nº 38, a fls. 159, a única via para integrar essas lacunas consiste em aplicar à derrama o regime previsto para o IRC.
Na verdade, como refere o autor citado, só o CIRC nos permite concluir, por exemplo, que a derrama deve ser objecto de autoliquidação e paga até ao fim do 5º mês seguinte ao fim do período de tributação.
E o mesmo deverá, quanto a nós, suceder no caso de grupos de sociedades.
Prevendo o CIRC, nos seus artigos 69º a 71º, um regime especial de tributação dos grupos de sociedades, situação em que se encontra a impugnante, ora recorrida, e tendo esta optado, como a lei lhe faculta, pela aplicação desse regime para determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo, a determinação do lucro tributável, para efeitos de IRC, é apurada através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações individuais das sociedades que pertencem ao grupo.
E, assim determinado o lucro tributável para efeito de IRC, está necessariamente encontrada a base de incidência da derrama.
Tal entendimento, sufragado na decisão recorrida, é o que melhor se harmoniza com os preceitos legais aplicáveis e em nada desvirtua os fins que a LFL pretende alcançar ou ofende qualquer norma ou princípio constitucional»”.
E, mais adiante, o mencionado Acórdão acrescenta que “(…) a circunstância de os lucros individuais de cada empresa do grupo serem individualmente (por cada uma das sociedades) declarados: é que, como justamente aponta André Alpoim de Vasconcelos (Apuramento da derrama ano âmbito do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, Revista TOC nº 106- Janeiro 2009, pp. 33 a 35) «os mesmos não têm efeitos de liquidação de imposto, mas tão-só efeitos declarativos e de controlo do lucro tributável agregado, apurado e comunicado pela sociedade dominante do grupo fiscal»”.
Também no Acórdão de 5/7/2012, proc. nº 265/12, se sublinha a especificidade do regime do RETGS e o facto de o art. 14º da Lei nº 2/2007, de 18 de Janeiro, antes de lhe ser acrescentado o nº 8, não oferecer base para os argumentos invocados pela recorrente quanto à bondade da doutrina acolhida no Ofício-Circulado nº 20.201.394, 34.
Neste sentido, ficou consignado no mencionado Acórdão que o “(…) o regime de RETGS assenta numa lógica de tributação agregada segundo a qual o grupo societário é tributado, para efeitos de IRC, pelo seu resultado agregado, como se de uma só entidade se tratasse. Não havendo regras específicas de apuramento da base de incidência da derrama, ao remeter-se para a base de incidência do IRC, tem que se aceitar necessariamente a base de incidência prevista para quem é tributado segundo o RETSG, sob pena de se criar uma excepção não prevista na lei à lógica da tributação agregada em que assenta esse regime.
O argumento segundo o qual as sociedades que compõem o grupo apresentam declarações individuais, as quais deveriam servir de base de incidência da derrama, não tem qualquer apoio na letra do nº 1 do artigo 14º, porque os lucros individuais constantes dessas declarações não têm efeitos de liquidação do imposto, apenas servem para efeitos de controle do lucro tributável consolidado que foi apurado e comunicada pela sociedade dominante do grupo fiscal.
É que a opção pelo RETGS traduz-se precisamente na determinação do lucro tributável do grupo com base na soma algébrica dos lucros e prejuízos fiscais apurados na declaração periódica de cada uma das sociedades que o integram, opção esta que se funda no princípio da capacidade contributiva, ao fazer prevalecer a capacidade do grupo sobre a capacidade contributiva individual das empresas que o integram. Ora, se a base de incidência da derrama tivesse por referência o lucro de cada uma das sociedades que o integram, seria atingido o princípio da capacidade contributiva do grupo, um dos fundamentos do RETGS”.
E, quanto ao carácter inovador do nº 8 do artº 14º da Lei das Finanças Locais, refere o mencionado Acórdão que “A norma do nº 8 do artigo 14º, introduzida pela lei do orçamento de Estado para 2012, não se pode aplicar ao caso dos autos porque, pela interpretação que se acaba de fazer, não é uma norma interpretativa que se possa integrar no sentido e âmbito do nº 1 do mesmo artigo. A natureza inovadora da norma já foi objecto de jurisprudência no recente acórdão de 2/5/2102, acima referido, onde se, se a lei fosse interpretativa «por certo o legislador não deixaria de o fazer constar do respectivo texto, dizendo que se tratava de uma norma interpretativa. Mas não o fez, nem se surpreende no texto da Lei do Orçamento de 2012 ou no referido nº 8º do art. 14º da Lei das Finanças Locais qualquer referência ao carácter interpretativo da norma ou a qualquer controvérsia gerada pela solução de direito anterior. Trata-se certamente de opção legislativa diversa, quiçá motivada pela necessidade de arrecadar receitas imposta pela conjuntura económica, dado que a interpretação possível da norma na sua redacção anterior, acolhida pela jurisprudência unânime deste Supremo Tribunal Administrativo, tinha como consequência uma poupança fiscal significativa para os grupos de sociedades em que co-existissem sociedades com lucro tributável e sociedades com prejuízo fiscal»”.
Sendo uma norma inovadora, que afronta a lógica do RETGS, a alteração que introduz apenas vigora de 2012 em diante, pelo que o caso dos autos deve ser julgado em função do sentido que vinha sendo dado à norma do nº 1 do artigo 14º da Lei das Finanças Locais de 2007, o que conduz à improcedência do recurso”.

3. Aplicando o exposto ao caso em apreço, não havendo razões para nos afastarmos da jurisprudência que vem sendo seguida por este Supremo Tribunal, julgamos que é de manter o entendimento até agora sufragado, no sentido de que nos casos em que esteja em causa a aplicação do RTGS, a base de incidência da derrama para os efeitos do nº 1 do art. 14º da Lei nº 2/2007, de 15/1 (na redacção em vigor à data dos factos), será o lucro resultante da soma de lucros tributáveis e prejuízos fiscais individuais (resultado agregado), uma vez que apenas este se encontra sujeito a IRC (art. 64º, nº 1, do CIRC).
E, assim sendo, fica prejudicado, tal como se decidiu em primeira instância, o conhecimento da questão de inconstitucionalidade formulada pela recorrida no ponto (06) das Contra-alegações.
Assim sendo, por não enfermar do erro de julgamento que lhe é imputado pela recorrente nem violar as disposições legais invocadas, deve ser confirmada a sentença recorrida que assim decidiu, improcedendo, portanto, as Conclusões do recurso.


III- DECISÃO

Termos em que os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 13 de Março de 2013. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.