Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:029/18
Data do Acordão:01/25/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PENA EXPULSIVA
Sumário:É de admitir a revista quando está em causa a aplicação de uma pena expulsiva visto esta determinar a imediata extinção do vínculo laboral e, consequentemente, a colocação do atingido numa situação de desemprego, a qual é particularmente gravosa por a sua relevância extravasar os limites do litígio já que se repercute em todo o conjunto de pessoas que se relacionam com o sancionado, maxime com os seus familiares mais directos.
Nº Convencional:JSTA000P22840
Nº do Documento:SA120180125029
Data de Entrada:01/16/2018
Recorrente:A..........
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

I RELATÓRIO

A……………. intentou, no TAF do Porto, contra o Sr. Ministro da Administração Interna, acção administrativa especial pedindo a nulidade, ou a anulabilidade, do seu despacho de 12/03/2013 que lhe aplicou a pena disciplinar de reforma compulsiva.

O TAF julgou a acção improcedente, absolvendo o Réu do pedido.
E o TCA Norte, para onde o Autor recorreu, negou provimento ao recurso.

É desse Acórdão que o Autor vem interpor esta revista (artigo 150.º/1 do CPTA).

II.MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III.O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2.O TAF julgou improcedente a presente acção – onde o Autor pedia a declaração de nulidade ou a anulabilidade do acto do Sr. Ministro da Administração Interna que o sancionou com a pena de reforma compulsiva – e o TCA, para onde aquele apelou, negou provimento ao recurso.
Com efeito, depois do TCA ter afastado a alegação de que a sentença era nula por falta de especificação dos seus fundamentos, de facto e de direito, pronunciou-se sobre o mérito do recurso nos termos que se seguem:
“Igualmente se entende que a decisão recorrida está suficientemente fundamentada, quando entendeu que o parecer emitido pelo Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina, sendo obrigatório, não tinha carácter vinculativo, tendo ainda assim, sido referenciado na decisão proferida.
Sublinha-se que, de facto, o ato objeto de impugnação não ignorou o Parecer do referido Conselho, como parece resultar do invocado no Recurso, tendo expressamente feito referência ao mesmo, ainda que divergindo do sentido da decisão maioritariamente adotado naquele órgão, o que é legítimo.
….
Entende ainda o Recorrente que a sentença recorrida padecerá do vício de falta de fundamentação em virtude de ter entendido como improcedente a violação dos princípios da proporcionalidade.
….
De facto, no que concerne à invocada desproporcionalidade da pena aplicada, diga-se o seguinte:
A questão aqui a analisar prende-se predominantemente com a necessidade de verificar se a pena efetivamente aplicada se mostrará desproporcionada relativamente à infração de que o então arguido vinha acusado.
…..
Em concreto, estamos em presença de um militar da GNR, de quem se espera que dê o exemplo e tenha uma conduta imaculada, importando verificar se a pena efetivamente aplicada se mostrará desproporcionada.
…..
A inviabilização da manutenção da relação funcional resultante do facto punível constitui o critério geral para a aplicação de pena expulsiva, designadamente a de Reforma Compulsiva.
….
Sublinha-se que, no âmbito do processo disciplinar não pode o juiz sindicar a medida da pena, alterando a mesma …….
Revertendo ao caso em apreciação, é de entender que terão sido, adequada e suficientemente ponderadas as circunstâncias concretas determinantes da concluída inviabilização da manutenção da relação funcional do militar da GNR.
É exigível que os comportamentos prevaricadores atinjam um grau de desvalor que quebre, definitiva e irreversivelmente, a confiança que deve existir entre o serviço e o militar, comprometendo a manutenção do vínculo funcional, atenta a concreta infração disciplinar e a gravidade objetiva dos factos.
Aqui chegados, não se reconhece que a pena aplicada se mostre desproporcional face à infração detetada e demais circunstancialismos em que a mesma foi praticada.
Por outro lado, embora no mesmo sentido, não deverá ser ignorado aquilo que já havia ficado dito no Acórdão deste mesmo TCAN, aquando da apreciação da correspondente Providência Cautelar (Proc.º n.º 1235/13BEPRT).
Aí se afirmou sintomaticamente que “(…) no caso concreto, temos para nós, como muito grave o comportamento do recorrente, que pôs em causa a dignidade das funções que lhe estão inerentes por força da profissão que exerce, de salvaguarda do interesse público e de “soldado da lei”, de quem se espera uma atuação de lisura e ética próprias das forças de segurança pública.
Com efeito, independentemente de questões de índole sexual, estarem ou não subjacentes ao facto do recorrente ter omitido os seus deveres funcionais, ao não ter elaborado expediente relativo a uma cidadã brasileira que se encontrava em situação de suposta irregularidade no território nacional (…) o facto é que, no caso concreto, o comportamento do recorrente é muito sancionável, quer a nível ético e moral, como o foi a nível criminal (tendo já sido julgado pelos factos praticados na pena de 9 meses de prisão, substituída por 270 dias de multa, por crime de prevaricação, pena esta mantida em recurso pelo Tribunal da Relação), sendo por isso propiciador de reflexos negativos para credibilidade, imagem e confiança que o cidadão normal deposita nas forças de segurança pública e para a própria instituição da GNR.
(…)
O Recorrente com este comportamento pôs em causa o prestigio da Instituição GNR, revelando um perfil psicológico inadequado ao desempenho das funções de agente de autoridade, de que se espera uma atitude de isenção e de cumprimento da lei, de forma igual para todos os cidadãos, sejam homens ou mulheres, sob pena de se assim não for, esta confiança no serviço público desaparecer pura e simplesmente, dando lugar a uma desconfiança da sociedade na atuação destas forças da autoridade (…)”

Afirma finalmente o Recorrente que, perante a entretanto entrada em vigor do novo Regulamento Disciplinar da GNR, que não contempla a pena disciplinar de reforma compulsiva, dever-se-ia aplicar a lei atual, supostamente mais favorável.
O “novo” RDGNR que entrou em vigor em 27.09.2014 (Lei n.º 66/2014 de 28/08), no âmbito das penas expulsivas, não contém efetivamente a pena aqui aplicada de reforma compulsiva.
De entre as penas expulsivas, que foi entendido aplicar ao militar aqui Recorrente, permanece apenas a pena de “separação de serviço”.
Há, em qualquer caso, uma questão aqui incontornável, e que se prende com o facto de quando a pena foi aplicada (12 de março de 2013), ainda não havia sido publicado o novo regime disciplinar, o qual veio a ser só aprovado pela Lei n.º 66/2014, de 28 de agosto, pelo que então e naturalmente não poderia ser aplicado.
Sendo que no âmbito do Direito Administrativo vigora o princípio “tempus regit actum”, não poderia retroativamente ser aplicado um regime supostamente mais favorável, até por não estar aqui em causa a medida da pena, em função de um tipo de crime, pelo que sempre se mostraria inaplicável o n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal, no que concerne à aplicabilidade do regime mais favorável.
Mesmo que se entendesse ser aqui aplicável a norma penal enunciada, a mesma não teria a virtualidade de alterar a pena aplicada em concreto.
Com efeito, e em bom rigor, para a infração praticada, a nova lei não prevê um regime mais favorável, mais antes um regime mais gravoso, pois que, como se disse já, em matéria de penas expulsivas, aplicáveis à infração aqui em causa, em que se entende estar inviabilizada a manutenção da relação funcional, apenas está prevista a pena de “separação do serviço” (art.º 33º), que consiste “(…) no afastamento definitivo da Guarda, com extinção do vínculo funcional à mesma e a perda da qualidade de militar, ficando interdito o uso de uniforme, distintivos e insígnias militares, sem prejuízo do direito à pensão de reforma.”
Assim, sendo o novo regime mais gravoso, será sempre de manter a pena aplicada ao abrigo do regime vigente à data da prática da infração e da correspondente condenação, por se mostrar ainda assim mais favorável.
Termos em que, em função de tudo quanto supra se expendeu, mostra-se dever improceder o Recurso interposto, em face do facto de se não reconhecer qualquer dos vícios invocados.

3.O Autor não se conforma com esse julgamento e, por isso, interpôs esta revista cuja admissão requer pela seguinte ordem de razões:
- A necessidade de se evitar a violação do princípio da proporcionalidade da pena disciplinar aplicada.
- Violação que decorre, desde logo, da fundamentação ser absolutamente insuficiente por dela não resultar qualquer premissa donde resulte, como conclusão lógica, a aplicação da pena de reforma compulsiva a qual só foi aplicada por o Recorrente ter sido condenado pelo crime de prevaricação. Condenação onde a instância criminal julgou não ser necessária a acumulação da sua sanção com a pena acessória de cessação de funções públicas.
- Por outro lado, serve a presente revista para neutralizar os efeitos do erro de julgamento em que incorre o Acórdão recorrido, consistente no afastamento, do Direito Disciplinar, do princípio da aplicação retroactiva da lei disciplinar mais favorável ao arguido. Com efeito, a lei mais favorável é a constante da Lei 145/99 e não a redacção actualmente em vigor resultante da Lei 66/2014, que suprime a pena de reforma compulsiva.

4. Esta Formação tem entendido que, em regra, a discussão sobre a aplicação de uma pena expulsiva justifica a admissão do recurso de revista por à mesma estar associado um particular impacto social. Sendo uma pena que determina a imediata extinção do vínculo laboral e, consequentemente, a colocação do atingido numa situação de desemprego tem sido entendido que se está perante uma situação particularmente gravosa cuja relevância extravasa os limites do litígio, uma vez que se repercute em todo o conjunto de pessoas que se relacionam com o sancionado, maxime com os seus familiares mais directos. O que, desde logo, aconselha a admissão da revista (vd., para além do citado, os Acórdãos de 24.02.2011, Proc. 0103/11 e de 10.07.1013, Proc. 01097/13).
Acresce que, no caso, se coloca a questão da aplicação da lei mais favorável o que, por vezes, suscita dificuldades jurídicas de complexa superação.

DECISÃO.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.
Lisboa, 25 de Janeiro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.