Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0585/12
Data do Acordão:09/05/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
GARANTIA BANCÁRIA
Sumário:I - Nos termos do nº 1 do art° 89° do CPPT, “Os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação graciosa ou impugnação judicial de qualquer ato tributário são obrigatoriamente aplicados na compensação das suas dívidas à mesma administração tributária, salvo se pender reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução da dívida exequenda ou esta esteja a ser paga em prestações, devendo a dívida exequenda mostrar-se garantida nos termos deste Código.
II - Estando pendente impugnação judicial e encontrando-se a dívida ali discutida garantida através de garantia bancária, a compensação efetuada pela Administração Tributária viola aquela norma, pelo que não pode manter-se.
Nº Convencional:JSTA00067759
Nº do Documento:SA2201209050585
Data de Entrada:05/25/2012
Recorrente:SE DOS ASSUNTOS FISCAIS
Recorrido 1:A......, SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF ALMADA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART89 N1 ART199 N10
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I. O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais veio recorrer da decisão do Mm° Juiz do TAF de Almada que julgou parcialmente procedente o pedido formulado pela exequente A………, SA, de restituição do montante de 1.117.236,93 euros, acrescido de juros indemnizatórios, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

A) - A Administração Tributária regularizou toda a situação peticionada pela então Exequente, pois compensou o crédito em causa com uma dívida de IRC referente ao mesmo exercício de 2002, em vez de ter procedido ao reembolso dessa quantia.

B)- A compensação foi feita com independência da garantia prestada com referência a 2002, até porque esta é sempre suscetível de ser reduzida, nos termos e condições previstos no n° 10 do art°. 199°do CPPT

Em face do exposto, deverá:
Anular-se a douta sentença recorrida e considerar-se que a compensação efetuada pela Administração Tributária foi legal e correta.

II. A Recorrida contra-alegou, apresentando alegações onde concluiu:

A)Está em causa nos presentes autos a decisão do Tribunal a quo que considerou “parcialmente procedente [o] pedido formulado pela exequente [a aqui Recorrida] de restituição do montante de € 1.117.236,93, bem como o pagamento de juros indemnizatórios nos termos do art. 43.° da Lei Geral Tributária”.

B) Crédito este que decorre da circunstância de a Administração Fiscal não ter cumprido, de forma integral, a sentença proferida no processo de Impugnação Judicial n° 151/2003 que reconheceu à Recorrida o direito ao benefício fiscal à internacionalização.

C)Determinou aquela sentença a “correção da autoliquidação ao exercício de 2002 no sentido de ser deduzido o montante de € 997.595,79 referente ao benefício fiscal a que a impugnante tem direito”.

D)Pelo que, por imperativo judicial ficou a Recorrente obrigada, por um lado, a corrigir a liquidação de IRC relativa ao referido exercício - o que foi efetuado;

E)Mas também a restituir à Recorrente o montante pago em excesso num total de € 1.117.236,93, acrescido dos juros legalmente previstos. - o que não cumpriu.

F)A Administração Fiscal, porém, não só não procedeu ao reembolso da quantia a que estava obrigada por força da mencionada decisão judicial, como veio a efetuar, relativamente à Recorrida, um ato de compensação de uma dívida de IRC, cuja legalidade estava a ser discutida e que se encontrava garantida através de garantia bancária.

G)A douta sentença a quo determinou que a Administração Fiscal restituísse à aqui Recorrida o referido montante.

H)A Administração Tributária não se conforma, contudo, com tal decisão por entender que regularizou toda a situação pela Recorrida através de um ato de compensação.

I)Todavia, este ato, para além de ser desconforme à sentença referida, é manifestamente ilegal por violação do disposto nos artigos 89.° do CPPT, pelo que não se pode manter na ordem jurídica, conforme foi aliás lapidarmente decidido pelo Tribunal a quo.
J) Donde, a decisão do Tribunal a quo é, a todos os títulos, de aplaudir, não merecendo qualquer reparo e não tendo violado ou interpretado incorretamente qualquer norma jurídica.

Termos em que, em face da fundamentação exposta e porque a douta sentença bem decidiu, deve a mesma ser mantida e negado provimento ao presente recurso apresentado pela fazenda pública, assim fazendo Vª. Exas. a costumada justiça.

III. O M°P° emitiu o parecer que consta de fls. 349/352 e 373 v°, no qual se pronunciou pela improcedência do recurso.


IV. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

V. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:
1ª)-Em 30/09/2003 deu entrada no extinto Tribunal Tributário de 1ª Instância de Setúbal em nome de A………, SA., uma petição de impugnação judicial referente à autoliquidação de IRC de 2002 e nos termos da qual era pedido “deve ser declarado nulo ou anulado o ato de autoliquidação referente ao exercício de 2002 no respeitante ao montante de benefícios fiscais deduzidos à coleta e ao IRC liquidado, dado que o montante a que a impugnante tem direito a título de benefícios fiscais é de € 999.518,00, pelo que o montante a liquidar deverá ser de € 17.288.497,41” (cfr. fls. 1/23 do processo de impugnação judicial n° 151/2003 em apenso).

2°)-Por sentença proferida em 25/01/2008 deste tribunal foi julgada procedente a impugnação judicial n° 151/2003 e sido consequentemente determinada “a correção da autoliquidação do exercício de 2002 no sentido de ser deduzido o montante de € 997.595,79 referente ao beneficio fiscal a que a impugnante tem direito” (cfr. fls. 446 dos autos de impugnação n° 151/2003 em apenso).

3°)-Com data de 05/06/2008 a A……… SA dirigiu ao Diretor Distrital de Finanças de Setúbal uma exposição na qual defende a forma de execução das sentenças proferidas nos processos n°s 129/2002, 151/2003 e 617/05.7BEALM (como consta de fls. 21/25).

4°)-Com data de 05/06/2008 a A……… SA dirigiu ao Diretor Distrital de Finanças de Setúbal um requerimento de execução de julgado pedindo a imediata e plena reconstituição da legalidade, executando as sentenças proferidas bem como pedindo a atribuição de juros indemnizatórios e juros de mora (como consta de fls. 27/32).

5°)-Em 16/06/2008 foi efetuada a liquidação de IRC do exercício de 2002 com o n° 2008 8310033771 encontrando-se corrigida a linha referente aos benefícios fiscais de € 0,00 para € 997.595,79 e sido apurados juros compensatórios no montante de € 851.297,32 (cfr. fls. 77).

6°)-Em 24/06/2008 foi efetuada a liquidação de IRC do exercício de 2002 com o n° 2008 8310034541 encontrando-se corrigida a linha referente aos benefícios fiscais de € 997.595,79 para € 1.759.810,68 e sido apurados juros compensatórios no montante de € 762.671,56 (como consta da nota de demonstração da liquidação de fls. 34).

7°)-E em 18/06/2008 foi emitida a demonstração de acerto de contas (compensação) de que resultou o saldo de € 0,00 (fls. 81).

8°)-Na referida demonstração consta a “regularização de doc. anterior nota 2006 00000798120” no montante de € 1.117.236,93 (cfr. fls. 81).

9°)-Em 13/11/2006 deu entrada neste Tribunal a petição de impugnação judicial apresentada por A………, SA, e em relação à liquidação de IRC e juros compensatórios n° 2006 8310036457 do exercício de 2002 e no montante de € 9.289.439,08 tendo dado origem ao processo n° 1017/06.7BEALM (cfr. certidão de fls. 120/271).

10°)-Em 03/09/2006 foi instaurado o processo de execução fiscal n° 3530200601055127 no montante de € 9.289.439,08 ao qual está associada a garantia n° 135 de 2006 (cfr. fls. 93 e 40/42).

11°)-A entidade requerida deve à autora o montante de € 96.179,96 a título de juros compensatórios e moratórios, sendo € 45.129,52 de juros compensatórios e € 51.050,44 de juros moratórios (facto confessado na alínea C) de fls. 101).

VI. A única questão a conhecer no presente recurso é a de saber se, determinada pelo tribunal a restituição de 1.117.236,93 euros à recorrida, em sede de execução de julgado, podia a Administração Tributária compensar esse valor com dívida da mesma recorrida a ser discutida em impugnação judicial garantida por meio de garantia bancária.

Conforme resulta das conclusões das suas alegações, o recorrente entende que regularizou toda a situação peticionada pela então Exequente, pois compensou o crédito em causa com uma dívida de IRC referente ao mesmo exercício de 2002, em vez de ter procedido ao reembolso dessa quantia.

A recorrida, por sua vez, entende que a Administração Tributária não cumpriu a decisão proferida no processo de impugnação judicial já que esta determinou a correção da autoliquidação do exercício de 2002 no sentido de ser deduzido o montante de 997.595,79 euros, pelo que a AT estava obrigada a corrigir a nova liquidação de IRC — o que foi feito — e a restituir à recorrida o montante pago em excesso, o que não foi feito.

O M°P, por sua vez, entende que foi violado o disposto no art° 89°, n° 1 do CPPT, uma vez que, relativamente à dívida de IRC de 2002, foi deduzida impugnação judicial registada sob o n° 1017/o6.7BEALM no TAF de Almada, encontrando-se tal dívida garantida. Deste modo, não podia a Administração Tributária efetuar, por sua iniciativa, a compensação dos créditos, como efetuou.

Vejamos então.

VI.1. Resulta dos autos que por sentença proferida em 25/01/2008 foi julgada procedente a impugnação judicial n° 151/2003 tendo sido determinada “a correção da autoliquidação do exercício de 2002 no sentido de ser deduzido o montante de € 997.595,79 referente ao beneficio fiscal a que a impugnante tem direito” (facto 2° do probatório).

Mais resulta do probatório que em 16/06/2008 foi efetuada a liquidação de IRC do exercício de 2002 com o n° 2008 8310033771 encontrando-se corrigida a linha referente aos benefícios fiscais de € 0,00 para € 997.595,79 e foram apurados juros compensatórios no montante de € 851.297,32 e que em 24/06/2008 foi efetuada a liquidação de IRC do exercício de 2002 com o n° 2008 8310034541 encontrando-se corrigida a linha referente aos benefícios fiscais de € 997.595,79 para € 1.759.810,68 e sido apurados juros compensatórios no montante de € 762.671,56 (como consta da nota de demonstração da liquidação de fls. 34).

Em 18/06/2008 foi emitida a demonstração de acerto de contas (compensação) de que resultou o saldo de € 0,00 (fls. 81), constando na referida demonstração a “regularização de doc. anterior nota 2006 00000798120” no montante de € 1.117.236,93 (cfr. fls. 81)- (factos provados 5°a 8°).

Finalmente resulta ainda dos autos que em 13/11/2006 deu entrada no Tribunal a petição de impugnação judicial apresentada por A………, SA, e em relação à liquidação de IRC e juros compensatórios n° 2006 8310036457 do exercício de 2002 e no montante de € 9.289.439,08 tendo dado origem ao processo n° 1017/06.7BEALM (cfr. certidão de fls. 120/271) e que em 03/09/2006 foi instaurado o processo de execução fiscal n° 3530200601055127 no montante de € 9.289.439,08 ao qual está associada a garantia n° 135 de 2006 (cfr. fls. 93 e 40/42).- (factos 9° e 10°)
Temos então que, na data em que foi efetuada a compensação por iniciativa da Administração Tributária, estava a decorrer a impugnação judicial relativa à dívida que se pretendeu compensar, encontrando-se esta garantida (garantia prestada em 11.10.2006 — fls. 42).

VI.2. O art° 89°, n° 1 do CPPT, em vigor à data dos factos, estipulava o seguinte:
“1. Os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação graciosa ou impugnação judicial de qualquer ato tributário são obrigatoriamente aplicados na compensação das suas dívidas à mesma administração tributária, salvo se pender reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução da dívida exequenda ou esta esteja a ser paga em prestações, devendo a dívida exequenda mostrar-se garantida nos termos deste Código”.

Ora, conforme provado nos autos e acima referido, na data em que foi efetuada a compensação estava pendente impugnação judicial discutindo a legalidade da dívida compensada, sendo ainda certo que esta se encontrava garantida por garantia bancária.

Sendo assim, estava vedada à Administração Tributária a possibilidade de compensação que efetuou.

Refere o recorrente (conclusão da alínea B)) que a compensação foi feita com independência da garantia prestada com referência a 2002, até porque esta é sempre suscetível de ser reduzida, nos termos e condições previstos no n° 10 do art°. 199°do CPPT.

Com o devido respeito, não compreendemos o alcance desta alegação, já que da parte final do n° 1 do art° 89° transcrito, resulta com toda a clareza que não pode ter lugar compensação quando pender reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução da dívida exequenda e a dívida exequenda se mostrar-se garantida nos termos do Código.

Pelo que ficou dito, a compensação em causa nos autos viola o disposto no art° 89°, n° 1 citado, pelo que não pode manter-se.

VII. Nestes termos e pelo exposto nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 5 de Setembro de 2012. - Valente Torrão (relator) – Ascensão Lopes – Pedro Delgado.