Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0907/17
Data do Acordão:02/28/2018
Tribunal:PLENÁRIO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Descritores:SEGURANÇA SOCIAL
Sumário:Compete aos tribunais tributários conhecer da ação intentada pelo trabalhador contra a Segurança Social na qual pede que lhe seja reconhecido que exerceu atividade remunerada e que lhe seja reconhecido que foram entregues, à Segurança Social, os descontos efetuados na retribuição do autor e que, caso assim não se decida seja condenado o réu a receber do autor as contribuições devidas.
Nº Convencional:JSTA000P22986
Nº do Documento:SAP201802280907
Data de Entrada:07/17/2018
Recorrente:JUIZ DO TCAN (CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ENTRE O TAC PORTO/TAF PORTO)
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, no Plenário do Supremo Tribunal Administrativo
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1.1. A…………… intentou, em 20 de Março de 2014, no Tribunal Tributário do Porto, ação destinada ao reconhecimento de direitos ou interesses legítimos, contra o Instituto da Segurança Social, l.P., no âmbito da qual formulou os pedidos seguintes:
“a) ser reconhecido que o A. exerceu actividade remunerada, no período de 4 Dezembro de 1974 a 4 de Agosto de 1977, ao serviço de B…………., LDA.
b) ser reconhecido que foram entregues à Segurança Social, os descontos efectuados na retribuição do A., relativamente ao período de 4 Dezembro de 1974 a 4 de Agosto de 1977, à razão de 100$00 – cem escudos por mês (0,4988€) por mês;
c) caso não se decida conforme peticionado em b,) seja condenado o R. a receber do A. as contribuições devidas) mas prescritas, relativas ao período de 4 Dezembro de 1974 a 4 de Agosto de 1977, nos termos e para os efeitos do D.L.124/1984, de 18 de Abril, e nos termos do n.º 1 do art.º 254, do anexo à Lei 110/2009, de 16 de Setembro de 2009, que aprovou o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, em articulação com a al. d), do n.º 1, do art. 256º, do mesmo dispositivo legal, que se liquida em 18,45€.
d) ser reconhecido que o A. exerceu actividade remunerada, no período de Janeiro de 1968 a 31 de Dezembro de 1970, ao serviço do COLÉGIO C………….., LD., pertença da SOCIEDADE ESCOLAR VISEENSE C…………… LD.
e) ser reconhecido que foram entregues à Segurança Social, os descontos efectuados pela SOCIEDADE ESCOLAR VISEENSE C………, LD. na retribuição do A., relativamente ao período de Janeiro de 1968 a 31 de Dezembro de 1970
f) caso não se decida conforme peticionado em e) seja condenado o R. a receber do A. as contribuições devidas, mas prescritas, relativas ao período de Janeiro de 1968 a 31 de Dezembro de 1970, nos termos e para os efeitos do DL. 124/1984, de 18 de Abril, e nos termos do n.º 1 do art. 254, do anexo à Lei 110/2009, de 16 de Setembro de 2009, que aprovou o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdência de Segurança Social, em articulação com a al. d), do n.º 1, do art. 256º do mesmo dispositivo legal, que se liquida em 124,79€ (liquidação conforme art. 19). (…)
...”
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1.2. Por sentença de 03-07-2014, fls. 51 a 54, o mesmo tribunal julgou procedente a “excepção de incompetência absoluta em razão da matéria” e determinou a “sua distribuição, neste Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, agora em sede da respectiva espécie administrativa”.
Segunda a referida sentença “estamos perante uma questão cuja natureza não encontra qualquer cabimento no âmbito do contencioso tributário, não está em causa a aplicação de nenhuma norma de direito fiscal, nem a liquidação de qualquer tipo de imposto, mas antes uma questão que se prende com matéria administrativa”.
Que “este Tribunal Administrativo e Fiscal é materialmente incompetente para apreciar e decidir esta ação uma vez que não estamos perante um processo judicial tributário ou um litígio emergente de uma relação jurídico fiscal, logo, porque o autor dispõe de meio processual específico, no âmbito do contencioso administrativo, deverão os autos ser remetidos a quem, por força da lei, detém competência para conhecer do mérito da causa”.
Concluiu que ocorre “incompetência absoluta, em razão da matéria, … que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa … (pelo que) podendo os autos ser aproveitados, cumpre ordenar a sua distribuição em sede da respetiva espécie em matéria administrativa …”.
Foi, por isso, determinada a sua distribuição, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em sede da respetiva espécie administrativa.
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1.3. Citado o Instituto da Segurança Social para contestar, fls. 63 e 64, deduziu oposição, na qual suscitou, a incompetência material do Tribunal Administrativo para dirimir o litígio.
Acrescentou que o A. já havia intentado ação neste tribunal administrativo — processo nº 167/13.BBEPRT que se considerou incompetente, tendo absolvido o ISS da instância tal como sucedeu, agora, nos presentes autos intentados no tribunal tributário.
Que, de todo o modo, os tribunais administrativos (área tributária e área administrativa) não são competentes em razão da matéria para decidir a causa pois que a ação terá de ser do foro laboral, necessariamente uma ação entre trabalhador e entidade patronal e em que a Segurança Social poderá intervir como parte acessória ou como Ré, uma vez que a questão prévia e determinante do seu direito continua a passar pelo reconhecimento do exercício da relação laboral, questão que não pode ser decidida, nem sequer a título incidental, no contencioso administrativo.
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1.4. Em 21/1/2013 o mesmo Autor havia intentado ação administrativa comum, que correu termos no Tribunal Administrativo do Porto sob o n.º 167/13.8BEPRT contra o Instituto de Segurança Social, na qual formulou os seguintes pedidos:
a) ser reconhecido que o A. exerceu actividade remunerada, no período de 4 de Dezembro a 4 de Agosto de 1977, ao serviço de B……………… LDA
b) ser reconhecido que foram entregues à Segurança Social, os descontos efectuados na retribuição do A., relativamente ao período de 4 de Dezembro de 1974 a 4 de Agosto de 1977, à razão de 100$00 cem escudos por mês (49,88E);
c) caso não se decida conforme peticionado em b) seja condenado o segundo R. autorizar o pagamento de contribuições prescritas relativas ao período de 4 de Dezembro de 1974 a 4 de Agosto de 1977, nos termos e para os efeitos do D.L. 124/1984 de 18 de Abril, que se liquida em 18,45€;
d) ser reconhecido que o A. exerceu actividade remunerada, no período de Janeiro de 1968 a 31 de Dezembro de 1970, ao serviço do COLÉGIO C……………., LDA. pertença da SOCIEDADE ESCOLAR VISEENSE C………….., LDA
e) ser reconhecido que foram entregues à Segurança Social, os descontos efectuados pela SOCIEDADE ESCOLAR VISEENSE C…………., LDA na retribuição do A., relativamente ao período de Janeiro de 1968 a 31 de Dezembro de 1970;
f) caso não se decida conforme peticionado em e) seja condenado o R. a autorizar o pagamento do pagamento de contribuições prescritas relativas ao período de Janeiro de 1968 a 31 de Dezembro de 1970, nos termos e para os efeitos do DL. 124/1984, de 18 de Abril, que se liquida em 61,2%”.
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1.5. Em 17 de Janeiro de 2014 (fls. 103V), nos autos referidos no ponto anterior, 1.4, foi proferida sentença na qual se decidiu “(…) porque o âmbito da jurisdição e a competência dos Tribunais administrativos é de ordem pública, e o seu conhecimento precede o de qualquer matéria, conhecendo assim da suscitada questão dilatória atinente à incompetência deste Tribunal, em razão da matéria, e atento o disposto nos artigos 576.º n.º 2 e 577.º alínea a), ambos do Código de Processo Civil, porque se trata de questão que obsta ao conhecimento do mérito da causa, absolvo o Réu da instância”.
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1.6. Desta sentença recorreu o autor que alegou e apresentou as conclusões de fls. 115/116 solicitando que deve conceder-se provimento ao recurso, ordenando-se a tramitação dos presentes Autos sob a jurisdição tributária ou, ao invés, decidir-se em definitivo, acerca do Tribunal materialmente competente para se pronunciar sob a pretensão constante do Petitório.
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1.7. O acórdão do TCAN, fls. 142, declarou-se incompetente, em razão da hierarquia e oficiosamente determinou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo pois que “não colocando o recorrente em causa o acerto da decisão recorrida, antes sendo seu apelo que seja resolvido o conflito instalado, este TCAN carece de competência” pois que, nos termos do art.º 29º do ETAF: «Compete ao Plenário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer dos conflitos de competência entre tribunais administrativos de círculo e tribunais tributários ou entre as Secções de Contencioso Administrativo e de Contencioso Tributário.».
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1.8. O MP, fls. 153, emitiu parecer no sentido de que é de resolver o conflito, deferindo-se a competência ao Tribunal tributário do Porto, nos termos do artigo 49.º n.º 1 al. c) do E.T.A.F., e mandar devolver os autos para que os mesmos aí prossigam pois que o tribunal administrativo do Porto declarou a sua incompetência e a competência do tribunal tributário por decisão que transitou em julgado e na presente ação foi também declarada a incompetência do tribunal tributário e a competência do tribunal administrativo) por decisão que transitou também em julgado.
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2.1. Em 21/1/2013 o autor intentou ação administrativa comum, que correu termos no Tribunal Administrativo do Porto sob o n.º 167/13.8BEPRT contra o Instituto de Segurança Social, com fundamentação e pedido igual ao que se encontra formulado nos presentes autos.
Este tribunal entendeu ser incompetente, em razão da matéria, e absolveu o Réu da instância.
Desta sentença não foi interposto recurso.
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2.2. Em 20 de Março de 2014, o A. intentou a presente ação no Tribunal Tributário do Porto com fundamentação e pedido igual ao que se encontra formulado na ação a que se refere o anterior ponto 2.1 que, igualmente, se julgou materialmente incompetente, por sentença proferida em 3 de Julho de 2014.
Não tendo sido interposto recurso foi este processo remetido ao Tribunal Administrativo do Porto que veio a absolver o ISS, I.P., da instância.
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2.3. Existe, contudo, na alínea f) dos pedidos daquela e desta ação (cfr. pontos 1.1. e 1.4 e p. 102 e 103V), reportando-se às contribuições devidas relativas ao período de janeiro de 1968 a 31 de dezembro de 1970, uma ligeira diferença de redação, sem relevância para a questão em apreciação.
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3.1. Estamos perante um conflito negativo de competência pois que quer o Tribunal Administrativo do Porto quer o Tribunal Tributário do Porto se declararam incompetentes em razão da matéria e cada um deles atribuiu a competência ao outro.
Qualquer das referidas decisões transitou em julgado uma vez que das mesmas não foi interposto recurso (artigo 109º 3 do Código de Processo Civil).
Nos termos do artigo 29º do ETAF compete ao Plenário deste STA conhecer dos conflitos de competência entre tribunais administrativos de círculo e tribunais tributários.
Há que atender ao pedido e à causa de pedir da ação onde foi excecionada a incompetência absoluta.
A competência em razão de matéria é distribuída por várias categorias de tribunais “que se situam no mesmo plano horizontal, sem nenhuma relação de hierarquia (de subordinação ou dependência) entre eles” (cf. Prof. Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, 2° cf, 207).
Por regra são competentes os tribunais judiciais da jurisdição comum, nos termos do artigo 64° do CPC que fixa a competência residual.
Aos tribunais administrativos e fiscais compete o julgamento dos litígios emergentes das relações administrativas e fiscais, nos termos do artigo 4° nº 1, alínea a) e o) do ETAF.
E em qualquer das ações estamos perante as mesmas partes, o mesmo pedido e a mesma causa de pedir.
A matéria de facto relevante para a solução do presente conflito encontra-se condensada nas alíneas a) a f), dos pontos 1.1. e 1.4, acima transcritas, do pedido formulado pelo autor.
Pretende o autor que lhe seja reconhecido que exerceu atividade remunerada, no período que indica, ao serviço de entidade que identifica e que lhe seja reconhecido que foram entregues à Segurança Social, os descontos efetuados na retribuição do autor referentemente ao período que igualmente identifica e que, caso não se decida conforme peticionado, seja condenado o réu a receber do autor as contribuições devidas, mas prescritas.
Interpretando o pedido do autor do mesmo resulta que este não pretende que o réu seja condenado a efetuar qualquer prestação com fundamento no contrato de trabalho que vinculou o autor e a respetiva entidade patronal.
Daí que se possa concluir que não reivindica o autor perante a sua entidade empregadora, qualquer direito emergente desse contrato.
Diversamente pretende que, com fundamento nas importâncias por ele recebidas ao abrigo desse contrato, o réu lhe reconheça que exerceu atividade remunerada, no período que indica, ao serviço de entidade que identifica e que lhe seja reconhecido que foram entregues à Segurança Social, os descontos efetuados na retribuição referentemente ao período que igualmente identifica e que, caso não se decida conforme peticionado, seja condenado o réu a receber do autor as contribuições devidas, mas prescritas.
Exige, assim, que a entidade patronal cumpra as suas obrigações perante a Segurança Social ou que seja esta condenada a receber do autor as contribuições devidas, mas prescritas.
Delimitada, nos termos referidos, a pretensão do recorrente, importa determinar se a competência para dirimir esse litígio pertence aos tribunais administrativos ou aos tribunais tributários.
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3.2. O STA nos acórdãos de 16-05-2012, Proc. 0212/12 e 19-10-2016, Proc. 0623/16, apreciou já questão semelhante à dos presentes autos.
Pretendia o autor naquele 1º acórdão que a Ré fosse obrigada a proceder à reconstituição da carreira contributiva do autor junto da Segurança Social, procedendo ao pagamento das contribuições que ele considera estarem em falta ou que condenasse a ré a pagar à Segurança Social as diferenças respeitantes às contribuições que considera serem as devidas com referência ao trabalho prestado no período em causa.
Pretendia o autor neste 2º acórdão que lhe fosse reconhecido a existência de contrato de trabalho entre ela e a demandada, a inexistência de pagamento de contribuições à segurança social naquele período e a condenação da entidade patronal a proceder ao respetivo pagamento junto da segurança social.
Entenderam os referidos acórdãos serem tais ações da competência dos tribunais tributários.
Acompanham estes acórdãos a jurisprudência uniforme deste Tribunal de Conflitos que identificam.
Por isso, de perto, seguiremos o caminho trilhado por aqueles acórdãos que acompanharam esta jurisprudência.
A jurisprudência, designadamente do Tribunal de Conflitos, tem vindo a considerar que os tribunais tributários são competentes para conhecer da ação intentada pelo trabalhador contra a entidade patronal, pedindo a condenação desta a proceder aos pagamentos contributivos considerados em falta.
É que (i) a relação jurídica contributiva onde se inscreve o litígio submetido ao julgamento do tribunal é distinta da relação de trabalho subjacente ou de qualquer relação conexa com a relação de trabalho e (ii) a entidade empregadora não está constituída perante o trabalhador em qualquer dever jurídico, sendo perante a Segurança Social que deve cumprir a sua obrigação contributiva.
Com efeito a Constituição da República (CRP) estabelece no seu artigo 211.º, n.º 1, o princípio da plenitude da jurisdição comum, estatuindo que os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens jurisdicionais. Aos tribunais administrativos e fiscais atribui a Lei Fundamental a competência para o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (cfr. art. 212.º, n.º 3).
No que concerne à competência dos tribunais administrativos e fiscais importa ter em atenção os preceitos aplicáveis do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro (Com as alterações da Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, da Lei n.º 107-D/2003, de 31 de Dezembro, da Lei n.º 1/2008, de 14 de Janeiro, da Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro, da Lei n.º 26/2008, de 27 de Junho, da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro e pelo Decreto-Lei n.º 166/2009, de 31 de Julho), que, dando concretização ao referido art. 212.º da CRP, dispõe, logo no n.º 1 do seu art. 1.º, que «[o]s tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais».
Também o artigo 4.º do ETAF, dispondo sobre o âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais estatui que lhes compete a apreciação de litígios que tenham por objeto a tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares diretamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal (n.º 1, alínea
a) e b)), ou que tenham por objeto “relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores (nº 1, alínea o).
Simultaneamente exclui do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, entre outras matérias, a «apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público» (n.º 4, alínea b)).
Mais especificamente, em relação à competência dos tribunais tributários, o art. 49.º do ETAF insere, no vasto elenco das matérias abrangidas, o conhecimento «[d]as ações destinadas a obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal» (n.º 1, alínea c)).
O que, em princípio, releva para a apreciação da competência em razão da matéria são os termos em que a ação é proposta, o modo como o autor estrutura o pedido e os respetivos fundamentos.
O pedido referido insere-se no âmbito da relação jurídica contributiva e visa assegurar o cumprimento, pela entidade empregadora, da respetiva obrigação contributiva, que as sucessivas Leis de Bases da Segurança Social têm vindo a estabelecer. Com efeito, quer a Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto (art. 24.º), quer a Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto (arts. 60.º e 62.º), quer a Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro (arts. 45.º e 47.º, n.º1), quer finalmente a Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro (arts. 56.º, n.º 1, e 59.º, n.º 1) impõem a obrigação de contribuição para os regimes de Segurança Social aos beneficiários e, no caso de exercício de atividade profissional subordinada, às respetivas entidades empregadoras, estabelecendo mesmo a responsabilidade destas pelo pagamento das quotizações dos trabalhadores ao seu serviço, pelo que devem, para o efeito, proceder, no momento do pagamento das remunerações, à retenção na fonte dos valores correspondentes, e fazer o respetivo pagamento juntamente com a contribuição própria.
A obrigação contributiva da entidade empregadora constitui-se – como também decorre dos diplomas citados – com o início do exercício da atividade profissional dos trabalhadores ao seu serviço.
Está, assim, delineada, nestes diplomas, uma relação jurídica bilateral, de natureza contributiva, que impõe à entidade empregadora a obrigação de efetuar uma prestação pecuniária (a contribuição), correspondendo a tal obrigação o direito da Segurança Social a essa prestação. Embora fundada na relação laboral, esta relação jurídica contributiva não se confunde com ela, e apenas incide sobre um dos sujeitos da relação laboral, a entidade empregadora, pois que, como vimos, é esta a responsável pelo pagamento, mesmo na parte respeitante ao trabalhador.
Como tem vindo a ser referido pela jurisprudência do Tribunal dos Conflitos, no âmbito desta relação jurídica contributiva a entidade empregadora não está constituída perante o trabalhador em qualquer dever jurídico; é perante as instituições de Segurança Social, que integram a chamada administração indireta do Estado, pois são entidades públicas, revestidas de autoridade pública, designadamente tendo poderes para intervenções coativas, que as entidades empregadoras têm de cumprir a sua obrigação contributiva.
Hoje, após uma longa discussão doutrinária sobre a natureza das contribuições para a Segurança Social, é inequívoco que estas constituem verdadeiros impostos.

Seja como for, se é certo que a relação jurídica contributiva se estabelece tendo como pressuposto a existência de um contrato de trabalho, verdade é também que ela não emerge de relação conexa com a relação de trabalho. Ela concretiza-se sob a forma de uma relação jurídica bilateral entre o empregador e o Estado, no âmbito da qual, a entidade empregadora se acha constituída face à Segurança Social numa obrigação a ser cumprida perante esta.
Sem prejuízo do que ficou dito, o trabalhador sempre terá o direito a que a sua entidade patronal cumpra com aquela obrigação perante a Segurança Social, pois desse cumprimento depende a possibilidade de ele poder vir a auferir da Segurança Social, e pelo montante correto, as prestações que a lei lhe reconheça.
Em face desse direito e da natureza indiscutivelmente tributária da relação jurídica em causa, a jurisprudência tem vindo a entender que é da competência dos tribunais tributários conhecer da ação intentada pelo trabalhador contra a entidade patronal, pedindo a condenação a proceder aos pagamentos contributivos considerados em falta.

Pelo mesmo motivo é igualmente da competência dos tribunais tributários conhecer da ação intentada pelo trabalhador contra o Instituto da Segurança Social, pedindo a sua condenação a reconhecer que o A. exerceu atividade remunerada, que foram entregues à Segurança Social, os descontos efetuados na retribuição do A. e que, caso assim não se decida, seja condenado o R. a receber do A. as contribuições devidas.
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Compete aos tribunais tributários conhecer da ação intentada pelo trabalhador contra a Segurança Social na qual pede que lhe seja reconhecido que exerceu atividade remunerada e que lhe seja reconhecido que foram entregues, à Segurança Social, os descontos efetuados na retribuição do autor e que, caso assim não se decida seja condenado o réu a receber do autor as contribuições devidas.
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4. Termos em que se acorda em julgar a jurisdição administrativa e fiscal, através dos tribunais tributários, competente para conhecer do pedido formulado.
Sem custas.

Lisboa, 28 de fevereiro de 2018. – António José Pimpão (relator) – José da Ascensão Nunes Lopes – Dulce Manuel da Conceição Neto – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Jorge Artur Madeira dos Santos – António Bento São Pedro – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.