Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0883/11
Data do Acordão:05/02/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:INCENTIVOS FISCAIS
MAJORAÇÃO
LIMITES
AMORTIZAÇÃO DE DESPESAS DE INVESTIMENTO
Sumário:O incentivo fiscal estabelecido no nº 1 do art. 8º da Lei nº 171/99, de 18/9, substancia-se na majoração, em 30%, das amortizações efectuadas sobre bens de investimento até ao limite de 100 milhões de escudos, limite este que se reporta ao valor do investimento realizado no período de vigência do regime e não ao valor das amortizações praticadas.
Nº Convencional:JSTA00067566
Nº do Documento:SA2201205020883
Data de Entrada:10/03/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF MIRANDELA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:L 171/99 ART8
DL 310/2001 DE 10/12
PORT 170/2002 DE 28/02
EBF ART43 N1 C
CCIV ART9
Legislação Comunitária:REG COM CEE69/2001
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A……., Lda. contra o acto de liquidação adicional de IRC respeitante ao ano de 2005, no montante de € 56.689,30.

1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1ª - O n°1 do art. 8° da Lei nº 171/99, de 18 de Setembro, consagrou a majoração, em 30%, das amortizações relativas a despesas de investimento de montante até 100 milhões de escudos;
2ª - O limite de 100 milhões de escudos previsto na norma, diz respeito ao montante do investimento realizado e não ao valor das amortizações praticadas;
3ª - Basta atentar na redacção do nº 2 da mesma norma, que associa o limite previsto no número um ao valor do investimento, para concluir, sem margem para dúvidas, que tal limite diz respeito ao valor do investimento e não ao valor das amortizações;
4ª - A sentença recorrida fez errada interpretação da norma legal aplicável e, em consequência incorreu em erro de julgamento, por violação do disposto no art. 8° da Lei nº 171/99, de 18 de Setembro.
Termina pedindo a procedência do recurso.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. Tendo o recurso sido interposto para o TCA Norte, aquele Tribunal veio, por acórdão de 30/6/2011 (fls. 234/236) a declarar-se incompetente, em razão da hierarquia, para dele conhecer, com fundamento em que o recurso versa exclusivamente matéria de direito, declarando, consequentemente, a competência deste STA.

1.5. Subidos os autos a este STA, foram com Vista ao MP, não tendo sido emitido parecer (cfr. fls. 244 verso).

1.6. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS

2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1. Em data que não se pôde apurar a Impugnante foi notificada da liquidação adicional de IRC respeitante ao ano de 2005, cujo pagamento voluntário terminou em 20/8/2008, no valor de 56.689,30 € – Fls. 28 do PA e PI e Contestação;
2. Antes, teve lugar uma acção inspectiva iniciada em 15/4/2008 à contabilidade da Impugnante determinada pela Ordem de Serviço nº OI200800279, de 24/3/2008, da DDF de Vila Real, em sede de IRC, cuja incidência temporal foram os anos de 2004, 2005 e 2006, da qual resultaram correcções meramente aritméticas à matéria tributável – Fls. 4 e 9 do PA;
3. Dá-se aqui por reproduzido o Relatório ínsito no PA com data de 12/5/2008, com o seguinte destaque (no que se refere ao ano de 2005): “2005// Excesso de majoração das amortizações: (Valor) 132.892,74// Lucro tributável Declarado: 78.343,21 €// Lucro tributável após correcções: 211.235,95 € (...) III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável // a) analisados os balancetes e os mapas de amortizações da empresa verificamos: Activo Imobilizado (...) 2005 // 6.727.034,55 €// Am.s do exercício (...) 478.452,22 €// b) No campo 234 do quadro 7 da declaração modelo 22 de IRC foram deduzidos os seguintes valores relativamente a majoração das amortizações: (...) 2005// 143.535,67 €// c) Nos termos do art. 8º da Lei nº 171/99 podem ser majorados em 30% as amortizações relativas a despesas de investimento até 498.797,90 € sendo que o sujeito passivo majorou a totalidade das amortizações dos exercícios de (...) 2005 (...) // d) Nesta conformidade cumpre-me apurar o valor a acrescer ao lucro tributável dos anos (...) 2005 (...), respeitante a majoração das amortizações, a saber: Designação// Investimento realizado: 6.727.034,55 €// Máximo de Investimento aceite: 498.798,00 €// 7,41%// Am.s do Exercício 478.452,22 €// Am.s que podem ser majoradas: 34.476,41 € Majoração aceite: 10.642,92 €// Majoração efectuada 143.535,67 €// Diferença: //132.892,74 €”;

3.1. Enunciando como questões a decidir as que se prendem com a interpretação do art. 8º da Lei nº 171/99, de 18/9, com a Redução da taxa de IRC, mediante a ocorrência de determinados requisitos previstos na citada Lei e com a dedução de prejuízos fiscais ocorridos (relativamente à impugnante) no exercício de 1999, a sentença veio a julgar procedente a impugnação, no entendimento de que o valor de 100 milhões de escudos mencionado no referido art. 8º se reporta às amortizações relativas a despesas de investimento (como sustenta a impugnante) e não ao valor das despesas de investimento, como pretende a AT.
E, face à procedência da impugnação com estes fundamentos, a sentença julgou prejudicada a apreciação da questão atinente à também invocada ilegalidade da liquidação por não dedução de prejuízos fiscais relativos ao exercício de 1999.
Para tanto, a sentença concluiu, quanto à matéria das amortizações, que se «a intenção do legislador tivesse sido aquela que a FP lhe dá tinha legislado da seguinte forma: As despesas de investimentos até 500.000,00 € dos sujeitos passivos de IRC que exerçam a título principal a sua actividade nas áreas beneficiárias podem ser abatidas, com a majoração de 30%, ao rendimento colectável referente ao exercício.»

3.2. Discorda a recorrente Fazenda Pública, alegando, como se viu, que de acordo com o disposto no n° 1 do art. 8° da referida Lei nº 171/99, o limite de 100 milhões de escudos ali previsto diz respeito ao montante do investimento realizado e não ao valor das amortizações praticadas.
Esta é, portanto, a questão a decidir no presente recurso.
Vejamos, pois.

4.1. A Lei n° 171/99 veio estabelecer «medidas de combate à desertificação humana e incentivadoras da recuperação acelerada das zonas do interior», medidas essas que «incidem sobre a criação de infra-estruturas, o investimento em actividades produtivas, o estímulo à criação de emprego estável e incentivos à instalação de empresas e à fixação de jovens» – cfr. os nºs. 1 e 2 do art. 1º (as medidas previstas nesta Lei nº 171/99 vieram a ser regulamentadas na sua execução pelo DL nº 310/2001, de 10/12; cfr., ainda, a Portaria nº 170/2002, de 28/2).
Concretizando uma de tais medidas incentivadoras, dispõe o art. 8º da citada Lei nº 171/99:
«1 - As amortizações relativas a despesas de investimentos até 100 milhões de escudos dos sujeitos passivos de IRC que exerçam a título principal a sua actividade nas áreas beneficiárias podem ser abatidas, com a majoração de 30%, ao rendimento colectável referente ao exercício;
2 - Excluem-se dos investimentos relevantes para o limite do número anterior as despesas efectuadas com a aquisição de terrenos e de veículos ligeiros de passageiros.»
Ora, salvo o devido respeito, não se vê que do texto da lei se possa concluir que o limite de 100 milhões de escudos ali previsto respeite ao valor das amortizações praticadas, pois que, em regra, a preposição «até» serve para ligar dois elementos da oração, subordinando-os, isto é, no caso, ligando os elementos «despesas de investimento» até «100 milhões de escudos». Pelo que sempre será este o sentido que decorre da própria interpretação literal e do elemento gramatical do texto legal: na norma em causa consagra-se um benefício substanciado na majoração, em 30%, das amortizações relativas a despesas de investimento até ao referido limite, ou seja, este limite do incentivo reporta-se ao valor do investimento realizado no período de vigência do regime e não, como entendeu a sentença, ao valor das amortizações praticadas.
E que é este o sentido da norma resulta, igualmente, quer do disposto no nº 2 do mesmo artigo 8º, que refere que se excluem «dos investimentos relevantes para o limite do número anterior…», quer do texto da al. c) do art. 39º-B do EBF [aditado pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12 (É de salientar que a Lei n° 171/99 previa inicialmente um período de vigência limitado ao período compreendido entre 1/1/2000 e o final do ano de 2003, mas foi sucessivamente prorrogada até final de 2006, tendo esta matéria dos benefícios em razão da interioridade passado a integrar o EBF quando, pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, foi aditado ao mesmo EBF o então art. 39º-B (actual art. 43º), cuja al. c) do seu nº 1 tem a redacção acima transcrita.) ] – e que constitui a al. c) do nº 1 do actual art. 43º do mesmo EBF – onde se dispõe que «As reintegrações e amortizações relativas a despesas de investimentos até (euro) 500000, com exclusão das respeitantes à aquisição de terrenos e de veículos ligeiros de passageiros, dos sujeitos passivos de IRC que exerçam a sua actividade principal nas áreas beneficiárias podem ser deduzidas, para efeitos da determinação do lucro tributável, com a majoração de 30%».
Acresce que, como bem nota a recorrente, a acolher-se o entendimento constante da sentença, no sentido de que se «a intenção do legislador tivesse sido aquela que a FP lhe dá tinha legislado da seguinte forma: As despesas de investimentos até 500.000,00 € dos sujeitos passivos de IRC que exerçam a título principal a sua actividade nas áreas beneficiárias podem ser abatidas, com a majoração de 30%, ao rendimento colectável referente ao exercício», estar-se-ia a considerar a dedução integral do valor das despesas de investimento, acrescidas estas da majoração de 30%, apesar de o normativo se reportar ao custo fiscal amortizações.
E, ao invés do que, igualmente, sustenta a recorrida na contestação (cfr. fls. 154 e ss.), também não convencem os argumentos de que a norma, assim interpretada, implicaria que o legislador estaria a atribuir um benefício fiscal sem saber quanto é que o mesmo representa em termos quantitativos, ou de que é violado o princípio da igualdade por os equipamentos terem taxas de amortização diferentes (haveria sujeitos passivos que teriam um benefício fiscal superior, em função do equipamento investido), ou, ainda, de que aquela interpretação também significaria a atribuição de um benefício fiscal sem qualquer expressão e bastante longe do que é permitido pelo Regulamento CE 69/2001 da Comissão.
Com efeito, em relação ao princípio constitucional da igualdade (art. 13º da CRP), que proíbe o tratamento desigual de situações merecedoras de igual tratamento, ou seja, proíbe discriminações de tratamento, diferenciações sem fundamento material bastante, não se vê que haja violação desta disposição pelo facto de duas empresas que invistam iguais montantes terem um benefício fiscal efectivo diferente se os equipamentos que o investimento abrange tiverem diferentes taxas de amortização, além de que, como bem consta do parecer técnico da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, referenciado pela Fazenda Pública, a lei não impõe qualquer critério na escolha dos investimentos beneficiados, podendo a empresa, dentro do referido limite, escolher os bens cujas amortizações poderão usufruir da majoração de 30% para efeitos de determinação do rendimento colectável.
E também não se vê que o argumento relacionado com a certeza quantitativa do benefício fiscal que se pretende atribuir a cada sujeito passivo ou o argumento relacionado com a atribuição de um benefício fiscal longe do que é permitido pelo Regulamento CE 69/2001 da Comissão, sejam determinantes para acolher a interpretação pretendida pela recorrente. Na verdade, nada a esse respeito se colhe do texto dos citados diplomas legais ou do Preâmbulo do DL nº 310/2001, texto esse que, como se disse, aponta, antes, para a interpretação sustentada pela recorrente.
Em suma, considerando o disposto no art. 9º do CCivil, que impõe a reconstituição do pensamento legislativo a partir dos textos, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, não podendo, contudo, ser considerado o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, é de concluir que a sentença recorrida enferma do erro de julgamento que a recorrente lhe imputa, procedendo, portanto, as Conclusões do recurso.

4.2. E dado que a sentença julgou prejudicada a apreciação da questão atinente à também invocada ilegalidade da liquidação por não dedução de prejuízos fiscais (crédito de imposto, nas palavras da impugnante) relativos ao exercício de 1999, impõe-se, face à insuficiência da matéria de facto relativamente a tal questão, ordenar a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para que, após a pertinente especificação da factualidade relevante e se nada mais obstar, essa questão seja apreciada.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, dando provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, julgando improcedente a impugnação quanto aos fundamentos apreciados, ordenar a baixa dos autos ao Tribunal “ a quo” para que, apurada e especificada a factualidade alegada relevante e se a tanto nada mais obstar, seja decidida a questão cujo conhecimento foi julgado prejudicado pela solução dada à questão ora apreciada.
Sem custas.

Lisboa, 2 de Maio de 2012. - Casimiro Gonçalves (relator) - Ascensão Lopes - Pedro Delgado.