Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02413/09.3BEPRT 0308/15
Data do Acordão:10/28/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:PRESCRIÇÃO
INUTILIDADE
CASO JULGADO FORMAL
EXCESSO DE PRONÚNCIA
CASO JULGADO MATERIAL
Sumário:I – O despacho judicial que declara extinta a instância por inutilidade superveniente da lide na sequência de declaração, pelo órgão de execução fiscal, de extinção de parte os processos de execução em que tinha sido proferido o despacho de reversão, produz, nos termos do artigo 219.º do CPC, caso julgado formal, obstando a que o Tribunal se pronuncie sobre todas as questões que, a propósito desse despacho de reversão, tenham sido suscitados na petição inicial;
II – É nula, por excesso de pronúncia, a sentença que, posteriormente ao trânsito em julgado do despacho referido em I, conheceu das questões de mérito suscitadas pelo Oponente relativamente ao despacho de reversão proferido nos processos extintos.
III – Tendo a sentença apreciado todas as questões suscitadas pelo Oponente no único processo de execução que se mantinha activo e não tendo dela sido interposto recurso jurisdicional pela Fazenda Pública, há que concluir que, nessa parte, a sentença transitou em julgado, isto é, que a decisão aí tomada sobre a relação material controvertida tem, dentro e fora do processo, força obrigatória, (artigo 620.º do CPC), o que obsta a que este Supremo Tribunal Administrativo sobre tais questões se pronuncie novamente.
Nº Convencional:JSTA000P26602
Nº do Documento:SA22020102802413/09
Data de Entrada:03/18/2015
Recorrente:A..............
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. A………., citado na qualidade de revertido, deduziu Oposição à Execução Fiscal que corre termos no Serviço de Finanças do Porto sob o nº 3360199901012495 e apensos, instaurados para cobrança de créditos de IRC, IVA e coimas, referentes a 1999, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004 e 2006, instaurados originariamente contra “B………, Lda.”, no montante global de € 55.049,11.

1.2. Na petição inicial, após sublinhar que já apresentara requerimento arguindo a nulidade da sua citação na qualidade de revertido, pediu a extinção de todos os processos de execução fiscal contra si revertidos.

1.2.1.Quanto aos processos apensos que têm por objecto coimas, alegou ser manifesto que não pode ser responsabilizado pela coima relativa a 2006, por apenas ter sido gerente até ao ano de 2003, para além de que, não tendo a Administração Tributária alegado que o não pagamento lhe é imputável, não pode, também com este fundamento, ser responsabilizado, quer pela referida coima, quer pelas concernentes a 2001 e 2002. Invoca, por fim, que todas as coimas estão prescritas.

1.2.2. Relativamente aos demais processos, para além de excluir a sua responsabilidade no que respeita ao IVA em dívida do ano de 2004, por à data não ser já gerente da devedora originária, exclui-a igualmente relativamente a todos os demais tributos quer porque não teve culpa na omissão de pagamento, a qual se ficou a dever à absoluta falta de meios da sociedade para os liquidar e porque a sua actuação enquanto gerente em nada contribuiu para essa insuficiência. Invoca ainda que está verificada a prescrição de todas as dívidas de IVA e IRC em execução e a caducidade do direito à liquidação.

1.3. A Fazenda Pública, em contestação, começou por requerer ao Tribunal a inutilidade superveniente da lide relativamente aos processos n.ºs 3360200101000500; 3360200101014641; 3360200101016920 e 33602001010004026, suscitou o erro na forma do processo quanto à arguida nulidade de citação, defendeu a improcedência da caducidade de liquidação. No mais, reconhecendo embora alguma superficialidade na alegação da culpa do Oponente, entende que, tendo-se este assumido como gerente de facto e de direito e impendendo sobre ele o ónus de provar que não lhe é imputável a insuficiência de bens para pagamento dos tributos, devem, sem prejuízo de tal se vir a provar, prosseguir a instância.

1.4. O Oponente respondeu, vincando que não invocou como fundamento da sua pretensão a nulidade da citação, carecendo, por isso, de sentido a invocada excepção do erro na forma de processo, mantendo, no mais, a posição vertida no seu anterior articulado.

1.5. A 14-6-2012, o Oponente apresentou um requerimento no processo, informando o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que todas as execuções fiscais, com excepção da relativa ao processo n.º 3360200701003089, tinham sido declaradas extintas por prescrição, pedindo que os autos prosseguissem apenas quanto a este último e, no mais, fosse declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

1.6. Por despacho judicial de 7 de Janeiro de 2013, foi declarada a inutilidade da lide relativamente a todos os processos, com excepção do acima identificado, relativamente ao qual foi ordenado o prosseguimento da sua tramitação para aferir da validade do despacho de reversão aí proferido.

1.7. Na sequência da desistência de produção da prova testemunhal por parte do oponente e julgada desnecessária a fase de produção de alegações escritas, foram os autos com “termo de vista” ao Ministério Público que emitiu parecer no sentido de o despacho de reversão ser julgado nulo e determinada a extinção da execução.

1.8. Por sentença de 28-6-2013 foi a Oposição julgada improcedente em relação aos créditos não prescritos referentes a 2002 e 2003 e procedente quanto aos demais, extinguindo-se, apenas nesta parte, as execuções.

1.9. Notificada da sentença, veio o Oponente apresentar requerimento formulando dois pedidos. Um pedido de rectificação, com fundamento em que a sentença padeceria de manifesto lapso já que conhecera do objecto de execuções já julgadas prescritos pela Administração Tributária e relativamente às quais o Tribunal já havia declarado extinta a instância por inutilidade superveniente da lide. Subsidiariamente, um pedido de admissão de recurso jurisdicional que interpôs para este Supremo Tribunal Administrativo.

1.10. Por despacho de 8-10-2013 foi indeferido o pedido de rectificação de sentença e admitida a interposição do recurso jurisdicional.

1.11. Apresentadas as alegações de recurso, foram nestas formuladas as seguintes conclusões:

«1 – Em face do douto despacho proferido nestes mesmos autos em 7.1.2013 e transitado em julgado, que declarou extinta a oposição, por inutilidade superveniente da lide, exceto quanto à reversão operada no processo de execução fiscal nº 3360200701003089, a, aliás, douta sentença recorrida, ao não se limitar a conhecer dessa reversão, violou o disposto nos arts. 619º nº1 e 620º nº1 do CPC atual (correspondentes aos arts. 671º nº1 672º nº1 do CPC anterior).

2 – Devendo ser cumprida a decisão proferida em 7.1.2013, tal como resulta do vertido nos nºs 1 e 2 do art. 625º CPC atual (correspondente ao art. 675º nºs 1 e 2 do CPC anterior), a, aliás, douta sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que conheça a oposição apenas quanto à reversão operada no processo de execução fiscal nº 3360200701003089, julgando-a procedente (tal como já sucedeu, dado que essa execução respeita a IVA referente a 2004).».

1.12. A Fazenda Pública não contra-alegou.

1.13. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, promovendo que seja reconhecida razão ao Recorrente, por:

- “Por um lado e na parte em que a sentença se pronuncia sobre a oposição aos processos de execução fiscal que não o processo nº 3360200701003089, a mesma viola o caso julgado formal, já formado no processo, e que obsta ao seu conhecimento — artigos 576º, nº 2, e 58º do Código de Processo Civil. E nesta parte deve a sentença ser revogada e o recurso ser julgado procedente.

- Por outro e no que respeita à oposição ao processo nº 3360200701003089, cuja instância se mantinha, tendo a sentença julgado procedente a oposição e não tendo a mesma sido impugnada, a mesma transitou em julgado nessa parte.”.

1.14. Cumpre decidir, submetendo-se, para este efeito, os autos à conferência.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, na sua vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou, se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), situação em que não podem ser reapreciadas pelo Tribunal ad quem. Na sua vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

No caso concreto, atento o teor das conclusões da alegação de recurso, importa decidir se a sentença deve ser revogada, por ter conhecido de questões que lhe estava vedado apreciar, atento o trânsito em julgado de despacho anterior que as excluíra do objecto do processo e, em caso afirmativo, se deve ser proferida nova decisão apreciando as questões que soçobrava ao Tribunal apreciar após a prolação desse mesmo despacho.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

Vem provada a seguinte matéria de facto:

«1. Com vista à cobrança de créditos de IRC, IVA e coimas, referentes a 1999, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004 e 2006, e legais acréscimos, no montante global de € 55.049,11, foram instaurados contra a sociedade comercial “B………, Lda.”, Contribuinte Fiscal nº …………, o Processo de Execução Fiscal nº 3360199901012495 e apensos, a correr termos no Serviço de Finanças do Porto - 3.

2. Na Conservatória do Registo Comercial do Porto, pela Ap. 2/960731, foi registado o contrato de constituição da sociedade comercial “B…….., Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ………...

3. Na Conservatória do Registo Comercial do Porto, pela Ap. 16/010525, foi registada a designação como gerente de A……….., ora oponente.

4. Na Conservatória do Registo Comercial do Porto, pela Ap. 05/040705, foi registada a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade comercial “B……….., Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ………...

5. Em 5/4/2007, no Processo de Execução Fiscal aludido em 1, foi lavrado o despacho para audição (reversão) constante de fls. 67 que se dá por reproduzido, e determinada a notificação do oponente para exercer o direito de audição prévia em relação ao projecto de reversão.

6. A Administração Tributária remeteu ao oponente o ofício nº 2711 que consta a fls. 70, datado de 5/4/2007, que se dá por reproduzido.

7. No Processo de Execução Fiscal aludido em 1, em 8/4/2009, foi lavrada a informação e despacho de reversão constantes de fls. 76 que se dão por reproduzidos, e determinada a citação do oponente enquanto revertido.

8. A Administração Tributária remeteu ao oponente o ofício nº 2545 que consta a fls. 80, datado de 8/4/2009, que se dá por reproduzido.

9. O aviso de recepção relativo à notificação aludida em 8 foi assinado em 22/4/2009.

10. Dá-se por reproduzido o documento que consta a fls. 84/85 que consubstancia um requerimento apresentado pelo oponente no Serviço de Finanças do Porto, em 22/5/2009, no qual arguiu a nulidade da citação.

11. Em 7/12/2009 foi declarada a prescrição dos créditos de IVA e IRC relativos a 2000, 2001, em cobrança nos Processos de Execução Fiscal nº 3360200101000500, nº 3360200101014641, nº 3360200101016920, e nº 33602001010004026.

12. Dá-se por reproduzida a informação oficial que consta a fls. 48/62.

13. A presente oposição foi apresentada em 22/5/2009.

FACTOS NÃO PROVADOS

Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito, nomeadamente não se provou que o oponente “não teve culpa” pelo não pagamento dos impostos em causa, alegação conclusiva que importava concretizar em factos, e que tal incumprimento se deveu à falta absoluta de meios que ocorreu pela impossibilidade de cobrança dos créditos da devedora originária, apesar das diligências efectuadas pelo oponente, e à crise generalizada que determinou a sua inactividade em 2002 e 2003».

4. O despacho proferido a 7 de Janeiro de 2013 – relativamente ao qual é suscitada a questão de violação de caso julgado pela sentença – possui o seguinte teor:

“A………… (…) deduziu a presente oposição ao Processo de Execução Fiscal nº 3360199901012495 e apensos tendo requerido, a final, a extinção da execução.

Entretanto, os Processos de Execução Fiscal nº 3360200101000500, nº 3360200101014641, nº 3360200101016920, nº 33602001010004026, que corriam termos no Serviço de Finanças do Porto - 3, em 7/12/2009, foram extintos por prescrição, conforme documentação de fls. 256.

A fls. 275 foi junta certidão que deu conta da extinção de todos os Processos de Execução Fiscal que correm termos contra o oponente, com excepção do Processo de Execução Fiscal nº 3360200701003089.

A Fazenda Pública, a fls. 281, opôs-se à declaração da inutilidade da lide uma vez que se mantém activo o Processo de Execução Fiscal nº 3360200701003089.

A extinção dos Processos de Execução Fiscal acima mencionados torna inútil, nesta parte, a prossecução e o conhecimento da lide, porquanto esta oposição visa a extinção dos referidos processos de execução fiscal, que prosseguirá apenas em relação à reversão operada no Processo de Execução Fiscal nº 3360200701003089.

Assim sendo, em consonância com o disposto no artigo 287º, alínea e), do Código de Processo Civil, “ex vi” artigo 2º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, nesta parte, julga-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

Custas a cargo do oponente e da Fazenda Pública (artigo 450º, nº 1 e 2, alínea c), do

Código de Processo Civil).

Registe e notifique.

Transitado, conclua a fim de determinar o prosseguimento dos autos para conhecimento do mérito em relação à reversão operada no Processo de Execução Fiscal nº 3360200701003089» (negrito de nossa autoria).

5. Fundamentação de direito

5.1. O presente recurso vem interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a Oposição em relação aos créditos relativos aos anos de 2002 e 2003 e, no mais, procedente, com a consequente extinção da execução fiscal nesta parte.

Para o Recorrente o Tribunal a quo andou mal, uma vez que, tendo sido proferido, a 7-1-2013, despacho declarando extinta a Oposição por inutilidade superveniente da lide relativamente a todos os processo excepto no que respeita à reversão operada no processo de execução fiscal n° 3360200701003089, apenas quanto a este se devia ter pronunciado.

Não o fazendo, isto é, optando por conhecer da reversão relativamente aos demais processos, violou o disposto nos artigos 619°, n°1, e 620°, n°1, do Código de Processo Civil.

Idêntico entendimento perfilhou o Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo.

Adiantamos desde já que lhes assiste razão, sendo a sentença nula, na parte em que conheceu das questões colocadas pelo Recorrente e conexionadas com os despachos de reversão nesta parte, por ter conhecido de questões que, por força do caso julgado formal formado no processo, lhe estava vedado apreciar.

Começamos por salientar que o actual artigo 277.º, al. e), do CPC (cuja redacção há muito se encontra imutável no ordenamento jurídico-processual português) determina que a instância se extingue por inutilidade superveniente da lide quando, em virtude de novos factos surgidos na pendência do processo (isto é, posteriormente ao início da instância que, como é sabido, se considera proposta no momento em que é recebida a petição inicial, conforme artigos 259.º e 552.º do CPC) a decisão a proferir deixa de ter qualquer efeito útil por o fim que a parte visava realizar com a propositura da acção ter sido atingido por outro meio.

Em suma, a instância extingue-se porque o Tribunal confirmou que se tornou inútil o prosseguimento da lide, abstendo-se, por isso, de conhecer do mérito da causa.

Não sendo interposto recurso jurisdicional, esse despacho produz o mesmo efeito que uma sentença, ainda que os seus efeitos estejam limitados ao próprio processo, ou seja, adquire força de caso julgado formal, por força do preceituado no artigo 219.º do CPC.

Dito isto, vejamos o caso dos autos.

5.1.1. Como se denota do teor do despacho transcrito no ponto 4 supra, o Tribunal antes da prolação da sentença proferiu despacho declarando a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, por todas as execuções contra as quais se dirigia a Oposição, com excepção da relativa ao IVA do ano de 2004, terem sido extintas, com fundamento em prescrição, pelo órgão de execução fiscal.

Acontece porém que, embora o Tribunal a quo, na primeira parte da sentença (“Relatório”) tenha dado o devido relevo a esse despacho, fê-lo, como se constata da sua leitura, por mera remissão para as folhas do processo em que esse despacho se encontra materializado (“Por despacho de fls. 283/284 foi determinada a extinção parcial da instância por inutilidade superveniente da lide.”).

Terá sido esta singela remissão que determinou, certamente por manifesto lapso, que posteriormente o Tribunal a quo não tenha extraído as devidas consequências para efeitos de delimitação do objecto do processo, já que, quer em sede de julgamento de facto quer em sede de julgamento de direito, atribuiu a esse despacho de inutilidade da lide uma amplitude muito menor - restringindo-o à extinção, por prescrição, das execuções n.ºs 3360200101000500, nº 3360200101014641, nº 3360200101016920, e nº 33602001010004026, comunicadas pela Fazenda Pública na sua contestação – daquela que lhe devia ter reconhecido.

Na verdade, do teor do despacho que a própria sentença convoca, resulta inquestionável que essa declaração de extinção da instância abarcava todos os processos executivos com excepção do referente à execução coerciva para pagamento do IVA de 2004.

Que assim foi, resulta claramente do julgamento de direito, em que é patente que o Tribunal olvidou em absoluto o despacho a que atribuíra, a seu tempo, a devida importância mas cuja amplitude desconsiderou:

(…) foi declarada a prescrição dos créditos fiscais de IVA e IRC relativos a 2000, 2001, em cobrança nos Processos de Execução Fiscal nº 3360200101000500, nº 3360200101014641, nº 3360200101016920, e nº 33602001010004026, e no decurso dos autos foi extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

Destarte, importa apreciar os fundamentos invocados pelo oponente em relação aos demais créditos exequendos.».

Ora, como é sabido, por força do preceituado no artigo 619.º e 620.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, as sentenças e os despachos que recaem sobre a relação processual (ou seja, os despachos que se restringem a matérias adjectivas) tem força obrigatória dentro do processo. Significa isso que, após a prolação e trânsito do referido despacho estava vedado ao Tribunal a quo apreciar das questões de mérito que a propósito desses processos (e dívidas) lhe eram colocadas na petição inicial.

Tendo-o feito, é evidente que a sentença violou o caso julgado formado no processo, sendo, nesta parte, nula por excesso de pronúncia, por nela se terem conhecido questões colocadas pelo Oponente que, a partir da formação desse caso julgado, lhe estava vedado apreciar neste processo.

5.1.2. Avançando no recurso e incidindo agora a nossa atenção na segunda questão, mais concretamente na segunda pretensão formulada pelo Recorrente – que este Supremo Tribunal anule a sentença e ordene a baixa dos autos para que o Tribunal a quo profira nova sentença circunscrita ao mérito do processo de execução activo -, não cremos, por duas ordens de razões, que a mesma deva merecer o nosso acolhimento.

Desde logo, porque o quadro jurídico convocado na conclusão 2. das alegações de recurso é irrelevante para a decisão da questão colocada pelo Recorrente.

Como está bem de ver, a previsão normativa consagrada no artigo 625.º do CPC (que sob a epígrafe de “Casos julgados contraditórios”, dispõe que “1 - Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar. 2 - É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.) nenhuma solução jurídica pode oferecer para o caso concreto. Na verdade, neste preceito o que está disciplinado é a hierarquização ou ordem de prevalência dos efeitos na situação em que há duas decisões transitadas em julgado em sentido oposto, quer tenham conhecido de mérito da mesma relação controvertida em processos autónomos (n.º 1) quer tenham sido ambas proferidas sobre a mesma relação processual e dentro do mesmo processo (n.º2).

Ora, no caso, nem há duas decisões de mérito transitadas em julgado proferidas em processos autónomos nem há duas decisões proferidas nestes autos que tenham apreciado a mesma relação processual. Pelo que, em conclusão, não é, repita-se, o quadro jurídico convocado pelo Recorrente que nos permite resolver a questão que nos colocou.

Acresce que, e esta é já a segunda razão da nossa discordância, distintamente do que vem defendido pelo Recorrente, a violação do caso julgado no caso concreto não tem por efeito necessário a prolação de nova sentença com exclusiva apreciação das questões suscitadas a propósito do despacho de reversão e da exigibilidade da dívida relativa a IVA de 2004.

Na verdade, como muito bem salientou o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, a Meritíssima Juíza na sentença recorrida conheceu de todas as questões que o Oponente suscitara relativamente à reversão daquele processo, quer a relativa à caducidade do direito a liquidar, quer a relativa à prescrição, quer, por fim, a relativa à ilegitimidade do Oponente com fundamento na inexistência de culpa na falta de pagamento dos tributos por a insuficiência de bens no património da sociedade para assegurar esse pagamento não ter resultado da sua actuação enquanto gerente.

No que refere aos dois primeiros fundamentos referidos, a sentença recorrida julgou-os improcedentes, isto é, conclui que nem se verificava a caducidade do direito de liquidar nem a prescrição dos créditos exequendos.

No que se reporta ao terceiro – inexistência de culpa na insuficiência patrimonial -, a sentença efectuou uma distinção, autonomizando os processos cujas dívidas se tinham constituído durante o período em que o Oponente se reconhecera como gerente e aquelas que se tinham constituído antes e após essa gerência ter findado.

Quanto às primeiras, defendendo o entendimento de que era sobre o revertido que impendia o ónus de provar essa inexistência de culpa e não logrando encontrar no probatório factos capazes de a sustentar, julgou a Oposição improcedente.

No que respeita às segundas, nas quais se inclui a dívida de IVA do ano de 2004 em cobrança coerciva no processo n.º 3360200701003089, já que o Oponente apenas tinha exercido a gerência da devedora até ao ano de 2003, entendeu que era à Administração Tributária que competia provar que o não pagamento, incluindo por falta de bens para tal por parte da sociedade devedora originária, era imputável ao Oponente, o que, não tendo logrado demonstrar, determinava a procedência da acção, o que, a final, declarou.

Nesta parte a sentença recorrida não padece de excesso de pronúncia, substanciando, tão só, o dever de apreciação de mérito da reversão operada no processo n.º 3360200701003089 que se impunha realizar, o que permite que seja reconhecida como válida e mantida na ordem jurídica.

Ora, não tendo a sentença nessa parte sido objecto de recurso jurisdicional por parte da Fazenda Pública, há que concluir que transitou em julgado.

Na verdade, por força do preceituado no artigo 620.º, n.º 1 do CPC, transitada em julgado a sentença que decidiu do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, razão pela qual partilhamos o entendimento professado pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto no sentido de que, nesse contexto, não tem – nem pode – este Supremo Tribunal Administrativo reapreciar nessa parte a sentença recorrida.

Em suma:

I - O despacho judicial que declara parcialmente inútil a lide na sequência de despacho de órgão de execução fiscal que declarou extintas parte das execuções cuja reversão é discutida no processo produz caso julgado formal, nos termos do artigo 219.º do CPC, obstando a que o Tribunal se pronuncie sobre todas as questões que a propósito desses despachos de reversão tenham sido suscitados na petição inicial;

II – Se o Tribunal a quo, não obstante a existência do referido despacho, vem posteriormente na sentença a conhecer na sentença das questões referidas em I, há que julgar nula, nessa parte, a sentença recorrida, por excesso de pronúncia;

III – Tendo na mesma sentença sido apreciadas todas as questões suscitadas pelo Oponente no único processo de execução que se mantinha activo e relativamente ao qual a instância prosseguira e não tendo dessas decisões sido interposto recurso jurisdicional, há que julgar que a sentença nesta parte transitou em julgado, isto é, que a decisão aí tomada sobre a relação material controvertida tem, dentro e fora do processo, força obrigatória, obstando a que este Supremo Tribunal Administrativo sobre ela se pronuncie novamente.

6. DECISÃO

Face a todo o exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, em anular a sentença recorrida, por excesso de pronúncia, na parte em que apreciou e decidiu da validade do despacho de reversão relativo a todos os processos de execução fiscal, excepto no que respeita ao processo n.º 33602007010003089, mantendo, quanto a este último, na ordem jurídica, o julgamento realizado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

Custas pela Recorrida.

Registe e notifique.

Lisboa, 28 de Outubro de 2020. – Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) - José Gomes Correia - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.