Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0308/22.4BECTB
Data do Acordão:02/01/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
SUPRIMENTOS
PROPOSTA
INTERESSE EM AGIR
Sumário:I - O art. 72º nº3 do CCP não é incompatível com o art. 146º n.º 2 al d) do CCP que prevê expressamente a exclusão das propostas que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos no art. 57º n.º 4 e 5 do CCP. O art. 72º nº3 está previsto precisamente para as situações que implicariam a exclusão do concurso mas que, por não se tratar de formalidade essencial, o legislador entendeu que se justificava o convite ao suprimento.
II – A falta de poderes conferidos através de procuração para intervir no procedimento, inclui-se no âmbito do referido art. 72º, 3, c) do CCP, devendo assim, o júri solicitar o suprimento dessa irregularidade.
III – A rectificação do erro de escrita é oficiosamente corrigido, desde que seja evidente para qualquer destinatário a existência do erro e os termos em que o mesmo deve ser corrigido - art 72º, 4 do CCP.
IV – Tem interesse em agir e, desse modo, pode impugnar o acto de adjudicação o candidato cuja exclusão no concurso não está firme (sem trânsito em julgado formal) e que discute na acção a decisão que o excluiu a decisão que admitiu a proposta vencedora do mesmo concurso.
Nº Convencional:JSTA000P31865
Nº do Documento:SA1202402010308/22
Recorrente:A..., S.A. (E OUTROS)
Recorrido 1:MUNICÍPIO DO FUNDÃO (E OUTROS)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO



1. RELATÓRIO
1.1. A..., S.A. e B..., L.D., vêm, nos termos do art. 150º do CPTA, recorrer, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13 de Julho de 2023, que negou provimento ao recurso interposto da sentença do TAF de Castelo Branco, a qual julgou improcedente a ACÇÃO ADMINISTRATIVA por si intentada contra o MUNICÍPIO DO FUNDÃO, indicando como contra-interessadas as seguintes entidades: C..., S.A., D..., LDA., E..., S.A., F..., S.A., G..., S.A. e H..., S.A.
1.2. Na referida acção as Autoras impugnaram judicialmente a deliberação, de 17/11/2022, da CÂMARA MUNICIPAL DO FUNDÃO que adjudicou à referida "C..." o concurso público internacional n.º 65/SC/2022, denominado "Aquisição de Serviços de Recolha e Transporte a Destino Final Adequado de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) do Concelho do Fundão", bem como a condenação da entidade demandada a excluir a proposta apresentada por esta contra-interessada, adjudicando-lhes o contrato ou, subsidiariamente, que seja anulado o procedimento a partir do Relatório Preliminar, nomeando-se um novo júri.
1.3. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco julgou a acção improcedente, com a consequente absolvição do Município do Fundão e das Contra-interessadas dos pedidos, bem como julgou verificada a excepção dilatória de falta de interesse em agir arguida e, em consequência, absolver a Entidade Demandada e as Contra-interessadas da instância quanto ao pedido de anulação do ato deliberativo de 17.11.2022, na parte em que admitiu e adjudicou a proposta da Contra-interessada C..., S.A.
1.3. Interposto recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, este concedeu parcial provimento ao recurso jurisdicional, revogando a sentença recorrida na parte em que julgou verificada a falta de interesse em agir e, em substituição, julgou improcedente o pedido de condenação da entidade demandada a proferir ato administrativo no qual determine a exclusão da proposta da contra-interessada C... e a adjudicação do contrato às AA, mantendo o julgamento de total improcedência da acção.
1.4. Deste aresto foi interposto o presente recurso de revista, tendo as Autoras concluído:
- A decisão do TCAS quanto ao fundamento de exclusão da proposta do Recorrente contraria a jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo, do Tribunal de Contas, do Tribunal de Justiça da União Europeia, o DL nº 111-B/2017, de 31 de Agosto, quer quanto à alteração que plasmada no nº 3 do artigo 72º do CCP, quer quanto às profundas inovações através dele introduzidas no CCP, na procura da simplificação, desburocratização e flexibilização dos procedimentos de formação dos contratos públicos, com vista ao aumento da eficiência da despesa pública e à promoção de um melhor e mais fácil acesso a tais contratos por parte dos operadores económicos diploma que recuperou a possibilidade de sanação da preterição de formalidades não essenciais pelas propostas apresentadas, evitando exclusões despropositadas e prejudiciais para o interesse público.
- A decisão proferida pelo TCAS quanto a esta questão viola o disposto no nº 3 do artigo 72º do CCP, introduzido pelo citado DL nº 111-B/2017, que impõe ao júri o dever de solicitar aos candidatos que procedam ao suprimento das irregularidades das suas propostas causadas por preterição das formalidades não essenciais, como seria o caso, o princípio do favor participationis, ou do favor do procedimento, que impõe, em caso de dúvida, que se privilegie a interpretação da norma que favoreça a admissão da proposta; viola também os princípios da prossecução do interesse público, igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa-fé, consagrados nos artigos 4º e 6º a 10º do CPA, e contraria a jurisprudência uniforme do STA nesta matéria, claramente espelhada, entre outros, nos doutos Acórdãos de 22/5/2015, de 9/7/2020, 19/11/2020 e 29/4/2021, proferidos, respectivamente, nos Processos nºs 0542/15, 00357/18.7TEFUN, 0185/19.2BEPDL e 0188/20.4BELLE (todos disponíveis em www.dgsi.pt).
- A admissão do presente recurso revela-se importante pela necessidade de garantir a uniformização do direito pela instância de cúpula do sistema judicial administrativo, sendo manifesta a importância fundamental da questão, decorrente da sua relevância jurídica e social, e a necessidade da sua admissão para uma melhor aplicação do direito, quanto a ambas as questões objeto do recurso.
- O presente recurso tem por objecto apenas duas questões, a primeira respeitante à proposta das Recorrentes, que o júri excluiu invocando diversas causas, decisão que a 1ª instância manteve integralmente, e a 2ª instância sufragou apenas parcialmente, mantendo a exclusão, mas apenas com base numa das causas invocadas pelo júri, e a segunda referente à proposta da contra-interessada “C...”, cuja proposta as Recorrentes consideram dever ser excluída, mas que o não foi, porquanto o júri entendeu que a situação invocada constitui erro de escrita, que oficiosamente supriu.
1ª QUESTÃO:
DA EXCLUSÃO DO “AGRUPAMENTO A...”, COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 146º, Nº 2, AL. E) DO CCP, POR INCUMPRIMENTO DOS N.ºs 4 E 5 DO ARTIGO 57º DO MESMO CÓDIGO
- A sentença proferida em 1ª instância e o Acórdão recorrido, na esteira da proposta do júri e subsequente decisão do Réu Município, manteve a decisão de exclusão da proposta das Recorrentes, por considerar que ocorre violação do disposto no nº 4 do artigo 57º do CCP, que exige a assinatura de todos os documentos de instrução da proposta pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar e que a consequência de tal incumprimento é a exclusão da proposta, ao abrigo do disposto no artigo 146º, nº 2, al. e), do mesmo código, e não o convite ao concorrente para vir sanar tal vício.
– Resulta dos autos que com a proposta das Recorrentes foi junta procuração, lavrada em 9/12/2013, no Cartório Notarial da Notária AA, no Fundão, pela qual BB, na qualidade de único sócio e gerente da Sociedade “B..., UNIPESSOAL, LDA”, confere a CC, entre outros, os necessários poderes para, em nome da sua representada:
“(…)
h) Celebrar contratos, acordos e outros atos comerciais, no contexto das atividades correntes da sociedade e no âmbito do seu objeto;
i) Representar a sociedade mandante junto das Repartições de Finanças, Câmaras Municipais (…), requerendo e assinando tudo o que for necessário para os indicados fins; (…)
m) Subscrever, celebrar ou apresentar propostas para execução de obras, em concursos e/ou adjudicações, sejam públicas ou privadas, assinar e ou outorgar quaisquer contratos de empreitada;
(…)”.
- O Acórdão recorrido, seguindo o entendimento perfilhado pelo tribunal de 1ª instância, que sufragou a posição adoptada pelo júri do concurso e acolhida pelo Réu Município, concluiu que o instrumento de mandato - a aludida procuração junta com a proposta das Recorridas, passada a favor de CC - limitava os poderes para obrigar a sociedade “B...”, fora da sua gestão corrente, a procedimentos (públicos ou privados) de concurso e/ou adjudicação, à subscrição, celebração e apresentação de propostas para a execução de obras, o que não é o caso do presente procedimento.
- Em termos puramente literais, da procuração em apreço consta que foram conferidos poderes à mandatária, CC, para celebrar contratos, acordos ou outros atos comerciais, no contexto das actividades correntes da sociedade e no âmbito do seu objecto” (alínea h)), bem como para, de forma plena e irrestrita, celebrar quaisquer contratos acordos ou outros atos comerciais, desde que no âmbito do seu objeto.
- Da certidão permanente da sociedade mandante (“B...”) resulta que esta tem por objeto “a prestação de serviços na área da construção e comercialização de produtos para o setor; actividades de gestão de resíduos e limpeza pública em geral e industrial”, inserindo-se, assim, a prestação dos serviços objeto do concurso em causa nos autos no objeto social da B..., LDA”.
10ª – A mandante não restringiu o tipo de contratos, acordos ou outros atos que a mandatária podia praticar, pelo que devem considerar-se incluídos os contratos de aquisição de serviços objeto do concurso em apreço, bem como a prática de quaisquer atos aos mesmos inerentes.
11ª - Da redação da alínea m) da procuração decorre que a mandante utilizou a expressão genérica “obras”, sendo que o substantivo “obra” tanto pode significar o resultado de uma ação ou de um trabalho, produto; efeito, como pode significar, no plural, ações ou trabalhos.
12ª - Tal substantivo é, assim, compatível com prestação de serviços, pois, tendo a mandante conferido à mandatária, pela aludida procuração, poderes para celebrar contratos, acordos e outros atos comerciais, no âmbito do seu objeto, é inquestionável que nestes se incluem contratos de prestação de serviços inerentes à atividade de gestão de resíduos e limpeza pública em geral, que integra o seu objeto social.
13ª - Prescreve o nº 1 do artigo 236º do Código Civil, que “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocando na posição real do declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”, dispondo, por seu turno, o nº 2 que, “sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ele que vale a declaração emitida”, sendo que, nos negócios formais – como é o caso -, “(…) não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso” – artigo 238º, nº 1, do Código Civil.
14ª - As declarações exaradas na procuração em causa nos autos têm manifesta correspondência com a interpretação de que, com as mesmas, a mandante quis conferir à mandatária poderes para a representar em quaisquer concursos, sejam os mesmos de aquisição de serviços, sejam de empreitada. Mais:
15ª - Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida (artigo 236º, nº 2 do CC) e, se subsistirem dúvidas sobre o sentido da declaração – que se nos afigura que “in casu” não sucede -, prevalece, nos negócios onerosos, o sentido que conduzir ao maior equilíbrio das prestações (artigo 237º do CC).
16ª - No caso sub judice é manifesto que da interpretação da procuração junta pelas Recorrentes, resulta, para um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, que a mandante quis conferir à mandatária poderes para, em sua representação, subscrever, celebrar ou apresentar propostas para a execução quer de aquisição de serviços, quer de empreitadas, bem como para celebrar os respetivos contratos.
17ª - Tal sentido ou interpretação tem correspondência no texto da procuração, sendo que, além disso, o declaratário conhecia a vontade real da declarante.
18ª – Se houvesse dúvidas, a interpretação que conduz ao maior equilíbrio das prestações é, sem margem para dúvidas, a de que a declarante pretendeu conferir à mandatária poderes para a representar em procedimentos pré-contratuais com vista à aquisição de serviços, desde que no âmbito do seu objeto social.
19ª - As regras contidas nos artigos 236º a 238º do CC constituem critérios interpretativos dirigidos ao juiz e às partes. O que basicamente se retira do artigo 236º do CC é que, em homenagem aos princípios da proteção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, dá-se prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário. A lei, no entanto, não se basta com o sentido compreendido pelo declaratário (entendimento subjetivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal, típico, colocado na posição do real declaratário, depreenderia (sentido objetivo para o declaratário) – cfr. Acórdão do STJ de 12/6/2012 (Proc. nº 14/06.7TBCMG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
20ª - Como escreve Paulo Mota Pinto (in, “Declaração Tácita e Comportamento Concludente No Negócio Jurídico”, pág. 208), “há que imaginar uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas figurando-a na posição do real declaratário, isto é, acrescentando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas (mesmo que um declaratário normal delas não tivesse sabido – por exemplo, devido ao facto do real declaratário ser portador duma cultura invulgarmente vasta e superior à média) e o modo como aquele concreto declaratário poderia, a partir delas, ter depreendido um sentido declarativo”.
21ª - A procuração em apreço foi apresentada no âmbito do procedimento de concurso público internacional para “aquisição dos serviços de recolha e transporte a destino final adequado de resíduos sólidos urbanos (RSU) do Concelho do Fundão”, pelo que, apresentando as Recorrentes uma proposta no concurso em apreço cuja natureza se enquadra no objeto social de ambas as sociedades, só pode concluir-se que o júri do concurso tinha perfeito conhecimento de que a vontade real da declarante (a mandante que outorgou a procuração em representação da “B...”) era conferir poderes à mandatária para a representar no concurso, nomeadamente para assinar a proposta e todos os documentos à mesma inerentes, tanto mais que é suposto que o mesmo (júri) é formado por pessoas com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência, no mínimo, medianos para as funções que lhe foram cometidas, o qual analisou a proposta das Recorrentes e teve acesso à certidão permanente desta, da qual resulta que a aquisição dos serviços objeto do concurso se insere no âmbito da atividade de ambas as recorrentes.
22ª - Face a todos os elementos que integram a proposta apresentada pelas Recorrentes, qualquer declaratário normal, colocado na posição dos reais declaratários (o júri do concurso), concluiria que o substantivo “obras”, no plural, no contexto de tal acervo documental e da própria procuração, tem o sentido de trabalho, tarefa, ações, e, por isso, é compatível com aquisição/prestação de serviços.
23ª - situando-se a questão no âmbito da interpretação do sentido da declaração contida na procuração junta pela concorrente com a sua proposta, é suficiente, convocando as regras da interpretação dos negócios jurídicos estabelecidas nos números 1 dos artigos 236º e 238º do Código Civil, que aqueles poderes tenham um mínimo de correspondência no seu enunciado escrito e que um declaratário normal, colocado na posição de real declaratário, possa deduzir esse sentido daquele enunciado.
24ª - Os poderes conferidos a CC para representar a “B...” no presente concurso têm um mínimo de correspondência no enunciado escrito da procuração e qualquer declaratório normal, colocado na real posição do declaratário – o júri do concurso -, pode concluir que a mandante pretendeu, com a procuração em apreço, conferir poderes à mandatária para a representar neste concurso, assinando a proposta e todos os demais documentos à mesma inerentes.
25ª - A procuração em causa, junta com a proposta das Recorrentes, deve ser, assim, interpretada com o sentido de que a “B..., LDA” pretendeu conferir através da mesma à mandatária pela mesma constituída, CC, poderes de representação no concurso público de aquisição de serviços em causa nos autos. Mais:
26ª - Como se decidiu, entre outros, no citado Acórdão do STA de 29/4/2021, proferido no processo 188/20.4BELLE, “no domínio da contratação pública deve observar-se o princípio do favor participationis, ou do favor do procedimento, que impões que, em caso de dúvida, se privilegie a interpretação da norma que favorece a admissão de concorrente, ou da sua proposta” – a este respeito, Rodrigo Esteves de Oliveira, “Os Princípios Gerais da Contratação Pública”, in Estudos de Contratação Pública, CEDIPRE, Coimbra, 2008, p. 113.
27ª – Acresce que, não estando em causa o igual respeito pelo princípio da adequação formal do procedimento, nem exigências formais essenciais, não há razões para excluir uma proposta cuja admissão apenas favorece a concorrência, sendo que a função do procedimento não é dificultar a admissão dos concorrentes e suas propostas, mas antes assegurar que a administração dispõe do maior leque de opções possíveis para satisfazer a necessidade pública que o objeto do concurso, direta ou indiretamente, visa concretizar, e que está em condições de fazer a escolha mais adequada a essa finalidade.
28ª - O nº 4 do artigo 57º do Código dos Contratos Públicos não exige que os poderes de assinatura da proposta sejam especificados na procuração conferida ao seu signatário, limitando-se a exigir que a mesma seja assinada por quem tenha poderes para obrigar o concorrente.
29ª - Se, porventura, o júri tinha dúvidas quanto à suficiência dos poderes conferidos por tal procuração à mandatária CC, que assinou a proposta e toda a documentação inerente à proposta, deveria ter dado cumprimento ao disposto no nº 3 do artigo 72º do CCP, no qual se prevê a possibilidade (o dever) de solicitar a apresentação de documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta.
30ª - Tal norma foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, sendo a respetiva teleologia destacada no preâmbulo do diploma, que passamos a citar: “recuperação da possibilidade de sanar a preterição de formalidades não essenciais pelas propostas apresentadas, evitando exclusões desproporcionadas e prejudiciais para o interesse público”.
31ª - Como se sublinha no Acórdão do Tribunal de Contas nº 29/201927.JUL-1.ªS/SS, viola os “princípios da legalidade, igualdade, justiça, imparcialidade e boa-fé a exclusão de candidatura ou de proposta exclusivamente por força de mera formalidade não essencial em sentido contrário ao disposto no artigo 72.º, n.º 3, do CCP”, violação que no caso sub judice tem a agravante de nem sequer ter sido concedido às Recorrentes qualquer prazo para satisfazerem essa formalidade ou prova de poderes – nessa linha, no Acórdão nº 29/2019-27.JUL-1.ªS/SS do Tribunal de Contas, o excluído era candidato e foi-lhe conferido um prazo para suprir as formalidades determinantes da exclusão.
32ª - Na mesma linha jurisprudencial, no Acórdão do Tribunal de Contas nº 01/2020-07.JAN-1.ªS/SS, decidiu-se que a omissão relativa à falta de demonstração dos “poderes de representação de quem assinava, era susceptível de ser suprida e o júri deveria ter solicitado ao concorrente esse suprimento, em face do estatuído no n.º 3 do artigo 72.º do CCP, incluindo, se fosse o caso, através da junção de documento comprovativo dos necessários poderes de representação”, concluindo-se que “não se compreende decisão de exclusão sem que tenha sido dada a possibilidade de supressão da irregularidade”.
33ª – Por seu turno, no Acórdão do Tribunal de Contas nº 17/2020 – 25 de Março – 1º S/SS, salienta-se que o n.º 3 do artigo 72º do CCP reportasse a um dever do júri que não tinha expressão legal no regime anterior à revisão de 2017 do CCP, que este deve cumprir quando, tal como sucede no caso sub judice, o suprimento em causa não é suscetível de introduzir qualquer alteração nas qualidades da proposta, não tendo, consequentemente, qualquer impacto na sã concorrência, referindo ainda em tal aresto que “a exclusão suportada pelo júri nos artigos 57.º, nºs 1 e 4, e 146º, n.º 2, alínea e), do CCP, tem por base preceitos que, no plano do direito nacional, têm de ser articulados com o artigo 72º, n.º 3, do CCP e, além do valor da concorrência, com os princípios da prossecução do interesse público, igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa-fé consagrados nos artigos 4º e 6º a 10º do Código de Procedimento Administrativo (CPA)”.
34ª - Assim, a opção do júri de excluir a proposta das aqui Recorrentes, violou a imposição legal estabelecida pelo nº 3 do artigo 72º do CCP e os princípios da transparência, igualdade e concorrência, que constituem a base axiológica do direito da União Europeia, plasmados de forma expressa no artigo 1º-A, nº 1, do CCP.
35ª - Caso assim não se entenda – no que não se concede -, deve considerar-se que tal procuração até seria desnecessária, dado que todas as peças processuais se encontram assinadas por BB, que, além de Administrador Único da sociedade “A..., S.A.”, é também gerente da sociedade “B..., Lda”, que, embora tenha dois gerentes nomeados, se vincula com a assinatura de qualquer um deles.
36ª - A indicação da qualidade de gerente prescrita no nº 4 do artigo 260º do Código das Sociedades Comerciais, não precisa de ser expressa, podendo ser deduzida, nos termos do artigo 217º do Código Civil, de factos que, com toda a probabilidade, a revelem (podendo ainda ser aceite, ainda que de forma implícita, pela sociedade), sendo que o disposto no nº 4 do artigo 260º do CSC visa proteger terceiros perante a sociedade, em atos nos quais os sócios-gerentes intervenham, em nome da sociedade e em atos para os quais tenham poderes, mesmo que esses poderes estejam limitados pelo contrato social ou por deliberação dos sócios, sendo aceite, de forma pacífica, quer na doutrina quer na jurisprudência, não ser necessário constar, de forma expressa do documento, a qualidade de gerente da sociedade obrigada - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/3/2014 (Processo nº 38/12.5TBPRG-A.P1, disponível em www.dgsi.pt).
37ª - O Acórdão do STJ nº 1/2002, publicado no DR, 1ª série, de 24/1/2002, veio pôr fim à querela jurisprudencial que se havia instituído quanto a esta questão, uniformizando jurisprudência, nos termos seguintes: - “A indicação da qualidade de gerente prescrita no nº 4 do artigo 260º do Código das Sociedades Comerciais, pode ser deduzida, nos termos do artigo 217º do Código Civil, de factos que, com toda a probabilidade, a revelam”.
38ª – No caso em apreço, a qualidade de gerente da “B...” do aludido BB nem sequer é controvertida, pois resulta da certidão permanente desta sociedade, que integra os documentos da proposta das Recorrentes, sendo que a qualidade de gerente da “B...” daquele e a aceitação, por parte desta, da sua intervenção, apondo a sua assinatura em representação da mesma nos documentos da proposta, foi expressamente manifestada ao júri do concurso na pronúncia apresentada na sequência do relatório preliminar.
39ª – Devem, por isso, considerar-se validamente assinados pelo aludido BB, em representação da sociedade “B...”, todos os documentos que integram a proposta das Recorrentes.
40ª – Mesmo que se considere que os documentos da proposta das Recorrentes se mostram também assinados por CC, intitulando-se representante da “B...” e que a procuração a que se vem aludindo não lhe conferia poderes suficientes para tal, tal irregularidade deve considerar-se sanada com a assinatura dos mesmos pelo gerente daquela sociedade, BB, que foi quem, em representação desta, conferia o mandato expresso na dita procuração.
EM SUMA:
41ª - Caso se considere que a procuração em apreço enferma de insuficiência de poderes e que o gerente da “B...”, que interveio na mesma na qualidade de representante da mandante, que embora também assine todos os documentos que integram a proposta, não o faz em representação desta, deve considerar-se que com a sua assinatura foi sanada a falta ou vício formal de insuficiência de poderes da procuração.
42ª - Ainda que assim não se entenda, no que não se concede, deveria ter-se notificado o “Agrupamento A...” para sanar a falta ou vício, nos termos do preceituado no artigo 73º, nº 3, do CCP, sendo tal omissão irregularidade consubstanciadora de nulidade, que expressamente se invoca, para todos os legais efeitos.
43ª – Deve, pelo exposto, alterar-se o Acórdão recorrido, considerando-se que a exclusão da proposta das recorrentes com o fundamento em causa é ilegal, declarando-se que a procuração em causa confere à mandatária os necessários poderes para representar a sociedade “B...” no concurso ou, quando assim não se entenda, considerando-se que a intervenção do gerente desta sociedade supre a insuficiência de poderes ou, quando ainda assim não se entenda, anulando-se todo o procedimento até ao relatório preliminar, ordenando-se ao júri que dê cumprimento ao disposto no nº 3 do artigo 72º no CCP
2ª QUESTÃO:
DA EXCLUSÃO DA PROPOSTA DA CONCORRENTE “C...”
44ª - Na pronúncia apresentada pelos aqui Recorrentes pugna-se pela exclusão da proposta apresentada pela concorrente “C...”, com os fundamentos que aí alegaram e se reproduziram e desenvolveram nas presentes alegações.
45ª – A concorrente “C...” apresenta na sua proposta a constituição das equipas que se propõe afetar à realização dos trabalhos, resultando do respetivo mapa, bem como da Nota Justificativa do preço proposto, que as equipas de recolha de Resíduos Verdes e Monos, bem como a de lavagem e higienização de contentores são constituídas apenas por 1 motorista e 1 cantoneiro (Pág. 16 do doc. d)), o que é reforçado no mapa apresentado na Página 103 do Plano de Trabalhos e na Nota Justificativa do preço proposto.
46ª – No procedimento, quanto ao documento C) 1.2.2 Plano de Trabalhos e Memória Descritiva e Justificativa, refere-se:
Este documento, apresenta de forma pormenorizada, os Programas de Trabalhos e respetivas Metodologias previstas nas peças e procedimento, e em especificamente no descrito na Parte II Cláusulas Técnicas, com especificação pormenorizada, acima do exigido do caderno de encargos, demonstrando com clareza as vantagens técnicas das opções tomadas na planificação dos trabalhos, meios humanos e meios técnicos e plena comunhão com este documento.
Destaca-se ainda, que está em total coerência com o documento E) 1.2.4 NJ.
47ª - Da proposta apresentada pela “C...” consta o seguinte:
“5 EXECUÇÃO OPERACIONAL DOS DIVERSOS SERVIÇOS
1 - RECOLHA E TRANSPORTE DE A DESTINO FINAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS
A equipa será constituída pelos elementos respetivos, motorista, cantoneiros (dois), viatura e respetivas ferramentas, esta recebe semanalmente através do seu chefe de equipa (normalmente o motorista) o plano de serviços na quarta-feira da semana o Plano de Trabalhos Semanal, para o executar semana seguinte, através da aplicação VISION. O Chefe de equipa terá de confirmar a sua aceitação (ou propor alterações) no máximo um dia após a sua receção (até à quinta-feira)” (pág. 38).
Consta mais à frente que todo o detalhe, meios humanos e equipamentos afetos podem ser consultados nos Anexos deste documento, assim como no livro D) 1.2.3 Plano de equipamentos e RH (pág. 41).
48ª - No mesmo documento, a fls. 44 da proposta da “C...” consta:
“2. RECOLHA E TRANSPORTE DE A DESTINO FINAL DE RECOLHA DE MONSTROS E VERDES
A equipa será constituída pelos elementos respectivos, motorista, cantoneiros, viatura e respetivas ferramentas, esta recebe semanalmente através do seu chefe de equipa (normalmente o motorista) o plano de serviços na quarta-feira da semana, o Plano de Trabalhos Semanal para o executar semana seguinte, através da aplicação VISION. O Chefe de equipa terá de confirmar a sua aceitação (ou propor alterações) no máximo um dia após a sua receção (até à quinta-feira).
Todo o detalhe, meios humanos e equipamentos afetos podem ser consultados nos Anexos deste documento, assim como no livro D) 1.2.3 Equipamentos e RH”.
49ª - No mesmo documento, a fls. 58 da proposta da “C...”, consta: “5. LIMPEZA E HIGIENIZAÇÃO DE CONTENTORIZAÇÃO. A equipa será constituída pelos elementos respetivos, motorista, cantoneiros, viatura e respetivas ferramentas, esta recebe semanalmente através do seu chefe de equipa (normalmente o motorista) o plano de serviços na quarta-feira da semana o Plano de Trabalhos Semanal, para o executar semana seguinte, através da aplicação VISION. O Chefe de equipa terá de confirmar a sua aceitação (ou propor alterações) no máximo um dia após a sua receção (até à quinta-feira). Todo o detalhe, meios humanos e equipamentos afetos podem ser consultados nos Anexos deste documento, assim como no livro D) 1.2.3 Equipamentos e RH”.
50ª - Assim, da simples análise do texto respeitante a tais operações, resulta claro que o concorrente “C...” quando se propôs afetar dois ajudantes às respetivas equipas fez clara referência a tal, colocando entre parenteses o número de cantoneiros, para que não restassem quaisquer dúvidas, e fê-lo unicamente para as equipas de recolha de RSU.
51ª - Como refere em todas as descrições, ênfase essa corroborada no livro D) 1.2.3 Equipamentos e RH, documento este onde afirma, e citamos: “e) 1.2.3 Equipamentos e Recursos Humanos:
Este documento, apresenta de forma pormenorizada e completa a descrição dos equipamentos e meios humanos a utilizar nesta prestação de serviços, acima do exigido do caderno de encargos, demonstrando com clareza as vantagens técnicas das opções tomadas na planificação dos trabalhos, em plena comunhão com o Programa de Trabalhos.
Destaca-se ainda, que este, está em total coerência com o documento e) 1.2.4 NJP (Nota justificativa de preço proposto) e clara opção por equipamentos de reduzido impacto ambiental” (sublinhado nosso).
52ª - É, pois, evidente que, como o detalhe do livro D) 1.2.3 que consta do quadro seguinte demonstra, na Pág. 16, a concorrente “C...” incorpora apenas 1 cantoneiro nas operações de recolha de monstros/verdes (CT_09) e Lavagem de contentores (CT_12) – equipas E e H, sendo alocado para a primeira 1 cantoneiro a 33% e para a segunda 1 cantoneiro a 70%, quanto para as equipas de recolha RSU – equipas A, B, C e D – são alocados 2 Cantoneiros para uma.
53ª - O que tudo está em consonância com o que consta do Plano de Trabalhos ( 1.2.2) na sua página 103, onde a concorrente “C...” apresenta a constituição das equipas que se propõe afetar à realização dos trabalhos, do qual resulta que as equipas de recolha de Resíduos Verdes e Monstros, bem como a de lavagem e higienização de contentores são constituídas apenas por 1 motorista e 1 cantoneiro, estando, uma vez mais, em quadros diferentes, referenciada a indicação do código dos ajudantes de cada uma das equipas; e, neste caso, com a coluna respeitante ao segundo ajudante traçada com ifen (-), indicando expressamente que não está previsto 2º ajudante - cf.. processo administrativo instrutor. Assim
54ª - A concorrente “C...” claramente previu e planeou os trabalhos e quantificou os custos inerentes a tais serviços com recurso a equipas com apenas 1 ajudante, o que viola frontalmente aspetos da execução do contrato não sujeitos à concorrência e claramente afirmados pelo júri na resposta aos esclarecimentos solicitados quanto a essa questão.
55ª - Assim, no que concerne à RECOLHA DE RSU, MONSTROS E REE, a concorrente “C...” afeta apenas os custos de 1 motorista e de um cantoneiro a 33%, imputando o custo de € 4.983,00 (quatro mil novecentos e oitenta e três euros) ao cantoneiro a 33% e o custo de € 5.675,00 (cinco mil seiscentos e setenta e cinco euros) ao motorista, igualmente a 33%.
56ª - No que tange à equipa de LAVAGEM DE EQUIPAMENTOS, a concorrente “C...” afeta apenas os custos de um motorista e um cantoneiro a 70% cada, no montante, respetivamente, de € 12.037,00 (doze mil e trinta e sete euros) e de € 10.570,00 (dez mil quinhentos e setenta euros).
57ª - Tal incumprimento do número de cantoneiros previstos no Caderno de Encargos para tais equipas reflecte-se nos custos finais dos serviços, influenciando diretamente o custo anual com pessoal e, consequentemente, o custo total anual, conforme quadro resumo de custos dos serviços junto com a proposta, que seguidamente se apresenta.
58ª - O custo total anual constante da proposta da “C...”, que reflete nos dois serviços supra aludidos apenas o custo de um cantoneiro em cada um deles, cifra-se em € 579.497,00 (quinhentos e setenta e nove mil quatrocentos e noventa e sete euros), o que multiplicado pelos 5 anos da prestação de serviços totaliza € 2.897,483,90 (dois milhões oitocentos e noventa e sete mil quatrocentos e oitenta e três euros e noventa cêntimos), que corresponde ao preço total da proposta apresentada.
59ª - Se a proposta da “C...” previsse dois cantoneiros para cada um dos aludidos serviços, ainda que afetados apenas a 33% e 70%, como afetou o único cantoneiro previsto na proposta para os mesmos, o preço desta aumentaria para € 2.975.248,90 (dois milhões novecentos e setenta e cinco mil duzentos e quarenta e oito euros e noventa cêntimos), ou seja, mais € 77.765,00 (setenta e sete mil setecentos e sessenta e cinco euros).
60ª - Dispõe o artigo 57.º do CCP o seguinte:
- “1. A proposta é constituída pelos seguintes documentos:
(…)
c) Documentos exigidos pelo programa do procedimento ou convite que contenham os termos ou condições, relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule.
61ª - Resulta, assim, claro que a proposta deve ser constituída pelos documentos exigidos pelo programa do procedimento ou convite que contenham os termos ou condições relativas a aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule.
62ª - Pelo que já consta do Caderno de Encargos, reforçado pelos esclarecimentos prestados pelo Júri do procedimento, é manifesto que a constituição das equipas de trabalho é uma condição relativa a aspetos da execução do contrato não submetido à concorrência.
63ª - A proposta da C... deve, pelo exposto, ser excluída, nos termos do artigo 70.º, n.º 2, alínea b), do CCP, que dispõe que “são excluídas as propostas cuja análise revele: (…)
b) Que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos nºs 4 a 6 e 8 a 11 do artigo 49º”.
64ª - A este propósito decidiu-se no do Acórdão do STA de 18.09.2019, proferido no Processo n.º 02178/18.8BEPRT (disponível em www.dgsi.pt) que, “se for constatada a não apresentação/inclusão na proposta de algum termo ou condição exigido ou a inclusão de algum termo ou condição violador de aspeto da execução do contrato a celebrar inscrito em peca procedimental, mormente no caderno de encargos, isso deve conduzir à sua exclusão, sabido que é através do procedimento de contratação pública que se visa escolher um cocontratante e uma proposta que, nas condições económicas e financeiras definidas como adequadas pela entidade adjudicante, satisfaça as necessidades publicas. “(…) Se a entidade adjudicante fez constar dos respetivos PC ou CE a obrigatoriedade das propostas conterem determinados termos ou condições não submetidos à concorrência relativos à execução do contrato foi porque os considerou decisivos para a boa execução deste. De contrário não tornaria obrigatória essa indicação. E, porque assim é, não faz sentido admitir-se ao concurso uma proposta que viole essa prescrição, colocá-la em pé de igualdade com as corretamente elaboradas, proceder à sua análise e – quem sabe – declará-la vencedora. Porque tal significaria colocar propostas incomparáveis em pé de igualdade e obrigar a entidade adjudicante a tratá-las como se as mesmas pudessem ser comparadas”.
65ª - Na ata de análise de pronúncias, o Júri considerou que a omissão se traduz num mero erro de escrita, que o Júri, oficiosamente, rectificou, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 72.º do CCP, e para justificar tal posição, refere na ata de análise de pronúncias, que no documento “Plano de trabalhos e Memória Descritiva e Justificativa” a concorrente “C...” refere que as equipas que irá afetar às atividades de recolha de monstros e de lavagem e de higienização e de contentorização serão constituídas por “cantoneiros”, no plural, o que significa pelo menos dois. Refere ainda que, por se tratar de um documento nuclear a este respeito, uma vez que é o plano de trabalhos e memória descritiva e justificativa que contêm as declarações substanciais do concorrente e que está na génese do documento “Equipamentos e Recursos Humanos” e atendendo também ao facto da empresa “C...” ter declarado na sua proposta que se “se obriga a executar todos os trabalhos (que constituem a prestação de serviços ou os bens objectos do contrato) em conformidade com os termos e condições do caderno de encargos e demais elementos do procedimento”, incluindo, portanto, os esclarecimentos prestados pelo júri, tem que considerar que existe uma omissão nos quadros/tabelas constantes do documento “Equipamentos e Recursos Humanos”, na parte em que dos mesmos só consta a afectação de um cantoneiro aos referidos serviços.
66ª - Salienta-se que, como se decidiu no Acórdão do TCAS de 20/5/2021, proferido no processo nº 167/20.1BEFUN (disponível em www.dgsi.pt), “comprovando-se que a proposta não respeita tal aspeto vinculativo das peças do procedimento, não se poderá concluir pela possibilidade de correção, aperfeiçoamento ou sanação, porque tal se traduziria numa alteração do conteúdo da proposta e num desrespeito às vinculações previamente estabelecidas nas peças do procedimento.
67ª - A isso não obsta a falta de intencionalidade de inobservância das peças do procedimento por parte da Contrainteressada, por se tratar de um mero lapso, nem tão pouco a circunstância de ter subscrito e apresentado a declaração do Anexo I-M, que aceitou respeitar, obedecer e cumprir com todo o conteúdo do Caderno de Encargos”.
68ª - Doutra forma, a acolher-se a posição permissiva e compreensiva do júri para com a “C...”, aos concorrentes, bastaria apresentarem tal declaração, que os dispensaria da apresentação de quaisquer documentos ou, ainda que os apresentassem com erros ou imperfeições, levaria a que o júri os considerasse oficiosamente corrigidos ou retificados.
69ª - Tal posição não pode merecer acolhimento, o mesmo sucedendo com a interpretação que se retira do facto de, no “Plano de trabalhos e Memória Descritiva e Justificativa”, a “C...” referir que as equipas que irá afetar às atividades de recolha de monstros e de lavagem, higienização e contentorização serão constituídas por “cantoneiros”, no plural, daí se extraindo que tal significa pelo menos dois.
70ª - O artigo 72º, nº 4, do CPP estabelece que “o júri procede à retificação oficiosa de erros de escrita ou de cálculo contidos nas candidaturas ou propostas, desde que seja evidente para qualquer destinatário a existência do erro e os termos em que o mesmo deve ser corrigido”.
71ª - “(…) o lapso só é retificável mediante o cumprimento de dois requisitos: i) que seja evidente a existência do lapso (deve ser evidente que o candidato ou concorrente não pretendeu dizer aquilo que disse); e ii) que seja evidente como deve o lapso ser suprido (deve ser evidente o que o candidato ou concorrente efetivamente queria dizer em vez daquilo que disse). E para isso é natural esperar que o júri seja capaz de determinar a existência do lapso e o meio da sua correção – porque deve fazê-lo com base em textos objectivos e que são inteligíveis para qualquer leitor -; se não for capaz de o fazer, então é porque a correção do lapso não seria exequível com base na documentação inicial, dependendo ainda do próprio candidato ou concorrente – num momento em que tal já não é possível porque a candidatura ou proposta já não se encontra na disponibilidade do seu autor” – Cfr. Pedro Fernández Sánchez (in, “Direito da Contratação Pública”, AFDL Editora, 2019, pág. 218 e seguintes).
72ª - Ao contrário do decidido pelo júri e confirmado pelo tribunal recorrido, a situação não constitui erro de escrita, tal como este se mostra configurado no nº 4 do artigo 72º do CCP.
73ª - A concorrente “C...” tinha perfeito conhecimento de que para a execução dos dois serviços em causa era exigível que cada equipa fosse formada por um motorista e dois cantoneiros, quer por tal resultar do caderno de encargos, quer por ter sido objeto de esclarecimento à questão 18.
74ª - Do quadro referente às equipas operacionais constante da proposta da “C...” resulta claramente que esta constituiu as equipas A, B, C e D, destinadas à recolha de RSU, com um motorista e dois cantoneiros, tal como a equipa I, destinada à recolha de RSU (Pontos Críticos), e as equipas F e G, destinadas a manutenção e Fornecimento de contentores, com um motorista e um cantoneiro – tudo em conformidade com o Caderno de Encargos - porém, para cada uma das equipas E e H, respetivamente destinadas a recolha de Monstros/Verdes/REEE e a lavagens, só previu um motorista e um cantoneiro, quando o caderno de encargos exige dois cantoneiros.
75ª - Se, porventura, se tratasse de um mero erro de escrita, a concorrente “C...” teria construído o quadro de equipas operacionais, no que concerne à recolha de “Monstros/Verdes/REEE” e de “Lavagens”, com dias linhas, na parte referente a cantoneiros, uma para cada cantoneiro de cada equipa, com a respetiva afetação, tal como fez em relação às equipas A, B, C e D, destinadas à recolha de RSU.
76ª - Se se tratasse de um mero erro de escrita quanto ao número de cantoneiros de tais equipas, o mesmo não se refletia no quadro de custos dos mencionados serviços, o que não sucede.
77ª – A concorrente “C...” apenas previu um cantoneiro a 33% para a equipa E (Monstros/Verdes/REEE) e um cantoneiro a 70% para a equipa H (Lavagens) e no mapa de custos de pessoal, bem como no mapa final e no preço total da sua proposta, só refletiu o custo respeitante a um cantoneiro por cada equipa, com a mencionada afetação.
78ª - No caso em apreço estamos perante um erro, mas não perante um mero erro de escrita, susceptível de suprimento pelo júri do concurso.
79ª - Para que estejamos perante um erro de escrita deve ser evidente que o candidato ou concorrente não pretendeu dizer aquilo que disse, assim como deve ser evidente o que o candidato ou concorrente efetivamente queria dizer em vez daquilo que disso – evidências que têm de resultar da própria proposta (Pedro Fernández Sánchez (obra citada, pág. 219).
80ª - No caso sub judice, da proposta apresentada pela concorrente “C...” não resulta evidente que esta não pretendeu alocar às equipas em causa apenas um cantoneiro, assim como também não é evidente que pretendia alocar dois cantoneiros a cada equipa.
81ª - Não é evidente que não pretendeu alocar apenas um cantoneiro a cada uma das referidas equipas porquanto não previu no respetivo quadro de operacionais uma segunda linha para cantoneiros, como fez em relação às equipas A, B, C, e D, e no quadro de custos reflectiu apenas o custo de um cantoneiro a 33%.
82ª - Por outro lado, não é evidente o que a concorrente “C...” pretendia dizer em vez daquilo que disse.
83ª - O júri supriu oficiosamente o erro, considerando que se trata de um mero erro de escrita, mas não corrigiu - nem podia corrigir – a proposta da concorrente “C...” quanto aos preços parciais e ao preço global.
84ª - No caso em apreço não se mostra demonstrado qualquer dos requisitos, sendo que, quanto ao segundo, só com um exercício de verdadeira adivinhação poderia o júri saber em que percentagem pretendia a “C...” alocar o segundo cantoneiro.
85ª - Estamos, assim, claramente, perante um erro, não passível de suprimento ou correção, nos termos do artigo 72º, nº 4, do CCP, por se tratar de um termo ou condição que viola o disposto no Caderno de Encargos, isto é, um aspeto de execução do contrato não submetido á concorrência, que determina a exclusão da proposta da “C...”, nos termos do disposto no artigo 70º, nº 2, alínea b), do CCP.
86ª – O Acórdão recorrido viola, assim, designadamente, o disposto nos artigos 236º a 238º do Código Civil, 1º-A, nº 1, 50º, nº 5, 57º, nºs 4 e 5, 70º, nº 2, al. b), 72º, nºs 3 e 4, e 146º, nº 2, al. b), todo do CCP, pelo que deve revogar-se, proferindo-se decisão que admita a proposta das Recorrentes e exclua a proposta da Contra-interessada “C...”, como é de inteira JUSTIÇA.

1.5 1.6. A Contra -interessada, C... contra-alegou e pediu a ampliação do objecto do recurso, concluindo como se segue:

«A) No caso vertente, a acção e o pedido deduzido pela Recorrente foram julgados improcedentes na sua totalidade;
B) Todavia, em sede de recurso de apelação, foi apreciada a pretensão das Autoras de exclusão da proposta da C... e de anulação da adjudicação do concurso à mesma;
C) Em face da exclusão da respectiva proposta, mesmo que as Recorrentes conseguissem a exclusão da proposta da C... e a anulação da adjudicação, não poderiam passar elas próprias a serem as adjudicatárias do concurso;
D) No Acórdão recorrido, entendeu-se que devia ser apreciada a pretensão das Autoras de exclusão da proposta da C... e de anulação da adjudicação do concurso à mesma, por se considerar ser essa a solução emergente da interpretação do artº 55º, nº 1, al. a), do CPTA à luz do Direito Europeu;
E) Essa não é, contudo, a interpretação correcta o artº 55º, nº 1, al. a), do CPTA à luz do Direito Europeu;
F) Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 23 de junho de 2022 no processo nº 648/20.7BELRA, "O interesse em agir de um proponente afastado de um procedimento de adjudicação de um contrato para impugnar a decisão de adjudicação desse contrato está assim intrinsecamente ligado à manutenção de um interesse em agir para impugnar a decisão que o excluiu desse procedimento. Por conseguinte, não tendo interesse em agir para impugnar a decisão que excluiu a sua proposta, um proponente afastado não pode alegar que conserva um interesse em agir para impugnar a decisão de adjudicação do contrato";
G) Pelo que deve ser decidido, em sede de ampliação do objecto do recurso, que as Recorrentes não têm de interesse em agir para pugnarem pela alteração da decisão de admissão da proposta da C... e de adjudicação do concurso à mesma;
H) A verificação da excepção de falta de interesse em agir das Recorrentes obsta ao conhecimento do mérito da causa relativamente à decisão de admissão da proposta da C... e de adjudicação do concurso à mesma, dando lugar à absolvição da instância, nos termos do nº 2 do artº 89º, conjugado com a alínea c) do nº 1 do artº 97º, ambos do CPTA;
I) Tendo sido violadas, na parte do Acórdão do TCA Sul em que esta questão foi apreciada, estas disposições legais, bem como o artº 55º, nº 1, al. a), do CPTA;

1.5. O recorrido MUNICÍPIO DO FUNDÃO contra-alegou, concluindo:

«Venerandos Conselheiros,
Vem o Município do Fundão face ao recurso apresentado pelas Autoras A..., SA e B..., Unipessoal, Lda e ainda face à ampliação do objeto do recurso formulado pela Contrainteressada C..., SA dizer que INEXISTEM OS PRESSUPOSTOS PARA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO INTERPOSTO, bem como, em consequência da ampliação referida.
O respeito pelo tempo dos Venerandos Conselheiros leva o R., ora contra alegante a, muito simplesmente, referir que não estão, no presente caso, reunidas as condições legais que permitam ao abrigo do n.º 1 do art.º 150º do CPTA a admissão do presente recurso pois, como é sabido, o mesmo só pode ser admitido quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, tal como a lei impõe.
No presente caso a razão de ser do recurso interposto é a de tão-somente fazer prolongar no tempo uma situação de facto que, leva a que o Município recorrido ora contra alegante se veja obrigado até à decisão com transito em julgado a prolongar no tempo como prestação de serviço o serviço de limpeza que a recorrente vem fazendo.
Não há, nem nos acórdãos que a recorrente diz existir, mas que não identificam nem naqueles que identificam, qualquer justificação de onde se possa concluir a relevância jurídica ou social ou a importância fundamental para aplicação de direito.
Estamos no presente caso, perante quatro vícios por parte da recorrente, vícios esses que não podem ter outra consequência que não seja a concordância com a posição assumida pelo Município recorrido, a saber:
“a. Irregularidade no modo de obrigar a sociedade A... por falta de representação, desacompanhado de mandatário, do administrador BB;
b. Falta de poderes de CC em representar a A. B... em contratos de prestação de serviços;
c. Violação da clausula sexta do Caderno de Encargos, no que diz respeito à viatura indicada por ter sido fabricada em data anterior a 2017;
d. Violação do disposto no Anexo D do Caderno de Encargos.”
Dúvidas, salvo o devido respeito por opinião diversa não pode haver, quanto à errada representação da recorrente A..., quando a alegada representação desta é feita em divergência com o que consta do seu registo comercial comprovado por certidão permanente.
Também salvo o devido respeito não pode haver dúvidas quanto ao facto de ter que se reconhecer que os poderes para celebração de contratos de empreitada não incluem contratos de prestação de serviços, que são contratos típicos com tratamento diferenciado no Código Civil.
Aliás, a própria recorrente – em nome da verdade tem que se dizer – não refere qual a relevância jurídica que quer atribuir à violação das regras de representação e à falta de poderes.
Violação grave das regras jurídicas aconteceria se se viesse a considerar como correta uma representação de uma sociedade em divergência com o registo comercial ou a aceitação de poderes que não estão expressos na procuração.
E mais não será preciso referir sobre tais questões.
Os outros dois motivos que levam ao afastamento das oras recorrentes dizem respeito à violação de clausulas do caderno de encargos cuja matéria está fora do âmbito de intervenção do Venerando Supremo Tribunal Administrativo, pois o presente recurso não é de matéria de facto.

Uma nota final para a insistência por parte das recorrentes na necessidade de excluir a contra-interessada C..., SA.
Quanto a este assunto o Município ora recorrido louva-se no doutamente decidido pelo Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão em apreço.
Termos em que se conclui pela inadmissibilidade do presente recurso.»

1.7. Por acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Outubro de 2023, foi admitida a revista, pelas seguintes razões:
“(…)
As AA. justificam a admissão da revista com a relevância jurídica das questões a apreciar e a existência de uma clara necessidade de melhor aplicação do direito, alegando que o acórdão, na parte em que confirmou a exclusão da sua proposta, não atentou que a proposta também fora assinada por BB que, além de administrador único da “A...”, também era gerente da “B...”, interpretou erradamente o teor da procuração junta e o disposto nos artºs. 236.º a 238.º do C. Civil e violou o n.º 3 do art.º 72.º do CCP introduzido pelo DL n.º 111-B/2017, de 31/8 – que veio impor ao júri o dever de solicitar aos concorrentes que procedam ao suprimento das irregularidades das propostas causadas pela preterição de formalidades não essenciais –, bem como a jurisprudência deste STA, do Tribunal de Contas e do TJUE e, na parte em que apreciou a admissão da proposta da “C...”, incorreu em ilegalidade por não se estar face a um erro de escrita tal como configurado pelo n.º 4 do art.º 72.º do CCP mas perante um termo ou condição que viola o caderno de encargos.
Resulta do que ficou exposto que são várias as questões jurídicas que se colocam, nalguns casos decididas pelas instâncias de forma dissonante, e que apresentam alguma dificuldade de resolução, estando longe de ser inequívoco que o TCA as tenha decidido com exactidão.
Acresce que se está perante matérias que se coloca com frequência nos tribunais e que é facilmente repetível, pelo que se justifica que sejam traçadas orientações clarificadoras através da sua reanálise pelo Supremo.
(…)”

1.8. Sem vistos, dada a natureza urgente do recurso, procedeu-se à conferência.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO

O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:

“1. Autora (doravante também designada apenas por A...) é uma sociedade comercial anónima com fins lucrativos, que se dedica, com caráter habitual, às atividades de gestão de resíduos, limpeza pública em geral e industrial, atividades de construção, plantação e manutenção de jardins e espaços verdes, bem como serviços relacionados com a agricultura, transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem; (cfr. certidão permanente com o código de acesso ...21)
2. A 2.ª Autora (doravante também designada apenas por B...) é uma sociedade comercial por quotas com fins lucrativos, que se dedica, com caráter habitual, à atividade de prestação de serviços na área da construção civil e comercialização; atividades de gestão de resíduos, limpeza pública em geral e industrial; (cfr. certidão permanente com o código de acesso ...58)
3. A Entidade Demandada determinou a abertura de um Concurso Público Internacional, com o número 65/CS/2022, para a formação de contrato de “aquisição dos serviços de recolha e transporte a destino final adequado de resíduos sólidos urbanos (RSU) do concelho do Fundão”, autorizado em sede de reunião de Câmara, datada de 27 de junho de 2022, cujo anúncio, com o n.º ...30/2022, foi publicado no Diário da República, II Série, n.º 125, de 30 de junho de 2022, e no Jornal Oficial da União Europeia 2022/S 125-355028, de 1 de julho de 2022; (cfr. doc. 3 junto com a p.i. e publicações e relatórios, preliminar e final, constantes do Processo Administrativo)
4. O Caderno de Encargos (CE) aprovado para o procedimento, cujo teor se dá por reproduzido, continha, designadamente, as seguintes cláusulas:

[IMAGEM]

(…)

[IMAGEM]

(…)

[IMAGEM]

(…)
(cfr. ficheiro “CADERNO_DE_ENCARGOS_CMF” do Processo Administrativo)
5. Por documento escrito, datado de 15 de junho de 2020 - intitulado “Acordo” - outorgado entre as Autoras, estas declararam e estabeleceram que, visando a prática concertada entre elas de todos os atos necessários à elaboração e apresentação de propostas a concursos que ulteriormente fossem lançados por entidades públicas e/ou privadas nos distritos da Guarda e Castelo Branco, que sempre que lhes fosse adjudicado qualquer concurso constituirão entre si um consórcio externo/agrupamento, com o objetivo de executarem os serviços e tarefas necessários à concretização do projeto em causa ou outra forma de associação que venham a considerar mais adequada, no estrito respeito pelas normas legais em vigor, nomeadamente o CCP; (cfr. ficheiro “Acordo A...B....” do Processo Administrativo)
6. As Autoras acordaram ainda em tal documento que, para efeito de submissão de propostas, envio e recebimento de notificações e todos os demais atos/passos a praticar no âmbito dos procedimentos concursais, fique designada a “A....”, que é igualmente designada líder do Agrupamento; (cfr. ficheiro “Acordo A...B....” do Processo Administrativo)
7. Por documento escrito, datado de 27 de julho de 2022, intitulado “DECLARAÇÃO”, outorgado entre as Autoras, estas declararam o seguinte:

[IMAGEM]

(cfr. ficheiro “dec A... B.... (ass1) (ass2)” do Processo Administrativo)
8. As Autoras apresentaram, agrupadas, proposta no âmbito do Concurso Público Internacional 65/SC/2022, bem como, cada uma das contrainteressadas apresentou proposta ao dito concurso:

[IMAGEM]

(cfr. pasta “Propostas” do Processo Administrativo)
9. Consta da proposta do Agrupamento das Autoras a certidão permanente da A. A...., cujo teor se dá por reproduzido, e do qual se extrai:

[IMAGEM]

(…)
(cfr. ficheiro “Certidão Permanente A.... (ass1) (ass2)” do Processo Administrativo)
10. Consta da proposta do Agrupamento das Autoras a certidão permanente da A. B...., cujo teor se dá por reproduzido, e do qual se extrai:

[IMAGEM]

(…)
(cfr. ficheiro “Certidão Permanente A.... (ass1) (ass2)” do Processo Administrativo)
11. Integra a proposta do agrupamento formado pelas Autoras o Plano de Mão-de-Obra e Equipamentos, cujo teor se dá por reproduzido, e do qual se retira:
(…)

[IMAGEM]

(…)
(cfr. ficheiro “1.2.3-Plano de Mão-de-obra e Equipamentos com anexos (ass1) (ass2)” do Processo Administrativo)
12. Consta da proposta do agrupamento formado pelas Autoras a seguinte procuração:

[IMAGEM]

(…)

[IMAGEM]

(…)

[IMAGEM]

(…)
(cfr. ficheiro “Procuração Representante B... (ass1) (ass2)” do Processo Administrativo)
13. Em 7 de setembro de 2022, o Júri do Procedimento aprovou o Relatório Preliminar, cujo teor se dá por reproduzido, e deliberou enviá-lo a todos os concorrentes, fixando-lhes o prazo de cinco dias úteis, a contar da data da colocação na plataforma eletrónica VortalGov, para se pronunciarem, por escrito, ao abrigo do direito de audiência prévia previsto nos termos do artigo 147.º do CCP; (cfr. ficheiro “Relatório Preliminar” do Processo Administrativo)
14. Em tal Relatório Preliminar o Júri do Procedimento propôs a exclusão do Agrupamento formado pelas Autoras, bem como das sociedades 2ª a 6ª Contrainteressadas, e a admissão da sociedade 1ª contrainteressada, F........ ENVIROMENT PORTUGAL, S.A., fundamentando nos seguintes termos a exclusão da proposta das Autoras:

[IMAGEM]

(cfr. ficheiro “Relatório Preliminar” do Processo Administrativo)
15. No Relatório Preliminar o Júri do Procedimento procedeu ainda à avaliação da única proposta não excluída, ou seja, da proposta apresentada pela C....; (cfr. ficheiro “Relatório Preliminar” do Processo Administrativo)
16. Em face de tal Relatório Preliminar, o Agrupamento das Autoras apresentou pronúncia, em sede de audiência prévia, cujo teor se dá por reproduzido;
(cfr. ficheiro “A.... e B... 65SC22 docx pronuncia ass 1 ass2_2” do Processo Administrativo)
17. Com a pronúncia, o Agrupamento das Autoras apresentou nova certidão permanente da A. L........, cujo teor se dá por reproduzido e do qual se extrai:

[IMAGEM]

(…)

[IMAGEM]

(…)
(cfr. ficheiro “Certidão Permanente ass_1 ass_2_2” do Processo Administrativo)
18. Em 21 de setembro de 2022, o Júri elaborou o Relatório Final de Análise das Propostas, cujo teor se dá por reproduzido, e do qual se extrai, designadamente:

[IMAGEM]

(…)

[IMAGEM]

(cfr. ficheiro “Aprovação Relatório Final 17112022” do Processo Administrativo)
19. Em anexo ao Relatório Final, consta a Ata do Júri de Análise de Pronúncias, cujo teor se dá por reproduzido, e do qual se retira:

[IMAGEM]

(…)
(cfr. ficheiro “Aprovação Relatório Final 17112022” do Processo Administrativo)
20. Em 14 de novembro de 2022, o Vice-Presidente da Câmara Municipal do Fundão apresentou a seguinte proposta:

[IMAGEM]

(cfr. doc. 2 junto com a p.i. e ficheiro “Aprovação Relatório Final 17112022” do Processo Administrativo)
21. Em 17 de novembro de 2022, a Câmara Municipal do Fundão deliberou nos seguintes termos:

[IMAGEM]

(cfr. doc. 1 junto com a p.i. e ficheiro “Aprovação Relatório Final 17112022” do Processo Administrativo).»

2.2. MATÉRIA DE DIREITO
2.2.1. OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A DECIDIR E ORDEM DA RESPECTIVA APRECIAÇÃO
Foi interposto recurso pelas Autoras e foi ainda pedida a ampliação do objecto do recurso pela recorrida C... SA.
As questões a decidir na presente revista são as seguintes:
Quanto ao recurso das Autoras: (i) saber se a proposta das Autoras foi bem ou mal excluída; (ii) saber se a proposta da contra-interessada (ora recorrida) deveria, ou não, ter sido excluída.
Quanto à ampliação do objecto do recurso: (i) saber se o recorrente tem interesse em agir em impugnar a aceitação da proposta da contra-interessada C... SA.

Apreciaremos as questões suscitadas, começando pela (i) exclusão da proposta da recorrente. De seguida apreciaremos a (ii) questão do interesse em agir relativamente à impugnação da decisão que admitiu a proposta da contra-interessada (C...) e, caso subsista este pressuposto processual, (iii) apreciaremos a validade dessa decisão.

2.2.1.1. EXCLUSÃO DA PROPOSTA DA A... SA E B... UNIPESSOAL
O júri do concurso entendeu que a proposta das autoras deveria ser excluída com fundamento no disposto no art. 146º, 2 do CCP por não cumprimento do disposto no art. 57º, n.º 3 e 5, e também por força do disposto no art. 146º, 2, por não cumprimento do disposto no art. 70º, 2, b) todos do CCP.

A sentença da primeira instância, agrupou os casos de incumprimento do art. 57º, 4 e 5 por um lado e, por outro, o incumprimento do disposto no art. 70º, 2 do CCP.
Relativamente ao incumprimento do art. 57º, 4 e 5 apenas considerou fundamento válido da exclusão da proposta o que se referia à falta de poderes de CC para representar a sociedade B..., LDA, em contratos de prestação de serviços, face à procuração que por esta foi junta. O outro fundamento relativo à irregularidade no modo de obrigar a A... por falta de poderes por parte do Administrador BB foi julgado improcedente.

Relativamente ao incumprimento do art. 70º, 2, b) do CCP a sentença da primeira instância que julgou válida a exclusão da proposta das Autoras foi revogada pelo Tribunal Central Administrativo Sul e desta parte da decisão não foi interposto recurso. Também não foi interposto recurso relativamente à decisão que julgou ilegal a exclusão da proposta das Autoras por irregularidade no modo de obrigar a A....

Subsiste, portanto, ainda em discussão a causa de exclusão que o acórdão recorrido julgou válida, (exclusão com fundamento no incumprimento do disposto no art. 57º, n.º 4 e 5 do CCP) relativa à falta de poderes de CC, a qual, em boa verdade, se desdobrada em três questões:

(i) saber se a procuração outorgada a CC lhe confere poderes de representação bastantes, para intervir neste procedimento
(ii) se mesma era necessária e, não o sendo;
(iii) se a consequência jurídica da falta de poderes é a exclusão, ou o convite a sanar o vício.

O Tribunal Central Administrativo Sul, quanto a estes aspectos, concluiu:

- (i) que a procuração (documento a que se refere o ponto 12 da matéria de facto) se destinava “… efectiva e exclusivamente a concursos nos quais esteja em causa a celebração de contratos de empreitada” e não é o caso, pois o concurso deste processo tem como objecto a celebração de um “contrato de prestação de serviços”.

- (ii) que a circunstância das peças processuais se encontrar assinadas pelo Administrador único da sociedade A... e ao mesmo tempo também gerente da sociedade B... (a mesma pessoa física) não implicava a desnecessidade da procuração.

- (iii) que a consequência do incumprimento das formalidades referidas “… é a exclusão da proposta, nos termos do art. 146º, n.º 2, al. e) do CCP, e não o convite ao concorrente para vir sanar o vício da proposta.”

Ou seja, concluiu o acórdão recorrido que a procuração não conferia os poderes necessários, que não era desnecessária e que essa irregularidade implicava a exclusão da proposta.

Vejamos, cada um destes aspectos, pela respectiva ordem e sem prejuízo das inerentes relações de prejudicialidade

(i) Suficiência da procuração – ponto 10 dos factos provados

A procuração transcrita no ponto 12 da matéria de facto foi emitida por BB, na qualidade de sócio gerente da sociedade B..., UNIPESSOAL, LDA” a favor de CC e DD, conferindo-lhe poderes para “isoladamente em nome da sua representada poderem:
(…)
h) celebrar contratos, acordos e outros actos comerciais, no contexto das actividades correntes e no âmbito do seu objecto;
i) representar a sociedade mandante junto das Repartições de Finanças, Câmaras Municipais, apresentar requerimentos junto das Conservatórias do Registo Comercial e Predial respeitantes a atos de registo, provisórios ou definitivos, seus averbamentos ou cancelamentos, requerendo e assinando tudo o que for necessário para os indicados fins; (…)
m) Subscrever, celebrar ou apresentar propostas para a execução de obras, em concursos/e/ou adjudicações, sejam públicas ou providas, assinar e outorgar quaisquer contratos de empreitadas.

Nos termos do art. 262º do Código Civil art.º 262.º do Código Civil. “Diz-se procuração o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos” Acrescenta o n.º 2 daquele artigo: “Salvo disposição legal em contrário, a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar.

Os poderes representativos relevantes, de acordo com o teor literal da procuração, são os constantes da alínea m) da procuração: “Subscrever, celebrar ou apresentar propostas para a execução de obras, em concursos/e/ou adjudicações, sejam públicas ou providas, assinar e outorgar quaisquer contratos de empreitadas”.

O elemento literal compreende apenas propostas para “execução de obras” e assinar e outorgar “contratos de empreitada”.

Os contratos de empreitada, nos termos da classificação do Código Civil são uma das modalidades do contrato de prestação de serviços: O mandato, o depósito e a empreitada, regulados nos capítulos subsequentes, são modalidades do contrato de prestação de serviço – art. 1155º do Código Civil). Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço – art. 1207º do Código Civil.
No Código dos Contratos Públicos o artigo 343.º dá-nos a noção de empreitada de obras públicas e de obra, para este efeito: “1 - Entende-se por empreitada de obras públicas o contrato oneroso que tenha por objeto quer a execução quer, conjuntamente, a conceção e a execução de uma obra pública que se enquadre nas subcategorias previstas no regime de ingresso e permanência na atividade de construção. 2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se obra pública o resultado de quaisquer trabalhos de construção, reconstrução, ampliação, alteração ou adaptação, conservação, restauro, reparação, reabilitação, beneficiação e demolição de bens imóveis executados por conta de um contraente público.”
Podemos concluir, sem qualquer dúvida, que no presente caso o concurso não tinha por objecto uma empreitada de obras públicas, nem a prestação a realizar pelos concorrentes se podia qualificar como “obra pública”, nos termos do art. 343º, 2 do CCP. Ou seja, o elemento literal sobre o âmbito dos poderes de representação conferidos pela procuração não abrangia o concurso ora em causa que tinha por objecto a recolha e transporte a destino final adequado de resíduos sólidos urbanos. Para este tipo de serviços o CCP prevê, no art. 450º, o contrato de aquisição de serviços: “Entende-se por aquisição de serviços o contrato pelo qual um contraente público adquire a prestação de um ou vários tipos de serviços mediante o pagamento de um preço.”

Para além do elemento literal o intérprete pode socorrer-se de outros elementos. “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.” (art. 236º do C. Civil). O comportamento do declaratário, neste caso, nada nos diz, dado que a procuração foi conferida em 9-12-2013, e o concurso ora em causa foi aberto em 2022 (publicado no Diário da República, em 27 de Junho de 2022 e 30 de Junho no Jornal Oficial da União Europeia). Se a procuração fosse contemporânea e destinada a instruir o procedimento concursal, ora em causa, poderíamos inferir do comportamento do emitente a intenção de abranger este concurso. Mas não é o caso.
Alegam ainda (conclusão 22ª) que face a todos os elementos que integram a proposta apresentada pelas recorrentes, qualquer destinatário normal, colocado na posição dos reais declaratários (o júri do concurso) concluiria que o substantivo “obras”, no plural, no contexto de tal acervo documental e da própria procuração, tem o sentido de trabalho, tarefa, acções, e, por isso, é compatível com a aquisição/prestação de serviços”. Argumento que, a nosso ver, não é concludente. O sentido da vontade real do declarante é aferido perante o contexto factual que ocorre no momento em que essa vontade é expressa e não perante o contexto em que, anos mais tarde, é usada a procuração, designadamente a sua inclusão num procedimento ocorrido anos depois da sua emissão.

Alegam, todavia, as recorrentes que o art. 57º, n.º 4 do CCP não exige que os poderes de assinatura da proposta sejam especificados na procuração conferida, limitando-se a exigir que a mesma seja assinada por quem tenha poderes para obrigar o concorrente.

O art. 54º, 4, tem a seguinte redacção: ”Os documentos referidos nos n.ºs 1 e 2 devem ser assinados pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar.” É evidente que as recorrentes não têm razão: o art. 54º, 4, exige expressa e literalmente que os documentos sejam assinados ou pelo concorrente ou “por representante que tenha poderes para o obrigar.” Ora, os poderes do representante para obrigar são apenas os que lhe sejam conferidos pelo representado, através da procuração, como não pode deixar de ser. O sentido da expressão “poderes para obrigar” é o de que esses poderes existam, sendo que só existem (como é óbvio) se forem concedidos e especificados na respectiva procuração.

A conclusão a que chegou o Tribunal Central Administrativo Sul é, assim, de manter: a procuração não conferia poderes especiais para apresentar a proposta no âmbito deste procedimento.


(ii) Desnecessidade da procuração.
Nas conclusões 35ª e seguintes as recorrentes alegam que “(…) tal procuração até seria desnecessária, “dado que todas as peças processuais se encontram assinadas por BB, que, além de Administrador Único da sociedade “A..., S.A.”, é também gerente da sociedade “B..., Lda”, que, embora tenha dois gerentes nomeados, se vincula com a assinatura de qualquer um deles.”
A sentença na primeira instância (transcrita e sufragada no acórdão recorrido) que “não se pode corroborar a tese segundo a qual a assinatura do representante da A..., que assina a proposta (exclusivamente) nessa qualidade, obrigaria igualmente a B..., por ser também gerente desta última sociedade. Na verdade, quem assina os documentos integrante da proposta das AA, intitulando-se representante da B..., É APENAS A Sra. CC, surgindo o Sr. BB como representante da A... e não em representação da B....”

Cita a propósito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7-7-99, proferido no processo 99B517, no sentido de que para efeitos do art. 260º do Código das Sociedades Comerciais “o que importa, acima de tudo, é a qualidade de gerente encontre expressão no próprio documento, em ordem a tornar inequívoca a relação de gerência entre o subscritor e a sociedade.” Pelo que concluiu a sentença: “A assinatura dos documentos da proposta pelo Sr. BB em nome da A..., S.A. não significa juridicamente que vincule também a B... LDA, pela qual outrem assina, só porque também é gerente dessa sociedade. É esta a única ilação compatível com a norma do n.º 4 do art. 260º do CSC”.

As recorrentes, por seu turno, citam a favor do seu entendimento o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 1/2002, publicado no DR, 1ª série, de 24/1/2002, que veio pôr fim à querela jurisprudencial que se havia instituído quanto a esta questão, uniformizando jurisprudência, nos termos seguintes: - “A indicação da qualidade de gerente prescrita no nº 4 do artigo 260º do Código das Sociedades Comerciais, pode ser deduzida, nos termos do artigo 217º do Código Civil, de factos que, com toda a probabilidade, a revelam”. Neste caso, argumentam as recorrentes, “a qualidade de gerente da “B...” do aludido BB nem sequer é controvertida, pois resulta da certidão permanente desta sociedade, que integra os documentos da proposta das Recorrentes, sendo que a qualidade de gerente da “B...” daquele e a aceitação, por parte desta, da sua intervenção, apondo a sua assinatura em representação da mesma nos documentos da proposta, foi expressamente manifestada ao júri do concurso na pronúncia apresentada na sequência do relatório preliminar.

Julgamos, como decidiu o Acórdão 1/2002 do STJ citado que o art. 260º, 4 do CSC deve ser interpretado no sentido de que a qualidade de gerente não carece de ser expressamente invocada, podendo ser deduzida de factos que “com toda a probabilidade a revelam”.

Existe uma ligação especial entre as Autoras. A mesma pessoa física interveio como legal representante da A... e outorgou procuração em representação da B... LDA. Podemos, neste contexto, inferir com toda a probabilidade, que o Sr. BB ao intervir como legal representante da A... também estava a intervir na qualidade de legal representante da B...?
Julgamos que a resposta não pode ser afirmativa, porque a mesma pessoa tinha passado procuração na qualidade de legal representante da B... a outra pessoa, e juntou essa procuração ao procedimento ora em causa. A sua intenção, revelada através dos referidos actos (procuração a favor de CC e intervenção na qualidade de legal representante da A...) é a de assegurar a representação de ambas as sociedades através da intervenção de duas pessoas físicas (BB e CC). Não podemos, pois, inferir com toda a probabilidade que ao assinar as peças do concurso na qualidade de legal representante da A... também estava a agir como legal representante da B... LDA.
Dai que, também nesta parte o acórdão recorrido seja de manter.

(iii) Exclusão da proposta/convite a suprir o vício
Resta saber se a situação descrita (falta de poderes especiais para representação da B... no procedimento em causa) implicava a exclusão da proposta como decidiram as instâncias, ou se, como pretendem as Autoras impunha ao júri o deve de solicitar a correcção do vício.
A fundamentação da sentença e do acórdão, que a manteve, não é muito exaustiva. Limitam-se a afirmar que o incumprimento do disposto no art. 54º, 4 e 5 implica a exclusão da proposta, “à luz do disposto no ar. 146º, 2, e) do CCP” e não o “convite ao concorrente para vir sanar o vício da proposta”.

O art. 146º, 2, e) do CCP diz o seguinte:
“(…)
2 - No relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas:
(…)
e) Que não cumpram o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 57.º ou nos n.ºs 1 e 2 do artigo 58.º;

O acórdão confirmou a sentença, que por seu turno, considerou que se verificava a situação prevista no art. 57º, 4 e 5, do CCP.

No entanto, a questão sobre a exclusão da proposta não se limitava a saber se havia ou não incumprimento do art. 57º, n.ºs 4 e 5 do CCP. Existe um aspecto dessa questão muito importante, qual seja o de saber se a irregularidade formal da procuração (falta de poderes) podia ou não ser corrigido.

A resposta vem no art. 72º, 3, c) do CCP.

Efectivamente, como se entendeu não acórdão deste STA de 27-1-2022 proferido no processo 0172/21.0BEBRG:
O art. 72º nº3 do CCP não contende com o art. 146º n.º 2 al d) do CCP que prevê expressamente a exclusão das propostas que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos no art. 57º n.º 1 al. b) do CCP. O art. 72º nº3 está previsto precisamente para as situações que implicariam a exclusão do concurso mas que, por não se tratar de formalidade essencial, o legislador entendeu que se justificava o convite ao suprimento”.

Nos termos do art. 72º, n.º 3 do CCP:
“(…)
3 - O júri deve solicitar aos candidatos e concorrentes que, no prazo máximo de cinco dias, procedam ao suprimento de irregularidades formais das suas candidaturas e propostas que careçam de ser supridas, desde que tal suprimento não seja suscetível de modificar o respetivo conteúdo e não desrespeite os princípios da igualdade de tratamento e da concorrência, incluindo, designadamente:
a) A não apresentação ou a incorreta apresentação de documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da candidatura ou da proposta, incluindo as declarações dos anexos i e v ao presente Código ou o Documento Europeu Único de Contratação Pública;
b) A não junção de tradução em língua portuguesa de documentos apresentados em língua estrangeira;
c) A falta ou insuficiência da assinatura, incluindo a assinatura electrónica, de quaisquer documentos que constituam a candidatura ou a proposta, as quais podem ser supridas através da junção de declaração de ratificação devidamente assinada e limitada aos documentos já submetidos.”

Decorre da transcrita alínea c) do n.º 3 que a falta ou insuficiência da assinatura “podem ser supridas através da junção de declaração de ratificação devidamente assinada e limitada aos documentos já submetidos”.

A possibilidade de ratificação por quem detenha plenos poderes de representação, permite supor que a lei também pretende abranger os casos de suprimentos necessários no caso de a proposta ter sido apresentada “por quem não disponha de poderes de representação do concorrente”– PEDRO GONÇALVES, Direito dos Contratos Públicos, 6ª edição, Novembro de 2021, pág. 771.
Também julgamos que a possibilidade de ratificação dos actos praticados deve poder abranger os actos praticados pelo representante quando ocorra alguma irregularidade no âmbito dos poderes conferidos.
No acórdão do STA (de 27-01-2022, proferido no recurso 0172/21.0BEBRG) entendeu admitiu a possibilidade de suprimento de formalidades nos casos em que a concorrência e a igualdade não sejam afectadas e esteja em causa apenas a comprovação de qualidades anteriores à data da apresentação da proposta: “(…) estando preenchidos os requisitos da “apresentação de documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta ou candidatura, e desde que tal suprimento não afete a concorrência e a igualdade de tratamento” tal como exigido pelo referido nº3 do art. 72º supra citado. (…)”

Nos termos do art. 72º, 3 do CCP o poder do júri é estritamente vinculado (“o júri deve…”).

Verifica-se assim o imputado vício ao procedimento.

O júri não cumpriu o disposto no art. 72º, 3 do CCP e, portanto, o incumprimento do disposto no art. 57º, 4 e 5 que serviu de fundamento à exclusão da proposta das Autoras, pode deixar de existir, através de declaração de ratificação devidamente assinada.

É, por outro lado, evidente que o suprimento da apontada irregularidade não interfere com o conteúdo da proposta, nem ofende o princípio da igualdade ou da concorrência. Pelo contrário, o suprimento de tal irregularidade favorece a concorrência e salvaguarda o interesse público, permitindo a avaliação final de uma proposta em confronto com as demais, possibilitando a escolha da melhor proposta.

Impõe-se, assim, conceder provimento ao recurso nesta parte e anular o concurso a partir do relatório preliminar do júri, devendo este dar cumprimento ao disposto no art. 72º, 3 do CCP, o que implica a anulação de todos os actos subsequentes, incompatíveis com a referida anulação, incluindo a decisão de que excluiu a proposta das Autora e o acto de adjudicação.


2.2.1.2. Interesse em agir
A questão de saber se as Autoras têm interesse em agir foi apreciada no Tribunal Central Administrativo Sul, no sentido afirmativo. A contra-interessada pediu a ampliação do objecto do recurso desta revista, alegando que deve revogar-se o acórdão recorrido, manter-se a decisão da primeira instância e negar o interesse em agir às Autoras para imputar vícios ao acto que admitiu a sua proposta.
O interesse em agir “é um pressuposto processual que se destina a assegurar a utilidade da tutela jurisdicional, isto é, que visa evitar que os tribunais sejam chamados a exercer a sua função em situação nas quais não se justifica a concessão de qualquer tutela ou nas quais a eventual concessão dessa tutela não representa qualquer benefício para o seu requerente” - MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Reflexões sobre a legitimidade das partes em processo civil, in Cadernos de Direito Privado n.º 1, Janeiro/Março de 2003, pág. 6).
A questão do interesse em agir no contencioso pré-contratual foi discutida recentemente no Processo n.º 648/20.7BELRA, tendo a mesma sido objeto de um reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, decidido através do Despacho do Tribunal de Justiça (Oitava Secção), de 17 de maio de 2022, proferido no Processo C-787/21. Nesse despacho o TJUE concluiu que «o artigo 1.º, n.º 3, da Diretiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos procedimentos de recurso em matéria de celebração dos contratos de direito público de fornecimentos e de obras, conforme alterada pela Diretiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2007, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um proponente que tenha sido excluído de um procedimento de adjudicação de um contrato público, por uma decisão da entidade adjudicante que se tornou definitiva, possa impugnar a decisão de adjudicação desse contrato. A este respeito, é indiferente que o proponente excluído alegue que o contrato lhe poderá eventualmente ser adjudicado na hipótese de, em consequência de uma anulação daquela decisão, a entidade adjudicante decidir abrir um novo procedimento de adjudicação.». Acórdão do STA de 23-6-2022, proferido no processo 0193/21.3BELRA.
Nesse acórdão o STA concluiu que “Não tem interesse em agir o concorrente que já não pode obter a adjudicação do concurso cuja adjudicação impugna, e que com a propositura da respectiva acção visa, exclusivamente, salvaguardar a chance de vir a obter a adjudicação de um concurso futuro.”

Julgamos ser evidente que as Autoras têm interesse em agir, desde logo, porque como acima concluímos ocorreu um vício de procedimento que obriga o júri a solicitar a correcção da irregularidade formal da procuração, anulando-se ainda os actos subsequentes incompatíveis com a exclusão da proposta das Autoras, incluindo o acto de adjudicação à contra-interessada.

As Autoras estão, portanto, ainda no procedimento, pois o acto que excluiu a sua proposta foi anulado e, têm manifesto interesse em discutir a admissibilidade da proposta da contra-interessada, uma vez que, se lhes for dada razão e a proposta da contra-interessada não puder ser admitida, ficarão sozinhas no concurso.

A jurisprudência citada na sentença não é aqui aplicável, pois a mesma assenta no pressuposto de que o acto de exclusão de uma proposta se consolidou (caso julgado) e, por esse motivo, o concorrente excluído deixa de ter interesse em agir relativamente à legalidade do posterior acto de adjudicação.

Assim e porque as Autoras têm interesse em agir importa apreciar a questão de saber se a proposta da contra-interessada deveria ou não ser excluída, suscitada neste recurso pelas recorrentes.

2.2.1.3. Exclusão da proposta da contra-interessada.
Sustentam as recorrentes que a contra-interessada C... apresenta na sua proposta a constituição das equipas que se propõe afectar à realização dos trabalhos, resultando do respectivo mapa que as equipas de recolha de Resíduos Verdes e Monos, bem como a de lavagem e higienização de contentores são constituídas apenas por 1 motorista e 1 cantoneiro (Pág. 16 do doc. D).
Consta do ponto 7 da cláusula 7ª das condições técnicas do Caderno de Encargos o seguinte:
“Todas as equipas afetas ao serviço de recolha de resíduos deverão ter na sua constituição um motorista e dois cantoneiros”.
Conclui, assim, que a constituição das equipas de trabalho é uma condição relativa a aspectos da execução do contrato não submetido à concorrência, concluindo que a proposta da C... deve ser excluída, nos termos do artigo 70.º, n.º 2, alínea b), do CCP, que dispõe: “São excluídas as propostas cuja análise revele: (…) b) Que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos nºs 4 a 6 e 8 a 11 do artigo 49º”.

O Tribunal Central Administrativo Sul apreciou a questão, referindo o seguinte:

“É verdade que consta da pág. 16 do doc. D da proposta da contra-interessada C... a referência, quanto à constituição das equipas a afetar à realização dos trabalhos, a apenas um motorista e um cantoneiro.
Tal não se mostra em consonância, contudo, relativamente a outros segmentos da proposta que apresentaram.
Consta do ponto 2 desta proposta, página 44 do livro C) 1.2.2 - Plano de Trabalhos e Memória Descritiva e Justificativa, que a “equipa será constituída pelos elementos respetivos, motorista, cantoneiros, viatura e respetivas ferramentas”.
O mesmo fez-se constar do ponto 5 da proposta da C..., página 58 do livro C) 1.2.2 - Plano de Trabalhos e Memória Descritiva e Justificativa.
Mais, no ponto 5 do Plano de Trabalhos e Memória Descritiva e Justificativa, com a epigrafe “Execração Operacional dos Serviços”, no ponto 2 “Recolha e Transporte a Destino Final de Recolha de Monstros e Verdes”, no ponto 5 “Limpeza e Higienização de Contentorização”, e no ponto 12, “Plano de Trabalhos Especificadamente nos Planos de Trabalhos e Serviços”, a proposta apresenta sempre a expressão “cantoneiros” quanto à constituição da equipa.
Tais divergências levaram o júri a equacionar estarmos perante um erro de escrita, que podia ser retificado oficiosamente nos termos do artigo 72.º, n.º 4, do CPP.
Efectivamente, dispõe este normativo que o “júri procede à rectificação oficiosa de erros de escrita ou de cálculo contidos nas candidaturas ou propostas, desde que seja evidente para qualquer destinatário a existência do erro e os termos em que o mesmo deve ser corrigido.”
Conforme explica Pedro Costa Gonçalves, este poder de rectificação que a lei confia ao júri “apresenta natureza análoga ao poder de suprimento de ‘deficiências dos requerimentos’ previsto, em geral, no artigo 108º, nº 2, do CPA”, adoptando-se diretriz no sentido da não exclusão de propostas cujos erros possam ser sanados com a introdução de correcções de erros evidentes e manifestos (Direito dos Contratos Públicos, 2018, pág. 838).
Ora, tais divergências mereceram a devida correcção por parte do júri, posto que são várias as referências à constituição da equipa por cantoneiros, no plural, apenas se verificando a referência a cantoneiro, no singular, no contexto enunciado pelas recorrentes.
Afigura-se, pois, que bem andou o júri ao concluir que a proposta da contra-interessada recorrida continha aqui um erro de escrita, e afigurava-se evidente a forma de o corrigir, por referência às demais indicações da proposta da concorrente C....
Improcede, pois, a questão suscitada pelas recorrentes.”

O júri do concurso entendeu que do contexto (enquadramento) global da proposta resultava um erro de escrita rectificável, mais concretamente “(…) uma omissão nos quadros/tabelas constantes do documento “Equipamentos e Recursos Humanos”, na parte em que dos mesmos só consta a afectação de um cantoneiro aos referidos serviços. Tendo em conta este enquadramento, essa omissão traduz-se num erro de escrita pelo que foi rectificado oficiosamente pelo júri nos termos do art. 72º, 4 do CCP” (cfr. relatório do júri reproduzido no ponto 19 dos factos provados).

Nos termos do art 72º, 4 do CCP, “O júri procede à rectificação oficiosa de erros de escrita ou de cálculo contidos nas candidaturas ou propostas, desde que seja evidente para qualquer destinatário a existência do erro e os termos em que o mesmo deve ser corrigido.”

Efectivamente a expressão cantoneiros (no plural) aparece em vários pontos da proposta: pág. 44 da proposta “a equipa será constituída pelos elementos respectivos, motorista, cantoneiros, viatura e respectivas ferramentas…”; pág. 58 da proposta, no ponto 5 “a equipa será constituída pelos elementos respectivos, motorista, cantoneiros, viatura e respectivas ferramentas….”.

Julgamos que o acórdão recorrido decidiu bem, uma vez que do contexto de toda a proposta se podia concluir que a contra-interessada pretendia afectar “cantoneiros” (no plural, como também sublinhou o júri), e portanto mais do que um cantoneiro e deste modo, o enquadramento feito (erro de escrita) é de aceitar.

Pediram ainda as Autoras que, caso fossem admitidas ambas as propostas (a sua e a da contra-interessada) deverá ser nomeado novo júri, dada a manifesta dualidade de critérios e parcialidade revelada pelo mesmo.
Este pedido deve ser julgado improcedente, pois, contrariamente ao alegado, não é manifesta a parcialidade e dualidade de critérios do júri.
Com efeito, os motivos de facto e de direito, ponderados relativamente a ambas as propostas eram diferentes: num caso a regularidade da representação e no outro a existência de um lapso de escrita. Ou seja as realidades apreciadas eram diferentes e portanto foram usados critérios também diferentes.
Por outro lado, e sendo certo que na exclusão da proposta das Autoras o júri não deu cumprimento ao disposto no art. 72º, 3, c) do CCP, também é certo que o apontado erro sobre os pressupostos de direito não se afigura dolosamente cometido. Na verdade, a interpretação da referida norma e a sua aplicação à falta de poderes de representação não é unívoca, nem decorre de uma estrita, óbvia e mera interpretação literal. Não está assim evidenciada a parcialidade do júri.

Impõe-se, assim, nesta parte negar provimento ao recurso.



3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes que compõem este Supremo Tribunal Administrativo acordam em julgar o recurso das Autoras parcialmente procedente, improcedente o pedido de ampliação do mesmo e, consequentemente:

a) Anular, com os fundamentos acima referidos, a decisão que excluiu a proposta das Autoras e todos os actos subsequentes incompatíveis com os fundamentos da referida exclusão, designadamente, a adjudicação do concurso à contra-interessada C... SA;

b) Julgar que as Autoras têm interesse em agir para impugnar a não exclusão da proposta da contra-interessada C... SA;

c) Negar provimento ao recurso, na parte em que o acórdão recorrido julgou válida a rectificação do erro de escrita da proposta da contra-interessada C... SA.


Custas em partes iguais pela recorrente e recorridas.

Lisboa, 1 de Fevereiro de 2024. – António Bento São Pedro (relator) - Maria do Céu Dias Rosa das Neves - Liliana Maria do Estanque Viegas Calçada.