Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01201/16.5BALSB
Data do Acordão:11/15/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:REFORMA
ANULABILIDADE
NULIDADE
Sumário:Deve ser indeferido o pedido de reforma de acórdão que, por violação do princípio da proporcionalidade anulou - e, portanto, não declarou nulo - um acto expropriativo.
Nº Convencional:JSTA000P23860
Nº do Documento:SA12018111501201/16
Data de Entrada:10/28/2016
Recorrente:A...
Recorrido 1:ASSEMBLEIA MUNICIPAL DO PORTO E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
A………….. e mulher, recorrentes no processo n.º 1201/16, devidamente identificados nos autos, notificados do acórdão desta Secção de Contencioso Administrativo, proferido em 17 de Maio de 2018, que julgou procedente o recurso contencioso por si interposto e anulou a deliberação da ASSEMBLEIA MUNICIPAL DO PORTO, vieram requerer a rectificação de um erro material, ou se assim não for entendido, a reforma do acórdão por entenderem que o acto anulado, deveria ter sido declarado nulo.

Justificam a sua pretensão porque, a seu ver, por força do disposto no art. 133º, 2, d) do CPA, em vigor na data em que foi proferido o acto impugnado e por estar em causa a violação do conteúdo essencial do direito fundamental de propriedade privada o vício gerador da invalidade deve ser qualificado como nulidade e não mera anulabilidade.

A ASSEMBLEIA MUNICIPAL DO PORTO respondeu pugnando pelo indeferimento da pretensão do requerente, por entender que o acto impugnado não foi lesivo do “conteúdo essencial” do direito de propriedade, desde logo porque à declaração de utilidade pública se segue o pagamento da justa indemnização e, portanto, o vício foi bem qualificado.

Sem vistos foi o processo submetido à conferência.

Vejamos.

Era objecto do recurso contencioso (no domínio de vigência da LPTA), uma deliberação da Assembleia Municipal do Porto, proferida no âmbito de um procedimento expropriativo destinado à execução do Plano de Pormenor das Antas, no qual foi incluído um prédio pertencente aos ora requerentes, que passou a integrar o domínio público.

O acórdão deste Supremo Tribunal, proferido em 17 de Maio de 2018, considerou que o acto impugnado violou o princípio da “proporcionalidade na vertente da sua necessidade” por entender que a “expropriação impugnada foi excessiva e que, nessa medida, a mesma violou o princípio da proporcionalidade na vertente da sua necessidade”.

Como decorre do texto do acórdão, os preceitos legais que deram suporte à decisão foram o art. 266º, 2 CRP e os artigos 2º e 3º do Código das Expropriações (citados a fls. 1534 dos autos e 16 do acórdão):

“(...) Entendimento que deriva do disposto no art. 266º, 2 da CRP onde se prescreve que “os órgãos e agentes administrativos (...) devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade”, princípio que é replicado no art. 2º do Código das Expropriações onde se estatui que “compete às entidades expropriantes e demais intervenientes no procedimento e no processo expropriativo prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos expropriados e demais interessados, observando, nomeadamente, os princípios da legalidade, justiça, igualdade, proporcionalidade, imparcialidade e boa-fé e no art. 3º do mesmo Código, que estatui, no seu n.º 1 que “a expropriação deve limitar-se ao necessário para a realização do seu fim”.

Do exposto resulta que o vício invalidante não foi a violação do conteúdo essencial do direito de propriedade.

Se assim tivesse ocorrido, o acórdão não teria justificado a invalidade com os preceitos citados (art. 266º, 2 da CRP, 2º e 3º do Código das Expropriações), bastando-lhe invocar a lesão do direito de propriedade dos recorrentes.

Deste modo, e tendo em conta o teor do acórdão, ora em causa, é evidente que não existe qualquer lapso ou erro material relativamente à qualificação do vício gerador da invalidade do acto impugnado.

Alegam ainda os requerentes que, a não existir lapso ou erro material, deverá ser reformado o acórdão, na medida em que o vício gerador da invalidade deveria ser o de violação do conteúdo essencial de um direito fundamental (direito de propriedade) e, como tal, gerador de nulidade, nos termos do art. 133º, 2, al. d) do CPA, em vigor na data da prática do acto impugnado.

Também nesta parte os requerentes não têm razão.

O art. 616º, n.º 2, b) do CPC prevê a possibilidade de reforma da decisão quando “por manifesto lapso do juiz: a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos”.

No presente caso, já vimos que não ocorreu qualquer lapso do julgador quanto às normas aplicáveis ou qualificação jurídica das consequências do vício. O Tribunal entendeu violado o princípio da proporcionalidade; indicou as normas legais que o previam; entendeu que tal princípio foi violado e extraiu as consequências jurídicas que julgou adequadas.

Não entendeu, nem o poderia ter feito, que ocorreu a violação do núcleo essencial do direito de propriedade, uma vez que – como de resto sublinha a entidade recorrida – perante a declaração de utilidade pública o “expropriado” ficou com direito à justa indemnização. O direito de propriedade não é afectado no seu núcleo essencial, pois a lei garante ao proprietário uma indemnização correspondente ao justo valor do bem. Daí que, perante a ocorrência da violação do princípio da proporcionalidade, caímos no regime regra das invalidades do acto administrativo, isto é, a anulabilidade, como decorre expressamente do art. 135º do CPA, na redacção vigente na data da prática do acto.

Não existe, assim, no discurso jurídico do acórdão qualquer “lapso manifesto”, e, portanto, não estamos perante a possibilidade de reformar o acórdão.

Face ao exposto, indefere-se a requerida correcção de erro material e o pedido de reforma do acórdão.

Custas pelo requerente, fixando a taxa de justiça no mínimo.

Lisboa, 15 de Novembro de 2018. – António Bento São Pedro (relator) – José Augusto Araújo Veloso – José Francisco Fonseca da Paz.